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GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI SOBRE A SUBJETIVIDADE

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Academic year: 2021

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GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI SOBRE A SUBJETIVIDADE

Maria dos Remédios de Brito

ESCRITURA II

Quando eu atravessava os Rios impassíveis, Senti-me libertar dos meus rebocadores. (Arthur Rimbaud.) Para Deleuze e Guattari, a subjetividade é uma trama que não está dada, mas que está em composição contínua com diferentes arranjos, sendo assim, ela não está na ordem do “identificado”, como uma espécie de moldura formatada e fixada que leva à padronização do indivíduo a ser conhecido e reconhecido, pois “a subjetividade não é passível de totalização ou centralidade no indivíduo” (GUATTARI, F; ROLNIK, S, 1996, p. 31). Dessa forma, sem dúvida, é possível dizer que não há algo invariante na subjetividade para ser preenchido independentemente das variações e ocorrências do mundo histórico, econômico, cultural e social. Assim, ela não é um “tesouro”, também não pode ser vista como algo “secreto” que faz parte do interior do indivíduo, nem está intacta, inata, nem está lá somente para ser desvelada ou descoberta. Portanto, não há nenhum “eu” que sendo pensante detenha o critério de tudo o que seja verdade, certeza, que leva a transformar o “eu” em subjectum, em um fundamento de toda a representação, que seja a unidade, o centro, o limite fundador, como sugere o pensamento moderno.

Contra esse privilégio de uma lógica da identidade, Deleuze e Guattari trazem à tona as noções de “totalidade”, “unidade”, “fundamento”, pois para eles esses conceitos são traços predominantes da filosofia metafísica e representacional e, assim, fazem um elogio ao devir, ao transitório, à multiplicidade, ao diverso, à diferença, como elementos capazes de mostrar outro sentido para a compreensão da vida. Por isso, Guattari, em sua obra Caosmose, afirma que a subjetividade é polifônica, é plural, pois não há nenhuma instância estruturante e dominante que a determine segundo uma causalidade unívoca (GUATTARI, F. 1992, p. 11). A subjetividade interage, sofre também variações, produz sentidos, contra-sentidos, opera modos coletivos e heterogênenos, pois...

(...) na heterogeneidade dos componentes que concorrem para a produção de subjetividade, já que encontramos aí: componentes semiológicos que se manifestam através da família, da educação, do meio ambiente, da religião, da arte, do esporte; elementos fabricados pela indústria das mídias, do cinema, etc; dimensões semiológicos assignificantes colocando em jogo máquinas informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independentemente, pelo fato de produzirem e veicularem significações e denotações que escapam então às axiomáticas propriamente lingüísticas. (GUATTARI, F. 1992, p.14)

A subjetividade está sendo configurada por vários componentes que não permitem mais um entendimento simplista e estruturalista de suas dimensões e composições, ela vai sendo composta por variantes diversas que chegam mesmo até a escapar dos axiomas da linguagem. Por exemplo, na era atual, com o advento tecnológico avançado, que força

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a considerar uma tendência à homogeneização, à universalização, e assim há uma espécie de reducionismo da subjetividade, há também uma tensão que leva a se pensar na heterogeneidade, já que é possível outras interações, conexões com culturas, linguagens, formas de vida, signos, como esclarece Guattari. Assim, é preciso considerar essas tensões que são reais em uma sociedade que tende à globalização a partir das tecnologias avançadas e da própria expansão do capitalismo e de seus meios de produção. Tudo isso concorre para a produção dos componentes de subjetividade. Todas essas modificações obrigam o homem a manter-se alerta sobre aquilo que o governa e o controla, o que exige de todos um maior envolvimento com tudo aquilo que rodeia o homem e que o produz. Subjetividade polifônica, pois tudo funciona paralelamente ou independentemente, ela está sendo produzida o tempo todo. Não há substancialidade e nem essencialidade, mas produção, fabricação, modulação. A subjetividade está em circulação em diferentes campos sociais.

Guattari também alerta para o caráter trans-subjetivo da subjetividade, pois ele entende a “subjetividade em estado nascente que não cessaremos de encontrar no sonho, no delírio, na exaltação criadora....” (GUATTARI, F. 1992, p. 16), ou seja, ela está sempre em fluxos, sempre interagindo, conectando-se, transversalizando sentidos, mesmo quando não se tem controle sobre ela. Então, a unidade que tanto se quis nunca existiu. Para esse autor, seria empobrecedor se a subjetividade fosse vista apenas por partes separadas, por dualidades, por unidades, ou por estados de consciência ou inconsciente, como se alguém pudesse saber o que se é. Guattari alerta para aquilo que escapa, que vaza na constituição da subjetividade. Guattari e Deleuze sugerem que a “subjetividade” não escapa da invenção, ela sempre está nesse processo. Quando se entende a ideia de subjetividade fora da essência, da unificação, da centralidade, tudo que resta é estabelecer força, um movimento que possibilite a si e ao mundo se verem em movimento. Assim, a subjetividade não pode ser vista pela lógica estruturante, condicionante, ao contrário, para Deleuze e Guattari a subjetividade está em deslocamentos, pois não existe um a priori que estabelece um ser essencial, ou algo que não varia, que sempre se conserva e que só precisa ser descoberto. Não há unificação, não há centro, mas sempre trocas, movimentos, diferenças. Mas parece que o ritual da moralidade insiste em buscar um centro onde não existe nenhum centro. Logo, “Indivíduo-grupo-máquina-trocas múltiplas, que oferecem à pessoa possibilidades diversificadas de recompor uma corporeidade existencial, de sair de seus impasses repetitivos e, de alguma forma, de se re-singularizar” (GUATTARI, F. 1992, p.17). Dessa forma...

