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A MOLDURA NORMATIVA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA, SEU CAMPO SOCIAL E OS DESAFIOS PÓS-MODERNOS E PÓS-NORMAIS

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Academic year: 2021

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FREDERICO AUGUSTO DE DEUS COSTA DANIN – TEN-CEL QOBM

A MOLDURA NORMATIVA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA,

SEU CAMPO SOCIAL E OS DESAFIOS PÓS-MODERNOS E

PÓS-NORMAIS

Trabalho de Conclusão de Curso - Ensaio apresentado ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso Superior de Inteligência Estratégica.

Orientador: CMG (FN) Ricardo Antonio Cazumba.

Rio de Janeiro 2020

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C2020ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa.

Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG

_________________________________

FREDERICO AUGUSTO DE DEUS COSTA DANIN

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Elaborada pelo bibliotecário Antonio Rocha Freire Milhomens – CRB-7/5917

D183m Danin, Frederico Augusto de Deus Costa

A moldura normativa da inteligência brasileira, seu campo social e os desafios pós-modernos e pós-normais / Tenente Coronel QOBM/Comb Frederico Augusto de Deus Costa Danin. - Rio de Janeiro: ESG, 2020.

24 f.

Orientador: CMG (FN) Ricardo Antonio Cazumba

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE), 2020.

1. Bourdieu, Pierre, 1930-2002. 2. Pós-modernismo.3. Serviço de inteligência - Brasil. I. Título.

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AGRADECIMENTOS

Quando perpassamos na memória o caminho percorrido para que o presente trabalho seja entregue e tão curto espaço de tempo e densidade que nos propusemos a fazer, não podemos deixar de demonstrar a gratidão aos envolvidos, virtude que ora está um pouco esquecida, mas que é essencial para demonstrar nossa humanidade no ato de retribuir sem esperar nada mais em troca.

Por essa razão, registro os agradecimentos aos colegas de turma do Curso Superior de Inteligência Estratégica de 2020, Turma Confidere, por tornarem os ambientes de aprendizagem sempre mais leves e saudáveis.

Aos professores e instrutores, agradeço pelos conhecimentos passados ao longo desse tempo, pois demonstraram de inúmeras formas que se dedicaram a ampliar os horizontes de conhecimento dos especializandos.

Ao Comandante Cazumba pelas oportunas críticas feitas no decorrer do trabalho acadêmico, primando pela fidelidade acadêmica e precisão linguística do artigo.

Ao amigo Antônio Suxberger, que em suas horas vagas dedicou tempo para debater e questionar a temática proposta, somando sobremaneira na conclusão do presente trabalho.

Por fim, agradeço ao Excelentíssimo Senhor Cel. QOBM/Comb. Lisandro Paixão dos Santos, Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, pela oportunidade de fazer o presente curso, ampliando os horizontes desse Oficial para uma formação estratégica e alinhada com os interesses institucionais.

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RESUMO

O presente artigo tem por objetivo indicar a moldura normativa da atuação de inteligência do Estado brasileiro e, definido seu campo de atuação, sob a ótica das categorias operacionais de Bourdieu, problematizar o secretismo como valor institucional de atuação do campo e as tensões decorrentes do compartilhamento de informação interinstitucional e interórgãos de Estado. Essa moldura normativa, ao fim, será cotejada com as concepções de mundo pós-moderno e pós-normal, que alcançam o nível de desenvolvimento do Estado brasileiro no contexto internacional. O trabalho possui natureza dialética e utilizou-se da técnica de análise de conteúdo de Bardin para avaliação qualitativa dos elementos normativos estruturantes do Sistema Brasileiro de Inteligência.

Palavras chave: Bourdieu. Serviço de Inteligência. Pós-modernidade. Pós-normal.

Secretismo. Campo social. Habitus.

ABSTRACT

This article aims to indicate the normative framework of the Brazilian State's. intelligence performance and, defining its field of action, from the perspective of. Bourdieu's operational categories, problematize secrecy as the institutional value of the field's performance and the tensions arising from sharing interinstitutional information and state agencies. This normative framework, at the end, will be compared with the postmodern and postnormal conceptions of the world, which reach the level of development of the Brazilian State in the international context. The work is dialectical in nature and Bardin's content analysis technique was used to qualitatively assess the normative elements that structure the Brazilian Intelligence System.

Keywords: Bourdieu. Intelligence Service. Postmodernity. Post-normal. Secrecy.

Social field. Habitus.

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo indicar el marco normativo del desempeño de inteligencia del Estado brasileño y, definiendo su campo de acción, desde la perspectiva de las categorías operativas de Bourdieu, problematizar el secreto como el valor institucional del desempeño del campo y las tensiones que surgen de compartir información interinstitucional y agencias estatales. Este marco normativo, al final, se comparará con las concepciones posmodernas y postnormales del mundo, que alcanzan el nivel de desarrollo del Estado brasileño en el contexto internacional. El trabajo tiene una naturaleza dialéctica y la técnica de análisis de contenido de Bardin se utilizó para evaluar cualitativamente los elementos normativos que estructuran el Sistema de Inteligencia brasileño.

