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FELICIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS CONCEPÇÕES DANTESCAS E VINCIANAS.

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Academic year: 2021

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FELICIDADE: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS CONCEPÇÕES

DANTESCAS E VINCIANAS.

doi: 10.4025/XIIjeam2013.oliveira.oliveira34 OLIVEIRA, Viviane1 OLIVEIRA, Terezinha2 Introdução

Este texto tem como objetivo analisar o conceito de felicidade nas obras Convívio escrita por Dante Alighieri (1265-1321) e nos proêmios escritos por Leonardo Da Vinci (1452-1519): por natureza, os homens bons desejam o saber e Acerca da experiência. Ambos os pensadores direcionam tal conceito à virtude intelectual do homem, ou seja, ao conhecimento. Porém, apesar das semelhantes atribuições, o conhecimento é visto de forma distinta entre esses intelectuais, refletindo as mudanças no contexto histórico da Baixa Idade Média. A partir dessa reflexão é possível compreender as transformações que ocorreram no conhecimento medieval e, concomitantemente, nas virtudes humanas deste período. O recorte temporal corresponde aos séculos XIII-XVI, limitando-se geograficamente a Península Itálica. A metodologia do trabalho é de cunho bibliográfica e, no âmbito da fundamentação teórica, nos basearemos na História Social.

Em um primeiro momento analisaremos os contextos histórico-culturais de Dante Alighieri e Leonardo Da Vinci. Apontaremos as possíveis aproximações e distinções entre esses dois perfis, objetivando refletir acerca das principais transformações que ocorrem na Baixa Idade Média. Após essa análise, pensaremos a respeito das obras: Convívio, escritos por Dante Alighieri e os proêmios de Leonardo Da Vinci, nos restringindo a análise da felicidade em ambos.

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Dante Alighieri

Dante Alighieri é considerado um dos maiores representantes do pensamento político-filosófico da Baixa Idade Média. Segundo Orlandi (1972), o poeta nasceu em Florença, em maio de 1265, de família com pretensões de nobreza. Antes de ser reconhecido por suas obras literárias, Dante se destacou na política de Florença, tendo seu contanto mais relevante quando participou do conselho especial do Povo e foi membro do Conselho dos Cem (Conselho da Comuna de Florença).

O envolvimento político de Dante acarretou-lhe vários problemas. Segundo Orlandi (1972), ao tomar partido pelos Guelfos Brancos, que apoiavam a tese de divisão do poder papal e real, foi exilado de Florença em 1302. O exílio de Dante pode ser considerado um ‘divisor de águas’ na vida do florentino. Se antes do exílio ele fora reconhecido por sua atuação política, posteriormente sua produção literária obteve o destaque, tendo produzido grandes obras, como a monumental Divina Comédia. Franco Jr (2000) compara o exílio de Dante com a vivência de Sócrates em Atenas para demonstrar a relevância de tal acontecimento:

Da mesma forma que Sócrates tivesse vivido fora de Atenas seu pensamento teria tido provavelmente rumos diferentes. Dante sem o exílio talvez permanecesse apenas no Purgatório político. Das suas cidade-estado os dois retiraram, filtrados pelo seu gênio e pelo seu amor por elas, todo o material para sua filosofia e sua poesia. (FRANCO JR, 2000 p. 33).

O contexto político de Florença fora conturbado ao longo dos séculos XIII e XIV, a divisão do poder em dois grandes partidos, gibelinos e guelfos, no qual buscavam proteger seus interesses, fez do processo de laicização do poder florentino um campo de conflitos entre os nobres e o povo. Segundo Orlandi (1972), os membros das famílias nobres foram excluídos dos cargos públicos e a participação política passou a ser condicionada à inscrição em uma corporação, organizada pela ascendente burguesia (corporações de comerciantes e artesãos). Assim, em 1293, para poder exercer qualquer atividade política em Florença, era obrigatório pertencer a uma das vinte e uma Arti. Deste modo, segundo Franco Jr. (2000), Dante filiou-se à Corporação dos Boticários para participar da vida ativa da cidade.

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A formação intelectual de Dante pode ser considerada autônoma, segundo Franco Jr. (2000). Apesar de não concluir nenhuma academia, o poeta foi influenciado pelas ordens mendicantes de Florença, tornando-se um conhecedor do método escolástico, procedimento indispensável no ensino da universidade medieval e fundamental para a escrita de tratados políticos.

O contexto histórico de Dante Alighieri é cercado pelas mudanças na Europa Ocidental medieval, no qual o feudalismo principiava a entrar em declínio e a ascensão urbana era marcante, como aponta Franco Jr. (1986). Foi entre os séculos XII e o XIII que surgiram intensas atividades econômicas e intelectuais, um aumento demográfico acelerado, uma marcante expansão territorial e um grande deslocamento de pessoas e do trabalho, do mundo rural para urbano. Le Goff (2007) considera o século XIII como o apogeu do Ocidente medieval, pois para ele é quando ocorre a ‘urbanização’, trazendo consigo várias transformações sociais, econômicas e culturais, inclusive na educação da época, com a criação de escolas urbanas.

