UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
FELIPE RAMON AUGUSTO
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
São Caetano do Sul
2016
FELIPE RAMON AUGUSTO
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Monografia
apresentada
para
conclusão do Curso de Direito da
Universidade Municipal de São
Caetano do Sul, como requisito
parcial para a obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Me. Robinson Nicácio de
Miranda
São Caetano do Sul
2016
UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
FELIPE RAMON AUGUSTO
O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E O ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Data de Aprovação: _____/__________/_____. Nota:__________
Área de concentração: Direito Internacional Público
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________
Professor Me. Robinson Nicácio de Miranda
Universidade Municipal de São Caetano Do Sul
________________________________
Professor (a)_________________
Universidade Municipal de São Caetano Do Sul
_________________________________
Professor (a)_________________
Universidade Municipal de São Caetano Do Sul
REITOR DA UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL
Prof. Dr. Marcos Sidnei Bassi
PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO
Prof. Me. Marcos Antonio Biffi
GESTOR DA ESCOLA DE DIREITO
Prof. Dr. Robinson Henriques Alves
Dedicatória
A Deus pela fé concedida em todos os momentos, e aos meus
familiares, namorada, amigos pelo apoio incondicional e
orientador pelos conselhos dados.
Agradecimentos
Inicialmente а Deus, qυе em toda a minha vida tem olhado para
mim e tem sido meu real ajudador, permitindo
qυе eu alcançasse
mais esta vitória.
À minha mãe Débora, à minha irmã Beatriz, à minha namorada
Camila e amigos, os quais têm me fortalecido em todos estes
anos, com muito apoio, carinho, companheirismo e amor.
Aos professores, por proporcionarem algo que não é palpável, e
que só se alcança através deles, o conhecimento.
Ao meu orientador Ms. Robinson Nicácio, pela paciência e
sabedoria apresentada.
A todos que me acompanharam e ajudaram no decorrer deste
curso.
“A história deve ter um começo, um
meio
e
um
fim,
mas
não
necessariamente nessa ordem. ”
Resumo
O Tribunal Penal Internacional é considerado uma grande vitória da sociedade
no âmbito internacional, pois, diferentemente dos antigos Tribunais ad hoc, foi criado
de forma permanente e complementar às jurisdições nacionais, assim respeitando o
princípio da complementaridade, mas não deixando de imputar a responsabilidade
criminal de agentes que cometem crimes contra os direitos humanos.
A grande questão reside na compatibilidade das normas previstas no Estatuto
de Roma com a Constituição Federal brasileira, as quais, em algumas hipóteses,
aparentemente contrastam com nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional. Estatuto de Roma. Tribunais ad
hoc. Direitos Humanos. Constituição Federal brasileira de 1988. Ordenamento
jurídico brasileiro.
Abstract
The International Criminal Court is considered a great victory for society at the
international level because, unlike the old ad hoc tribunals, was established
permanently and complementarily to national jurisdictions, thus respecting the principle
of complementarity, but not failing to impute criminal liability agents who commit crimes
against human rights.
The big issue is the compatibility of the rules laid down in the Rome Statute with
the Brazilian Federal Constitution, which, in some cases, apparently contrast with our
legal system.
Key-words:
International Criminal Court. Rome Statute. ad hoc tribunals. Human
rights. Brazilian Federal Constitution of 1988. Brazilian Legal system.
Sumário
1
INTRODUÇÃO ... 13
2
ANTECEDENTES HISTÓRICOS ... 15
2.1
Caso Peter von Hagenbach ... 15
2.2
Primeira Guerra Mundial ... 15
2.3
Segunda Guerra Mundial ... 16
2.4
Tribunal de Nuremberg ... 17
2.5
Tribunal de Tóquio... 18
2.6
Tribunal ad hoc para a antiga lugoslávia ... 19
2.7
Tribunal ad hoc para Ruanda ... 20
3
CRIAÇÃO E ESTRUTURA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL... 21
3.1
Estrutura do Tribunal... 22
4
PRNCÍPIOS QUE REGEM O ESTATUTO DE ROMA ... 23
4.1
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ... 23
4.2
Princípio da irretroatividade e imprescritibilidade... 24
4.3
Princípio da cooperação ... 24
4.4
Princípio da complementariedade... 25
5
JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL ... 26
5.1
Crimes de competência do Tribunal Penal Internacional ... 26
5.1.1 Crime de genocídio... 27
5.1.2 Crimes contra a humanidade ... 27
5.1.3 Crimes de guerra ... 28
5.1.4 Crime de agressão ... 29
6
A RATIFICAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PELO
BRASIL ... 31
7
IMPACTO
DO
ESTATUTO
DE
ROMA
NO
DIREITO
INTERNO
BRASILEIRO ... 33
7.1
Os (aparentes) conflitos entre o Estatuto de Roma e o texto constitucional
brasileiro ... 33
7.2
A entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional ... 34
7.3
A pena de prisão perpétua ... 35
7.5
Reserva legal ... 37
7.6
Respeito à coisa julgada material ... 38
8
EFICÁCIA INTERNA DAS DECISÕES E SENTENÇAS PROFERIDAS PELO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL ... 39
8.1
Falta de competência do STJ para homologar as sentenças proferidas
pelo TPI ... 39
8.2
Competência para a execução de decisões do TPI no Brasil ... 40
CONCLUSÃO ... 41
REFERÊNCIAS ... 42
1.