Palabras clave: Bourdieu. Servicio de inteligencia. Postmodernidad Post-normal.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 6

2 TEORIA DE CAMPO E HABITUS ... 7

3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ... 10

4 A INTELIGÊNCIA BRASILEIRA E A TEORIA DE BOURDIEU ... 12

5 O MUNDO PÓS-MODERNO E PÓS-NORMAL ... 16

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1 INTRODUÇÃO

A compreensão da realidade sempre foi objeto de estudos por parte da comunidade científica, mesmo que de formas mais rudimentares no passado remoto da nossa história, oscilando entre diferentes paradigmas filosóficos. Essa situação agravou-se sobremaneira nas últimas décadas, pois a evolução tecnológica ampliou exponencialmente a forma de comunicação entre as pessoas, instituições e o Estado e com esse avanço aumentaram as interações sociais e por conseguinte as crises diversas que se instalaram (HUTCHINSON, 2019; RATHMELL, 2020; RAVETZ, 1999; SERRA; SARDAR, 2017; SHINN, 2008). Dessa forma, a atuação do Estado deve ser orientada para a consecução dos objetivos da nação e para a superação dessas mesmas crises através de políticas públicas que instituam a atuação estatal através de diferentes vertentes, que no presente artigo focou-se na atividade de inteligência, definida e orientada por meio de suas leis e atos regulamentadores (BRASIL, 2017, 2002, 2012, 2018, 2016, 1999, 2011).

Nesse contexto, a atividade de inteligência, caracterizada pelo sigilo de atuação, possui características próprias que identificam seus atores e instituições. Ela se dirige ao assessoramento das autoridades com a finalidade de subsidiar a melhor construção dos processos decisórios e prevenir eventos que ameacem as estruturas do Estado (BYMAN, 2016; CEPIK, 2003; GONÇALVES, 2009; HUTCHINSON, 2019; KENT, 1967; PLATT, 1974).

Assim, reconhecida uma nova realidade conceitual do mundo pós-moderno e pós-normal, compreendidas pelo questionamento constante das verdades e da epistemologia científica, e da estruturação normativa da atividade de inteligência, com especial impacto no contexto brasileiro, o presente artigo problematizou a inteligência brasileira a partir das categorias operacionais de Bourdieu: campo e habitus (BOURDIEU, 2004, 2001; CATANI et al., 2017; THIRY-CHERQUES, 2006). Por meio de análise de conteúdo dos seus elementos normativos centrais e incidentais da atividade de inteligência (BARDIN, 2016), a investigação confrontou as perspectivas de crises pós modernas e pós-normais, para então definir os sentidos aplicáveis ao compartilhamento de informações no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência.

O objetivo do artigo consistiu em indicar a moldura normativa da atuação de inteligência do Estado brasileiro e, definido seu campo de atuação, problematizar o secretismo como valor institucional de atuação do campo e as tensões decorrentes

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do compartilhamento de informação interinstitucional e interórgãos de Estado. Essa moldura normativa, ao fim, foi cotejada com as concepções de mundo pós-moderno e pós-normal, que alcançam o nível de desenvolvimento do Estado brasileiro no contexto internacional.

A análise estrutural da atividade de inteligência com elementos extra campo da área de conhecimento da administração, especificamente no campo sociológico (PECI, 2003), foi desenvolvida por meio da definição de dimensões de conteúdo que se amoldavam às categorias operacionais de Bourdieu. De saída, o trabalho apresentou as categorias nominadas como habitus e capital, aplicadas respectivamente à atuação dos órgãos de inteligência em atenção à moldura normativa dessa ação de Estado, buscou-se uma compreensão dos elementos estruturantes e estruturados do campo da inteligência, em uma relação dialética entre a objetividade e subjetividade do objeto de pesquisa. Em seguida, foi comparada a modelagem da inteligência brasileira com as categorias então sustentadas por Bourdieu, a última seção analisará o compartilhamento das informações de inteligência em ambiência de crise nos contextos de modernidade e pós-normalidade.

Não coube ao presente artigo apurar informações específicas e de operações da atividade de inteligência, uma vez que seus registros possuem o sigilo legal, mas, a partir da dimensão normativa, foi possível identificar o alcance das categorias operacionais propostas. A metodologia empregada observou investigação exploratória da literatura especializada, com sua respectiva revisão, e análise documental, com especial atenção aos atos normativos sobre o tema, com o emprego de uma abordagem epistemológica predominantemente dialética (LAKATOS; MARCONI, 2003).

