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TEATRO, POLITICA E EDUCAÇÃO: A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN) (1945/1968).

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EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN) (1945/1968).

Ricardo G. Müller, Ufsc I. INTRODUÇÃO

Em outubro de 1994 o Teatro Experimental do Negro (TEN) completou 50 anos de sua fundação e, em maio de 1995, a estréia de sua primeira montagem original, O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, também comemorou 50 anos. Entretanto, essas datas não estão presentes na memória intelectual e artística do país. Poucas pessoas devem saber que Abdias do Nascimento foi um de seus principais fundadores e que, entre outros, Ruth de Souza, Léa Garcia e Haroldo Costa (hoje importantes atrizes e atores de teatro e televisão) começaram suas carreiras no TEN.

O TEN foi uma experiência muito rica e ambiciosa. Sua atuação se baseou no desenvolvimento simultâneo de diferentes níveis de atividades. Nesse artigo optamos pelo estudo de alguns aspectos do nível político do TEN, responsável pela organização de cursos, pesquisas, seminários, conferências e congressos. Destacamos, dessa estratégia, seu caráter pedagógico, que articula o conjunto das atividades do TEN e objetiva seu projeto político e ideológico. Como exemplo, analisamos alguns discursos e manifestos produzidos durante a

Convenção Nacional do Negro, promovida em São Paulo, em 1945.

Procuramos avaliar o significado da experiência do TEN em sua particularidade, mantendo como referência o projeto do TEN em seu conjunto e o contexto de outros movimentos negros com propostas totalizadoras semelhantes. Isto é, experiências que também definiam a relação entre teatro, política e educação como sua principal estratégia. Essa estratégia deveria permitir a esses movimentos resgatar suas raízes, romper e superar os limites históricos, políticos e culturais postos por essas mesmas raízes. Ao mesmo tempo, deveria abrir novas formas de organização e novos caminhos de resistência para esses movimentos, no sentido de uma progressiva reelaboração da identidade negra e de construção de sua cidadania.

Refazendo-se o percurso do TEN, desenha-se um universo ideológico e simbólico lançado como alternativa à situação existencial, política e social do negro no Brasil. Nesse sentido, as formulações do TEN, heróicas e inovadoras, traduzem ainda, em suas contradições, o efeito dominador das ideologias racistas no país.

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Fundado por Abdias do Nascimento, Aguinaldo Camargo, Teodorico dos Santos, José Herbel e Tibério em outubro de 1944, o TEN irá viver um período especialmente significativo da história do país. Marcado pelo fim do chamado Estado Novo (1937-1945), esse momento se caracteriza por um impulso renovador e democratizante, ainda que breve e frágil, e por muitas experiências artísticas e intelectuais, hoje referências fundamentais na história da cultura brasileira. E, certamente, o TEN merece um lugar de destaque nessa história.

Beneficiando-se desse processo de liberalização, o TEN tentará elevar a presença negra à condição de cultura legítima e afirmar o negro brasileiro como autor, ator, produtor e pensador. Ao mesmo tempo, sentirá os limites dessa “liberalização” e viverá as contradições de seu próprio projeto.

Esses limites revelam, sobretudo, o caráter excludente dos ensaios democráticos do país: ambigüidade da tolerância combinada à marginalização seletiva e, principalmente, o dramático efeito de erigir os valores dominantes em parâmetro obrigatório para qualquer movimento cultural. É o que demonstraram alguns testemunhos sobre o TEN. Seus elogios ou defesas se baseiam em valores que justamente tendem a negar ou desconhecer aspectos fundamentais da cultura negra.

Triste armadilha, que leva um movimento pioneiro como o TEN a buscar o seu reconhecimento pelos “brancos”, pelas classes dominantes. Ao mesmo tempo, sobretudo em sua atividade teatral, não se aproximou efetivamente do “público negro” que, em última análise, deveria sustentar suas propostas. Tais contradições provêm da incorporação ao projeto do TEN dos valores hegemônicos postos pelas relações sociais do período. Projeto que justamente pretendia negar, e destruir, a exclusão dos negros no conjunto dessas relações.