INTRODUÇÃO
Há tempos que a sociedade sonhava com a instituição de uma justiça penal
em caratér internacional, com competência para investigar e julgar proporcionalmente
os assoladores da dignidade humana.
Já se vislubrou a instituição de um Tribunal, de caráter permanente e com
jurisidição universal desde a época que os primeiros atentados aos direitos humanos
começaram a surgir no mundo. Contudo, neste momento, este “sonho” se tornou
realidade.
Foi a base de muito sangue inocente e sofrimento, porém finalmente
conseguiu-se criar uma Justiça Internacional , com o nascimento em 1998, do Tribunal
Penal Internacional, regido pelo Estatuto de Roma, foi um marco histórico no Direito
Inernacional e das Relações Internacionais.
O presente estudo pretende analisar os principais aspectos e as
características predominantes do Tribunal Penal Internacional que foi criada a partir
da aprovação, em 17 de julho de 1998, do Estatuto de Roma.
Ainda que existam algumas recusas isoladas por motivos individuais, esse
Estatuto contou com grande aceitação da comunidade internacional e, em um curto
espaço de tempo, alcançou as 60 ratificações necessárias para sua entrada em vigor.
É de suma importância compreender o processo de criação, a estrutura, a
jurisdição, a competência, o funcionamento em si do Tribunal Penal Internacional,
contudo, a análise não pode ficar condicionada restritivamente as implicações desse,
ou seja, devemos compreender as implcações do Tribunal dentro do ordenamento
jurídico dos Estados-partes, qual no caso será do ordenamento jurídico brasileiro.
Quando tratamos de direito internacional penal não se pode enxergar as
normas da mesma forma como se pensa em se tratando de direito interno, pois muitos
dos conceitos podem não serem totalmente compreendidos e assim não se
alcançando o objeto do Tribunal, ou seja, a punição dos responsáveis pelo
cometimento dos crimes mais bárbaros contra o ser humano.
O entusiasmo que circundou os primeiros momentos de existência do
Tribunal refletiram a importância de sua criação e os anseios de toda a humanidade
na salvaguarda dos direitos mais básicos ao ser humano.
Em continuidade, serão estudados a estrutura do Tribunal, o procedimento,
para, então, realizar a análise entre o Estatuto de Roma e a Constituição Federal
brasileira, buscando apresentar eventuais conflitos e incompatibilidades, sobretudo no
tocante à entrega de nacionais, à pena de prisão perpétua, às regras de imunidades,
à reserva legal, à eficácia interna das decisões e sentenças proferidas pelo Tribunal.
Esses conflitos acabaram surgindo em virtude da coexistência de normas,
com idêntica natureza, que aparentemente conferiram tratamentos jurídicos diversos
às mesmas situações de fato.
É importante lembrar que o Estatuto de Roma possui a natureza jurídica de
convenção de direitos humanos, pois, ao estabelecer o procedimento para a apuração
e punição dos crimes de transcendência internacional, visa principalmente proteger
todos os seres humanos e evitar o cometimento de novas atrocidades.
Por outro lado, o ordenamento jurídico brasileiro, ao estabelecer, no §2º do
artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que os direitos e garantias nela expressos
não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais que a República
Federativa do Brasil seja parte, passou a reconhecer os tratados internacionais de
direitos humanos como normas constitucionais.
