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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Fernanda de Oliveira

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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

Fernanda de Oliveira

Interseccionalidade, discriminação e qualidade de vida na população adulta de Florianópolis – SC

Florianópolis/SC 2019

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1 Fernanda de Oliveira

Interseccionalidade, discriminação e qualidade de vida na população adulta de Florianópolis – SC

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva.

Linha de pesquisa: Desigualdades Sociais em Saúde.

Orientador: João Luiz Dornelles Bastos. Coorientador: Rodrigo Otávio Moretti Pires

Florianópolis/SC 2019

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2

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3 Fernanda de Oliveira

Interseccionalidade, discriminação e qualidade de vida na população adulta de Florianópolis – SC

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a) Lia Vainer Shucman, Dra.

Instituição Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Prof.(a) Fúlvio Borges Nedel, Dr.

Instituição Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Saúde Coletiva.

____________________________ Prof.(a) Marta Inez Machado Verdi, Dra.

Coordenadora do Programa

____________________________ Prof. João Luiz Dornelles Bastos, Dr.

Orientador Joao Luiz Dornelles Bastos:0089885090 8

Assinado de forma digital por Joao Luiz Dornelles Bastos:00898850908 Dados: 2019.09.18 14:03:57 -03'00'

Marta Inez

Machado

Verdi:289370310

00

Assinado de forma digital por Marta Inez Machado Verdi:28937031000 Dados: 2019.09.18 19:00:31 -03'00'

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4 ____________________________

Prof. Rodrigo Otávio Moretti Pires, Dr. Coorientador

Florianópolis/SC, 2019 Assinado de forma digital por Rodrigo Otavio Moretti Pires:26498670860

Dados: 2019.09.18 14:56:38 -03'00'

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5 AGRADECIMENTOS

Agradecer é sempre necessário. Faz-nos perceber, que apesar de todas as adversidades que possam ocorrer, sempre existem pessoas com quem contar e lições para aprender. Nenhuma pessoa foi mais importante nessa trajetória, do que a mulher que, mesmo quebrada, encontrou forças dentro de si para realizar um grande sonho. Obrigada a todas as deusas por terem me fortalecido nessa jornada. Da mesma forma, é preciso agradecer a todas as mulheres da minha família que vieram antes de mim, aquelas que foram vítimas de violência de gênero, que tiveram seus sonhos podados. Isso é por todas vocês e por todas aquelas que virão.

Nessa trajetória, ninguém foi tão fundamental quanto àqueles que me disseram: ―vai que nós te ajudamos‖. Obrigado pai e mãe, Evandro e Ana, por tudo! Quando eu era adolescente, por vezes não compreendi a rigidez da minha mãe com meus estudos, e mesmo após a graduação me questionava se esses sonhos eram de fato meus. Com certeza são, mas se tornaram cada vez mais possíveis com todo apoio que tive, desde a infância! Vocês me fizeram compreender o quanto os estudos poderiam mudar a realidade da menina do interior cujos pais precisaram abandonar a sala de aula, ainda criança, para trabalhar. Minha irmã, Patrícia, trilhou o caminho da pós-graduação antes de mim. Além do orgulho de ser a primeira pós-graduanda da família, me fez entender que eu também podia e tinha todas as condições para seguir esse caminho. Te admiro muito!

Não poderia deixar de agradecer aqueles que criaram políticas públicas que me trouxeram até aqui. O sonho era meu, eu me esforcei, mas não tenho nenhuma dúvida que o caminho teria sido ainda mais árduo sem o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que permitiu que eu pudesse cursar uma graduação no horário em que desejava, abraçando diversas oportunidades de que surgiram durante a formação. Obrigada Lula e Dilma, por entenderem que a educação é nossa maior riqueza. Também preciso agradecer pelo financiamento recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Não teria sido possível morar em uma capital com um custo de vida tão elevado, e me dedicar integralmente a minha formação, sem esse auxílio financeiro.

A pós-graduação é, por vezes, uma jornada muito solitária. Passei dias na minha companhia, produzindo, e outros tantos lidando com a sensação de não ser boa o suficiente. Agradeço aos amigos que fiz aqui pela companhia, pela partilha de experiência e sentimento, pelos momentos de distração e tantos outros de importantes debates. Agradeço especialmente à Lizandra que compartilhou comigo, não só a sala de aula, mas suas angústias, sonhos e

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6 visão de mundo, obrigada pela amizade! Agradeço também a Janete, a amiga que o SUS me deu e que não mediu esforços para me incentivar em todos os momentos até então.

Todos os professores que encontrei no programa foram essenciais na minha formação. Surpreendi-me com profissionais tão capacitados e acima de tudo, tão humanos, que tornaram o ambiente acadêmico, por vezes tão frio e técnico, em um ambiente mais acolhedor. Um das minhas grandes preocupações, durante o processo seletivo do mestrado, era conseguir trabalhar com um orientador que compreendesse minhas limitações e incentivasse minhas potencialidades, que fosse guia e amigo sempre que necessário. Não consigo descrever a admiração que tenho pelo seu trabalho, pela sua carreira acadêmica, mas acima de tudo, pela pessoa humana que você é. Obrigada João pelos incentivos, cobranças, por acreditar em mim e, acima de tudo, por ouvir todas as minhas angústias.

Agradeço ainda, o meu coorientador, Rodrigo. Trabalhamos brevemente nesse período curto e cheio de atividades que é o mestrado, mas a jornada irá continuar e sou muito grata por saber que poderei continuar contando com você. Nunca vou conseguir agradecer suficientemente minhas primeiras orientadoras, Rosa e Patrícia, que me acompanharam durante a graduação, na extensão universitária e pesquisa, no projeto ―Coleta seletiva solidária‖, ―Mundo do trabalho e situação de cárcere‖ e ―Programa de ações em economia solidária‖, vocês sempre me inspiraram e me proporcionaram um enriquecimento não só acadêmico, mas, sobretudo, pessoal. Se algo na vida é sorte, a minha é sempre ter tido os melhores orientadores.

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Vozes-mulheres A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem – o hoje – o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. Conceição Evaristo

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8 ―Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se‖.