2 TEORIA DE CAMPO E HABITUS

O estudo da teoria do campo e habitus de Bourdieu (2001) decorre, em grande parte, da necessidade de explicar as relações sociais sem a estrita vinculação a uma abordagem exclusivamente subjetiva ou objetiva. Tal debate percorre amplamente as obras do autor, onde se questiona a dicotomia teórica entre os posicionamentos subjetivistas e da objetividade da observação metodológica, onde cada um observa o objeto de estudo apenas de forma parcial, sob seu viés específico, gerando

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conclusões incompletas da realidade social estudada, com perceptível visão reducionista do objeto de estudo.

O método objetivo criticado, segundo Bourdieu (2001, p. 4 do Capítulo I), decorre essencialmente da modelagem sociológica de avaliar os objetos de pesquisa segundo conceitos binários de certo ou errado, verdadeiro ou falso, reconhecimento ou desconhecimento de fatos, o que gera uma visão tecnocrática e parcial. Sob a perspectiva de Lopes (2009, p. 391), as críticas ao modelo objetivista decorrem de uma reificação do mundo social, onde as forças sociais exerceriam total influencia sobre os agentes sociais. Em sentido oposto, a visão subjetivista da pesquisa, feita através de mecanismos de observação diversos, sugere que as conclusões sejam influenciadas fortemente pela visão que os estudiosos possuem do mundo, formando correntes acadêmicas especificas, como é o caso da sociologia fenomenológica, da antropologia simbólica, entre outros.

Bourdieu (2001, p. 2-3 do Capítulo I) propunha que a verdadeira abordagem sociológica deve integrar os dois modelos, também chamados de teóricos e práticos, proporcionando assim uma perspectiva mais ampla, agregando entre a visão estruturalista do objeto de estudo e a percepção subjetiva do pesquisador, enfatizando a relação dialética entre objetividade e subjetividade. A solução vislumbrada pelo autor passa pela conceituação do campo, também conhecida por teoria do campo, que estrutura um espaço social relativamente autônomo, com regras próprias e cuja autonomia está associada diretamente à capacidade de refratar forças externas ou de retraduzir aquilo que lhe é pressionado.

O campo social, portanto, deve ser visualizado através de um sistema analítico que impõe relações sociais específicas, cujas estruturação se dá em razão da definição histórica e que estrutura a dinâmica dos relacionamentos que ocorrem no seu contexto. Todo campo social é ainda um campo de forças que visa lutar para conservar o poder ou o capital do espaço social1 observado. Nesse sentido, o capital constitui a capacidade que os atores do campo social têm de modificar as relações sociais do cenário. O campo tem regras próprias de distribuição desse capital, que é

1 Segundo Catani et al (2017, p. 101) o capital é “um ‘recurso’, segundo o modelo do ‘patrimônio’, isto

é, um estoque de elementos (ou ‘componentes’) que podem ser possuídos por um indivíduo, um casal, um estabelecimento, uma ‘comunidade’, um país, etc. Um capital é também uma forma de ‘segurança’, especialmente do ponto de vista do futuro; tem a característica de poder, em determinados casos, ser investido e acumulado de modo mais ou menos ilimitado.”

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uma espécie particular de poder simbólico, sempre fundado em atos de conhecimento e reconhecimento, ou seja, valorado segundo a intensidade que as demais pessoas estabelecem de crédito ao ator que subsiste do campo social (BOURDIEU, 2001, p. 4).

De forma mais didática Catani (2017, p. 65) apresenta os elementos fundamentais do campo segundo Bourdieu, em que o campo corresponde a um microcosmo inserido em um macrocosmo social, cujas posições sociais são disputadas pelos seus atores que visam se apropriarem do capital desse campo, sem que com isso busque-se a eliminação dele.

Necessariamente articulado ao conceito de campo, Bourdieu estabeleceu a estrutura de habitus como sendo não o comportamento derivado de um processo automatizado dos atores sociais, derivados exclusivamente do processo de sujeição social ao regramento do campo, mas como um comportamento orientado pelo sentido prático do campo social, sem que para isso os atores sociais possuam consciência racional de suas condutas.

Por essa razão o habitus constitui uma consequência direta da necessidade objetiva do ator social diante do campo, inclusive promovendo nos envolvidos o delineamento de estratégias objetivamente alinhadas às questões fáticas, mas esse estratagema não decorre da intenção explícita voltada a objetivos conscientemente almejados (BOURDIEU, 2001, p. 8). Dito de outra forma, Thiry-Cherques (2006, p. 33) esclarece:

Denota o sistema de disposições duráveis e transferíveis, que funciona como princípio gerador e organizador de práticas e de representações, associado a uma classe particular de condições de existência. O habitus gera uma lógica, uma racionalidade prática, irredutível à razão teórica. É adquirido mediante a interação social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta interação. É condicionante e é condicionador das nossas ações.