Assim, tendo em vista o reconhecimento, pela Constituição Federal
brasileira, da natureza constitucional das normas expressas no Estatuto de Roma é
que nos cabe analisar a compatibilidade de suas regras com nosso ordenamento
jurídico brasileiro.
2.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Mesmo antes da criação de um Tribunal Penal Internacional existem relatos
que demonstram que os criminosos de guerra são julgados desde os tempos da
Grécia antiga, ou até mesmo antes desta época, pois estas sociedades tinham
consigo a ideia de que devem existir padrões de respeito ao ser humano, mesmo em
situações extremas de guerra. (SCHABAS, 2001)
2.1.
Caso Peter von Hagenbach
O primeiro julgamento legitimamente internacional foi estabelecido em
1474 em Breisach, Alemanha, onde 28 juízes do Sacro Império Romano julgaram e
condenaram Peter von Hagenbach, à época governador da cidade de Breisach, por
violações das “leis de Deus e do homem”, pois este permitia que seus soldados
cometessem estupros, saques, assassinatos etc. (BASSIOUNI, 1991)
Após a retomada da cidade, Peter Von Hagenbach foi condenado pelos
crimes que haviam sido cometidos, o que significou a sua decapitação. (JAPIASSÚ,
2004)
2.2.
Primeira Guerra Mundial
Com a I Guerra Mundial, a humanidade teve de passar por um conflito que
nunca havia conhecido antes. A inovação de técnicas de combates, equipamentos e
artifício de destruição em massa, conduziram todos os lados envolvidos no conflito a
uma degradação sem precedentes. Os crimes de guerra passaram a ter grande
amplitude a partir deste conflito. (GONÇALVES, 2004)
Um dos grandes acontecimentos referentes ao Direito Penal Internacional
ocorreu logo após o término da Primeira Guerra Mundial, quando as potências
vencedoras, Grã-Bretanha e França, revelaram o anseio de punir os responsáveis
pelos atos contra as leis da humanidade que levaram à morte mais de 15 milhões de
pessoas pelo uso indiscriminado de armamentos letais e de destruição em massa.
(KEEGAN, 1995, p. 370)
Com tantas mortes e sofrimento, os aliados, vencedores da guerra, se
dispuseram levar a julgamento o imperador da Alemanha (Kaiser Wilhelm II), e até
mesmo conseguiram incluir o Art. 227 no Tratado de Versalhes, com o intuito de punir
de uma forma eficaz o Imperador:
"As potências aliadas e associadas acusam Guilherme II de Hohenzollern, ex-imperador da Alemanha, por ofensa suprema contra a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados. Um tribunal especial será formado para julgar o acusado, assegurando-lhe garantias essenciais do direito de defesa. Ele será composto por cinco juízes, nomeados por cada uma das potências, a saber: Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, França, Itália e Japão. O tribunal julgará com motivos inspirados nos princípios mais elevados da política entre as nações, com a preocupação de assegurar o respeito das obrigações solenes e dos engajamentos internacionais, assim como da moral internacional. Caberá a ele determinar a pena que estimar que deve ser aplicada.
As potências aliadas e associadas encaminharão ao governo dos Países Baixos uma petição solicitando a entrega do antigo imperador em suas mãos para que seja julgado."
Assim foi criado um Tribunal para julgá-lo por tantas mortes e atrocidades
cometidas contra a humanidade. Porém, o imperador somente foi condenado ao
pagamento de uma indenização, a qual nunca foi paga integralmente. (BAZELAIRE e
CRETIN, 2004)
2.3.
Segunda Guerra Mundial
A 2ª Guerra Mundial é vista como a mais cruel sob todos os aspectos, mas
principalmente referente à violação dos direitos humanos. O crescimento da
intolerância ideológica realizada pela Alemanha Nazista no período da guerra, onde
não havia respeito à dignidade da pessoa humana, barbáries e atrocidades cometidas
a milhares de seres humanos acabaram dando causa a ideia da criação de uma
instância penal internacional capaz de julgar os criminosos que cometeram tantas
crueldades. (MAZZUOLI, 2004)
A devastação ocorrida fez com que as potências vencedoras buscassem
meios de responsabilizar individualmente os criminosos de guerra nazistas. Em 1943,
Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética denunciaram os massacres
perpetrados pelos nazistas e sinalizaram que os grandes criminosos, seriam punidos
por decisão conjunta dos aliados. (SCHABAS, 2001)
Marco importante para a concepção de uma instância penal internacional
que julgasse os criminosos de guerra foi a criação da Declaração de Moscou publicada
por Estados Unidos, URSS e Reino Unidos, a qual estabeleceu princípios para à
serem adotas pelas Nações unidas para julgar os criminosos:
“(...) ao acordar qualquer armistício com qualquer governo que possa ser estabelecido na Alemanha, os oficiais e praças alemães e membros do Partido Nazista que sejam responsáveis pelas atrocidades, massacres e execuções descritas acima ou nelas tomarem parte consentânea, serão reconduzidos aos países onde seus abomináveis atos foram cometidos, a fim de que possam ser julgados e punidos conforme as leis destes países libertados e dos governos livres que ali sejam estabelecidos.