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9 RESUMO

Introdução: as desigualdades em saúde resultam da integração e incorporação cotidiana de experiências estruturadas por diversos aspectos relativos à posição social (KRIEGER, 2011). A discriminação constitui um fenômeno social, e importante determinante de saúde, que afeta as condições de saúde dos indivíduos e grupos (BASTOS et al., 2010). O estudo das desigualdades sociais não se esgota na associação entre um determinado tipo de discriminação e um desfecho em saúde, sendo necessário considerar outras características interseccionais que influenciam a vida e saúde das populações. Dessa forma, a interseccionalidade surge como uma perspectiva que propõem uma análise multiplicativa de diversas categorias de desigualdade e saúde (HANCOCK, 2007). Objetivo: O objetivo principal do estudo foi investigar como a interação entre marcadores de posição social e suas mediações pela discriminação percebida afetam a qualidade de vida em adultos da região sul do Brasil. Métodos: Trata-se de um estudo transversal realizado com dados da segunda onda (2012) do EpiFloripa Adulto. A variável de desfecho do estudo foi a qualidade de vida, mensurada através do instrumento WHOQOL-bref. Foram analisados quatro modelos de regressão linear múltipla para cada domínio do WHOQOL-Bref: os modelos incluíram raça/cor, gênero e escolaridade. O efeito da mediação pela discriminação foi analisado com o método KHB. Resultados: Dos 1.720 indivíduos entrevistados na linha de base do estudo EpiFloripa Adulto, 1.208 foram localizados na segunda onda, realizada em 2012. A maioria dos entrevistados foi do gênero feminino (57,3%), de raça/cor branca (89,5%) e com até 11 anos de estudo (55,4%). Observou-se uma relação inversa entre o escore de discriminação e as médias de qualidade de vida geral e nos domínios. Os status sociais dos entrevistados foram preditores significativos para sua qualidade de vida geral e qualidade de vida nos domínios do WOQHOL-Bref. Gênero e escolaridade operaram em conjunto e de forma significativa, mas não interseccionalmente, para explicar a variabilidade da qualidade de vida geral e qualidade de vida no domínio físico. A intersecção entre gênero e escolaridade esteve associada à redução das médias de qualidade de vida no domínio psicológico. Mulheres com escolaridade de 12 anos ou mais apresentaram uma média 2,89 pontos maior (p = 0,031) em comparação com homens que possuíam até 11 anos de escolaridade. Gênero e raça/cor foram preditores da qualidade de vida no domínio social, com prejuízo para o grupo interseccional de mulheres negras que apresentaram uma média 11,26 pontos menor (p < 0,001) de qualidade de vida, quando comparadas com homens brancos. Escolaridade e raça/cor foram preditores importantes da qualidade de vida relacionada ao meio ambiente. Não houve associação significativa das interações com a qualidade de vida no domínio. A análise de mediação demonstrou que 29,6% do efeito total da interseccção da escolaridade e gênero sobre o domínio psicológico e 88,92% do o efeito total da interação entre raça e gênero sobre o domínio social, foram mediados pela discriminação. Conclusão: Os resultados obtidos confirmam as hipóteses do estudo, apontando a importância e a contribuição da análise interseccional para a investigação das desigualdades nos processos de saúde-doença e qualidade de vida. A mediação por descriminação nos domínios social e psicológico demonstra que a discriminação representa a manifestação das opressões estruturais de gênero, raça/cor e escolaridade em um nível micro, estabelecendo uma conexão das estruturas sociais com a vida cotidiana das pessoas. Na perspectiva ecossocial de Krieger (2001), demonstra como as estruturas sociais são incorporadas a nível individual e produzem iniquidades em saúde.

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10 ABSTRACT

Introduction: Health inequalities result from the daily integration and incorporation of experiences structured by various aspects related to social position (KRIEGER, 2011). Discrimination is a social phenomenon and an important health determinant that affects the health conditions of individuals and groups (BASTOS et al., 2010). The study of social inequalities is not limited to the association between a certain type of discrimination and an outcome in health, and it is necessary to consider other intersectional characteristics that influence the lives and health of populations. Thus, intersectionality emerges as a perspective that proposes a multiplicative analysis of several categories of inequality and health (HANCOCK, 2007). Objective: The main objective of the study was to investigate how the interaction between social position status and their mediations by perceived discrimination affect the quality of life of adults in southern Brazil. Methods: This is a cross-sectional study conducted with data from the second wave (2012) of EpiFloripa Adult. The outcome variable of the study was quality of life, measured by the WHOQOL-bref instrument. Four multiple linear regression models were analyzed for each WHOQOL-Bref domain: the models included race / color, gender and education. The effect of discrimination mediation was analyzed using the KHB method. Results: Of the 1.720 individuals interviewed at the baseline of the EpiFloripa Adult study, 1,208 were located in the second wave, conducted in 2012. Most respondents were female (57,3%), white (89,5 %) and with up to 11 years of schooling (55,4%). There was an inverse relationship between the discrimination score and the average quality of life and in the domains. The social status of respondents were significant predictors of their overall quality of life and quality of life in the WOQHOL-Bref domains. Gender and education worked together significantly but not intersectionally to explain the variability of overall quality of life and quality of life in the physical domain. The intersection between gender and education was associated with a reduction in the average quality of life in the psychological domain. Women with an education level of 12 years or older had an average 2,89 points higher (p = 0,031) compared to men with up to 11 years of schooling. Gender and race / color were predictors of quality of life in the social domain, with prejudice to the intersectional group of black women who had an average 11,26 points (p <0,001) lower quality of life when compared to white men. Schooling and race / color were important predictors of environment-related quality of life. There was no significant association of interactions with quality of life in the domain. The mediation analysis showed that 29,6% of the total effect of the intersection of education and gender on the psychological domain and 88,92% of the total effect of the interaction between race and gender on the social domain were mediated by discrimination. Conclusion: The results confirm the hypotheses of the study, pointing out the importance and contribution of intersectional analysis for the investigation of inequalities in health-disease processes and quality of life. Mediation by discrimination in the social and psychological domains demonstrates that discrimination represents the manifestation of structural oppressions of gender, race / color and education at a micro level, establishing a connection of social structures with people's daily lives. From Krieger's (2001) ecosocial perspective, it demonstrates how social structures are incorporated at the individual level and produce health inequities.

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11 LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Médias de qualidade de vida geral e qualidade de vida por domínios, estratificadas por gênero, raça/cor e escolaridade aferida pelo instrumento WHOQOL-BREF, dos participantes do EpiFloripa Adulto, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2012 ... 67

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12 LISTA DE QUADROS

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13 LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição dos participantes do EpiFloripa Adulto de acordo com características sociodemográficas e percepção de discriminação, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2012...65

Tabela 2 – Média dos escores de qualidade de vida, aferido pelo instrumento WHOQOL-BREF, dos participantes do EpiFloripa Adulto, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2012..66

Tabela 3 – Modelos de análise conforme domínio de qualidade de vida do WHOQOL-BREF, dos participantes do EpiFloripa Adulto, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2012...68

Tabela 4 – Modelo final conforme domínio de qualidade de vida do WHOQOL-BREF, dos participantes do EpiFloripa Adulto, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2012...71

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14 APRESENTAÇÃO AOS LEITORES

A dissertação intitulada ―Interseccionalidade, discriminação interpessoal e qualidade de vida na população adulta de Florianópolis – SC‖ se insere na linha de pesquisa em desigualdades sociais em saúde, área de concentração em Epidemiologia, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina e está estruturada em três partes.

A Parte I contém a introdução e a justificativa de escolha do tema. Em seguida, apresenta a revisão bibliográfica acerca do percurso histórico e teórico da interseccionalidade e qualidade de vida e das categorias sociais: gênero, classe e raça. A revisão de literatura contribuiu para a construção dos objetivos, hipótese e elaboração da metodologia do presente estudo, todos descritos nessa primeira parte.

Os resultados e a discussão do estudo estão apresentados na Parte II, em formato de artigo científico, conforme o regimento do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina. O comprovante de submissão do manuscrito torna-se requisito para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Por fim, a Parte III contém os anexos do estudo, anexo A que apresenta as motivações da pesquisadora para a realização do estudo, anexo B e C referem-se aos questionários principais deste estudo e o anexo D que apresenta as normas do periódico ―Physis: Revista de Saúde Coletiva‖ para publicação de artigos científicos.

