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PERMANÊNCIAS E ABANDONO DA LÍNGUA UCRANIANA EM PRUDENTÓPOLIS- PR ( )

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⃰ UFPR, Doutorando em História, apoio CAPES.

PR (1950-2013)

LOURENÇO RESENDE DA COSTA⃰

Resumo: O objetivo nesse texto é demonstrar, a partir de algumas entrevistas, a importância atribuída à língua ucraniana no município de Prudentópolis-Pr, as dificuldades em torno de sua preservação e alguns fatores essenciais para que, ainda hoje, a língua não tenha sido abandonada. A religião e a família aparecem como as grandes responsáveis pela sua manutenção. No caso dos descendentes de ucranianos no Brasil a língua está intimamente ligada à religião, uma vez que eles professam o catolicismo de rito oriental e os textos sagrados estão escritos com o alfabeto cirílico e as celebrações são realizadas em ucraniano. A partir das entrevistas será possível tecer algumas considerações acerca do papel dessas instituições e também da escola no trabalho de manutenção da cultura e das tradições dos ucranianos, sendo a língua parte fundamental nesse processo. As pessoas entrevistadas residem em uma comunidade da zona rural, Linha Ligação, que fica localizada na região Norte de Prudentópolis a aproximadamente 60 quilômetros da área urbana.

No texto o objetivo é discutir algumas questões a respeito da importância da língua ucraniana para os descendentes dos imigrantes ucranianos em Prudentópolis – PR, bem como as dificuldades em torno da sua manutenção. Dentro do recorte espacial fazemos uma delimitação, uma vez que as quatro pessoas entrevistadas residem na comunidade de Linha Ligação1 localizada a cerca de 60 quilômetros da área urbana2, ainda que o quadro possa ser ampliado para todo o município. A região norte, onde está situada a referida comunidade, limita-se com os municípios de Turvo e Cândido de Abreu.

No final do século XIX a antiga vila de São João de Capanema começou a receber seus primeiros imigrantes ucranianos. Entre 1896 e março de 1897, de acordo com Guérios (2007: 117), cerca de 5200 ucranianos chegaram a recém criada colônia de Prudentópolis3.

1 Na comunidade localiza-se o Colégio Estadual Imaculada Conceição. Esse colégio é o único do Estado do Paraná em que a língua ucraniana faz parte da grade curricular.

2 Desses 60 quilômetros, mais de 40 são de estrada de terra sem pavimentação. Região de relevo acidentado, no período de chuvas as estradas ficam quase intransitáveis.

3 A colônia foi criada, de acordo com Guérios (2007), em 1985. A vila de São João de Capanema depois de se emancipar de Guarapuava-PR em 1906 passou a ser denominada de Prudentópolis.

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LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE PRUDENTÓPOLIS E MUNICÍPIOS LIMÍTROFES EM RELAÇÃO À CAPITAL CURITIBA

FONTE: http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_fisica/Divisao_politica_2010.pdf. Acesso em 24-07-2013. Adaptado por Costa (2013: 45).

Os imigrantes que chegaram ao município dedicaram-se, sobretudo, à agricultura de subsistência. De acordo com Hauresko (2015: 14): “O grupo de imigrantes, ali estabelecidos, era majoritariamente formado por pessoas que trabalhavam na agricultura (...). Esse grupo foi responsável pela formação de núcleos coesos”.

Na criação e distribuição dos lotes da colônia, os cerca de 1700 terrenos variaram entre 10 e 25 hectares (HAURESKO, 2015: 14). Ainda hoje, podemos afirmar que o que predomina é a pequena propriedade. O último censo, de 2010, apontou que a população rural

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de Prudentópolis ainda era maior que a população urbana. A tendência, a partir da análise dos números apresentados na tabela, é que a população urbana já tenha ultrapassado a população rural. No entanto, não dispomos de um censo mais recente que confirme ou não essa hipótese. Mas, um dado ainda é perceptível: a pequena propriedade continua sendo importante.