Esta Declaração é feita sem prejuízo dos casos dos principais criminosos de guerra, cujos delitos não tenham definição geográfica particular e que serão castigados por decisão comum dos governos aliados.” (GONÇALVES, 2004)
Após o término da guerra, os três países mencionados acima, mais a
França, firmaram, em agosto de 1945, a Carta do Tribunal de Nuremberg
1, com o
propósito de julgar e punir os causadores de tantas brutalidades. No documento, se
instituíram os parâmetros de atuação e foram definidos os crimes sob que seriam
julgados.
2.4.
Tribunal de Nuremberg
A partir dos acontecimentos cruéis ocorridos na Segunda Guerra nasce a
ideia do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, o qual neste momento adquire
um caráter indispensável para os Aliados na obtenção de reais punições aos
criminosos nazistas. Expõem Jean-Paul Bazelaire e Thierry Cretin o funcionamento
do Tribunal Militar de Nuremberg:
O tribunal assim constituído é composto por quatro membros. Cada país aliado envia um titular e um suplente com a missão de garantir um processo e uma punição justos e rápidos para os principais criminosos de guerra nazistas. Os juízes não são contestáveis e cabe a cada signatário dos acordos substituir o juiz e o seu suplente no caso de problemas de saúde. A
1 Carta do Tribunal de Nuremberg: http://www.refworld.org/cgi-in/texis/vtx/rwmain?docid=3ae6b39614
presidência é assegurada sucessivamente pelas quatro potências, seja por acordo interno no tribunal, seja por voto da maioria de pelo menos três juízes. As decisões são tomadas pela maioria e, no caso de empate, o voto do presidente é decisivo. (BAZELAIRE e CRETIN, 2004, p. 21)
Nos termos do Estatuto, artigo 6º a competência do Tribunal estava limitada
a três crimes, a saber: os crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra
a humanidade:
Art. 6º. (...) os atos a seguir, ou qualquer um deles, são os crimes submetidos à jurisdição do Tribunal e levam a uma responsabilidade individual:
a) os crimes contra a paz: isto é, a direção, a preparação, o desencadeamento ou a continuidade de uma guerra de agressão, ou de uma guerra violando tratados, garantias ou acordos internacionais, ou a participação em um plano orquestrado ou em um complô para o cumprimento de qualquer um dos atos anteriores;
b) os crimes de guerra: isto é, as violações das leis e costumes de guerra. Essas violações compreendem, entre outras, o assassinato, os maus tratos e a deportação para trabalhos forçados ou com qualquer outro objetivo das populações civis nos territórios ocupados, o assassinato ou os maus tratos dos prisioneiros de guerra ou das pessoas no mar, a execução dos reféns, a pilhagem dos bens públicos ou privados, a destruição sem motivo das cidades e dos vilarejos ou a devastação que não se justifiquem pejas exigências militares;
c) os crimes contra a humanidade: isto é, o assassinato, o extermínio, a escravização, a deportação e qualquer outro ato desumano cometido contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra ou as perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, quando esses atos ou perseguições, quer tenham constituído ou não uma violação do direito interno do país onde foram perpetrados, tenham sido cometidos em decorrência de qualquer crime que faça parte da competência do Tribunal, ou estejam vinculados a esse crime.
Em outubro de 1945, 24 (vinte e quatro) réus foram levados julgamento.
Um ano depois foram finalizados com a condenação de 19 (dezenove) dos acusados,
e imposição de pena de morte em 12 (doze) casos. (SCHABAS, 2001)
2.5.