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15 SUMÁRIO

PARTE I – CONTEXTO E CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO ... 16

1.1 OBJETIVOS ... 22

1.1.1 Objetivo geral ... 22

1.1.2 Objetivos específicos ... 22

1.2 HIPÓTESE ... 22

2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 23

2.1 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DAS DISCUSSÕES DE GÊNERO NO BRASIL .. 23

2.2 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DAS DISCUSSÕES DE RAÇA NO BRASIL ... 25

2.3 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DAS DISCUSSÕES DE CLASSE NO BRASIL ... 29

2.4 INTERSECCIONALIDADE COMO CATEGORIA DE ANÁLISE EM PESQUISAS DE SAÚDE ... 33

2.5 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DA QUALIDADE DE VIDA E SUA UTILIZAÇÃO EM PESQUISAS DA SAÚDE ... 36

3 MÉTODOS ... 40

3.1 DESENHO DO ESTUDO ... 40

3.2 LOCAL E POPULAÇÃO DO ESTUDO ... 40

3.3 VARIÁVEIS E INSTRUMENTOS DE MEDIDA ... 42

3.3.1 Variável dependente ... 42

3.3.2 Variáveis independentes ... 43

3.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA ... 44

3.6 ASPECTOS ÉTICOS ... 46

PARTE II - ARTIGO CIENTÍFICO ... 58

REFERÊNCIAS ... 75

PARTE III– ANEXOS ... 80

ANEXO A – Motivações do estudo ... 81

ANEXO B - WHOQOL-Bref ... 83

ANEXO c – Escala de Discriminação Explícita (EDE) ... 85

Anexo D – Normas do periódico “Physis: revista de saúde coletiva” para publicação de artigos científicos (instruções aos autores) ... 95

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16 PARTE I – CONTEXTO E CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO

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17 1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

As desigualdades sociais em saúde passaram a ser mais documentas a partir do século XIX (BARATA, 2009). O interesse crescente pela temática a colocou nas agendas mundiais de pesquisa em saúde pública, evidenciando relações entre desigualdades em saúde e diferentes formas de estratificação social (BASTOS et al., 2011). As desigualdades sociais em saúde podem ser definidas como a diferença entre grupos, no acesso a recursos e a fatores que influenciam a saúde (RODRIGUES, 2015). As desigualdades sistemáticas e relevantes, consideradas injustas e evitáveis são denominadas iniquidades em saúde e caracterizam um dos traços marcantes da situação e saúde do Brasil (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2006).

Entre as teorias que buscam explicar as desigualdades em saúde encontra-se a teoria ecossocial, proposta por Nancy Krieger, que articula o raciocínio social e biológico adotando uma perspectiva histórica e ecológica (BARATA, 2005). Para Krieger (2011), as desigualdades em saúde resultam da integração e incorporação cotidiana de experiências estruturadas por diversos aspectos relativos à posição social. Independentemente da intensidade da exposição a esses fenômenos e do nível em que ocorrem, todos são importantes determinantes da saúde, uma vez que afetam condições de saúde, acesso aos serviços de saúde, prestação de cuidado de qualidade e adesão a comportamentos nocivos (KRIEGER, 2014).

O conceito de determinantes de saúde foi formulado, na década de 1970, por Marc Lalonde, então ministro da saúde do Canadá. Trata-se de uma noção de saúde baseada em quatro alicerces: a biologia humana, o meio, o estilo de vida e a organização de assistência à saúde. O relatório Lalonde traz como princípios da promoção da saúde a correlação entre saúde, desenvolvimento econômico e justiça social, entre outros (LALONDE, 1974). Esse tema ganha relevância mundial com a criação da comissão de determinantes sociais da saúde da organização mundial da saúde (OMS). Para a comissão nacional sobre os determinantes sociais da saúde (CNDSS), os determinantes são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). Trata-se de fatores e mecanismos através dos quais as condições sociais afetam a saúde e que potencialmente podem ser alterados através de ações baseadas em informação (KRIEGER, 2001).

O preconceito e discriminação, enquanto constituintes das relações sociais no Brasil, e em outros contextos, são considerados determinantes sociais das desigualdades e das

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18 condições de saúde no país. De acordo com Correll et al. (2010), a discriminação constitui um fenômeno social e pode ser compreendida como um comportamento injusto direcionado a membros de um determinado grupo. O comportamento discriminatório está relacionado a uma ação de motivações injustas voltadas a classes ou indivíduos com determinadas características (BASTOS; FAERSTEIN, 2012a, BASTOS; FAERSTEIN, 2012b, BASTOS et al., 2017). Comportamentos discriminatórios podem ter múltiplas motivações, associadas ou não, e se basear em diferentes características como raça, sexo, faixa etária, classe social (BASTOS et al., 2010).

Segundo o modelo proposto por Jones (2002), a discriminação pode operar em três níveis: internalizada, interpessoal e institucional. Enquanto a discriminação internalizada é caracterizada pela incorporação e ―aceitação‖ de estigmas pelos indivíduos, a discriminação interpessoal é expressa na forma de condutas discriminatórias, intencionais ou não, entre indivíduos. A discriminação institucional, por sua vez, desloca-se do nível individual para o estrutural, refletindo a forma como a organização política resulta em tratamentos desiguais para determinados grupos. Essas três dimensões atuam de forma concomitante sobre indivíduos e grupos, produzindo efeitos deletérios.

As condições de saúde e adoecimento de grupos com diferentes posições socioeconômicas, raça/cor e gênero já estão bem consolidadas na literatura. Estudos nacionais e internacionais tem apontado a relação entre discriminação racial e hipertensão, concluindo que os negros possuem prevalência maior do agravo quando comparados com os brancos (BRONDOLO et al., 2011, KRIEGER, 2014, LESSA et al., 2006, LAGUARDIA, 2005). Segundo esses estudos, tal diferença pode estar relacionada a diferentes formas de discriminação que expõem os indivíduos negros a níveis mais elevados de estresse, resultando no aparecimento do desfecho.

No que se refere à discriminação racial e sua relação com a saúde mental, destaca-se o surgimento de quadros de ansiedade e depressão e abuso de substâncias licitas e ilícitas (PARADIES, 2006, SCHIMITT; BRASCOMBE, 2002). Evidências demonstram o impacto negativo de discriminação por raça sobre a saúde física e mental (BAUMGARTEN et al., 2015, SHAVERS et al., 2012, PASCOE; SMART-RICHMAN, 2009, WILLIAMS; MOHAMMED, 2009, BASTOS et al., 2014). Associações entre a discriminação e a satisfação com serviços de saúde também foi relatadas na literatura (GOUVEIA et al., 2011, BOCCOLINI et al., 2016, LEAL et al., 2017, LEAL; GAMA; CUNHA, 2005).

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19 Desigualdades em saúde também são observadas em relação à categoria gênero. De maneira geral, os homens morrem mais por causas externas, como homicídios e acidentes de trânsito (FERRAZ; KRAICZYK, 2010, SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005). Esses agravos podem ser compreendidos como consequência do modo como a masculinidade é exercida no meio social. As mulheres, por sua vez, são mais submetidas a violências de âmbito familiar e doméstico (FERRAZ; KRAICZYK, 2010, SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005). Segundo Vieira-da-Silva e Almeida Filho (2009), trata-se de um tipo de violência fruto da dominação de gênero que estrutura a sociedade ocidental.

As desigualdades de gênero também podem ser observadas no campo da saúde mental. Um achado recorrente na literatura é que as mulheres apresentam uma prevalência maior de ansiedade, depressão, sintomas de estresse e outros transtornos mentais comuns, quando comparadas com os homens (PATEL et al., 1999, LUDERMIR; LEWIS, 2005, WOTTRICH et al., 2011, STOPA et al., 2015). Esses dados apontam o caráter social da doença mental, e podem estar relacionados aos papéis sociais exercidos pelas mulheres (STOPA et al., 2015).

Classe social é uma categoria igualmente importante para compreensão da determinação do processo saúde-doença. A classe, além de afetar o acesso a bens e recursos materiais, apresenta relações diretas e indiretas com a saúde dos indivíduos, uma vez que os torna vulneráveis a vários determinantes de saúde (BARATA et al., 2013). Estudos epidemiológicos têm demonstrado a relação entre classe social, renda, condições de habitação com aumento de doenças crônicas (KRIEGER, HIJJINS, 2002). Diversos estudos apontam a associação entre renda familiar e hipertensão arterial (FREITAS et al., 2001, PICCINI; VICTORA, 1994). A tuberculose é uma doença reconhecidamente atrelada à pobreza (SANTOS et al., 2007, GONCALVES, 2000, ROSEMBERG, 1999, CECCON et al., 2017, PEDRO et al., 2017, MACIEL; SALES, 2016).