II. OS EIXOS DE ATUAÇÃO DO TEN

Como já afirmamos, o TEN foi fundado em 1944. Sua criação se deve, sobretudo, a Abdias do Nascimento, seu principal dirigente, ideólogo e porta-voz até 1968. Em fins desse ano, enquanto um projeto historicamente definido, a experiência do TEN se interrompe, coincidindo com o auto-exílio de Abdias nos Estados Unidos. A proposta do TEN era mais vasta que o simples incentivo a um “teatro negro brasileiro”: o teatro seria o meio principal de

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sensibilizar o público, tanto negro quanto branco, para os problemas sociais, políticos e existenciais que marcavam, e ainda marcam, a população negra do país.

A atuação do TEN se desenvolveu a partir de três níveis básicos, ou estratégias: 1. teatral e artístico; 2. organização e estudos; 3. iniciativas políticas e programáticas.

O primeiro nível tinha como pressuposto a compreensão de que o caminho mais

pedagógico de difundir uma nova sensibilidade, de onde se forjasse a nova consciência negra

(revoltada), seria o da arte. Segundo esse ponto de vista, os negros aceitariam mais facilmente expressões que “falassem” mais de perto à emoção do que expressões mais verbais e intelectuais, “mais próximas” à razão.

No entanto, no fundo dessa avaliação ainda reside a idéia de que o negro, por sua história e cultura, seria mais receptivo ao lúdico, ao coreográfico, ao dramático: uma reiteração de uma natureza corporal, pré-verbal, primitizante e espontânea do negro. Esse entendimento se reporta a estratégias semelhantes de outras instituições, embora com objetivos diferentes – como algumas práticas da Igreja.

Voltando à questão central, é preciso salientar que o mais importante para a análise é a feição artística adotada pelo TEN. Essa feição foi mantida nos padrões retóricos do drama tradicional, com o uso do palco italiano e uma ênfase no diálogo, como usual no chamado “teatro clássico”. Dadas as dificuldades de transposição, para esse modelo de teatro, dos recursos próprios à coreografia dita africana, esses recursos são encontrados em poucas peças, somente em aspectos ambientais ou “alusões”.

Não obstante, o TEN manteve uma estreita e intensa colaboração com representantes da

modernidade teatral e de outras formas artísticas em desenvolvimento no Brasil a partir de 1944.

O TEN foi o primeiro grupo teatral a traduzir e a encenar Eugene O’Neill no país, e o único a homenageá-lo, após sua morte em 1954, com o ‘Festival O’Neill’. Ricardo Werneck de Aguiar colaborou na tradução de O Imperador Jones, a peça de estréia, enquanto Enrico Bianco (importante pintor brasileiro) foi o autor dos cenários e da iluminação.

Lúcio Cardoso escreveu uma peça especialmente para o TEN, O Filho Pródigo. Montada em 1947, foi o maior sucesso comercial do TEN. Hoje, no entanto, O Filho Pródigo é renegada por Abdias do Nascimento, que, após uma releitura da peça, identificou em seu conteúdo um ‘viés racista’.

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Outros importantes exemplos dessa colaboração: Willy Keller dirigiu algumas peças; Santa Rosa e Sörensen compuseram cenários ou figurinos de várias outras e Bruno Giorgi esculpiu as estatuetas de premiação dos concursos promovidos pelo TEN, “Rainha das Mulatas” e “Bonequinha de Pixe”, entre 1947 e 1949. Vale lembrar ainda que o TEN atuou também ao lado do ‘Teatro do Estudante’, orientado por Pascoal Carlos Magno, do ‘Teatro Popular’, de Solano Trindade, ‘Os Comediantes’, e de outros importantes grupos teatrais entre 1944 e 1957.

O nível de atividades do TEN de ‘iniciativas políticas e programáticas’ era responsável pela publicação do jornal Quilombo, entre 1948 e 1950, e pela promoção de eventos para se discutir o problema da “questão negra” no Brasil. Foram realizados, entre outros, os seguintes encontros: a Convenção Nacional do Negro, 1945; a Conferência Nacional do Negro, 1949; o I

Congresso do Negro Brasileiro, 1950 e a Semana de Estudos sobre Relações de Raça, 1955.

Nesses encontros a preocupação principal era a de fugir ao caráter de um acontecimento “científico”, na tradição de eventos anteriores (como os Congressos Afro-Brasileiros de Recife, 1934 e o da Bahia, 1937), onde o negro comparecia como mero objeto de estudo, “falado”, e não “falante”. Ao mesmo tempo, os congressos organizados pelo TEN procuraram valorizar os estudos negros em uma nova perspectiva, na linha de formação de uma elite intelectual e de uma crítica às teorias raciais formuladas pelas Ciências Sociais até aquela época. Nesse sentido, o TEN contou com a colaboração de intelectuais e cientistas sociais em diferentes momentos de suas iniciativas, como Guerreiro Ramos, Maria Yeda Leite, Joaquim Ribeiro, Edson Carneiro, Artur Ramos, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Luiz Costa Pinto e Roger Bastide.