POPULAÇÃO RURAL E URBANA DE PRUDENTÓPOLIS4

Ano População Urbana População rural População total

1940 2.076 (9%) 20.694 (91%) 22.760 (100%)

1982 8.472 (21,5%) 30.970 (78,5%) 30.970 (100%)

2000 18.276 (39,5%) 28.070 (60,5%) 46.436 (100%)

2010 22.463 (46,1%) 26.329 (53,9%) 48.792 (100%)

Fonte: Adaptado (GUÉRIOS, 2007: 233) e (COSTA, 2013: 55)

O grande número de imigrantes favoreceu a preservação da língua. A organização em núcleos na zona rural também ajudou na sua manutenção, pois conforme salientado por Ramos (2012) a endogamia foi significativa entre os imigrantes e seus descendentes. Mas, mesmo gozando da vantagem numérica eles sofreram, assim como outros grupos imigrantes, a pressão do governo Vargas para que abandonassem o ucraniano em favor da língua portuguesa.

Conforme ressaltou Guérios:

Contrariamente ao ocorrido na década de 1920, quando as leis assimilatórias não foram levadas às últimas conseqüências e tiveram pouco efeito no cotidiano das colônias, ao longo do Estado Novo a fiscalização foi intensa e o campo de intervenções ampliou-se especialmente no que diz respeito à regulamentação das

4 As informações referentes ao censo de 2010 não constam na Tese de Guérios. Elas foram obtidas em: IBGE:

Paraná Prudentópolis Censo Demográfico 2010: Sinopse. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/temas.php?codmun=412060&idtema=1&search=parana|prudentopolis|ce nso-demografico-2010:-sinopse- . Acesso em: 09-07-2013.

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práticas religiosas, fundamentais para os colonos ucranianos. A vida cotidiana dos moradores de Prudentópolis sofreu então várias interferências. A desobediência civil passou a ser a regra na cidade (GUÉRIOS, 2007: 218).

As freiras ucranianas tiveram importante papel durante o Estado Novo para que a língua não fosse abandonada. De acordo com Zawadzki no início da década de 1940, na Linha Tijuco Preto, zona rural do município de Prudentópolis, as Irmãs Servas de Maria Imaculada ensinavam ucraniano ocultamente na escola após o horário de funcionamento das aulas (ZAWADZKI, 1998: 28).

Portanto, a língua ucraniana em Prudentópolis é algo que chegou, não por acaso, até o presente como um importante fator identificador dos descendentes dos imigrantes ucranianos que chegaram ao município no final do século XIX e início do XX. Na sequência, analisamos a importância atribuída hoje à língua por descendentes de imigrantes que residem em Linha Ligação.

Para tanto dividimos o texto em duas partes. Primeiramente fazemos uma breve apresentação das quatro pessoas entrevistadas e da metodologia utilizada. Na segunda parte, a partir das entrevistas, analisamos como os entrevistados percebem a importância e o uso da língua ucraniana na contemporaneidade.

Fontes5 e metodologia

Isabel Sydorko Barhy, 74 anos completos na data da entrevista, professora dos anos Iniciais do Ensino Fundamental, iniciou suas atividades pedagógicas na região (Linha Ligação e Linha Jaciaba, zona rural de Prudentópolis6) em 1957. Ela relatou que naquela época as crianças chegavam à escola falando quase que exclusivamente em ucraniano. As cartilhas,

5 Importante destacar que as quatro entrevistas utilizadas foram feitas para a grafia da dissertação, Costa (2013), com objetivo um pouco diverso desse texto. Por essa razão algumas informações podem não aparecer uma vez que as perguntas aos entrevistados giraram sobre outros temas.

6 Linha Jaciaba fica mais distante da zona urbana de Prudentópolis que Linha Ligação. Essa última fica cerca de 60km, conforme ressaltado anteriormente. Linha Jaciaba, por sua vez, fica mais ao norte ainda, aproximadamente 15km de Linha Ligação, portanto 75km distante da sede do município.