... se operam transplantes de transferência que não procedem a partir de dimensões “já existentes” da subjetividade, cristalizadas em complexos estruturais, mas que procedem de uma criação (...). Criam-se novas modalidades de subjetivação do mesmo modo que um artista plástico cria novas formas a partir da palheta de que dispõe. (GUATTARI, F. 1992, p.17)

Guattari alerta também para a ideia de plasticidade da subjetividade, do seu descentramento em relação à individualidade. Há composições mais heterogêneas possíveis que insistem em romper e fissurar com as concepções deterministas de

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subjetividade unificada. Ele sugere a subjetividade inventiva, desafiadora de si mesma, que se autoproduz em uma constituição, que não cessa de percorrer caminhos e também deixá-los, que exige modos de vidas plásticos, modificantes, sendo assim, não existe mais individualidade, nem pessoalidade, mas uma impessoalidade e um profundo exercício de singularização4 e ressingularização, pois não se está mais diante de uma subjetividade dada em si mesma, conformista e subordinada a um eu fixo. A subjetividade não cessa de criar novas modalidades de subjetivação. Deleuze e Guattari convidam para um profundo exercício de coragem e enfrentamento do que seja viver e existir, bem como uma vida que seja atravessada por experimentos diversos na imanência da vida. Viver é criar, é expandir, é afirmar, é exercício plástico. Então, a vida deve ser vista como uma espécie de teatro em que se aprende efetivamente o caráter criacionista da produção da subjetividade. Nesse teatro multifacetado e criador, o corpo constrói para si outros modos de existências. Esse corpo não tem receio de devorar e de exercitar a devoração, ele não se permite mais ser organizado nas estruturas encaixotantes e fixadoras, ele transversaliza outros corpos, outros sentidos. Há encontros e movimentos com o outro, com a alteridade. Por isso, Guattari afirma que a subjetividade é...

o conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como um território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva. (GUATTARI, F. 1992, p. 19) Não há dúvida que a subjetividade exige um povoamento que não cessa de percorrer as grandes potências, as conjugalidades, as matilhas, que instaura alianças, que atravessa e promove viagens, que muda, transforma e faz linhas de fuga que levam à implicação de novas formas de expressões. Portanto, a subjetividade pensada por Deleuze e Guattari não está submetida a idealizações, a essencialidades. Para ambos, a subjetividade é uma composição, é um trabalho de criação. Ela cria, inventa, fabrica outros modos de vida a partir de seus processos de singularidade. Essa perspectiva rompe com toda a máquina de dominação da norma, da regra, para afirmar novas formas de afetos, de perceptos. É por isso que Deleuze e Guattari criaram novas expressões, nova linguagem, tais como a do rizoma, dos territórios, das desterritorialidades, do ritornelo, do espaço liso, das linhas molares, da dobra, do acontecimento, da imanência, tudo como maneira de ir de encontro ao tipo de linguagem da identidade e da semelhança. Deleuze enfrenta a ideia do sujeito unificado, essencializado e universal, quando mostra um território de criação de pensamento que está povoado por intensidades incorporais ao modo dos estóicos, acontecimentos, imanência, movimentos, deslocamentos, conduzidos não mais por um sujeito, mas por sujeitos larvares, pois para Deleuze...

Não se pode mais continuar apegado à oposição entre um universal puro e particularidades encerradas em pessoas, indivíduos ou Eus. Não se pode continuar apegado a essa distinção, mesmo, e principalmente, quando se tenta conciliar os dois termos, completá-los entre si. O que se está descobrindo, atualmente, parece-me, é um mundo muito profuso, feito de individuações impessoais, ou mesmo de singularidades pré-individuais (DELEUZE, G. 2006, p. 178)

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A subjetividade não pode ser vista por limites, por unificações e nem por centros, o que efetivamente facilitaria a dominação, o controle, pois as forças repressivas sempre tiveram a necessidade de nomear, atribuir eus classificados, indivíduos determinados, modelados, registrados, sobre os quais pudessem exercer a sua dominação. Assim, para Deleuze, quando se torna um pouco líquido, movente, quando se deixa de furtar as caracterizações do eu unificante, o controle é mais difícil. Deleuze deseja vazar, perfurar o que parece sólido e unificante, por isso ele usa a ideia de individuações impessoais, singularidades pré-individuais, não mais o sujeito. Assim, as singularidades impessoais não são identidades e nem interioridade, essas singularidades são perfuradas e se fazem pela exterioridade, pelo fora e pelas intensificações criadoras. Os acontecimentos do incorporal fazem transbordar o que passa em si mesmo, mesmo quando opera por velocidades diminuídas. É por isso que Deleuze não fala de sujeito, pois...