Dessa forma, classe, gênero e raça/cor constituem três importantes eixos de marginalização que privam determinados grupos de oportunidades e negam direitos socialmente conquistados, entre os quais a saúde (BASTOS ET AL., 2018). Os efeitos patológicos da discriminação podem incidir de forma direta e resultar em sofrimento psíquico e diminuição do bem-estar do indivíduo, ou de forma indireta, resultando em alterações fisiológicas e adesão de comportamentos prejudiciais à saúde (PASCOE; SMART-RICHMMAN, 2009, WILLIAMS; MOHAMMED, 2009). Essas pesquisas demonstram como as diversas expressões da discriminação, sejam elas estruturais ou interpessoais, podem afetar

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20 as condições de saúde e qualidade de vida dos indivíduos e grupos marginalizados específicos (MONTEIRO; CECCHETTO, 2009).

No que se refere ao campo da pesquisa, Kawachi, Subramanian e Almeida-Filho (2002), destacam que o estudo das desigualdades sociais não se esgota na associação entre um determinado tipo de discriminação e um desfecho em saúde. Souza, Lemkhul e Bastos (2015), chamam atenção para a ênfase dos estudos brasileiros na discriminação racial, ou a análise de discriminações isoladas, que desconsideram os efeitos combinados de múltiplas discriminações sobre a saúde dos indivíduos. Para Bastos et al. (2010), é necessário que se considerem outras características interseccionais que influenciam a vida e saúde das populações, ideia que permanece pouco investigada.

Nessa perspectiva, a interseccionalidade surge como uma abordagem que analisa a relação entre categorias de desigualdade e saúde de forma multiplicativa, e a maneira como a compreensão dessa relação influencia as decisões políticas (HANCOCK, 2007). Surge justamente para abordar um efeito não aditivo das categorias sociais sobre a identidade dos indivíduos, permitindo que se estudem desfechos de saúde em diferentes intersecções, em relações interpessoais, práticas institucionais e políticas (BAUER, 2014). A interseccionalidade permite observar a forma como ideologias e culturas hegemônicas, questões estruturais e interpessoais moldam identidades e se interrelacionam com as categorias sociais, produzindo a sociedade (HANCOCK, 2007). Para Bauer (2014), a incorporação dessa perspectiva na saúde pública resulta na criação de evidências sobre a relação entre a discriminação em múltiplos eixos e desfechos em saúde, sendo útil na elaboração de ações que permitam intervenções populacionais e criação de políticas específicas às necessidades das populações marginalizadas.

Considerando que a construção da identidade se dá pelo entrelaçamento das diferentes categorias sociais a que se pertence e dada a complexidade dos fatores que motivam comportamentos discriminatórios, a investigação destas intersecções é de grande importância para a compreensão destes fenômenos e seus impactos sobre as populações (KERNER, 2012). Para Hancock (2007), a análise das experiências discriminatórias em um único eixo ou em eixos aditivos cria políticas de governo que competem entre si em relação aos recursos destinados aos grupos marginalizados e apresentam pouco impacto sobre estes grupos. Por sua vez, uma análise interseccional destes eixos permitiria a criação de políticas coordenadas que podem resultar em mudanças sistêmicas (HANCOCK, 2007).

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21 Nessa perspectiva, a interseccionalidade foi identificada como um importante referencial teórico para se pensar o impacto dessas desigualdades nos processos de saúde-doença, contribuindo com a saúde pública (BOWLEG, 2012, SPRINGER; HANKIVSKY; BATES, 2012). A abordagem multiplicativa da interseccionalidade permite que se teste a interação entre dois ou mais eixos de discriminação, a nível interpessoal e estrutural, fornecendo maior poder de explicação entre destas relações (HANCOCK, 2007). Para Bauer (2014), a interseccionalidade tem muito a oferecer a saúde das populações, contribuindo com a identificação mais precisa das desigualdades, criando evidências que denunciem essas desigualdades e facilitem a elaboração de estratégias de intervenção a nível populacional, bem como mudanças políticas, promovendo resultados relevantes para cada contexto específico.

Nessa perspectiva, o presente estudo objetivou investigar como a interação entre marcadores de posição social, e sua mediação pela discriminação percebida afeta a qualidade de vida de adultos do município de Florianópolis, Santa Catarina. Trata-se de uma contribuição original ao campo de estudo, visto que pesquisas de saúde sob a perspectiva interseccional ainda são escassas, e não foi encontrado na literatura, nenhum estudo avaliando a qualidade de vida sob essa perspectiva.

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22 1.1 OBJETIVOS

1.1.1 Objetivo geral

Investigar como a interação entre marcadores de posição social e sua mediação pela discriminação interpessoal percebida afetam a qualidade de vida em adultos do município de Florianópolis, em 2012.

1.1.2 Objetivos específicos

 Analisar a qualidade de vida, segundo marcadores de posição social, tais como gênero, raça/cor e classe, bem como as possíveis interseções entre eles;

 Examinar a relação entre discriminação interpessoal percebida e qualidade de vida;

 Investigar se a interseção entre marcadores de posição social e sua relação com qualidade de vida é explicada pela percepção de discriminação interpessoal.

1.2 HIPÓTESE

Os marcadores de posição social e suas intersecções afetam a qualidade de vida dos adultos e o efeito interativo de classe, raça e gênero sobre a qualidade de vida é parcialmente mediado pelas experiências de discriminação interseccionais.

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23 2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DAS DISCUSSÕES DE GÊNERO NO BRASIL

As discussões sobre o conceito de gênero surgem no final da década de 1970, quando feministas norte-americanas passam a questionar o determinismo biológico da categoria sexo (SIQUEIRA, 1997). No Brasil, o conceito foi introduzido na academia no mesmo período, mas os estudos de gênero só ganharam força com a publicação da tradução, em 1995, do artigo de Joan Scott, intitulado ―Gênero: uma categoria útil de análise histórica‖.

Scott (1990) apresenta o percurso histórico da elaboração da categoria gênero, que ocorreu em três vertentes: uma corrente que buscou explicar as origens do patriarcado, outra, de orientação marxista, que buscou encontrar uma explicação material para o gênero e a mais recente, pós-estruturalista, que objetivou explicar a produção e reprodução das identidades de gênero dos sujeitos sociais. Na abordagem pós-estruturalista, que tem influenciado os estudos brasileiros sobre a categoria, o gênero é concebido como elemento constitutivo das relações sociais e como forma básica de representar relações de poder naturalizadas (FONSECA, 2008).

Nessa perspectiva, gênero passa a ser um conceito adotado pelas ciências sociais que, objetivando distinguir o social do biológico, vem discutir a construção social do sexo. O conceito visa explicar os meios pelos quais a cultura constrói o gênero, ao atribuir certas atividades, comportamentos e funções ao masculino e feminino (HEILBORN, 2002). Como afirma Butler (1990), gênero se torna o aparato a partir do qual os sexos são estabelecidos. Tal noção permite a desconstrução da ideia do sexo biológico como demarcador de identidades (TONELI, 2012).

Como afirma Bourdieu (2012), as diferenças biológicas serviram como justificativas naturais para as diferenças socialmente construídas, principalmente relacionadas ao trabalho. O conceito de gênero vem demonstrar que as desigualdades existentes entre homens e mulheres não são resultados apenas de diferenças anatomofisiológicas, mas de diferenças construídas histórica e culturalmente, que resultam em desvantagens para as mulheres (SILVA, 2013). Dessa forma, o gênero passa a ser compreendido como uma construção social baseada em relações assimétricas, atravessadas por tramas de poder (SCOTT, 1990).

Para Siqueira (2002), o gênero enquanto categoria descritiva permite descrever como as relações sociais se estruturam e seu funcionamento e, enquanto categoria analítica permite

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24 analisar essas relações de forma contextualizada. Assim, o conceito de gênero tem sido utilizado para desnaturalizar e deslegitimar as práticas de violência e opressão que ocorreram historicamente na vida das mulheres e de pessoas que não se encaixam nos padrões heteronormativos (SILVEIRA; NARDI, 2014).