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livros e demais materiais pedagógicos escritos em português, eram ininteligíveis aos alunos que não dominavam a língua. O material pedagógico era traduzido oralmente para o ucraniano, ou seja, o que estava em língua portuguesa era explicado em língua ucraniana pela professora para que fizesse sentido para os alunos. Isabel ressaltou o aprendizado da língua ucraniana em casa, com os pais, e também na Igreja (catequistas, padres e freiras). Ela destacou que seus pais falavam fluentemente o ucraniano, mas que não dominavam o alfabeto cirílico. Isabel por sua vez, aprendeu a ler e escrever no colégio das freiras. A professora ressaltou a presença polonesa em Linha Jaciaba em contraponto à Linha Ligação onde a maioria das pessoas tem ascendência ucraniana (BARHY, 2013)7.

Sofia Podogurski Hellmann é um exemplo de como o trabalho realizado pelas catequistas ucranianas era eficaz. Filha de pai descendente de ucranianos e mãe descendente de poloneses aprendeu com a mãe a falar o polonês. Mas quando chegou à idade de freqüentar a catequese precisou aprender o ucraniano, pois na comunidade não havia outra opção senão freqüentar o catecismo na Igreja ucraniana. Sofia, 60 anos completos na data da entrevista, ressaltou que ensinou os filhos a falar a língua ucraniana, mas que seus netos não aprenderam. Quando era criança freqüentou a escola até o terceiro “ano do primário” em Linha Herval Grande (comunidade próxima à Linha Ligação). Segundo ela, na escola a professora ministrava as aulas em português, mas no recreio as crianças se comunicavam na maior parte do tempo em ucraniano. A escola serviu para que as crianças aprendessem ou aperfeiçoassem a língua portuguesa (HELLMANN, 2013)8.

Teodósio Tlumaski, 66 anos completos na data da entrevista, professor, trabalhou no ensino primário em Linha Herval Grande e em Linha Ligação e lecionou matemática no Colégio Estadual Imaculada Conceição. Nascido em Prudentópolis, Linha Ligação, ele estudou em Mallet-PR o ginásio, hoje anos finais do Ensino Fundamental, e em Ponta Grossa iniciou o Segundo Grau. Estudou algum tempo em Curitiba no Seminário dos padres

7 BARHY, Isabel Sydorko. Entrevista concedida a Lourenço Resende da Costa em 18 de janeiro de 2013. 8 HELLMANN, Sofia Podogurski. Entrevista concedida a Lourenço Resende da Costa em 18 de janeiro de 2013.

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Basilianos e depois retornou para Prudentópolis e iniciou sua carreia docente. Aprendeu a falar ucraniano com os pais. Ele fala, escreve e lê em ucraniano (TLUMASKI, 2013)9.

Genoveva Smah Vogivoda, 65 anos na data da entrevista, reside em Linha Ligação. Filha de pai descendente de poloneses e mãe descendente de ucranianos, fala, lê e escreve em ucraniano. Ressaltou que aprendeu falar português após começar a freqüentar a escola, antes disso nem “bom dia” sabia falar em língua portuguesa. Genoveva destacou o trauma de não saber o português à época de ir à escola. A dificuldade era amenizada porque a professora falava os dois idiomas, português e ucraniano, e auxiliava os alunos com as dificuldades oriundas dessa questão (VOGIVODA, 2013)10.

Esse pequeno esboço, sobre as pessoas entrevistadas e sobre algumas informações obtidas com as entrevistas, nos leva a algumas considerações acerca da História Oral. Neste trabalho ela será entendida como metodologia. Segundo Montenegro (2007: 22): “O depoimento oral e as fontes documentais escritas se completam, embora requeiram tratamento técnico/metodológico específico”. No caso das fontes sobre o uso da língua ucraniana essa metodologia é fundamental. Muitos dos costumes dos imigrantes sobreviveram no cotidiano e são transmitidos oralmente.

Nesse sentido, como afirma Delgado, a história oral “é uma metodologia primorosa voltada à produção de fontes de narrativas como fontes do conhecimento, mas principalmente do saber (DELGADO, 2006: 44)”. Esta tem o mesmo valor verossímil do documento escrito. Como salienta Alberti (2004: 19): “A entrevista tem valor de documento, e sua interpretação tem a função de descobrir o que documentam”.