Tribunal de Tóquio
Com a mesma lógica do Tribunal de Nuremberg, foi criado em 1946 um
Tribunal Penal Internacional para o Extremo Oriente, com sede em Tóquio, onde 28
(vinte e oito) criminosos de guerra japoneses que são julgados de um total de oitenta
detidos na época. (BAZELAIRE e CRETIN, 2004)
Apenas foram levados ao Tribunal de Tóquio os japoneses que haviam
cometidos crimes contra a paz, enquanto os que haviam cometido crimes de guerra e
crimes contra a humanidade foram julgados por Tribunais Militares de vários outros
países. (LIMA, 2006)
2.6.
Tribunal ad hoc para a antiga Iugoslávia
Seguindo neste contexto, o Conselho de Segurança, principal órgão
executivo das Nações Unidas, em face das competências dispostas no Capítulo VII
da Carta da ONU
2, enxergou a possibilidade de atuar como instituição com autoridade
suficiente para perseguir e punir os responsáveis por violações contra os direitos
humanos.
O Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia (“TPIY”) foi criado
pelo Conselho de Segurança, com o objetivo de julgar os responsáveis por graves
violações do Direito Internacional Humanitário, principalmente a prática de limpeza
étnica, cometidas no território Iugoslavo entre janeiro de 1991 até alcançada a paz.
(LIMA, 2006)
O referido Tribunal possuía capacidades para julgar, violações de leis e
costumes de guerra, graves violações à Convenção de Genebra, genocídio e crimes
contra a humanidade. (DELGADO e MARTINEZ, 2001)
Diferente dos demais tribunais internacionais até então existentes,
ressalta Kittichaisaree:
“O TPIY considerou-se o primeiro tribunal internacional verdadeiramente instalado pelas Nações Unidas para determinar a criminalidade penal individual dentro do direito humanitário, enquanto os Tribunais de Tóquio e Nuremberg eram considerados multilaterais em natureza, representando apenas parte da comunidade mundial”. (KITTICHAISAREE, 2001)
Desta forma, resta demonstrado quão grande foi a importância da criação
do TPIY por parte do Conselho de Justiça, em relação a punibilidade dos indivíduos e
a criação de precedentes a partir do caso.
2.7.
Tribunal ad hoc para Ruanda
Pouco após a constituição do TPIY, como consequência de um processo
similar, novamente o Conselho de Segurança da ONU interviu, e criou o Tribunal
Penal Internacional para Ruanda (“TPIR”), em resposta ao genocídio ruandense, que
tinha mais uma vez ideologia de ódio étnico. (KITTICHAISAREE, 2001)
Buscando alcançar a reconciliação nacional e a contribuição para o
restabelecimento e a manutenção da paz, TPIR ficou encarregado de julgar as
pessoas responsáveis pelas graves violações de Direito Internacional Humanitário,
cometidas no território de Ruanda e Estados vizinhos, entre 1º de janeiro e 31
dezembro de 1994. (FERNANDES, 2006)
Mais de setenta pessoas foram acusadas, das quais cinquenta detidas e
transferidas. Além disso, nove casos foram julgados, oito condenados e um absolvido,
onde englobam penas de prisões perpétuas e até mesmo à morte. (APTEL, 1997)
Após o TPIR se viu maior a necessidade da criação de um Tribunal permanente
com competência internacional para o julgamento de crimes contra a ordem
humanitária, e desta forma, como abordaremos mais a frente, o TPIR foi um
precedente para a criação do Tribunal Penal Internacional.
3.
CRIAÇÃO E ESTRUTURA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
De fato, a ideia de se criar uma Tribunal Penal Internacional com
propriedade de julgar e punir os autores de tantas atrocidades no âmbito de combates
internacionais, já havia sido sugerida pelas Nações Unidas desde o fim dos anos 40,
já que em 1947 a Assembléia Geral solicitou à Comissão de Direito Internacional que
analisasse a possibilidade de se criar um órgão judiciário penal para julgar autores de
genocídios e de outros crimes relevantes. (LIMA, 2006)
A busca por justiça, e mais precisamente pela punição dos responsáveis
de tamanhas barbáries cometidas durante os conflitos mundiais, visto a impunidade
de criminosos de guerra, os quais se viam livres de quaisquer sanções, juntamente
com o anseio da sociedade internacional, no sentido de se criar uma corte criminal de
competência internacional, finalmente veio à tona a criação do Tribunal Penal
Internacional, regido pelo Estatuto de Roma de 1998. (MAZZUOLI, 2009)
A Conferência de Plenipotenciários Sobre o Estabelecimento do Tribunal
Penal Internacional iniciou em Roma, em 1998, com o intuito de discutir e criar
formalmente a instituição. Ao final da conferência, e acordadas as principais
divergências sobre os procedimentos, foi aprovado em 17 de julho de 1998, o Estatuto
de Roma. (MIRANDA, 2011)
Todavia, para a entrada em vigor do Estatuto de Roma eram necessárias
60 ratificações, conforme exposto no artigo 126 do próprio Estatuto:
Art. 126. O presente Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.