A utilização desse conceito na saúde tem sido fundamental para compreender as consequências das relações de gênero na determinação no processo saúde-doença (FONSECA, 2008). Compreensão esta, que ultrapassa o determinismo biológico dos desfechos de saúde, abarcando a dimensão social do processo saúde-doença (SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005). Nesta perspectiva, as doenças e agravos passam a ser considerados como uma resposta à combinação de causas biológicas e socioculturais que impactam as condições de saúde (BIRD; RIEKER, 1999).

Alguns destes impactos já estão bem documentados na literatura. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 estimou que o uso recente de álcool, definido como o consumo de qualquer quantidade de bebida alcoólica nos últimos 30 dias, foi de 14,4% em mulheres e 38,1% em homens. Entre os homens, o uso episódico excessivo (consumo de cinco ou mais doses, em uma única ocasião, nos últimos 30 dias), esteve diretamente associado à idade jovem e estado civil solteiro/divorciado, e inversamente associado à raça/cor branca (GARCIA; FREITAS, 2015, MALTA et. al., 2015, MACHADO et al., 2017).

A mortalidade geral em todas as idades, medida em 2005 no estado de São Paulo, foi maior para os homens do que para as mulheres, refletindo o impacto de mortes violentas sobre o gênero masculino (BARATA, 2009). De maneira geral, os homens morrem mais por causas externas, como homicídios e acidentes de trânsito (FERRAZ; KRAICZYK, 2010, SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005). Estes agravos podem ser compreendidos como consequência do modo como a masculinidade é exercida no meio social, demonstrando a forma como as atribuições simbólicas feitas aos homens e mulheres resultam em comportamentos que os predispõem doenças e agravos (SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005).

Estudos demonstram que as mulheres procuram mais os serviços de saúde em relação aos homens, fato que pode estar associado com estereótipos de gênero (COUTO; GOMES, 2012, GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007, LEVORATO et. al., 2014). Porém, o acesso a esses serviços pode ser dificultado em função de desigualdades sociais que aumentam a vulnerabilidade de alguns grupos de mulheres como aquelas que se prostituem, abortam ou estão infectadas com HIV (VILLELA, MONTEIRO, 2015).

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25 As desigualdades de gênero também podem ser observadas no campo da saúde mental. Um achado recorrente na literatura é que as mulheres apresentam uma prevalência maior de ansiedade, depressão, sintomas de estresse e outros transtornos mentais comuns, quando comparadas com os homens (PATEL et al., 1999, LUDERMIR; LEWIS, 2005, WOTTRICH et al., 2011, STOPA et al., 2015). Esses dados apontam o caráter social da doença mental, e podem estar associados a diversos fatores, tais como: os papéis sociais exercidos pelas mulheres (STOPA et al., 2015), a depreciação social das mulheres (FERRAZ, KRAICZYK, 2010), sua subalternidade em relação aos homens, forma de inserção no mercado de trabalho, sobrecarga na execução de tarefas domésticas e a participação restritra em instâncias da vida social. (BASTOS et al., 2018).

Em relação à violência, as mulheres são mais submetidas àquelas de âmbito familiar e doméstico (FERRAZ; KRAICZYK, 2010, SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005). Segundo Vieira-da-Silva e Almeida Filho (2009), trata-se de um tipo de violência fruto da dominação de gênero que estrutura a sociedade ocidental e que varia de acordo com a condição econômica e recursos materiais e psicológicos para seu enfrentamento.

Trabalhando nesta perspectiva, diversos pesquisadores buscam demonstram como o gênero, construído socialmente, impacta a saúde dos indivíduos (EINSTEIN; SHILDRICK, 2009; GOCHFELD, 2010). Para tanto é preciso lembrar que não se trata de uma variável isolada ou autônoma, mas um conceito que só pode ser entendido em relação a fatores biológicos, locais sociais e sistemas de opressão (HANKIVSKY, 2012, FAUSTO-STERLING, 2000; 2005, BEKKER, 2003, SPRINGER; STELLMAN; JORDAN-YOUNG, 2012).

2.2 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DAS DISCUSSÕES DE RAÇA NO BRASIL

Como destaca Guimarães (1999), raça é um conceito relativamente recente na ciência e foi utilizado por muito tempo para expressar a ligação de um grupo de pessoas através de uma origem comum. O conceito foi introduzido pelo biólogo Georges Cuvier, no início do século XIX para expressar um conjunto de heranças físicas permanentes entre grupos humanos (SCHWARCZ, 1993). Entretanto, após a Segunda Guerra Mundial o conceito passou a ser revisto, através de uma iniciativa da UNESCO, dada a visão de supremacia entre grupos que carregava (SCHWARCZ, 1997).

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26 Santos e Maio (2004) dividem os estudos brasileiros sobre raça em três vertentes explicativas: o paradigma biológico, que inicia as discussões sobre raça por volta de 1870; o paradigma cultural, elaborado a partir da década de 1930 e tendo como expoente Gilberto Freyre; e o paradigma social, que emergiu na década de 1950 com Florestan Fernandes. Os autores supracitados observam ainda que, a partir da década de 1970, a vertente social se desdobrou nos estudos de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, cuja visão influencia as discussões sobre raça até dos dias atuais.

De forma sintetizada, o paradigma cultural baseia-se na inexistência de discriminação racial no país. O paradigma social, de Florestan Fernandes, inicialmente estabelece que a discriminação, embora ocorra de forma ampla e generalizada, é transitória. No aprofundamento do paradigma social, Hasenbalg e Nelson do Valle Silva estabelecem que a discriminação racial é estrutural e persistente (TELLES, 2004). Telles (2004) propõe, ainda, uma divisão dos estudos sobre raça baseado nos autores que defendiam a existência de uma democracia racial, através de uma nação que incluía socialmente os negros, e autores que se opunham a esta ideia, argumentando que o país era caracterizado pela exclusão racial.

Santos e Maio (2004) destacam que, para os intelectuais e cientistas de meados do século XIX, a heterogeneidade racial que o Brasil experimentava após a abolição da escravidão submeteria o país a um processo de degeneração racial. De forma a solucionar esse problema, baseados em ideias eugenistas, estudiosos da área introduziram a noção de branqueamento racial que via na mestiçagem de brancos e não brancos a solução para a tal degeneração (TELLES, 2004). Porém, a miscigenação foi vista de forma nociva, representando um atraso e inviabilidade da nação brasileira (SCHWARCZ, 2001).

A partir da década de 1930, a miscigenação foi ressignificada através da obra de Gilberto Freyre, que a coloca como ponto central da identidade nacional e símbolo da cultura brasileira (TELLES, 2004). A mestiçagem passa a ser vista cada vez menos como biológica e mais como cultural, tornando-se via de redenção da nação brasileira através da sua singularização e consequente tolerância racial (SCHWARCZ, 2001). Para Freyre e seus seguidores, a desigualdade racial existente era um produto da escravidão, prevendo que a mestiçagem permitiria o desaparecimento destas desigualdades em pouco tempo e a discriminação se tornaria um problema social irrelevante (TELLES, 2004). Como ressalta Guimarães (2006), Freyre defendia que poderiam ocorrer casos isolados de preconceito, mas a discriminação não existiria enquanto fenômeno social, uma vez que os brancos não teriam motivos para se sentir ameaçados pelos negros. Dessa forma, as discriminações raciais

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27 passaram a ser compreendidas pelo senso comum como discriminação de classe, resultando na invisibilidade da questão racial no país (GUIMARÃES, 2002).

Uma vez que a ideologia vigente negava a possibilidade de existência de qualquer tipo de racismo, a elite brasileira passou a promover a ideia de democracia racial, apesar das contestações, sustentando o ideário de desenvolvimento econômico e civil do país (TELLES, 2004). Criou-se o que Guimarães (2002) denominou de ideal político de convivência igualitária entre brancos e negros. Para Santos e Maio (2004), essa perspectiva de democracia racial não produziu tolerância racial e resultou em uma falsa consciência de democracia, criando um dispositivo de manutenção das relações sociais desiguais ao desconsiderar os problemas raciais.