As considerações de Amado e Ferreira (2006) são relevantes para nossos apontamentos. De acordo com as autoras, podemos elencar três posturas diferentes a respeito da História oral: “A primeira advoga ser a história oral uma técnica; a segunda, uma disciplina; e a terceira uma metodologia (AMADO, FERREIRA, 2006: XII)”.

9 TLUMASKI, Teodosio. Entrevista concedida a Lourenço Resende da Costa em 17 de janeiro de 2013. 10 VOGIVODA, Genoveva Smah. Entrevista concedida a Lourenço Resende da Costa em 17 de janeiro de 2013.

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Aqui acompanhamos as autoras: “Entendido como metodologia, a história oral remete a uma dimensão técnica e a uma dimensão teórica. Esta última evidentemente a transcende e concerne à disciplina histórica como um todo (AMADO, FERREIRA, 2006: VIII)”.

O estudo realizado a partir de fontes orais, evidentemente, possui características próprias. Mas não pode ser entendido como mera técnica, pois senão ficaríamos restritos aos procedimentos de gravação da entrevista, armazenamento do áudio, forma de transcrição e pararíamos por aí, conforme bem ressaltaram Amado e Ferreira (2006).

A história oral também não é uma disciplina. Questões teóricas tratadas pela História Oral são tratadas por pesquisadores que utilizam outras fontes diferentes do depoimento oral. Quando há uma tentativa de delimitar a história oral dentro dos limites de uma disciplina surgem os problemas e até contradições. Portanto, não podemos tentar colocar a pesquisa com fontes orais dentro de um paradigma ou disciplina específica.

Portanto:

Em nosso entender, a história oral, como todas as metodologias, apenas estabelece e ordena procedimentos do trabalho – tais como os diversos tipos de entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho -, funcionando como ponte entre teoria e prática. Esse é o terreno do historiador oral – o que, a nosso ver, não permite classificá-la unicamente como prática. Mas, na área teórica, a história oral é capaz apenas de suscitar, jamais de

solucionar, questões; formula as perguntas, porém não pode oferecer as respostas

(AMADO, FERREIRA, 2006: XVI).

Se a história oral apenas suscita problemas sem os poder resolver, então onde buscar as respostas? De acordo com as autoras as respostas estão na teoria da história, pois esta possui conceitos para todos os tipos de fontes. Dessa maneira, o historiador que se utiliza de fontes orais se depara com os mesmos problemas que os historiadores que trabalham com uma documentação mais “tradicional”:

A interdependência entre prática, metodologia e teoria produz o conhecimento histórico; mas é a teoria que oferece os meios para refletir sobre esse conhecimento,

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embasado e orientando o trabalho dos historiadores, aí incluídos os que trabalham com fontes orais. Exatamente o mesmo ocorre com outras metodologias: a demografia histórica, por exemplo, está apta a elaborar tabelas e séries relativas às populações, construir metodologias de trabalho para esse material e formular questões importantes sobre tais dados, mas deve procurar fora dela própria – na teoria – subsídios para compreender as questões que suscita (AMADO, FERREIRA, 2006: XVII).

É dessa forma que a história oral é entendida nesse texto. Portanto, a análise das fontes orais permitirá perceber a importância atribuída à língua ucraniana em Prudentópolis. Elas permitirão tecer considerações acerca de sua utilização no cotidiano, modos e sujeitos responsáveis pela sua perpetuação, bem como possíveis motivações para a diminuição de seu uso.

Permanências e abandono da língua

As pessoas entrevistadas ressaltaram a predominância da língua ucraniana no cotidiano, em meados do século XX, bem como a dificuldade nos contatos com a língua portuguesa quase desconhecida, em grande medida, para os entrevistados durante os primeiros anos das suas infâncias. Das quatro pessoas entrevistadas uma nasceu na década de 1930, duas nasceram na década de 1940 e uma na década de 1950.

