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A RELIGIOSIDADE AFRICANA EM CASA GRANDE & SENZALA

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Academic year: 2021

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A RELIGIOSIDADE AFRICANA EM CASA GRANDE & SENZALA

LIDIANA GONÇALVES GODOY ZANATI1 RICARDO OLIVEIRA DA SILVA2

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo apresentar os sentidos atribuídos à religiosidade africana na formação da sociedade colonial brasileira no âmbito cultural e religioso na obra

Casa Grande & Senzala, publicada no ano de 1933, cuja autoria é de Gilberto Freyre,

intelectual brasileiro, natural de Recife.

Gilberto Freyre foi um renomado ensaísta e também sociólogo brasileiro, estudou bacharelado em Ciências e Letras e em Artes, especializando-se em política e sociologia. Dedicou-se a pesquisar e a escrever, assim realizou diversas viagens internacionais e ministrou aulas no Brasil e em diversas universidades na Europa e EUA. Escreveu diversos livros e recebeu muitos prêmios importantes. Também teve vida política ativa como deputado federal. Nasceu dia 15 de março de 1900 e faleceu no dia 18 de julho de 1987, vivendo oitenta e sete anos.

Gilberto Freyre escreveu o livro: "Casa Grande & Senzala: formação da família

sob o regime da economia patriarcal", nesta obra ele utiliza uma abordagem da história

cultural, influenciado pelo antropólogo Franz Boas, apresentando uma leitura sobre a formação da sociedade brasileira com foco na valorização da mestiçagem, não apenas étnica, mas também cultural, sendo assim, de maneira inovadora Freyre interpreta esta miscigenação entre o branco, o índio e o negro como fator positivo na formação da sociedade brasileira, tanto quanto, os elementos religiosos que se emaranham nesta formação.

A obra de Gilberto Freyre está dividida em cinco capítulos, em que o primeiro se refere às características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida. Focará na formação social e cultural em torno da

1 Graduanda em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS/CPNA. E-mail:

lidygodoy@hotmail.com

2 Doutor em História pela UFRGS, Professor Adjunto de História na Universidade Federal Mato Grosso do Sul -

UFMS/CPNA. Orientador no projeto de pesquisa Narrativas da Nação, cadastrado no SIGProj. E-mail:

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casa-grande e das pessoas as quais moravam nela, como por exemplo, os senhores brancos e os padres e também sobre o convívio entre escravo negro e senhor branco na casa-grande e na senzala. O segundo capítulo, o autor falará da chegada dos europeus na América, degradação da sociedade indígena e a religiosidade indígena. No terceiro capítulo será apresentado o colonizador português e suas características, o poder da Igreja Católica, a imigração dos mouros e judeus e a iniciativa privada na colonização. No quarto e no quinto capítulo, Gilberto Freyre mostrará a herança da cultura africana, suas lendas, mitos, rituais, festas e astrologias, as quais contribuíram para o desenvolvimento cultural da sociedade brasileira.

Este trabalho será com base no aporte teórico e metodológico da história das ideias. Para José D’Assunção Barros, um domínio historiográfico que permite ao historiador se focar na compreensão das ideias, do “pensamento sistematizado de indivíduos específicos” (BARROS, 2008, p.5) e suas ideologias, tanto quanto, voltando-se para “o estudo de movimentos literários e filosóficos tratando-os como tendência que abrangem grupos mais amplos de pensadores” (BARROS, 2008, p.5), na analise de “pensamentos e opiniões em torno de ideias” (BARROS, 2008, p.5) e na investigação da relação dos contextos históricos.

Utilizaremos a proposta do historiador Dominick LaCapra (2012), enfatizando a abordagem dialógica que o autor sugere, na articulação da relação do texto com os diversos contextos, sendo considerado as intensões do autor, a vida do autor, a sociedade , a cultura, o corpus do escritor e os modos de discursos. Nestes aspectos e possibilidades, o historiador Ricardo Silva nos mostra que LaCapra enfatiza “a abordagem dialógica para a produção do conhecimento histórico, o aspecto documentário e ser-obra dos textos e suas relações com diversos contextos pertinentes” (SILVA, 2015, p. 19) para auxilio neste processo. Sendo assim, uma das possibilidades seria trabalhar a relação da sociedade com os textos.

Apresentaremos a interpretação sobre a religiosidade da sociedade colonial brasileira que aparece em Casa Grande & Senzala em que primeiramente estaremos apresentando os sentidos que o autor atribui ao sincretismo e a religiosidade e posteriormente, em específico, à religiosidade africana na formação da sociedade brasileira.