Esse ideal de democracia levou o Brasil a ser reconhecido internacionalmente por sua harmonia racial, de maneira que, após as experiências de racismo e genocídio vividos na Segunda Guerra Mundial e com vistas a minimizar a conotação biológica da categoria raça, a UNESCO buscou no Brasil formas de compreender sua ―bem-sucedida experiência‖ (TELLES, 2004, SANTOS; MAIO, 2004). Entretanto, a pesquisa liderada por Florestan Fernandes a pedido da instituição, denunciou a falácia da democracia racial, apontando a existência de discriminação e demonstrando que o ideal político de convivência racial em nada tinha alterado a real situação dos brasileiros (SCHWARCZ, 2001).

Florestan Fernandes e seus colaboradores concluíram que o racismo era uma prática muito difundida no Brasil, constatando que os brancos eram preconceituosos com os negros e se beneficiavam com a dominação racial, denunciando o que chamou de ―mito da democracia racial‖. Entretanto, o pesquisador atribuiu à escravidão a responsabilidade pelos efeitos sociais e psicológicos experimentados pelos negros, que os tornou inaptos a competir de forma igualitária no atual mercado de trabalho industrializado. Porém, acreditava que a discriminação era incompatível com o modelo de sociedade capitalista, tendendo a desaparecer com seu desenvolvimento, ainda que os brancos primassem pela manutenção de seus privilégios (TELLES, 2004).

No final da década de 1970, as pesquisas quantitativas sobre desigualdades raciais no Brasil, desenvolvidas pelos sociólogos Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, contribuíram com a discussão sobre o mito da democracia racial. Os autores também criticaram a perspectiva de Florestan Fernandes quanto à atribuição das desigualdades raciais a resquícios da escravidão e à desigualdade de classe, afirmando que o preconceito e a discriminação teriam assumido novas funções e significados sociais após a abolição da

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28 escravidão, sobretudo na sociedade capitalista (SANTOS; MAIO, 2004). Guimarães (1999) destaca que, para Hasenbalg, a integração social do negro, na forma como foi conduzida, resultou em desvantagens permanentes que o preconceito e racismo só viriam a reforçar.

Guimarães (1999) chama atenção para a necessidade de uma discussão sobre a nacionalidade brasileira, uma vez que o processo histórico de pertença nacional suprimiu sentimentos étnicos e raciais com seu ideal de homogeneidade. Para o autor, o embranquecimento é uma expressão explícita do pensamento racial brasileiro e o ideal Freyriano apenas tornou este racismo implícito ao ressignificar a possibilidade de integração de não brancos à sociedade sem, no entanto, alterar os pressupostos racistas. Neste processo o Brasil acabou por desenvolver o que alguns autores convencionaram chamar de racismo à brasileira (GUIMARÃES, 1999, SCHWARCZ, 2001, TELLES, 2004). Trata-se de um racismo travestido de antirracista, assimilacionista, que difunde a ideia de universalidade das leis e que persiste como fenômeno social, ainda que não mais justificado pela biologia. Nas palavras de Schwarcz (2001), um mito que está longe de ser extinto.

Reflexos desse racismo persistente podem ser observados na saúde. Um estudo conduzido com dados da Pesquisa Nacional de Parto e Nascimento com objetivo de analisar as iniquidades na atenção pré-natal e parto segundo raça/cor demonstrou que as puérperas de cor preta possuíam maior risco de ter um pré-natal inadequado, falta de vinculação a maternidade, ausência de acompanhante (cuja presença é garantida por lei), peregrinação para o parto e receber menos anestesia local para episitotomia quando comparadas com as mulheres brancas (LEAL et al., 2017). Uma pesquisa com objetivo semelhante, conduzida no Maranhão, constatou que todas as mulheres de cor preta e parda gostariam de receber mais atenção e acolhimento e ser mais ouvidas na hora do parto (BELFORT; KALCKMANN; BATISTA, 2016).

Ao analisar os fatores determinantes da vulnerabilidade das mulheres negras a HIV/Aids, Santos (2016), observou que as mulheres negras apresentaram maior risco adoecimento e morte por Aids e outras patologias quando comparadas às mulheres brancas, sendo o racismo institucional uma das hipótese explicativas para tal desfecho. Cardoso, Santos e Coimbra-Junior (2005) e Lopes (2005) constataram que, no Brasil, taxas de mortalidade são mais elevadas entre crianças negras quando comparadas com pardas e brancas. Em relação à saúde mental, diversos estudos apontam prevalências mais elevadas de sintomas depressivos entre negros e não brancos (ALMEIDA FILHO et al., 2004, GUIMARÃES et al., 2009, ANSELMI et al., 2008, BASTOS et al., 2014).

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29 Estudos nacionais e internacionais demonstraram que as desigualdades raciais afetam a hipertensão, cuja prevalência é mais elevada em negros em relação aos brancos (BRONDOLO et al., 2011, KRIEGER, 2014, LESSA et al., 2006). Essa diferença pode estar relacionada a discriminações que submetem os negros a níveis mais elevados de estresse (BASTOS et al., 2018). Segundo Brondolo et al. (2011), tanto o racismo estrutural quanto o interpessoal, podem influenciar a prevalência de hipertensão. Os autores também destacam que os níveis mais baixos de posição socioeconômica predizem níveis mais elevados de discriminação. Dessa forma, o racismo é capaz de afetar mesmo aqueles individuos de grupos étnicos minoritários que superaram barreiras estruturais e ascenderam ecnomicamente (WILLIAMS, 1999).

2.3 PERCURSO HISTÓRICO E TEÓRICO DAS DISCUSSÕES DE CLASSE NO BRASIL

Durante a década de 1970, cientistas sociais buscaram formular conceitos de classes que explicassem a desigualdade e exclusão social que o modelo de desenvolvimento econômico vinha causando no Brasil. As dificuldades metodológicas e conceituais encontradas diminuíram o interesse pela temática na década de 1990, mas, na última década, a dinâmica social trouxe a necessidade de retomada dessa discussão, considerando a classe como um elemento-chave para se conhecer o processo de reprodução social. Ao longo desse percurso, foram adotadas diferentes correntes teóricas e conceitos de classe e, embora todos descrevam o fenômeno, alguns demonstraram maior potencial explicativo do que outros (BARATA et al., 2013).

Como destaca Singer (1981), classe social pode ser compreendida como agrupamentos qualitativos que resultam do modo de produção de uma formação social, no caso brasileiro, uma formação social capitalista. Nesse modelo econômico, os meios de produção são de propriedade privada de uma minoria, que detém o poder sobre a vida econômica e se apropria dos excedentes desta produção. Aos demais, cabe vender sua capacidade de produção aos detentores dos meios, formando a classe trabalhadora assalariada.

Para as abordagens weberianas e marxistas, o mercado se torna o principal determinante das oportunidades econômicas e sociais dos indivíduos. Enquanto as relações no mercado de trabalho definem as estruturas de classe, as relações sociais que estabelecem distinções entre indivíduos definem hierarquias de status e a articulação destas estruturas resultará em um conjunto de oportunidades econômicas e sociais dos ocupantes de cada classe

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30 (BARATA et al., 2013). Santos (2005) desenvolve uma tipologia de classe baseada nas ideias do neomarxista Erik Olin Wright, estabelecendo que a distribuição desigual de poderes e direitos sobre os recursos produtivos, que dá origem à estrutura de classes, condiciona as oportunidades de vida dos indivíduos, gerando efeitos de segunda ordem, como padrões de saúde e atitudes pessoais destes indivíduos.