Foi possível verificar, a partir das lembranças de Isabel Sydorko Barhy, que o objetivo do governo Vargas de eliminar a língua dos imigrantes não foi alcançado em Prudentópolis. Isabel nasceu em 1938 no auge da política de repressão do Estado Novo às línguas estrangeiras. Importante destacar que no Paraná a exigência da língua portuguesa nas escolas étnicas já era uma realidade desde a década de 1920 (RENK, 2009: 100). O que ocorreu durante o Estado Novo foi um endurecimento dessa exigência (RENK, 2009: 147).

Isabel Barhy, em 1957, iniciou seu trabalho como professora na região de Linha Ligação e Linha Jaciaba e o bilinguismo11 era uma realidade. Quando a questão de qual a língua mais usada durante as aulas a resposta foi: “Quase só ucraniano, ainda tinha que dar

11 Aqui o termo “bilingüismo” está sendo usado para ressaltar o uso de duas línguas. Uma é a língua oficial do país para qual a pessoa imigrou e a outra é a língua do país de origem do imigrante.

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aula e traduzir pra eles... sabe? Meio explicar em ucraniano pra eles entender. Eles conversavam mais só em ucraniano (BARHY, 2013)”. A fala de Isabel Barhy vai de encontro à fala de outros entrevistados.

Genoveva Smah Vogivoda ressaltou que primeiro aprendeu a falar em ucraniano para depois aprender o português, em grande parte na escola:

Primeiro em ucraniano, português nós não sabia dize nem bom dia. Se nós encontrava uma pessoa... eles [pais e pessoas adultas] falavam ‘não conversem’ porque... Assustavam ainda, daí nós tinha tanto medo, tanto... Daí aprendia na escola, com as amigas. Foi muito difícil. Pra nós entende em português era difícil, nós não sabia dize nem bom dia pra outro, nem cumprimenta, mais era tão pesado (VOGIVODA, 2013).

Genoveva Smah Vogivoda nasceu em 1947. Portanto, ela possivelmente deve ter freqüentado a escola em meados da década de 1950. Mesma década em que Isabel iniciou suas atividades docentes em Linha Ligação. Ou seja, o depoimento de Genoveva vai de encontro aquelas informações obtidas na entrevista de Isabel de que a maioria das crianças naquele período necessitava de uma professora que falasse ucraniano para lhes ensinar. Uma professora monolíngüe, que dominasse apenas a língua portuguesa, não conseguiria atingir todos os alunos de forma adequada.

O relato de Sofia Podogurski Hellmann segue na mesma direção dos de Genoveva e Isabel:

A professora dava aulas em português. Mas nós, entre nós, nós crianças ou no recreio era tudo ucraniano. Depois a gente conforme foi estudando, foi aprendendo melhor né. Daí claro que daí a gente já achava bonito falar o português né, daí foi aprendendo e falando o português mais claro, um pouco melhor. Mas entre nós nossa! Era tudo ucraniano (HELLMANN, 2013).

O depoimento de Sofia Podogurski Hellmann, não apenas vai ao encontro do que foi exposto antes como acrescenta a liberdade do uso da língua, algo não mencionado pelas outras pessoas entrevistadas: “Na época não era proibido né podia falar e até hoje não é

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graças a Deus. Porque existem as aulas ucranianas (HELLMANN, 2013)”. Sofia nasceu em 1952 e deve ter freqüentado a escola no final da década de 1950 e início da década de 1960. Nesse período a proibição do uso das línguas estrangeiras que existiu durante o Governo Vargas não existia mais, mas a menção que Sofia faz ao fato de não ser proibido falar a língua ucraniana pode estar ligada ao que ela ouviu dos pais e de pessoas mais velhas.

Teodosio Tlumaski também enfatizou o uso praticamente exclusivo da língua ucraniana em casa e o contato e aprendizado da língua portuguesa na escola: “Ali em casa a mãe, o pai, o meu irmão, minha irmã já eram mais velhos falava só em ucraniano, até na escola. Nós ia pra aula, a gente aprendia o português né, leitura, escrita tudo, mas falava o ucraniano (TLUMASKI, 2013)”. Teodósio relembrou que, quando freqüentava a escola, poucas crianças dominavam a língua portuguesa: “Português não falavam. Era ucraniano. As orações, tudo faziam antes da aula em ucraniano (TLUMASKI, 2013)”. Ele nasceu em 1946 e freqüentou a escola primária na década de 1950 muito provavelmente.