As 60 ratificações necessárias foram alcançadas somente em abril do ano
de 2002, fazendo assim que o Estatuto de Roma entrasse em vigor em julho do
mesmo ano. (FERNANDES, 2006)
Desta forma, em julho de 2002 alcançava-se a consolidação de um Tribunal
Penal Internacional permanente e garantidor de um sistema de justiça, e não de
vingança, preenchendo um vácuo legal do sistema internacional com a investigação
e julgamento dos responsáveis de violações dos direitos humanos em combates, bem
como inibindo a realização de crimes futuros.
3.1.
Estrutura do Tribunal
O Tribunal Penal Internacional é considerado uma entidade totalmente
independente da Organização das Nações Unidas, com sede em Haia, nos Países
Baixos, conforme art. 3º do Estatuto.
3O Estatuto do Tribunal Penal Internacional é composto por 128 artigos,
contendo um preâmbulo e outros 13 capítulos, os quais versam acerca da criação do
Tribunal; competência, admissibilidade e direito aplicável; princípios gerais de direito
penal; composição e administração do Tribunal; inquérito e procedimento criminal;
julgamento; penas; recurso e revisão; cooperação internacional e auxílio judiciário;
execução da pena; assembleia dos Estados-partes; financiamento e cláusulas finais.
De acordo com o Capítulo IV do Estatuto, o qual trata da Composição e
Administração do Tribunal, esse será composto por quatro diferentes órgãos: a
Presidência, as Seções, o Gabinete do Promotor e a Secretaria. Sendo que todos os
referidos órgãos são independentes, mas integram uma estrutura comum, compondo
a base sobre a qual se assenta todo o funcionamento do TPI. (LIMA, 2006)
Cumpre esclarecer que a Presidência e as Seções operam como órgãos
de natureza judicial, o Gabinete do Promotor (denominado pelo Estatuto de
“Procurador”) como órgão acusador e a Secretaria como administrativo. (MAZZUOLI,
2004)
4.
PRINCÍPIOS QUE REGEM O ESTATUTO DE ROMA
Neste capítulo analisaremos brevemente alguns princípios que orientam a
atuação do Tribunal Penal Internacional, como a legalidade, a complementaridade, o
ne bis in idem, o juiz natural, a independência, a irrelevância da função oficial, a
responsabilidade penal individual, a imprescritibilidade, a irretroatividade da lei penal
e a anterioridade da lei.
O art. 21 do Estatuto de Roma expõe que existem duas fontes secundárias
de princípios, sendo primeiramente os Princípios de Direito Internacional e, na falta
desses, os Princípios Gerais de Direito.
4A fonte principal de direito aplicável ao Tribunal Penal Internacional é o
próprio Estatuto de Roma, sendo uma lei positivada e promulgada.
4.1.
Princípio da Legalidade
O princípio legalidade é considerado uma das bases do Estado de direito,
e também de todo Direito Penal que aspire à segurança jurídica. Esse princípio
garante a todos os cidadãos que tais não serão submetido a coerção penal diferente
daquela prevista em lei. (BATISTA, 2001, p. 67)
Um dos princípios basilares do Estatuto de Roma é o da legalidade,
também visto como pacta sunt servanda, o qual está previsto no art. 26 da Convenção
de Viena de 1969, e salienta que: “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser
cumprido por elas de boa fé”.
4Art. 21. O Tribunal aplicará:
a) Em primeiro lugar, o presente Estatuto, os Elementos Constitutivos do Crime e o Regulamento Processual; b) Em segundo lugar, se for o caso, os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis, incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados;
c) Na falta destes, os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes, incluindo, se for o caso, o direito interno dos Estados que exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime, sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto, com o direito internacional, nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos.
O referido artigo, em poucas palavras, revela o caráter vinculante dos
tratados, o que significa dizer que aqueles países que ratificarem o Estatuto de Roma
ficam obrigados a cumpri-lo.
4.2.