Por fim, o meio pelo qual os atores buscam a dominação do respectivo campo se dá pelo capital obtido por eles durante o processo histórico de formação desse campo. Embora tenha sido uma expressão emprestada da economia, em nada se relaciona com os valores financeiros dela decorrentes, mas possui características de poder, acumulável ou não, que podem ensejar a modificação das posições ocupadas pelos atores no campo ou mesmo ser utilizado para a manutenção do status quo (CATANI et al., 2017, p. 65, 101).

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Compreendido os conceitos fundamentais da teoria de campo e habitus de Bourdieu, passou-se a analisar os elementos, conceitos e estruturas que compõe a atividade de inteligência, especificamente no Brasil, uma vez que a problematização da atividade de inteligência, a partir de sua delimitação normativa, evidencia tensão entre o que seja a forma institucional de produção da informação de inteligência e seus diferentes usos dentro da institucionalidade brasileira. As dinâmicas presentes na relação entre as competências estabelecidas normativa e objetivamente e o modo pelo qual os atores públicos materializam essas competências puderam ser bem entendidas, justamente pelos aportes teóricos de Bourdieu, na medida em que o campo mediatiza a relação entre a ação de inteligência e seu eventual uso por outros órgãos e instituições de Estado.

3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Nesse ponto, buscou-se apresentar a finalidade da atividade, seu ciclo de trabalho e as balizas estabelecidas pelo governo brasileiro para o serviço de inteligência a ser desenvolvido pelos diversos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência.

A atividade de inteligência ainda é pouco estudada no Brasil, havendo escassas linhas de pesquisa sobre o tema na academia (BYMAN, 2016, p. 261), cabendo destacar que no Brasil esse fato provavelmente decorreu da história recente, especificamente do regime militar. Outro elemento a considerar é que esse assunto é tratado com discrição pelas autoridades e operadores da área (GONÇALVES, 2009, p. 5–6).

Os sentidos atribuídos às categorias aplicáveis no campo da inteligência após a Segunda Guerra Mundial estruturam a ideia de que inteligência é conhecimento, especificamente desenhado para se conhecer os demais Estados e assim nortear suas ações para o conflito bélico ou não (KENT, 1967, p. 17), tudo desenvolvido sob forma específica e criteriosa, utilizando-se de um método específico para a geração de seu produto final: o conhecimento oportuno para as autoridades decisórias (CEPIK, 2003, p. 27; HANNAH; O’BRIEN; RATHMELL, 2005, p. 3; PLATT, 1974, p. 25).

Em decorrência desse primeiro campo teórico, o sentido de inteligência por muitos anos foi definido como produto, serviço e a própria organização encarregada do serviço. Contudo, essa natureza polissêmica do termo causa ainda hoje grande

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confusão na academia, sociedade e nos meios especializados, razão pela qual faz consignar a crítica de Oliveira (2014, p. 21), que compreende a inteligência exclusivamente como o processo de produção do conhecimento, uma vez que o que diferencia o produto da inteligência de outros produtos é exatamente o método pelo qual ele é confeccionado e que o nome institucional do órgão encarregado não possui os atributos necessários para mudar sua finalidade.

Em âmbito nacional, a Política Nacional de Inteligência de 2016 definiu a categoria operacional “atividade” para fixar seus objetivos e estabelecer seus pressupostos, instrumentos e ameaças. Isso posto, apresenta-se abaixo as definições da atividade de inteligência:

Atividade de Inteligência: exercício permanente de ações especializadas, voltadas para a produção e difusão de conhecimentos, com vistas ao assessoramento das autoridades governamentais nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado. A atividade de Inteligência divide-se, fundamentalmente, em dois grandes ramos:

I – Inteligência: atividade que objetiva produzir e difundir conhecimentos às autoridades competentes, relativos a fatos e situações que ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado;

II – Contrainteligência: atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado. (BRASIL, 2016, p. 1–2)

Dessa forma, a elaboração dos produtos da área de inteligência obedece a critérios metodológicos específicos que estabelecem seu requisito de confiabilidade, sempre voltados ao assessoramento das autoridades constituídas. Assim, a estruturação do ciclo de produção da atividade corresponde à modelagem proposta para a implementação de políticas públicas, conforme relata Cepik (2003, p. 32–33) e encontra alinhamento com doutrinas internacionais (BYMAN, 2016, p. 262; QUIGGIN, 2007, p. 52–53), definindo por conseguinte que o ciclo será composto de direção, coleta, análise e divulgação.

