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Solidariedade ativa e extensão da coisa julgada (art. 274, Código Civil brasileiro) 1

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Academic year: 2021

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Solidariedade ativa e extensão da coisa julgada (art. 274,

Código Civil brasileiro)

1

Fredie Didier Jr.

Professor-adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia.

Mestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP). Professor-coordenador da Faculdade Baiana de Direito. Membro dos Institutos Brasileiro e Ibero-americano de Direito Processual. Advogado e consultor jurídico.

www.frediedidier.com.br

Importante alteração no regime da solidariedade ativa foi trazida pelo CC-2002.

O art. 274 do CC-2002 estabelece a possibilidade de extensão

ultra partes da coisa julgada em determinadas situações: “O julgamento

contrário a um dos credores solidários não atinge os demais; o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve”.

Traz redação semelhante à do art. 538, 2, do Código Civil português, que no particular é mais claro2. Também serviu de inspiração o art. 531 do Código Civil português: “O caso julgado entre um dos credores e o devedor não é oponível aos outros credores: mas pode ser oposto por estes ao devedor, sem prejuízo das excepções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles”.

Como se sabe, o devedor não pode opor a um dos credores solidários exceções pessoais oponíveis aos outros (art. 273 do CC-2002)3, tampouco exceções pessoais pertencentes apenas a outro devedor (a exceção pode ser pessoal porque apenas um dos devedores a pode aduzir ou porque somente contra um dos credores ela pode ser aduzida, e pode ser comum quando puder ser aduzida por qualquer devedor ou contra qualquer credor).

O texto legislativo do Código Civil é bastante truncado (parece uma mistura dos textos dos Códigos Civis português e italiano), e deve ser interpretado com muito bom-senso.

O julgamento favorável ao credor não pode estar fundado em exceção pessoal, alegação da defesa que é; se assim fosse, a decisão seria desfavorável e, por força da primeira parte do art. 274, não estenderia seus

1 Em homenagem ao Prof. Paulo Lôbo, da Universidade Federal das Alagoas.

2 “O caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, se o devedor não tiver, contra estes,

meios especiais de defesa.”

3 O Projeto de Lei n. 6.960/2002 propõe outra redação ao art. 273, sem alterar em nada a sua substância:

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efeitos aos demais credores. Em resumo: não há julgamento favorável fundado em exceção pessoal; quando se acolhe a defesa, julga-se desfavoravelmente o pedido4. A parte final do art. 274, se interpretada literalmente, não faz sentido5.

Tendo sido alegada e repelida exceção pessoal contra o credor que promoveu a causa, e não tendo havido exceções comuns opostas (ou, se havia, também tenham sido elas repelidas), o julgamento foi favorável e deve produzir efeitos em relação aos demais credores, salvo se o devedor puder, em relação a estes, argüir exceção pessoal6. A parte da coisa julgada que não se estende aos demais credores é apenas aquela que rejeitou a exceção pessoal, que, exatamente por isso, nada tem que ver com os outros.

O que se afirma no Código Civil é que: a) se um dos credores vai a juízo e perde, qualquer que seja o motivo (acolhimento de exceção comum ou pessoal), essa decisão não tem eficácia em relação aos demais credores; b) se o credor vai a juízo e ganha, essa decisão beneficiará os demais credores, salvo se o(s) devedor(es) tiver(em) exceção pessoal que possa ser oposta a outro credor não participante do processo, pois, em relação àquele que promoveu a demanda, o(s) devedor(es) nada mais pode(m) opor (art. 474 do CPC)7.

Embora permita a co-legitimação ativa, o legislador instituiu o regime da extensão secundum eventum litis da coisa julgada que porventura surja de processo instaurado por um dos credores: os credores que não

4 Em sentido diverso, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, que adotam a interpretação literal do art. 274

do CC-2002 (Novo curso de direito civil — obrigações. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 2, p. 81).