Princípio da Irretroatividade e Imprescritibilidade
Se tratando de conflito de leis penais no tempo, a irretroatividade da lei
penal é regra predominante, já que tal proporciona segurança ao princípio já citado, o
da legalidade. (FERNANDES, 2006)
O princípio da Irretroatividade vem exposto no art. 24, I do Estatuto de
Roma, o qual traz a definição que o tribunal só terá competência para investigar e/ou
jugar crimes ocorridos após a entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional.
Em sentido conexo a este princípio, o Estatuto determina ainda, em seu art.
29, que os crimes de competência do Tribunal não prescrevem. Este fundamento está
baseado na gravidade dos crimes previstos pelo Estatuto.
Portanto, podemos afirmar que não há perda do direito de punir do Tribunal
pelo decurso de tempo em relação aos crimes abrangidos por esse.
4.3.
Princípio da Cooperação
Observando o princípio da legalidade, maiormente a sua característica de
pacta sunt servanda, o Estado que ratificar o Estatuto de Roma fica obrigado a cumprir
o que dispõe o tratado, e deste princípio nasce a característica da cooperação.
O princípio da cooperação vem expresso no Art. 86 do Estatuto, o qual trata
da obrigação geral de cooperar. Tal princípio é muito importante para a efetividade
das decisões e para o exercício da jurisdição do Tribunal, já que esse não possui
polícia própria e depende dos Estados para a apuração dos casos, a detenção dos
acusados e o cumprimento de suas decisões.
5Este princípio compreende o dever assumido pelos Estados-Partes de
atender a todos os pedidos formulados pelo Tribunal.
4.4.
Princípio da Complementaridade
O princípio da complementaridade, qual está disposto no artigo 1º do
Estatuto de Roma pode ser apontado como a mais importante característica do
Tribunal Penal Internacional.
6De acordo com o princípio da complementaridade, a responsabilidade
primária para a resolução dos conflitos é conferida aos Estados. A jurisdição do
Tribunal é exercida apenas subsidiariamente, em caso de clara incapacidade ou falta
de disposição do Estado para o processamento dos crimes. Também cabendo quando
a tamanha gravidade do crime justifique o exercício da função pelo Tribunal Penal
Internacional. (LIMA, 2006)
Por conta disso, o artigo 18, §1º, do Estatuto de Roma obriga o Procurador
a notificar o Estado, a título confidencial, sempre que entender presentes os
fundamentos para a investigação de um caso perante o Tribunal.
7Assim, o Tribunal Penal Internacional somente realizará investigações em
casos de ocorrência de omissão do Estado, por sua incapacidade ou por falta de
5Art. 88. Os Estados Partes deverão, em conformidade com o disposto no presente Estatuto, cooperar
plenamente com o Tribunal no inquérito e no procedimento contra crimes da competência deste.
6Art. 1º. criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal"). O Tribunal será uma
instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.
7Art. 18, §1º. Se uma situação for denunciada ao Tribunal nos termos do artigo 13, parágrafo a), e o Procurador
determinar que existem fundamentos para abrir um inquérito ou der início a um inquérito de acordo com os artigos 13, parágrafo c) e 15, deverá notificar todos os Estados Partes e os Estados que, de acordo com a informação disponível, teriam jurisdição sobre esses crimes. O Procurador poderá proceder à notificação a título confidencial e, sempre que o considere necessário com vista a proteger pessoas, impedir a destruição de provas ou a fuga de pessoas, poderá limitar o âmbito da informação a transmitir aos Estados.
vontade, ou até mesmo pela gravidade dos crimes ocorridos. Esse mecanismo, que
institui uma ordem de preferência no julgamento dos crimes de competência da Corte,
tem a finalidade de evitar a sobreposição do Tribunal internacional aos órgãos
nacionais.
5.
JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
De acordo com o disposto no Artigo 1º do Estatuto de Roma, a competência
do Tribunal em relação às jurisdições de seus estados partes é subsidiária, ou seja, o
TPI não pode interferir indevidamente nos sistemas judiciários nacionais, os quais
permanecem com a responsabilidade primária de investigar e processar os crimes
cometidos por seus habitantes.
Contudo, se esses Estados não demonstrarem vontade de punir estes
criminosos ou se mostrem incapazes de puni-los, o TPI tem competência para
fazê-lo. (MAZZUOLI, 2009)
O Tribunal possui personalidade e capacidade jurídica internacional, o que
lhe permite exercer seus poderes e funções em qualquer Estado Parte, ou por acordo
especial no território de qualquer outro Estado, conforme exposto no art. 4º do referido
Estatuto.