Seja a partir desses congressos, seja pelas iniciativas dos diversos setores e departamentos criados, o TEN busca influenciar as ‘autoridades’ e a consciência pública. Através de denúncias, propostas, projetos, apoio a personalidades e lideranças procura-se obter, ou fortalecer, medidas favoráveis aos negros no Brasil.

Assim, para além das atividades teatrais e dos congressos, deve-se destacar, em especial, duas iniciativas do TEN. Em primeiro lugar, antes mesmo de estabelecidas as bases para seu teatro, foi promovido o ‘Curso de Alfabetização e Iniciação Cultural’. O curso foi dirigido por Ironides Rodrigues, de outubro de 1944 a meados de 1946. Era ministrado em uma sala na antiga sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), na Praia do Flamengo, Rio de Janeiro. O curso não era exclusivo para negros, e seu público era composto principalmente de empregadas domésticas. Entretanto, por divergências políticas, a direção da UNE, em 1946, expulsou de sua sede o grupo do TEN, impedindo, portanto, a continuidade do curso. Infelizmente, pouca

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documentação foi encontrada a respeito: somente uma ‘chamada’ em um jornal divulgando o curso, com uma foto, e os depoimentos dos entrevistados pela pesquisa.

A outra iniciativa que deve ser destacada foi a ação exercida junto à Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Como resultado das decisões da Convenção Nacional do Negro, o TEN elaborou um projeto de lei pioneiro propondo a criminalização do preconceito racial no país para ser encaminhado para a Constituinte de 1946. O projeto, entretanto, não foi aprovado “por falta de evidências (da prática do preconceito racial)”. Como lembraram Abdias do Nascimento e Raymundo Sousa Dantas em suas entrevistas, essa iniciativa, curiosamente, contou com a simpatia do Partido Comunista ao projeto, mas não com o seu voto – o PC votou contra a proposta “por questões de estratégia daquela conjuntura” (1946).

O sentido pedagógico destaca-se, portanto, como eixo fundamental do projeto do TEN: transformar a “mentalidade” do povo negro, despertando-lhe a consciência de seu valor próprio e de sua cultura particular; inculcar-lhe uma dignidade perdida, reabilitá-lo antes de mais nada ante si mesmo. E, ao mesmo tempo, para os brancos, enfatizar sua responsabilidade na produção e reprodução do chamado “problema do negro no Brasil”, convocá-los a partilhar do esforço de mudança dos padrões de relacionamento interétnico e de superação da ideologia racista cristalizada entre eles.

A idéia de revolta, inspirada em Sartre, Camus ou nos representantes do movimento da

negritude (expoentes então da nova intelectualidade dos países africanos em seu processo de

descolonização), adquire no movimento do TEN um significado próprio, um caráter pedagógico. Na medida em que é pensado e traduzido pelo TEN para um contexto muito particular, como o do Brasil daquele período (de 1944 a 1955, para os objetivos desse artigo), o sentido de

revolta não pode ser entendido como uma proposta concreta de ruptura dos laços de

dependência, tal como se define para alguns movimentos de descolonização e de libertação africanos, sobretudo se associado à idéia de negritude. Contraditoriamente, porém, toda a ênfase incide em um esforço de inserção de mulheres e homens negros em uma sociedade que lhes era apresentada como sendo sua também, com o objetivo de torná-los beneficiários plenos e equalizados de um patrimônio de que eles (mulheres e homens negros), afinal, são um de seus principais criadores.

Margeia-se assim a questão da integração, discurso próprio das correntes dominantes, que tangencia o problema do racismo e busca superá-lo pela diluição dos conflitos. Evitar a

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interpretação integracionista, no entanto, é também um objetivo do TEN. Daí porque seu projeto estar marcado por um percurso difícil e sinuoso: não ambiciona uma efetiva ruptura, nem uma equivocada integração.