A urbanização é uma das questões norteadoras dessas transformações ao longo do século XIII. De acordo com Franco Jr. (1986), ela se manifestou por três fenômenos: maior produção, progresso no setor urbano e acentuada monetarização. Ainda de acordo com o autor, foram os pequenos excessos na agricultura que permitiram o surgimento da matéria prima para a produção artesanal com a qual o comércio se constitui e intensificou. Essas características são relevantes porque influenciaram as transformações no conhecimento medieval, como afirma Le Goff (2003):

Um homem cujo ofício é escrever ou ensinar, e de preferência as duas coisas a um só tempo, um homem que, profissionalmente, tem uma atividade de professor e de erudito, em resumo, um intelectual – esse homem só aparecerá com as cidades (LE GOFF, 2003, p.23).

A proposta dantesca ao escrever Convívio, teria como intento fornecer respostas à dissolução de mundo que Dante Alghieri presenciara em seu tempo. Sentimento aflorado, principalmente, devido ao exílio que sofrera. Como um erudito, o poeta passa expor em seus escritos a sua indignação em relação àqueles que se julgavam nobres por possuírem apenas títulos, posses e uma projeção social maior do que realmente possuíam. O Convívio surge nesse momento. Dante utiliza dos conhecimentos clássicos, como os princípios aristotélicos para traçar a perfeição de nobreza por meio do saber, ou seja, a partir da

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leitura do Convívio é possível analisar que para Dante o conhecimento seria a virtude capaz de ordenar o mundo e é essa ordem terrena que Dante caracteriza como uma vida feliz:

O fundamento radical da majestade imperial, de acordo com a verdade é a necessidade de civilização humana que é ordenada para um fim, ou seja, a vida feliz; A esta ninguém consegue chegar por si mesmo, sem o auxílio de alguém, uma vez que o homem tem necessidade de muitas coisas, às quais um só não pode satisfazer. (DANTE, 2004 p. 145).

Nesse Tratado, percebe-se uma busca por adequação entre o predomínio social e a moralidade humana. Para o poeta Florentino, a existência da moralidade está diretamente relacionada a erudição. Assim, Dante propõe uma alternativa para o modelo político, construindo novos princípios de autoridade.

Leonardo Da Vinci

Segundo Capra (2008), Leonardo Da Vinci nasceu em 1452 na cidade de Anchiano, uma parte de Vinci, próximo a Florença. Filho ilegítimo de Dom Piero, um tabelião ambicioso que procurou casar-se com uma burguesa florentina, visando promover sua carreira. Aos doze anos, seu avô morre e Da Vinci vai viver com seu pai em Florença, onde começou a trabalhar na oficina de Andrea del Verrochio.

Essa oficina, diferentemente dos estúdios de pintores dos séculos subsequentes, produziam, além da pintura e escultura, uma grande variedade de objetos. Da Vinci passou doze anos nesse ambiente criativo. Segundo Capra (2008), nessa oficina o pintor não foi apresentado apenas a uma variedade de habilidades artísticas e técnicas, mas também a diversas ideias, adquiridas pelo entrosamento entre artistas que o ambiente proporcionava. A oficina do século XV proporcionou uma síntese única de arte, técnica e ciência e influenciou diretamente as obras de Leonardo Da Vinci, como aponta Capra:

Para o próprio desenvolvimento artístico e intelectual de Leonardo, os anos passados na oficina de Verrochio foram decisivos. Sua maneira de trabalhar e toda sua abordagem da arte e da ciência foram moldados de modo significativo por essa longa vivencia no ambiente cultural dessa oficina. (CAPRA, 2008 p. 93).

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Florença, em 1460, não tinha mais do que 150 mil habitantes. Mas em poderio material e cultural era considerada no mesmo patamar das grandes capitais da Europa. Os florentinos se orgulhavam da sua importância, sua liberdade e seu governo republicano. Distante dos conflitos entre as facções políticas que perduraram os séculos XIII e XIV. Foram os ares de Florença que influenciaram a vida de Da Vinci. Segundo Distante:

Se levarmos em conta, pois, quem em Florença, quando Leonardo por aí chegou, havia duas grandes linhas culturais que floresciam, uma do tipo platônico-humanístico e a outra, técnico-artesanal, estará explicado como a cidade, sob comando de Lourenço, o Magnífico, esteve apta a conhecer uma verdadeira e singular idade de ouro cultural. (DISTANTE, 1997 p. 11)

Da Vinci mudou-se, constantemente, ao longo de sua vida, por interesses particulares e por razões de guerra e conflitos políticos, como a conspiração dos Pazzi em Florença. Sua trajetória foi de Florença, Milão, Roma, Veneza e Amboise na França, onde morreu em 1519.