Sobre esses aspectos, a literatura especializada apresenta críticas aos problemas do direcionamento do ciclo, uma vez que boa parte das autoridades não sabem bem quais perguntas devem ser feitas até que a crise venha a tona, quando se tornaria o questionamento tardio para o processo decisório (QUIGGIN, 2007, p. 53). Cabe destacar que a forma de pensar das autoridades constituídas e eventualmente a falta de consciência das capacidades sistêmicas do serviço de

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inteligência podem proporcionar questionamentos vagos, imprecisos, terminando por concluir produtos de inteligência de qualidade aquém do que poderia ser feito (CEPIK, 2003, p. 34).

As demais fases do ciclo de inteligência não apresentam grande divergência acadêmica, apenas algumas definições e abordagens diferentes para coleta e análise, que, por sua vez, podem possuir diversas subcategorias, por exemplo, a coleta pode ser de fontes humanas, de imagens, de sinais, de mensuração e “assinaturas” e de fontes abertas (CEPIK, 2003, p. 34–52).

O próximo passo da atividade de inteligência seria o mecanismo pelo qual os dados coletados das mais diferentes fontes são processados e interpretados para a geração de conhecimento útil aos stakeholders do sistema. Tal processo, a análise, obedece ao ethos da própria atividade de análise de inteligência e se aproxima dos demais campos do conhecimento na produção do conhecimento de outras áreas (CEPIK, 2003, p. 54), mas que visam antes de qualquer coisa explicar as relações causais e de consequência dos fatos estudados (QUIGGIN, 2007, p. 52).

Assim, o processo de análise dos dados brutos constitui o elemento central do produto final do serviço de inteligência. Seu sucesso relaciona-se diretamente à capacidade preditiva e de gerenciamento de riscos quando abordada a dimensão da inteligência estratégica (QUIGGIN, 2007, p. 53). Por fim, o ciclo do processo encerra-se com a disencerra-seminação do conhecimento, momento encerra-sensível em que o dado trabalhado é entregue às autoridades decisórias, quando se pode destacar que o secretismo do processo se encontra marcado durante todo o ciclo, da demanda, coleta, análise e difusão (CEPIK, 2003, p. 56).

4 A INTELIGÊNCIA BRASILEIRA E A TEORIA DE BOURDIEU

No caso brasileiro, o campo da inteligência é definido e delimitado por sua estrutura normativa, que materializa, segundo as dinâmicas de seus atores, o seu campo e habitus. Em uma primeira aproximação do tema, encontra-se a Lei nº 9.883 de 7 de dezembro de 1999, que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência e a Agência Brasileira de Inteligência (BRASIL, 1999).

Desse marco legal decorrem dois expedientes essenciais para o balizamento da atividade: a Política Nacional de Inteligência (BRASIL, 2016) e a Estratégia Nacional de Inteligência (BRASIL, 2017), que visam estabelecer os conceitos,

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fundamentos e objetivos da atividade no caso da política e os meios para alcançar esses objetivos no caso da estratégia respectivamente.

Sob esse encargo de planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do país, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) exerce suas atividades com vistas à “preservação da soberania nacional, da defesa do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana”, e cuja compreensão das atividades engloba o alcance, avaliação e divulgação de conhecimentos sobre fatos que possam interferir no processo decisório pátrio e para preservar a segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 1999).

Assim, ao se analisar as descrições legais que criaram o sistema de inteligência verificou-se que o sigilo das atividades encontra amparo direto em diversos momentos dos diplomas legais quando no exercício de suas atividades típicas. Desta forma, partindo-se do pressuposto de que a publicidade é a regra, estatuído sob voga de princípio constitucional inclusive, a utilização de documentos e dados sigilosos não deve ser a regra, razão pela qual torna-se necessário inspecionar a Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011 (BRASIL, 2011), também conhecida como Lei de Acesso a Informação, oportunidade em que se verificou o alcance do sigilo imposto pela criação do Sistema Brasileiro de Inteligência, bem assim com o seu decreto regulamentador (BRASIL, 2012).

Ainda em fase e aferição dos elementos normativos que regulam ou interferem no processo de produção de inteligência no território pátrio, verificou-se de forma mais latente o dever de preservar os ativos tangíveis e intangíveis na nação brasileira, tarefa incumbida à contra-inteligência, conforme conceituação já trazida, e que se encontra amplamente debatida no Decreto nº 9.637 de 26 de dezembro de 2018, que aprova a Política Nacional de Segurança da Informação (BRASIL, 2018).

Com isso, elencou-se duas leis e seis decretos presidenciais que estabelecem os contornos legais das atividades a serem desenvolvidas pelo Sistema Brasileiro de Inteligência, de forma que todo esse conteúdo normativo será analisado sob o prisma da teoria de análise de conteúdo proposto por Bardin (2016).