O pedagógico aparece, portanto, como a alternativa mais viável para o projeto do TEN. Sua insistência, quase heróica, em expor, ressaltar e positivar os valores negros junto a negros e brancos, deveria obter progressivamente a quebra dos preconceitos, o reconhecimento da

cidadania negra e uma equalização sem marcas de subordinação.1

II.1 Intelectuais negros e elite negra

O ideário defendido pelo TEN encontra diferentes respostas na conjuntura política e intelectual da época. De um lado, segmentos que, acreditando-se ameaçados, reagem e identificam nessa mobilização o perigo de um racismo negro, contrário à “índole tradicional de nossa democracia racial”. Segmentos para os quais falar em racismo seria inventar o que não existe, conforme o editorial de O Globo, “Racismo no Brasil” (3 de Abril de 1950, 1ª. página). De outro, os que simpatizam com o projeto, com o “esforço dos desgraçados”, e compreendem o sentido de valorização social contido nas medidas propostas pelo TEN, na perspectiva de se reconhecer um “lugar” para os negros nessa mesma ‘sociedade branca’. Finalmente, os que apóiam o movimento do TEN em uma sintonia maior com seus líderes. Este último grupo parece compreender um dos propósitos decisivos do TEN: a organização de um grupo de intelectuais negros, a criação de uma elite negra que, ao mesmo tempo, fale ativamente pelos negros brasileiros, os represente e os eduque para assumirem sua própria identidade.

A negritude representaria, nesse contexto, a produção de uma consciência negra que se espraie e alcance os negros. E esta elite, o núcleo consciente e originário, articulador de uma obra mais ampla. A situação de intermediária política atribuída a esta “elite negra” faz com que uma das preocupações principais do TEN seja o reconhecimento desta elite por parte de setores que de alguma forma detêm o poder da “consciência nacional”. Torna-se necessário legitimar os “intelectuais negros” e provar serem tão capazes quanto os brancos. Por esta razão, de acordo

1 Como afirmou Guerreiro Ramos: “Uma das maiores preocupações dos dirigentes do Teatro Experimental do Negro é a de por em prática processos indiretos de transformação em massa de atitudes. O TEN é um empreendimento de caráter pedagógico que tem por objetivo contribuir para que se desfaçam as tensões ainda discerníveis nas relações de raça no Brasil. Nesse sentido, são numerosas as iniciativas do TEN, todas realizadas com meios pobres, mas coroadas de êxito”, in Forma, Rio, março de 1956.

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com a acepção gramsciana, não podemos entender esses novos intelectuais negros como

orgânicos ao movimento negro que então se engendrava.

Nesse ponto encontra-se um dos principais problemas do TEN e de outros movimentos propostos ‘em nome dos dominados’: o pressuposto da vanguarda, portadora de consciência e dotada dos meios exclusivos para desencadear a “redenção”.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo sobre o TEN procuramos destacar, sobretudo, as contradições de seu projeto em nível político e ideológico. Daí seu tom predominantemente crítico, sombreando o arrojo, o esforço e a coragem que marcaram sua implantação e sua vida, bem como o que o TEN representou enquanto possibilidade de união dos negros no país e de momento de denúncia. Sem falar, evidentemente, de sua prática concreta de teatro, onde inúmeras vocações artísticas afloraram (Ruth de Souza, Léa Garcia, Haroldo Costa, Claudiano Filho, Marina Gonçalves, por exemplo) e outras que, por sua morte prematura, não puderam prosseguir, como a de Aguinaldo Camargo.

Na perspectiva conceitual e política da consciência possível, as críticas apresentadas não

colocam uma cômoda cobrança retroativa, exigindo percepções difíceis no período estudado.2

Seria injusto, além de metodologicamente equivocado. Não obstante, ao se resgatar a memória do TEN e detectar os percalços e as contradições de seu projeto, busca-se, em alguma medida, trazer informações que possam ser úteis aos movimentos negros contemporâneos.