Souza (2017) analisa a construção histórica de classes no Brasil a partir da abolição da escravidão que instaura um mercado formal competitivo de trabalho livre, baseado na mão de obra de imigrantes estrangeiros que chegam ao país a partir da década de 1880. Com base nos estudos de Florestan Fernandes, o autor identifica que a sociedade de classes pós-escravidão era formada por famílias proprietárias de terra que ocupavam o topo da hierarquia, seguidos pela mão de obra estrangeira que, acostumada a trabalhar nos moldes capitalistas, produzia mais com menor custo. Abaixo desses, encontrava-se uma camada de brancos que passaram a se deslocar do campo para as cidades e, mais abaixo ainda, uma classe composta pelos recém libertos, mulatos e mestiços, que, abandonados pelo Estado, não encontraram condições de competir no mercado e passaram a experimentar uma nova forma de exploração, uma classe que o autor denominou de ―ralé brasileira‖ (SOUZA, 2017).

Singer (1981) destaca que as relações de classe são, em sua natureza, relações de dominação e exploração em que os detentores de privilégios acumulam também as maiores quantias de renda, de forma que renda e estrutura de classe se tornam congruentes, mas não intercambiáveis. A repartição de renda acaba por distinguir ricos de pobres (e camadas intermediárias), e a pobreza representa uma deficiência na integração ao mercado de trabalho de uma classe que não consegue vender sua força por um valor adequado. Dessa forma, embora a renda não seja a única variável que explica as desigualdades, sua importância na definição da estrutura de classe a colocou no centro dos estudos dos economistas que buscaram compreender tal estrutura no país.

Para Ramos (2007), a dinâmica do mercado de trabalho e sua relação com as estratificações sociais já existentes resulta em desigualdades de renda por diversos fatores, tais como: diferenças associadas aos postos de trabalho, heterogeneidade no potencial produtivo dos trabalhadores, remuneração diferencial entre trabalhadores com mesmo potencial produtivo e práticas discriminatórias que levam a diferenças de remuneração entre trabalhadores com mesmo potencial produtivo em função de atributos não produtivos como raça e sexo. Dessa forma, o mercado assume tanto uma função de produtor de desigualdades quanto de revelador destas.

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31 Souza e Carvalhaes (2014) destacam que a desigualdade de renda, e a redução dessa desigualdade experimentada entre 2002 e 2011, foi um dos fenômenos mais estudados no Brasil com alguns consensos já estabelecidos. Embora a estrutura de classe brasileira não tenha sido alterada, as desigualdades de classes diminuíram no período, o que se deve em parte ao impacto de programas de transferência pública de recursos como Bolsa Família, mas, sobretudo, ao mercado de trabalho, principalmente em virtude das mudanças na composição educacional de seus trabalhadores. Diante das dificuldades de um governo em modificar as estruturas de classe em curto prazo, a educação tem se mostrado muito sensível às políticas públicas com impacto importante sobre a redução de desigualdades em médio prazo. Porém, em longo prazo, o processo de redução destas desigualdades tende a depender mais de outras dimensões que não só a educação, como o acesso à propriedade e organização do trabalho.

Souza (2017) chama atenção para a necessidade de compreender a categoria classe como um fenômeno sociocultural, e não apenas econômico, uma vez que o pertencimento a determinada classe possibilita o sucesso social de uns em detrimento do fracasso de outros. Este sucesso (ou fracasso) é determinado, principalmente, pelo acesso ao capital econômico e cultural1, que se tornam objetos de luta de todas as classes que buscam seu monopólio a fim de garantir a reprodução de seus privilégios de modo permanente. Enquanto a classe mais elevada detém o capital econômico e cultural, a classe média possui capital econômico suficiente para lutar pelo capital cultural através dos estudos, daí a ideia de ascensão social como mérito do esforço pessoal.

A realidade dos filhos das classes pobres exige que ingressem no mercado de trabalho muito cedo, em busca do capital econômico, necessitando conciliar estudo com trabalho, o que resulta na formação de uma classe trabalhadora desqualificada, utilizada para realização de trabalhos corporais penosos e culpada pelo seu próprio fracasso. Trata-se de um círculo de dominação que se encerra quando o trabalhador, vítima de preconceito e abandono social, se sente culpado pelo seu destino que já estava pré-determinado. Daí a importância de

1 – Trata-se do conceito de capital segundo a perspectiva de Pierre Bourdieu. Bourdieu (1989) compreende o espaço social como um campo de lutas onde indivíduos e grupos elaboram estratégias que permitem manter ou melhorar sua posição social. Essas estratégias estão relacionadas com os diferentes tipos de capital. O capital econômico, que inclui fatores de produção e conjunto de bens econômicos, é acumulado, reproduzido e ampliado por meio de estratégias específicas de investimento econômico e de investimentos culturais resultando na manutenção de relações sociais. O capital cultural, que tem na educação uma possibilidade de acumulo, é um recurso tão útil quanto o capital econômico na determinação e reprodução das posições sociais. O autor observou que a seletividade educacional marginaliza os alunos oriundos de classes pobres e privilegia aqueles que possuem capital econômico, cultural e social, o que contribui no acúmulo dos capitais, geração após geração.

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32 compreender a estrutura de classe além da noção de renda, de forma que, ao se perceber como as tradições e heranças de classe pré-determinam a vida dos indivíduos, se busquem maneiras de reduzir as desigualdades (SOUZA, 2017).

Diante destas desigualdades e privilégios, o conceito de classe social se torna uma categoria importante para compreensão da determinação do processo saúde-doença. Os riscos a que os indivíduos encontram-se submetidos tendem a se distribuir de forma desigual entre as classes de maneira que, quanto melhor a posição na estrutura de classes, maior a possibilidade de que seus membros desfrutem de vidas mais saudáveis. Dessa forma, a posição na estrutura de classe acaba por determinar não apenas o acesso à posse e bens materiais, mas, apresenta relações diretas e indiretas sobre a saúde dos indivíduos, uma vez que os torna vulneráveis a vários determinantes de saúde e influencia a percepção de problemas de saúde e a busca de soluções (BARATA et al., 2013).

Casas, Dachs e Bambas (2001) salientam que as distribuições dos estados de saúde e acessos a serviços em diferentes grupos socioeconômicos colocam os grupos mais vulneráveis em desvantagens contínuas. Os autores observam que, embora as estatísticas nacionais de saúde dos países latino-americanos tenham apresentado melhoras significativas, estas melhoras não ocorreram de forma homogênea entre os grupos socioeconômicos. Desse modo, os autores sugerem que as políticas públicas nesses países levem em conta tais desigualdades e busquem estabelecer políticas sociais de longo prazo que garantam a distribuição de renda e benefícios sociais como forma de reduzir as lacunas entre suas classes e promover maior acesso aos cuidados básicos de saúde.

Diversos estudos já apontaram a estreita relação entre a pobreza e condições de saúde (GALEA et al., 2011, BRAVEMAN; GOTTLIEB, 2014) e que os comportamentos relacionados à saúde são moldados por fatores sociais, incluindo renda, educação, e emprego (BRAVEMAN; GOTTLIEB, 2014, BRAVEMAN; EGERTER; BARCLAY, 2011, STRINGHINI et al., 2010). Uma meta-análise realizada por Galea et al. (2011), demonstrou que o número de mortes, ocorridas em 2000 nos Estados Unidos, atribuível baixa escolaridade, à segregação racial e ao baixo apoio social era comparável ao número de mortes atribuíveis ao infarto do miocárdio e câncer de pulmão.

Um estudo de base populacional realizado com dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, concluiu que 10,5% da população brasileira se sentiam discriminadas nos serviços de saúde, sendo a falta de dinheiro e classe social os motivos associados a tal tratamento (BOCCOLINI, 2016). Do mesmo modo, dados da pesquisa Mundial de Saúde apontam que o

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33 poder aquisitivo e classe social são as razões mais comuns relatadas como causa para a discriminação nos cuidados de saúde (TRAVASSOS et al., 2011).