Para o presente artigo, a estrutura textual dos elementos normativos legais e decretos presidenciais foram codificados segundo as dimensões da teoria de Bourdieu para avaliação de parte dos elementos estruturantes do campo e habitus da atividade de inteligência. Metodologicamente, os elementos normativos que descrevessem

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elementos do órgão ou atividade foram atribuídos ao campo, enquanto os elementos destinados aos servidores foram referenciados ao habitus, conforme tabela a saber:

Tabela 1 - Codificação e dimensões da legislação do SISBIN

Nome do Código Dimensões

Campo

Campo.Competências Campo Social

Campo.Conceito Campo Social

Campo.Criação Campo Social

Campo.Finalidade Campo Social

Campo.Fundamentos Campo Social

Campo.Orçamento Campo Social

Campo.Órgãos Campo Social

Campo.Produto Campo Social

Campo.Supervisão Campo Social

Habitus

Habitus.Compartilhar Informação Habitus

Habitus.Competência Habitus

Habitus.Obrigações Habitus

Segurança da TSI Sigilo

Fonte: elaborado pelo autor com base na análise de conteúdo dos normativos do SISBIN

A tabulação dos resultados decorrentes da codificação da legislação mencionada obteve 249 (duzentos e quarenta e nove) marcações textuais, onde verificou-se que 80 (oitenta) registros estão associados diretamente ao sigilo, o que demonstrou que esse é um elemento marcante em todos os elementos normativos, assinalando fortemente o secretismo da atividade como um habitus evidente, além de diversos outros registros de autores reforçando essa cultura organizacional (BYMAN, 2016, p. 265; CEPIK, 2003, p. 20; GONÇALVES, 2009, p. 6; HANNAH; O’BRIEN; RATHMELL, 2005, p. 13; HUTCHINSON, 2019, p. 111; KENT, 1967, p. 82; OLIVEIRA, 2014, p. 13; PLATT, 1974, p. 25; QUIGGIN, 2007, p. 105; SERRA; SARDAR, 2017, p. 14), influenciando e sendo influenciado pela estrutura normativa. Desta forma, os dados tabulados pela análise de conteúdo apresentaram a seguinte distribuição:

Tabela 2 - Distribuição das codificações de Bourdieu aplicados à legislação do SISBIN

Decreto Lei Totais

● Campo.Competências 15 7 22

● Campo.Conceito 4 2 6

● Campo.Criação 2 3 5

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● Campo.Fundamentos 19 5 24 ● Campo.Orçamento 2 2 4 ● Campo.Órgãos 5 6 11 ● Campo.Produto 2 2 4 ● Campo.Supervisão 2 3 5 ● Habitus.Compartilhar Informação 18 0 18 ● Habitus.Competência 10 3 13 ● Habitus.Obrigações 6 7 13 ● Segurança da TSI 20 0 20 ● Sigilo 53 27 80 Totais 181 68 249

Fonte: elaborado pelo autor com base na análise de conteúdo dos normativos do SISBIN

O que chama a atenção ainda é que o fato de que as determinações para o compartilhamento de informação entre órgãos não encontram amparo nas leis que estruturam o campo, apenas havendo disposição vasta nos decretos federais e especialmente na Estratégia Nacional de Inteligência, mas que esse fato não apresenta elementos que possam impedir ou interferir na busca do compartilhamento de informações entre os órgão s do SISBIN. Com finalidade de explicitar o conteúdo aferido por meio da análise de conteúdo, segue a Figura 1 abaixo contendo os códigos de aferição e as inter-relações com os respectivos gêneros normativos:

Figura 1 - Relacionamento das codificações de campo e habitus da legislação da atividade de inteligência

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Fonte: elaborado pelo autor com base na análise de conteúdo dos normativos do SISBIN

Decorrente desse habitus do secretismo, pode-se deduzir diretamente que se o comportamento estruturante e estruturado pelo comportamento dos atores do campo social é a regra, aquele que possuir um maior número e melhores fontes de inteligência possuirão maior capital associado ao campo.

Apresentada essa conformação do campo da atividade de inteligência, onde pode-se perceber que os elementos normativos e regulamentadores estão diretamente relacionados na estruturação do seu campo e habitus, será analisado o contexto atual, em suas dimensões pós-moderna e pós-normal, a fim de verificar como a atividade de inteligência promove e interage a ação de Estado.

5 O MUNDO PÓS-MODERNO E PÓS-NORMAL

A conjuntura da atualidade trouxe reflexões sobre teorizações que visassem compreender a dinâmica das relações pessoais, sociais e institucionais de um mundo chamado pós-moderno. Duas abordagens foram feitas no corrente estudo, ambas decorrem da crítica ao período chamado de moderno, marcado por uma metanarrativa capaz de explicar o mundo através de uma teoria unificante e que a validação da ciência emissora dessa verdade está vinculada à legitimação de suas ações pelo seu próprio jogo, em um círculo vicioso (LYOTARD, 1984, p. XXIII). E é nesse contexto que o pós-modernismo aparece, trazendo questionamentos sobre esses axiomas e cujos fundamentos se elevam a partir da rejeição das premissas epistemológicas, negando as convenções metodológicas e, sobretudo, questionando o conceito de verdade, pois ela é dependente do contexto em que foi criada e culturalmente determinada (RATHMELL, 2020, p. 93).