Se o bilingüismo, a partir da década de 1920 e principalmente durante o Estado Novo, foi uma tática usada pelas escolas étnicas frente à proibição do uso da língua (RENK, 2009: 104). No período em que as pessoas aqui entrevistadas freqüentaram a escola, essa prática já não era usada em razão da interdição da língua ucraniana. O bilingüismo, na região de Linha Ligação era nesse período, uma necessidade para o aprendizado e o próprio convívio social, pois o número de descendentes de ucranianos era grande e as restrições do Estado Novo às línguas estrangeiras não logrou êxito em Prudentópolis.

Acima foi citada a fala de Teodósio Tlumaski, segundo a qual, se rezava em ucraniano antes das aulas. Essa informação nos remete à importância da Igreja ucraniana no processo de manutenção da língua e de modo geral para a manutenção da cultura dos descendentes de ucranianos no Brasil. O número de escolas, fundadas pelos padres da Ordem de São Basílio Magno em Prudentópolis, era grande. De acordo com Treuk (1999: 8) eram mais de 40 na década de 1940. Hauresko (1999: 10) ressalta que os padres exigiam que os pais mandassem seus filhos à escola.

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A importância da Igreja Ucraniana Greco Católica de Rito Bizantino12 para os imigrantes ucranianos e seus descendentes é algo bastante conhecido. Guérios destacou a calorosa recepção que os imigrantes fizeram aos primeiros sacerdotes que chegaram ao Brasil (GUÉRIOS, 2009: 145). Também merece destaque a atuação do padre João Michalczuk na colônia de Antonio Olinto estudada por Andreazza (1996).

Nas entrevistas a Igreja, de forma direta ou indireta, aparece como fundamental no processo de manutenção da língua ucraniana na comunidade de Linha Ligação. Sofia, filha de pai ucraniano e mãe polonesa, aprendeu a língua polonesa com a mãe e depois a língua ucraniana nas aulas do catecismo:

Falava, falava, até inclusive ela ensinou a gente a rezar tudo em polonês, porque o papai trabalhava fora então ele disse pra ela assim “é melhor você ensinar porque você sempre tá com eles e eu não posso, se eu começar a ensinar numa língua e você na outra eles não vão aprender nenhuma”, então a mamãe ensinou nós tudo em polonês. Quando a gente passou pra catequese a gente teve que muda tudo pro ucraniano, porque não tinha catequese em polonês né, era ucraniano. Então dalí da catequese a gente aprendeu, aprendeu tudo e até hoje não esqueceu mais né. Mas a mamãe falava o ucraniano também, a mamãe falava as duas línguas (HELLMANN, 2013).

As catequistas, nesse caso, foram fundamentais no aprendizado da língua ucraniana, pois além do catecismo o ensino da língua foi desempenhado com eficácia. Essa fala de Sofia é uma boa demonstração do papel da Igreja na manutenção da língua ucraniana.

Genoveva também ressaltou o papel da catequese no aprendizado e manutenção da língua. De acordo com a sua fala podemos perceber que ainda hoje o catecismo e as catequistas do Sagrado Coração de Jesus, bem como catequistas leigos e leigas, ajudam na preservação da língua:

Esse ano ele... foi muito bunito a língua ucraniana aqui, eles... como eles foram bunito final do ano assim, eles tão num grupinho grandinho assim... e na catequese também aqui, voltou bastante... eles tem os pais tem reunião assim direto vem na

12 Em Prudentópolis a Igreja Ucraniana Católica de Rito Bizantino é marcada pela presença dos padres da Ordem de São Basílio Magno, pelas freiras da Ordem das Irmãs Servas de Maria Imaculada e pelas catequistas do Sagrado Coração de Jesus.