5 Também perceberam isso THEODORO Jr., Humberto. “O novo Código Civil e as regras heterotópicas de

natureza processual”. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Fredie Didier Jr. e Rodrigo Mazzei (coord.). Salvador: Edições Jus Podivm, 2006, p. 131; MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Solidariedade ativa: efeitos da sentença e coisa julgada na ação de cobrança proposta por um único credor”. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2006, n. 35, p. 56-57; TUCCI, José Rogério Cruz e. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil. São Paulo: RT, 2007, p. 280-281.

6 “Se, porém, o caso julgado é condenatório, já os outros credores o podem opor ao devedor, salvo de

houver excepções pessoais em relação a eles, isto é, excepções que não poderiam ter sido invocadas pelo devedor contra o credor que o accionou”. (LIMA, Pires de, VARELA, João de Matos Antunes. Código

Civil anotado. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1987, v. 1, p. 544.)

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É a lição de ANTUNES VARELA, a partir do texto português que nos serviu de inspiração: “Sendo o caso julgado favorável ao credor, já se compreende que ele aproveite aos restantes (salvo se o devedor tiver contra algum deles meios especiais de defesa: art. 538, 2), pois nem é razoável aceitar que o devedor não tenha feito valer as razões de que dispõe, nem há nesse caso conluios a recear” (VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 9. ed. Coimbra: Livr. Almedina, 1998, v. 1, p. 844). Também assim, o art. 1306 do Código Civil italiano: “A sentença proferida entre um credor e um devedor solidário, ou entre um devedor e um dos credores solidários, não produz efeito contra os outros devedores ou contra os outros credores. Os outros devedores podem opor a sentença ao credor, salvo se a decisão fundar-se em razões pessoais do co-devedor; os outros credores podem valer-se da decisão contra o devedor, salvo se este puder opor exceção pessoal a qualquer um daqueles credores”.

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participaram do processo apenas podem ser beneficiados com a coisa julgada, jamais prejudicados. É bom deixar ainda mais claro o que se afirmou: a coisa julgada é pro et contra (surge independentemente da decisão ter sido favorável ou desfavorável ao credor que propôs a demanda), mas a sua extensão aos demais credores é secundum eventum litis.

A distinção, embora sutil, é importante, e foi feita com maestria por ANTONIO GIDI, quando examinou a regra do art. 103, III, do Código de

Defesa do Consumidor, que cuida da coisa julgada nas ações envolvendo direitos individuais homogêneos: “Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa julgada

sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se

forma pro et contra.”; conclui: “O que diferirá com o ‘evento da lide’ não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingidas.

Enfim, o que é secundum eventum 1itis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão ‘erga omnes’ ou ‘ultra partes’ à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva”8.

Parece, porém, que essa regra somente tem aplicação no caso de obrigações solidárias divisíveis. Se a obrigação é solidária e indivisível, a decisão judicial favorável ou desfavorável ao credor solidário autor se estende aos demais credores, em razão da indivisibilidade do objeto litigioso9. É que não se pode falar em exceções pessoais se a obrigação é indivisível; nestes casos, toda exceção é comum10

.

Neste sentido é o posicionamento de FLAVIA ZANGEROLAME:

“Se o julgamento desfavorável referir-se a causas que dizem respeito a todos, como nulidade contratual ou prescrição da dívida, o resultado atingirá

8 GIDI, Antonio, Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 73-74. 9 Ao que parece é esse o entendimento de Barbosa Moreira (ver trecho que destacamos): “Vejamos o que

afirma BARBOSA MOREIRA: “Se, ao contrário, a sentença de procedência houver repelido a argüição de prescrição com base na ocorrência de suspensão, de eficácia restrita ao credor demandante, por não ser

indivisível a obrigação, o julgamento não aproveitará aos restantes credores, para os quais a ineficácia da

suspensão significa que a prescrição se terá consumado. Aí, unicamente o credor vitorioso ficará habilitado a promover a execução”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Solidariedade ativa: efeitos da sentença e coisa julgada na ação de cobrança proposta por um único credor”, cit., p. 58.)