A compreensão do pós-modernismo passa consequentemente pelo entendimento dos paradigmas que ditavam o período anterior e que são mais facilmente esclarecidos por Shinn (2008, p. 46) ao resumir que os elementos marcantes do período são caracterizados por uma epistemologia racional crítica, por uma universalização decorrente do ideal iluminista de progresso, pela discrepância estrutural, pela atuação integrada funcional e pelo determinismo, assim compreendido como a apropriação da verdade decorrente das causas e efeitos do período.

A partir da superação desses conceitos, surge uma nova moldura filosófica fundamentada na fragmentação do sistema político e econômico, com reestruturação

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das linhas de produção em massa para um sistema onde o conhecimento é um dos elementos chaves, globalizado e disperso, criando uma ruptura da perspectiva universalizante do período “moderno”, com identidades não mais estruturadas sobre os constructos binários de local ou global, homem ou máquina, e cujas possíveis explicações estão em uma sociedade tecnologicamente interconectada (RATHMELL, 2020). Contudo, como se pode observar acima, o fundamento para essa nova moldura filosófica é a interconectividade entre os atores, ou seja, da implementação de ampla rede de comunicação intersocial, fato que pode não ser presente em todas as nações de forma igualitária, seja por limitações tecnológicas ou políticas do país, razão pela qual a implementação do Estado Pós-Moderno depende diretamente dos avanços sociais e tecnológicos da sociedade local, criando sociedades em fases de implementação e consolidação da condição pós-moderna (CHEVALLIER, 2009, p. 21).

Esse movimento de negação das metanarrativas teve impacto direto nas ciências exatas e humanas, pois a modelagem de produção científica do “modernismo” é fundamentada essencialmente na confiança dessa verdade. A partir dessa moldura é que surgem as críticas sobre a produção científica atual, pois a produtividade é direcionada para a solução de um quebra-cabeça, como se houvesse um gabarito para o certo e o errado, mas que de fato deveria estar direcionada para a compreensão dos mistérios que envolvem o problema de pesquisa. Desta forma, esse raciocínio de soluções simples que permitem a busca de resultados por analogia do modelo epistemológico afeta diretamente a qualidade da pesquisa científica (RAVETZ, 1999).

A partir dessa perspectiva, a solução de problemas por parte da comunidade científica e da classe decisória (modelagem pós-normal) deveria ser ancorada na complexidade da problematização aferida, ou seja, quanto maior o número de incertezas do item a ser estudado ou do nível decisório, menor a efetividade das soluções do tipo quebra-cabeças, sendo necessário abordagens fora da modelagem epistemológica tradicional da ciência normal (FUNTOWICZ; RAVETZ, 1997), ilustrada pela figura abaixo:

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Figura 2 - Incertezas e Decisões

Fonte: Funtowicz e Ravetz (1997, p. 223)

Ponderadas as questões da pós-modernidade e da ciência pós-normal, a atividade de inteligência se encontra atualmente situada nesse cenário de complexidade, contradições, incertezas e caos, tornando a modelagem da busca de informações mais profundas e de diferentes perspectivas (SERRA; SARDAR, 2017, p. 2). Dito de outra forma, a verificação de fronteiras mais difusas, a fragmentação das missões e alvos e a formatação da indústria de inteligência (estrutura de produção de conhecimento a partir do modelo Taylorista de produção) cria a necessidade de reestruturar ao menos parcialmente a forma de trabalho das atividades de inteligência, a priori (RATHMELL, 2020, p. 97–98).

Assim, dada a natureza típica da atividade de inteligência de Estado, a elaboração de cenários futuros e a avaliação das consequências de situações diversas pode vir a subdimensionar os efeitos das crises pós-normais se as técnicas a serem utilizadas fundamentarem-se na modelagem típica científica. Serra e Sardar (2017, p. 7) alertam ainda que o controle das crises pós-normais deve ser feita no início e rapidamente, pois se a situação não for controlada nos seus primeiros momentos ela estabelecerá o caos, com consequências incontroláveis quando esse estágio for atingido.

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Aplicada à atividade de inteligência, que funciona através do ciclo de direcionamento, coleta, análise e difusão, a ameaça de cenário de uma crise pós-normal demanda que esse ciclo seja cada vez mais rápido, sob avaliações cada vez mais multidimensionais, com finalidade de evitar que o cenário evolua para situações que fujam ao controle das autoridades.