(...) A vida do indivíduo é substituída por uma vida impessoal, embora singular, que produz um puro acontecimento livre dos acidentes da vida interior e exterior, ou seja, da subjetividade e da objetividade do que acontece. (...). É uma hecceidade, que não é mais de individuação, mas sim de singularização: vida de pura imanência, neutra, além do bem e do mal, já que só o sujeito que o encarnava no meio das coisas a tornava boa ou má. A vida de tal individualidade se apaga em benefício da vida singular imanente a um homem que não tem mais nome, embora não se confunda com nenhum outro. Essência, singular, uma vida... (DELEUZE, G. 1995, p. 02)

Se não existe sujeito, indivíduo, pessoa, não existe uma unidade e nem uma universalidade edificante, tudo comporta uma subjetividade que se movimenta em sua subjetivação, em sua singularização, a sua possível interioridade é o exercício do fora que vai dobrando sobre si mesmo, para além da moralidade imposta. Sendo assim, a subjetividade não se submete ao controle quando não se deixa fixar em um território, quando não se permite à segmentarização. Deleuze entende que é necessário perder-se, pois a vida não tem nada de pessoal. Como diz...

Perde o rosto. Torna-te capaz de amar sem recordação, sem fantasma e sem interpretação, sem recapitular. Que haja apenas fluxos, que ora enfraquecem, se congelam ou transbordam, ora se conjugam; um homem e uma mulher são fluxos. Todos os devires que há em fazer amor, todos os sexos, os n sexos, num só ou em dois, e que não têm nada a ver com a castração. Sobre as linhas de fuga, só pode haver uma coisa, a experimentação-vida (...) “Eu, eis como sou”, tudo isso acabou. Já não há fantasma, mas apenas programas de vida que se modificam à medida que se fazem, traídos à medida que se aprofundam, como margens que se desdobram em canais que se distribuem para que corra um fluxo (...) (DELEUZE, G. 2004, p. 63)

A subjetividade é uma exploração, programas que margeiam canais para se distribuírem, experimentarem, criando linhas de fuga, que consiste em não fugir da vida, ou se acovardar de existir, mas, ao contrário, criar linhas de fuga é exatamente produzir novos mundos possíveis. Então, Deleuze e Guattari nos propõem o mais forte exercício de sair do buraco da subjetividade identitária, do buraco negro do eu, daquilo que tende a

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aprisionar, substancializar, sair do muro que fixa, que impõe a regra, que identifica e que quadricula, embora ele reconheça que a nossa sociedade não cessa de querer produzir o rosto, fixar a imagem, de querer assegurar a rostificação, o muro do significante, o quadro Deleuze e Guattari entendem que “o rosto escava o buraco de que a subjetivação necessita para atravessar, constitui o buraco negro da subjetividade como consciência ou paixão, câmara, o terceiro olho” (1996, p. 32). Mas, a questão agora é buscar se desfazer do rosto, se desfazer do nome, sendo ela o grande desafio proposto por Deleuze e Guattari, pois....

(...) se o homem tem um destino, esse será mais o de escapar ao rosto, desfazer o rosto e as rostificações, tornar-se imperceptível, tornar-se clandestino (...) Sim, o rosto tem um grande porvir, com a condição de ser destruído, desfeito (...) Ora, o rosto possui um correlato de uma grande importância, a paisagem, que não é somente um meio mas um mundo desterritorializado. (DELEUZE, G; GUATTARI, F.1996, p.35, 36, 38)

É por isso que esses autores promovem novas imagens de pensamento e de criação. Deleuze e Guattari provocam aqueles que os leem a fazer novos experimentos de si e não do eu (...).

Extraído de

DIALOGANDO COM GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI SOBRE A IDEIA DE SUBJETIVIDADE

DESTERRITORIALIZADA. -

http://www.alegrar.com.br/revista09/pdf/dialogando_com_gilles_maria_brito_alegrar9.pdf

Referências Bibliográficas

DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

___________. A Imanência: uma vida. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Disponível em http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/31079.

DELEUZE, G. ; GUATTARI, F. Mil Platôs. Capitalismo e esquizofrenia. V. 3. Trad. Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia Claúdia Leão e Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Ed 34, 1996.

GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Claúdia Leão. São Paulo: Ed. 34, 1992.

GUATTARI, F. ; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografia do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.

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