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catequese então tá muito mais han... mais, se pegaram muito mais bem do que tava. Porque uns tempo já tava muito pouco, agora já tá voltando bastante (VOGIVODA, 2013).13

Isabel Barhy também falou do papel do catecismo e das catequistas no aprendizado e conseqüentemente na manutenção da língua ucraniana. Ela ressaltou que seus pais falavam fluentemente o ucraniano, mas que não dominavam a escrita com o alfabeto cirílico. Por essa razão ela aprendeu a ler e escrever no colégio interno dirigido pelas freiras ucranianas.

Quando perguntado se ela ensinou os filhos, a resposta de Isabel foi positiva. Mas, novamente ela enfatizou as catequistas no processo de aprendizado da língua: “Foi ensinado, um pouco em casa, mas também tinha catequese junto com língua ucraniana. Na catequese as catequistas davam língua ucraniana, daí aprenderam (BARHY, 2013)”. Na fala de Isabel ficou evidente a importância da família e a Igreja nesse processo.

As entrevistas permitiram perceber que a língua ucraniana é ainda uma realidade no cotidiano dos descendentes dos imigrantes ucranianos em Prudentópolis e do papel da família na sua manutenção. No entanto, elas também permitiram verificar que esse uso tem diminuído ao longo dos mais de cem anos da chegada dos primeiros ucranianos ao município.

Sofia Podogurski Hellmann ressaltou que ensinou para seus filhos a língua ucraniana, mas que seus netos não receberam a mesma educação:

Lourenço: - Os filhos da senhora, a senhora ensinou o ucraniano? Eles falam, eles usam, como que é o uso deles?

Sofia: - Olha, eu ensinei todos eles falar, rezar em ucraniano. Até hoje eles falam, eles não esqueceram e acredito que nunca mais vão esquecer né. Só que os filhos deles já não falam o ucraniano né. Porque acho que é falha dos pais mesmo de ensinar porque acho que quanto mais línguas souber é melhor pra eles né.

Lourenço: - Então no caso os netos da senhora dá pra dizer que... ? Sofia: - Que não são mais ucranianos (risos) (HELLMANN, 2013).

A última questão do diálogo citado foi interrompida, antes de ser concluída, e não tinha intenção de perguntar se os netos podiam ou não ser considerados ucranianos. Ela tinha

13 A entrevista foi realizada em janeiro de 2013, portanto ela está se referindo ao grupo de catequese do ano anterior, 2012.

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a intenção de enfatizar se os netos de Sofia não possuíam nenhum domínio do idioma. Para Sofia, falar o ucraniano é sinônimo de ser ucraniano. Ela destacou que há uma sensível diminuição do uso da língua pelos mais jovens:

Olha sinceramente a gente até fica sentido com isso né porque os jovens eles não, não tão cultivando nossa língua ucraniana. Não sei o porquê se eles não se interessam, o que né. A gente percebe que aquilo já tá se perdendo e muito... porque você pode perceber que você escuta mais o ucraniano com as pessoas mais, assim de mais idade. Os jovens não. De vez em quando algum diz lá uma palavra. Eu não sei... eu acho que, não sei se eles tem vergonha ou acredito eu que eles ficam com medo de não errar, porque eles não aprenderam. Alguma palavra lá que eles aprenderam né, então eu acho que é isso o português pra eles é melhor né então tá cada vez, tá se perdendo né (HELMANN, 2013).

Sofia defendeu a necessidade de se cultivar a língua ucraniana e que os jovens deveriam dar valor a ela.

Eu não... não que eu queira ser daquelas ucranianas rígidas mas acredito eu que devia ser cultivado, por causo que as pessoas não só nascem, crescem e morrem aqui igual os antigos. Agora as pessoas são desenvolvidas né, elas vão pra frente e todo lugar que você vai eu acredito que exista pessoas ucranianas. Então na minha opinião eles deveriam dar valor pra essa língua né, porque assim como inglês como outras línguas tem valor a nossa também acho que tem né e quantas línguas mais puder falar né a gente sempre escutou que é melhor. Então acredito eu que eles deveriam se interessar e não deixar se perder né (HELLMANN, 2013).