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As interpretações de Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala sobre a formação religiosa da sociedade brasileira ressaltam a influência do catolicismo dos colonos portugueses e da atuação dos padres Jesuítas no processo de catequização durante o período colonial, a religiosidade trazida pelos povos provenientes do continente africano e dos nativos indígenas, resultando em sincretismo e diversidade religiosa.

Gilberto Freyre destaca que a formação brasileira não é um processo de pura europeização, mas sim a adaptação da cultura europeia “com a indígena, amaciada pelo óleo da mediação africana” (FREYRE, 2006, p. 115), circunstancia esta, que identifica a formação da sociedade brasileira de característica hibrida.

Gilberto Freyre relaciona o patriarcado e a religião como elementos de apoio constitutivos na formação da sociedade brasileira como organização nacional, “a casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econômico, social, político [...]” (FREYRE, 2006, p. 36) no desenvolvimento do trabalho, do transporte, da religião, da vida sexual e de família da higiene do corpo e da casa.

Se tratando da religião, Freyre destaca a plasticidade da cultura luso-católica, definindo um tipo de catolicismo luso-brasileiro, sempre como sendo um “cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala” (FREYRE, 2006, p. 44). Para Gilberto Freyre o colonizador português era propício à miscigenação, devido sua herança cultural com antagonismos religiosos, o que facilitou as relações sincréticas nas religiosidades tanto com o escravo africano como com o nativo indígena.

O sistema jesuítico, para Freyre, tece um grande esforço para inserir a cultura europeia na colônia, principalmente no processo de catequização, porém “impregnados de influência animística ou fetichista vinda talvez da África” (FREYRE, 2006, p. 115), se reinterpretam na colônia durante a cristianização das populações indígenas e dos caboclos tendo êxito “na parte mística, devocional e festiva do culto católico” (FREYRE, 2006, p.115), devido essa interação ou assimilação o catolicismo influenciou com a catequese, mas também recebeu influências.

Na compreensão de Gilberto Freyre a cultura moral dos indígenas, como as práticas sexuais, as relações de família, a magia e a mítica “são traços que se comunicaram à cultura e à vida do colonizador português” (FREYRE, 2006, p.168), influenciando na

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organização social, moral e religiosa da colônia. Igualmente poderíamos dizer dos africanos, pois Freyre referindo-os ressalta

a influência africana fervendo sob a europeia e dando um acre requeime à vida sexual, à alimentação, à religião [...] corrompendo a rigidez moral e doutrinária da igreja medieval; tirando os ossos ao cristianismo, ao feudalismo, à arquitetura gótica, à disciplina canônica, ao direito visigótico, ao latim, ao próprio caráter do povo. (FREYRE, 2006, p. 66)

Deste modo, observamos que a diversidade religiosa é um fator preponderante e firme nas ideias de Freyre, nomeadamente na formação da sociedade brasileira compreendendo os limites culturais e religiosos.

2. A religiosidade africana

Podemos observar que Gilberto Freyre lança um olhar diferente ao negro, à sua cultura e aos aspectos da religiosidade africana que teve sua origem no continente africano e resistiu na colônia, inclusive nas disposições de capítulos da obra Casa Grande & Senzala, em que dedica para o escravo negro os dois últimos capítulos de sua obra e apenas um capítulo para o indígena e outro para o português.

Para Freyre as influências do escravo negro estão impregnadas de forma direta em “todo brasileiro” (FREYRE, 2006, p. 367) e em quase tudo, na economia, na agricultura, na culinária, na vida intima da casa grande, na vida sexual,

na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer [...]. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e mal-assombrado. Da mulata [...]. Do moleque [...]. (FREYRE, 2006, p. 367)

Podemos então, constatar que Gilberto Freyre atribui às influências africanas como marcantes na sociedade colonial, evidenciando laços do convívio entre os senhores brancos e os escravos negros, principalmente pela religião, que “tornou-se o ponto de encontro e de confraternização entre as duas culturas” (FREYRE, 2006, p.439), porém mesmo Freyre dando importância especial aos negros, ele faz diferença entre todo brasileiro e os negros, mostrando convívio, mas não igualdade.