As obras de Leonardo Da Vinci se diferenciam de Dante Alinghieri, principalmente, por não se tratarem de tratados. São notas, pensamentos, fábulas e cartas que por muitas vezes não seguem uma lógica ou abordam apenas um assunto. Porém é um erro separar nele a atividade de cientista-técnico do artista. E quando pensamos artistas incluímos a arte de escrever. Como já ressaltado, Leonardo Da Vinci escreve sobre diversos assuntos, mas o que ressalta em sua obra, são suas considerações acerca do conhecimento à natureza. Para ele, o prazer intelectual é um desejo natural da humanidade, como afirma em seu Proêmio: por natureza, os homens bons desejam o saber. É esse prazer que, segundo Da Vinci, é fonte infinita da felicidade humana, é uma virtude:

Sei que muitos dirão que isso é um trabalho inútil, e estes serão aqueles dos quais Demétrio disse que não havia diferença entre o vento que sua boca produzia as palavras e o que lhes saía pela parte inferior; homens que somente desejam as riquezas materiais, o prazer, e são privados por completo de sabedoria, que é o alimento e a riqueza verdadeira da alma, porque quanto mais a alma é mais digna que o corpo, tanto mais serão as riquezas da alma que as do corpo. E frequentemente, quando vejo algum deles com tal obras nas mãos, fico em dúvida se vão levá-las ao nariz, como fazem os macacos, ou me perguntar se é de comer. (DA VINCI, 1997 p. 175)

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Porém, como podemos analisar a partir deste Proêmio, para Leonardo Da Vinci o conhecimento não se define a erudição proposta por Dante Alighieri. Essa virtude é o saber filosófico natural, a busca pela compreensão da Natureza. No pensamento 99 (1997 p. 59), ele define a sabedoria como “[...] o bem supremo da alma, isto é, do homem sábio e não há nada que se compare a ela”.

É relevante ressaltar que a sabedoria para Leonardo Da Vinci implica na união da teoria e da experiência, como aponta no Proêmio acerca da experiência (1997 p.173): “Ainda que, como eles, não soubesse apoiar-me nos autores, recorreria a algo muito mais importante e mais digno, isto é, à experiência, mestra dos mestres deles[...].” Portanto o conhecimento buscado por Leonardo Da Vinci é de compreensão ao mundo em que vive. A ignorância ou mesmo a sabedoria apenas teórica é, por ele, vista como a fatalidade da alma, a infelicidade.

Conclusão

Ambos os pensadores acrescentam que a felicidade humana é pertinente à sabedoria. Porém Dante Alighieri condiciona sua existência a partir da organização do mundo, sendo necessário haver um monarca erudito e predestinado, divinamente, que o direcione ao caminho da paz. Evidentemente isso é reflexo do período conturbado em que Dante vive, onde Florença é marcada por constates guerras.

O olhar de Leonardo Da Vinci ao conhecimento é distinto do de Dante Alighieri. Para ele, o compreender a natureza tanto físico quanto moral, é o que realmente fazia um homem sábio. Sua busca pela pelo entendimento da natureza era seu ponto norteador, tanto humano quanto artista. Visivelmente suas definições criticam os necromantes e alquimistas do seu período, mas acima de tudo, os pseudos intelectuais.

Indiscutivelmente há forte influência da filosofia platônica no século XV, mas não se deve desconsiderar o caráter genial do artista. É por essa razão que Leonardo Da Vinci é considerado por tantos como o ponto norteador do Renascimento. Assim como Dante Alighieri um dos principais pensadores da Baixa Idade Média. Desse modo, esses dois autores, em tempos distantes, perceberam que o conhecimento é a chave para a eterna busca humana: a felicidade.

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REFERENCIAS:

ALIGHIERI, Dante. Convívio. Milano: Bur, 2004.

BLOCH, Marc Leopold Benjamin. O ofício de historiador. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2001.

CAPRA, Fritjof. A Ciência de Leonardo Da Vinci. Tradução de Bruno Costa. São Paulo: Cultrix, 2008

DA VINCI, Leonardo / DISTANTE, Carmelo (prefaciador e organizador.). Leonardo Da Vinci – Obras literárias, filosóficas e morais. São Paulo: Hucitec, 1997.

JUNIOR, Hilário Franco. Dante Alighieri: o poeta do absoluto. São Paulo: Plínio Martins Filho, 2000.

JUNIOR, Hilário Franco. O Feudalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986.

LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Tradução Marcos de Castro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

KANTOROWICZ, Ernst H. Os Dois Corpos do Rei: um Estudo sobre Teologia Política Medieval. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. ORLANDI, Eni. Gigantes da literatura universal: Dante Alighieri. Lisboa: Verbo, 1972. VOEGELIN, Eric. Dante. History of political ideas III: The Latter Middle Ages.

Referências

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