Teodósio Tlumaski também falou da diminuição do uso da língua pelos mais novos na comunidade: “Tá diminuindo. Inclusive às vezes o pai é descendente de ucranianos e a mãe também e pra criança falam em português já desde pequeno aí a criança... os pais falando entre eles em ucraniano e ela escuta e aprende um pouco né acaba entendendo (TLUMASKI, 2013)”.

Questionado, sobre possíveis motivos para essa diminuição, se haveria falta de tempo dos pais em ensinar os filhos, Teodosio discordou: “Eu acho que não é falta de tempo eu acho que é outra cultura sei lá, daí já acostumaram assim que... agora todo mundo faz isso... fala em português pras criança (TLUMASKI, 2013)”. Ele também ressaltou o fato de muitos jovens freqüentarem a igreja e repetirem as orações sem realmente saber o que estão dizendo:

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“Eles rezam. Agora se eles entendem ali o que eles estão... eu não sei. Nem tudo eles entendem, eles aprenderam a pronúncia né, mas se eles sabem o que ele fala não sei (TLUMASKI, 2013)”.

Genoveva Smah Vogivoda também comentou a diminuição no domínio da língua e comparou o ensinamento que deu aos seus filhos e o que seus netos receberam. Genoveva, da mesma forma que Sofia, conforme citado anteriormente, ensinou seus filhos desde pequenos as duas línguas enquanto seus netos foram ensinados apenas na língua portuguesa.

Eu acho que não é [por falta de tempo] eu acho que agora eles vão na escola e voltam e não é... eles têm... dá pra de ensinar e da... acho que falta um pouquinho só de esforço. Agora eles mais tarde eles sozinho vão... porque tem um neto filho do Áudio ele tem muito interesse de ucraniano e esse da Juliana os dois eles tem interesse (VOGIVODA, 2013).

Teodosio Tlumaski, que não tem filhos, percebe situação análoga na família e nos vizinhos: “A minha prima ali, ela fala em ucraniano, mas (...) mais português que fala pros filhos dela. Alguma coisa [em ucraniano] fala pra eles, eles entendem (TLUMASKI, 2013)”.

Portanto, o que podemos concluir a partir das entrevistas é que a língua ucraniana ainda é usada em Linha Ligação, principalmente por pessoas mais velhas. Essas pessoas com mais idade, percebem que é urgente fazer um trabalho com a juventude para que essa característica dos descendentes de ucranianos em Prudentópolis não se perca.

Considerações finais

As quatro entrevistas usadas aqui, com Isabel Barhy, Genoveva Smah Vogivoda, Sofia Podogurski Hellmann e Teodosio Tlumaski, possibilitaram concluir que ao longo dos últimos 60 anos houve uma sensível diminuição do uso da língua ucraniana em Linha Ligação, situação que pode ser generalizada para o município de Prudentópolis.

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A presença da Igreja também foi ressaltada, de forma direta ou indireta, por todas as pessoas entrevistadas como uma responsável pela preservação da cultura, das tradições e da língua. Mas, a própria Igreja atravessa dificuldades com relação ao número decrescente de falantes da língua ucraniana. Skavronski (2015) ressaltou que a partir dos anos 1990 a Igreja Greco Católica Ucraniana de Rito Bizantino precisou adaptar e até a modificar certos ritos em razão da diminuição da língua:

Alguns acreditam que a tradução das orações e da própria liturgia contribui para o entendimento da simbologia e das representações desses rituais aos jovens e crianças que já não são usuários do idioma trazido pelos imigrantes e ainda utilizado pelos sacerdotes, religiosas e por imigrantes e descendentes mais idosos (SKAVRONSKI, 2015: s/p).

A dificuldade da Igreja Greco Católica Ucraniana de Rito Bizantino citada pela autora vai de encontro à algumas ponderações de Teodosio Tlumaski: que muitos jovens vão à igreja e repetem orações decoradas mas sem realmente compreender o que dizem.

No entanto, falar em ucraniano continua sendo uma forma de identificar quem é “ucraniano” e quem não é e isso ainda faz parte da realidade social dos descendentes de imigrantes no município.

Referências

ALBERTI, Verena. Ouvir contar textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

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