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Gilberto Freyre em sua abordagem sobre os negros, influenciado por antropólogos, inclusive por Franz Boas, “revela-nos no negro traços de capacidade mental em nada inferior à das outras raças” (FREYRE, 2006, p. 379), instiga-nos com suas informações científicas para comprovar a superioridade de raça e na organização social influenciada pelo Islamismo para favorecer à sua ideia, inclusive no trato da educação, pois vinham mestres e pregadores da África para os ensinar e “ nas senzalas da Bahia de 1835 havia talvez maior número de gente sabendo ler e escrever do que no alto das casas-grandes” (FREYRE, 2006, p. 382). No intuito de apresentar uma leitura sobre a formação da sociedade brasileira com foco cultural, Freyre incrementa nesta formação não apenas a etnicidade, mas a valorização dos conhecimentos dos escravos negros, provindas do continente africano.

Gilberto Freyre coloca o negro com papel significativo na colônia, destaca a religião como alicerce na construção da sociedade brasileira. Deste modo, podemos verificar que nada mais significativo seria para Freyre do que as influências da religiosidade africana no processo colonizador e formador da sociedade.

Se tratando das religiosidades africanas Freyre se refere por vezes à feitiçaria, à magia, ao misticismo negro e à macumbaria, como também quando trata de algum misticismo português se refere à bruxaria, mas “a feitiçaria de direta origem africana aqui desenvolveu-se em lastro europeu. Sobre abusões e crenças medievais” (FREYRE, 2006, p. 407), em que “traços de liturgia católica e sobrevivência de rituais indígenas” (FREYRE, 2006, p. 407) se misturavam fortemente.

Das práticas religiosas dos africanos que se desenvolveram no Brasil, Gilberto Freyre evidência os feitiços sexuais, para fins amorosos, para fecundidade e de proteção. Também as negras (em alguns casos o negro) exerciam o papel de curandeiras, por “meio de bruxedos, rezas, benzeduras” (FREYRE, 2006, p. 446). As escravas negras participavam na vida doméstica dos senhores realizando as cantigas de ninar e influenciando na culinária. Ambos cheios de misticismo, as cantigas que traziam “medos e mal-assombrados” (FREYRE, 2006, p. 411) e a culinária com “reminiscências de velhos cultos fálicos ou totêmicos” (FREYRE, 2006, p. 543), de caráter afrodisíaco, religioso e litúrgico no preparo.

Gilberto Freyre enfatiza que o “cristianismo doméstico, lírico e festivo [...]” (FREYRE, 2006, p. 438), o qual chega à colônia cria nos negros as primeiras ligações espirituais e morais nas relações com os brancos, inclusive dá “aos negros a oportunidade de

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conservarem, à sombra dos costumes europeus e dos ritos e doutrinas católicas, formas e acessórios de cultura e da mítica africana.” (FREYRE, 2006, p. 438). Neste caso, Freyre acredita que foi harmonioso o processo sincrético na colônia, de aproximação das duas culturas e dos negros destaca que “seus cantos de trabalho, tanto quanto os de xangô, os de festa, os de ninar menino pequeno, enchem de alegria africana a vida brasileira.” (FREYRE, 2006, p. 551). O africano que muitas vezes não se alegrava, morria. “O banzo deu cabo de muitos. O Banzo - a saudade da África” (FREYRE, 2006, p. 553).

Considerações finais

Para Freyre, a compreensão da religiosidade africana na formação da sociedade brasileira, implica no sincretismo e na diversidade religiosa presente na colonização, em que, conforme mostramos neste trabalho, se baseia especificamente em três, no catolicismo português, na religiosidade indígena e na africana, formando um hibridismo religioso de assimilação, interação e convivência.

Gilberto Freyre nos leva ao entendimento da sociedade brasileira pensando não apenas na miscigenação racial e étnica, mas também cultural, neste caso incluído a religiosidade, as crenças, os mitos. Conforme observamos em Casa Grande & Senzala vários foram os elementos religiosos os quais contribuíram na formação da sociedade brasileira, destes elementos Gilberto Freyre coloca a influência da religiosidade africana como fator importante e impregnado nesta sociedade, influenciando e sendo influenciada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Jose D’assunção. História das Ideias - em torno de um domínio historiográfico. Revista Eletrônica História em Reflexão. Vol.02 n. 03. UFGD. Dourados, Jan-Jun/2008.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª ed. rev. São Paulo: Global. 2006.

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LACAPRA, Dominick. História Intelectual: Repensar la historia intelectual y ler textos. In: PALTI, Elías José. Giro Linguístico e a história intelectual. 1ª Ed. 1ªReimp. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2012. P. 237-293.

SILVA, Ricardo Oliveira Da. História das ideias: abordagens sobre um domínio

historiográfico. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. RBHCS. Vol. 7 nº 13, junho de 2015.

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