10 No Direito Português, registre-se, há regra que impede a extensão da coisa julgada desfavorável aos

demais credores, mesmo em se tratando de obrigação indivisível (art. 538, 2, já citado). Assim, por exemplo, VARELA, João de Matos Antunes Das obrigações em geral. 9. ed. Coimbra: Livr. Almedina, 1998, v. 1, p. 841.

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os demais, pois não há como cindir uma decisão desta estirpe”11. A autora não distingue os casos de obrigação divisível ou indivisível.

Como se pode perceber, adota-se, aqui, a concepção doutrinária que admite a possibilidade de eficácia ultra partes da coisa julgada, mesmo desfavorável, quando a demanda fora proposta por um co-legitimado de obrigação indivisível12. Em sentido diverso, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI:

“a) se apenas um dos credores aforar a demanda, julgado improcedente o pedido, a coisa julgada se restringe às partes. Os demais co-credores poderão propor subseqüentes demandas contra o devedor comum...”13

A obrigação indivisível com pluralidade de credores recebe o tratamento de obrigação solidária, mas nem toda obrigação solidária com pluralidade de credores é indivisível. Quando há pluralidade de credores de obrigação indivisível, poderá cada um destes exigir a dívida inteira (art. 260, primeira parte, do CC-2002). A pluralidade de credores de obrigação indivisível implica tratamento semelhante ao da solidariedade ativa (arts. 264/265 c/c art. 260, todos do CC-2002)14. A própria classificação das obrigações em divisíveis e indivisíveis só tem utilidade quando se está diante de obrigação subjetivamente complexa (quando houver pluralidade subjetiva)15.

Vejamos um exemplo.

Se a prescrição é interrompida em relação a um dos devedores de obrigação indivisível, essa interrupção “atingirá os demais e beneficiará os outros credores, já que a dívida deverá ser integralmente solvida, e o

11 ZANGEROLAME, Flavia Maria. “Obrigações divisíveis e indivisíveis e obrigações solidárias”, cit.,

p.202.

12 A favor da extensão da coisa julgada ao co-legitimado, MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Coisa julgada:

extensão subjetiva. Litispendência. Ação de nulidade de patente”. In: Direito processual civil (ensaios e

pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 273-294; Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense,

1972, p. 143-145. Discordam deste posicionamento, por exemplo, TALAMINI, Eduardo. “Partes, terceiros e coisa julgada (os limites subjetivos da coisa julgada)”. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no

processo civil e assuntos afins. Fredie Didier Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT,

2004, p. 210-211; CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001; SILVA, Ovídio Baptista da. Sentença e coisa julgada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 96 e segs.

13 TUCCI, José Rogério Cruz e. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil. São

Paulo: RT, 2007, p. 285.

14 “Não há dificuldade em resolver as situações oriundas de obrigações com prestação indivisível, desde

que se reconheça a necessidade de discipliná-las pelas normas relativas às obrigações solidárias”. (GOMES, Orlando. Obrigações. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 91.)

15 NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações: generalidades – espécies. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v.

2, p. 86; ZANGEROLAME, Flavia Maria. “Obrigações divisíveis e indivisíveis e obrigações solidárias”.

Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Gustavo Tepedino (coord.). Rio de Janeiro:

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credor que faz a cobrança persegue o recebimento por inteiro”16. É essa a razão do § 2º do art. 204 do Código Civil: “A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis”.

Para evitar discussões futuras, deve o magistrado, diante de uma demanda proposta por um credor solidário (de obrigação divisível ou indivisível), intimar, mesmo ex officio, os demais credores, para que tenham ciência da propositura da demanda. Trata-se de espécie de intervenção iussu

iudicis, que deve ser estimulada17.

16 ZANGEROLAME, Flavia Maria. “Obrigações divisíveis e indivisíveis e obrigações solidárias”, cit., p.

191. Assim, também, NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações: generalidades – espécies, v. 2, cit., p. 48.

17 Sobre a intervenção iussu iudicis como técnica para resolver o problema da extensão da coisa julgada ao

co-legitimado que não participou do processo, ver DIDIER Jr., Fredie. Pressupostos processuais e

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