Diversos estudos apontam a associação entre renda familiar e hipertensão arterial (FREITAS et al., 2001, PICCINI, VICTORA, 1994). Indivíduos com pior situação de renda familiar per capita apresentaram prevalência elevada de transtornos mentais comuns (LUDEMIR; MELO-FILHO, 2002). A tuberculose é uma doença reconhecidamente atrelada à pobreza (SANTOS et al., 2007, GONCALVES, 2000, ROSEMBERG, 1999, CECCON et al., 2017, PEDRO et al., 2017, MACIEL; SALES, 2016). Um estudo realizado em São José do Rio Preto, São Paulo, constatou que as características socioeconômicas foram responsáveis por 87% da variação total da prevalência de tuberculose na população, observando que a doença incide com mais força nas áreas mais pobres (SANTOS et al., 2007).

Dessa forma é inegável que a posição de classe determina muitos aspectos da vida material dos indivíduos, definindo não apenas o acesso e a posse de recursos materiais, mas também as atividades da vida cotidiana e a vulnerabilidade em face de inúmeros determinantes de saúde e doença (BARATA et al., 2013). Entretanto, uma análise focada unicamente nas relações de classe pode deixar de fora o modo como as relações de gênero e o racismo configuram a dominação no capitalismo, posicionando as mulheres e a população não-branca em hierarquias que não estão contidas apenas na classe, nem existem de forma independente e paralela a ela (BIROLI, 2015).

2.4 INTERSECCIONALIDADE COMO CATEGORIA DE ANÁLISE EM PESQUISAS DE SAÚDE

A discussão sobre interseccionalidade surge da relação entre movimentos sociais e a academia (COLLINS, 2017). Trata-se de uma perspectiva desenvolvida a partir da década de 1990, nos países anglo-saxônicos, como herança do feminismo negro (HIRATA, 2014). O termo foi utilizado pela primeira vez pela jurista norte-americana Kimberlé Crenshaw, em 1989, para demonstrar a forma como raça e sexo interagiam e moldavam as experiências das mulheres negras (CRENSHAW, 1989, CRENSHAW, 1991).

A perspectiva interseccional sugere que a discriminação sobre grupos ou indivíduos só pode ser compreendida na conjuntura de múltiplas desigualdades (CRENSHAW, 1991). Refere-se a uma perspectiva que propõe que, na construção social de identidades, diversos sistemas de desigualdade interagem e reforçam-se mutuamente (CRENSHAW, 1989,

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34 COLLINS, 2000). Segundo Bastos et al. (2017), a interseccionalidade chama atenção para a forma como, não só a raça e gênero, mas outras hierarquias como classe e idade se cruzam, moldando as experiências dos indivíduos, suas identidades e visão de mundo. Estas identidades interseccionais acompanham os indivíduos em todas as interações sociais (COLLINS, 1993). Dessa forma, múltiplos sistemas de desigualdade estruturam a forma como os indivíduos se relacionam interpessoalmente e institucionalmente, produzindo matrizes de dominação específicas a cada contexto social. Como resultado, têm-se desigualdades interseccionais que, embora possam ser universais, são principalmente organizadas pelo contexto local (COLLINS, 2000).

O efeito de fatores como sexo, raça, gênero não caracteriza um somatório que verticaliza as desigualdades, nem ocorre do mesmo modo para todos os indivíduos em todos os contextos (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015). A ideia presente na interseccionalidade é a de que a combinação destes e outros fatores agravam as experiências de determinados grupos e indivíduos de forma multiplicativa. Do mesmo modo, nos grupos dominantes, a intersecção de determinadas características pode levar a vantagens multiplicativas (VEENSTRA, 2011). Esta multiplicatividade demonstra a forma como a intersecção de desigualdades acaba por criar ―locais sociais complexos‖ (VEENSTRA, 2013).

Assim, as investigações sobre os efeitos de caraterísticas interseccionais nascem da crítica à incapacidade das abordagens de discriminação em um único eixo ou em múltiplos eixos aditivos em explicar e resolver os problemas de sujeitos multiplicadamente marginalizados (HANCOK, 2007). Surge justamente para abordar um efeito não aditivo das categorias sociais sobre a identidade dos indivíduos, permitindo que se estudem desfechos de saúde em diferentes intersecções, em relações interpessoais, práticas institucionais e políticas (BAUER, 2014).

Como destacam Bastos, Harnois e Paradies (2017), a interseccionalidade permite observar o efeito da combinação de múltiplas discriminações em grupos desfavorecidos e as consequências de diferentes percepções de discriminação em múltiplos eixos de desigualdade. Crenshaw (2004) destaca que, em um país como o Brasil onde características como gênero e raça estruturam desigualdades sociais, este conceito tem um significado especial e um potencial para democracia e redução de desigualdades. Dessa forma, a interseccionalidade permite abordar as desigualdades em saúde de outras maneiras contribuindo com a saúde pública (VEENSTRA, 2011).

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35 Bauer (2014) salienta que o uso da interseccionalidade como categoria de análise nas pesquisas em saúde ocorreu sobremaneira através de abordagens qualitativas. Pesquisas quantitativas que utilizaram esta perspectiva são escassas. No Canadá, Veenstra (2011), estudou o efeito da relação entre raça, gênero, classe e orientação sexual sobre a saúde auto avaliada, concluindo que cada eixo de desigualdade interagia com pelo menos outro afetando o desfecho. Outra pesquisa realizada no país, apontou que a interação entre raça, gênero e renda aumentava o risco de hipertensão para mulheres negras e que a associação entre gênero, renda e hipertensão ocorria de forma diferente entre negros e asiáticos do sul do país (VEESNTRA, 2013).

Estudos no campo da violência demonstram que a violência contra as mulheres não se deve apenas a relações de poder de gênero, mas também se engendra na estratificação racial e de classe e outros sistemas de opressão (BENT-GOODLEY, 2007, NIXON; HUMPHREYS, 2010, SANDELOWSKI; BARROSO; VOILS, 2009). Pesquisas sobre HIV/Aids demonstram que gênero e sexualidade não podem ser separados de outros eixos que os moldam, tais como: raça, classe, idade, religião, estrutura econômica, processos políticos e sociais (DWORKIN, 2005, ELFORD et al., 2006, JACKSON; REIMER, 2008, MEYER et al., 2010).

Uma pesquisa conduzida no Rio de Janeiro, com objetivo de verificar a vulnerabilidade ao HIV/aids de adolescentes femininas moradoras de favelas demonstrou que a discriminação racial contribui para a construção de uma autoimagem negativa que, aliada à pobreza, violência de gênero e dificuldade de acesso a serviços de saúde ampliavam a vulnerabilidade desta população a DST/aids (TAQUETTE, 2010). Um estudo transversal realizado no Rio de Janeiro com objetivo de analisar as desigualdades sociais no acesso a serviços de saúde de puérperas que demandaram atenção hospitalar ao parto constatou a existência de duas formas de discriminação, por nível educacional e cor da pele (LEAL; GAMA; CUNHA, 2005). Estes e outros estudos apontam para a forma como o racismo percebido se combina a outras formas de discriminação que criam barreiras aos cuidados de saúde (BASTOS; HARNOIS; PARADIES, 2018).

Ao estudar o impacto da interação da idade, classe e raça sobre a saúde mental de estudantes universitários, Bastos et al. (2014), observaram que indivíduos que relatam discriminação múltipla tiveram sua saúde mais afetada negativamente quando comparados com indivíduos que relataram discriminação em um único eixo de desigualdades. Segundo Harnois e Bastos (2018), indivíduos que perceberam múltiplas formas de maus-tratos no trabalho apresentaram saúde mental pior em relação aqueles não perceberam ou sofreram

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