Consolidada essa perspectiva da pós-modernidade e das crises pós-normais, verificou-se que há indicativos acadêmicos de que a modelagem da atividade de inteligência brasileira pode vir a apresentar dificuldades na entrega de seu produto às autoridades, especificamente se consideradas as estruturas sociológicas aferidas sobre seu campo social, habitus e capital, que foram confrontadas em sede de considerações finais do presente trabalho.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa partiu das categorias teóricas de campo e habitus propostas por Pierre Bourdieu. A problematização da atuação de inteligência denota posição intermediária entre a objetividade e a subjetividade, para situar o debate epistemológico e permitir, para além das observações sistemáticas, o emprego da sensibilidade pessoal do pesquisador. A compreensão do objeto investigado alcança, assim, uma percepção mais clara, entendido como o campo social do serviço de inteligência brasileiro.

O secretismo presente na tradição do serviço de inteligência dificulta, quando não obstaculiza, uma pesquisa de campo para a avaliação do habitus dos atores envolvidos na ação de inteligência. Entretanto, a exploração documental, com análise de conteúdo dos atos normativos não sigilosos, quais sejam, a lei que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência, seu decreto regulamentador, a Política Nacional de Inteligência, a Estratégia Nacional de Inteligência e, de forma incidental, a Lei de Acesso à Informação e seu decreto regulamentador (BRASIL, 2017, 2002, 2012, 2016, 1999, 2011), evidenciaram o estabelecimento de uma regulamentação normativa do acesso às informações públicas brasileiras. Essa conformação normativa orienta diretamente o campo e o habitus do serviço de inteligência.

A análise de conteúdo proposta seguiu a teorização de Bardin (2016) e pode-se aferir nos documentos supracitados 249 marcações textuais codificadas pode-segundo a estrutura conceitual de Bourdieu (conforme registros da Tabela 2), em que as

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definições para os órgãos do sistema foram elencadas como estruturantes do seu campo sociológico e os registros cujos destinatários sejam os atores foram classificadas para a formação de seu habitus. Foram constatadas 80 entradas específicas para tratar do sigilo das relações institucionais, pessoais e documentais, marcando esse mesmo elemento como um dos comportamentos mais fortes do Sistema Brasileiro de Inteligência, estruturando e sendo estruturado pelo próprio campo social.

As determinações para o compartilhamento de informações no Sistema Brasileiro de Inteligência não estão estatuídas em lei, mas constam apenas dos diversos decretos regulamentadores. Isso, contudo, não impede a socialização de informações entre os integrantes do macrosistema, até porque a finalidade última dele é buscar a proteção da soberania nacional, do estado democrático de direito e da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, a compreensão das estruturas normativas que conformam as categorias operacionais de Bourdieu fornecem elementos hábeis para uma compreensão mais aprofundada de suas relações, uma vez que o secretismo compõe a forma de atuação mais marcante de sua estruturação. Assim, consideradas as ameaças de uma conjuntura pós-moderna e pós-normal, entendidas pela consolidação de cenários cada vez mais globalizados, permeáveis e identidades incertas, a preocupação recaiu sobre a avaliação teórica dos marcos normativos que estruturam a atividade de inteligência.

Contudo, é importante salientar que esses cenários pós-modernos se instalam de forma progressiva e que não são aplicáveis imediatamente a todo o globo ao mesmo tempo, pois o mecanismo de aceleração para os “Estados Pós-Modernos” depende diretamente da difusão dos meios de comunicação em nível atômico, ou seja, da extensão da capilaridade do acesso à informação para toda a sociedade, tornando o Brasil um país ainda a caminho da pós-modernidade (CHEVALLIER, 2009).

Sob um viés pós-normal verificou-se que os sistemas de inteligência ainda não se adequaram à realidade de cenários complexos, contraditórios e incertos, em que as crises evoluem rapidamente para situações caóticas, uma vez que são vastos os exemplos de insucesso da atividade de inteligência na previsão da evolução de cenários de crise (SERRA; SARDAR, 2017, p. 12–16). Note-se ainda que os diversos exemplos trazidos a reexame pelos autores referem-se a atuações de inteligência dos

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chamados “Estados Pós-Modernos”, ou seja, em um país como o Brasil, que ainda segue em avanço para essa categoria, o impacto de uma crise pós-normal criaria um caos ainda mais impactante para a sociedade brasileira, especialmente para uma comunidade fortemente estruturada e fechada como a atividade de inteligência.

Não se vislumbra uma reforma da atividade a curto prazo, mas tão somente chamar a atenção para os riscos de cenários que se avizinham na medida em que amadurecemos como sociedade e Estado-Nação, razão pela qual o serviço de inteligência deve ganhar a atenção das autoridades constituídas para que essa atividade vital seja cada dia melhor empregada a serviço dos interesses nacionais.

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