Assim, a maior ambigüidade do movimento foi partir da constatação de uma suposta desqualificação do homem de cor - enquanto expropriado, vilipendiado e silenciado pela

2 Nesse sentido, são ilustrativos os seguintes depoimentos de Abdias do Nascimento: “(...) À época do I Congresso do Negro Brasileiro, os ativistas da causa negra, entre os quais me incluo, mantiveram um comportamento demasiado conciliador para com a posição dos brancos liberais. Tal espírito apaziguador decorria da consciência democrática de se permitir a livre manifestação de idéias. Entretanto, acho que as concessões ultrapassaram o limite do tolerável.” (Nascimento, 1982: 09-10), (e) “(...) Devo, porém, fazer uma autocrítica: a perspectiva da “integração” que me orientou, mal ou bem, desde a década de trinta, significava uma direção que conduzia ao afastamento do povo. O Teatro Experimental do Negro, por exemplo, chegou a fazer alguns espetáculos nos subúrbios, uma vez num terreiro de “macumba”. Foi a coisa mais gostosa, aquela reação imediata e viva, o público entendendo tudo, participando integralmente do espetáculo. Mas isso foi exceção. No geral, nos dirigíamos ao público tradicional de teatro, que, claro, é branco e de elite. Foi um erro insistir tanto em projetos para o meio intelectual. Havia o equívoco de querer “se civilizar”, a expectativa de ser “compreendido” pelas elites do país. A “integração” significava um esforço para que a cultura negra fosse reconhecida pela sociedade brasileira, e são as elites (brancas) que controlam os mecanismos de reconhecimento e de prestígio. Então circulávamos num meio que não era o nosso, sempre aquela ambigüidade, pedindo apoio, buscando patrocinadores, usando a linguagem e os contatos de gente que não só explora o negro economicamente, como ignora e despreza a sua cultura.” (Cavalcanti e Ramos (org.), 1978: 43).

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opressão - e, em contrapartida, propor a criação de uma consciência restauradora de sua verdade. Essa verdade, por sua vez, repousaria em um dado prévio: a naturalidade basicamente original do negro, portador de uma substância própria, anterior à escravidão, que cumpriria resgatar.

Essa premissa cristaliza as fontes da força do movimento em uma natureza essencial e

a-histórica. Por esse dispositivo, essa força torna-se desconhecida e oculta ao próprio sujeito, de

quem demanda-se uma consciência clarividente para alcançá-la e estimulá-la e, por fim, conduzir o movimento. A natureza negra - a negritude - seria, assim, um constructo de consciência que, embora natural, foi perdida e precisaria de mestres que a recuperassem.

Nessa estratégia reside o sentido elitista apontado. A idéia dos ‘Pioneiros’, a elite negra capaz de educar o negro, confirma, de imediato, a desqualificação que, justamente, deveria ser combatida.

Dessa forma, o sentido pedagógico corta suas próprias raízes. Não é na prática concreta dos negros do país que essa elite vai alimentar sua consciência, mas em um pensamento por ela elaborado e proposto em substituição à “cegueira”. Isto porque o negro, enquanto ser concreto, é visto por esse “Grupo de Pioneiros” tão somente como vítima do preconceito, potencial portador de uma identidade cultural ou como ignorante do patrimônio “inconsciente” que traria no “sangue”.

A ideologia que se articula a partir desse esquema é, necessariamente, maniqueísta, e impõe, como imperativo de salvação, a fidelidade à natureza substancial. Em outras palavras, a pedagogia da elite deverá educar os negros a serem fiéis à negritude e, ao mesmo tempo, cobrar essa fidelidade. Cobrança, por sua vez, apoiada em uma consciência elaborada pela própria elite, segundo parâmetros de identidade apreendidos em uma leitura ilustrada de uma história que seus prováveis seguidores e discípulos ignorariam.

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Desse modo, mais uma vez, reaparece a idéia da desqualificação do ‘ser negro’ enquanto ser social. Nesse sentido, a elite tende a assumir uma direção autoritária, para poder exercer plenamente sua pedagogia e um dos aspectos do papel que assumiu, alimentar a esperança dos negros “injustiçados” e, ao mesmo tempo, ser fiadora de sua passividade. Assim, essa elite é a intermediária do projeto de recriação da Nação, fragmentada sem a igualitária participação dos negros. A mesma Nação, contudo, que em sua estruturação, cria a exclusão.

CAVALCANTI, Pedro Celso Uchoa e RAMOS, Jovelino (org.) (1978). Memórias do Exílio:

Brasil, 1964/19?? (Vol. 1, De Muitos Caminhos). S. Paulo: Livramento.

MÜLLER, Ricardo G. (org.) (1988). DIONYSOS (Edição especial sobre o Teatro Experimental do Negro), n. 28. Brasília/MinC e Rio de Janeiro/Fundacen.

NASCIMENTO, Abdias (introd. e org.) (1982). O Negro Revoltado. 2a. ed., Rio: Nova

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