85.1.
Crimes de competência do Tribunal Penal Internacional
A competência internacional do TPI é o elemento que irá definir o momento
e as circunstâncias sob as quais este Órgão exercerá a jurisdição que lhe foi atribuída.
(LIMA, 2006)
8Art. 4º. §1º. O Tribunal terá personalidade jurídica internacional. Possuirá, igualmente, a capacidade jurídica
necessária ao desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objetivos.
§2º. O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado.
O TPI, dentro de seu escopo, é competente para julgar, com caráter
independente e permanente, os crimes graves que afetam a sociedade internacional
dos Estados e que ultrajam o direito humanitário. (MIRANDA, 2011)
Todavia, é importante frisar que conforme o princípio da irretroatividade, a
competência do Tribunal em relação aos referidos crimes só se aplica aos crimes
cometidos depois da entrada em vigor do Estatuto.
Desta forma, conforme exposto no Art. 5º, o TPI tem competência para
investigar e julgar, os seguintes crimes: crime de genocídio, crimes contra a
humanidade, crimes de guerra e crime de agressão, crimes os quais deve-se salientar
que não prescrevem.
5.1.1.
Crime de Genocídio
O termo genocídio, em sua essência significa o extermínio consciente de
um grupo nacional ou étnico-religioso. (COMPARATO, 1999)
O crime de genocídio sempre foi considerado uma das principais
preocupações dos defensores dos direitos humanos, principalmente após o período
pós Segunda Guerra, o que levou ao entendimento de ser o genocídio um crime de
caráter internacional e a mais grave espécie de crime contra a humanidade.
(SCHABAS, 2001)
Tal crime vem expresso no art. 6º do Estatuto de Roma, onde entende-se
por "genocídio", o ato praticado com intenção de destruir (física ou culturalmente), no
todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
5.1.2.
Crimes Contra a Humanidade
A primeira definição de “crimes contra a humanidade” de modo conciso e
articulado ocorreu no Estatuto do Tribunal de Nuremberg, e posteriormente seguido
pelo Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Tóquio. (MAIA, 2001)
Entretanto, para serem considerados como crimes contra a humanidade
esses deveriam ser conexos aos crimes contra paz e crimes de guerra, assim os
tornando simplesmente uma figura complementar em relações aos dois crimes
descritos. (MIRANDA, 2011)
A aplicação definitiva deste delito foi determinada no Art. 7º do Estatuto de
Roma, onde fica estabelecido que os crimes contra a humanidade são aqueles
praticados no âmbito de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer
população civil, incorporando qualquer ação que envolva a prática dos atos referidos
no parágrafo 1º do artigo em questão.
O termo “amplo” significa que os referidos atos deverão ser cometidos por
um certo número de pessoas ou sobre um amplo território; já o termo “sistemático”
significa que deve haver planejamento e organização no ataque. (CHOUKR e
AMBOS, 2000)
Em suma
“crimes contra a humanidade” nos remete a quaisquer
atrocidades e violações de direitos humanos cometidos em larga escala, perpetrada
contra grande número de pessoas.
5.1.3.
Crimes de Guerra
Já não é de hoje que os crimes cometidos em tempos de guerra trazem
preocupações para os povos, tanto que até mesmo o Código de Manu
9, o qual foi
escrito entre os séculos II a.C. e II d.C., já continha normas relativas aos prisioneiros
de guerra. E apesar da sua antiga caracterização, a regulamentação do crime de
guerra no âmbito internacional é recente, e o Estatuto de Roma, dedicou o seu art. 8º
para abordar tal violação. (LIMA, 2006, p. 115)
9 Escrito em sânscrito, língua clássica da Índia antiga, constituiu-se na legislação do mundo indiano no período
Em sua obra, Cassese define o crime de guerra como: “sérias violações de
guerra costumeiras ou, quando aplicáveis, de regras pactuadas que dizem respeito às
leis internacionais humanitárias de conflitos armados”. (CASSESE, 2003, p. 47)
Kittichaisaree, seguindo a mesma linha de Cassese, define o delito como:
“crimes cometidos em violação de leis internacionais humanitárias aplicáveis durante
conflitos armados”. (KITTICHAISAREE, 2001, p. 129)
Cumpre ressaltar que da mesma forma que os crimes contra a
humanidade, os crimes de guerra também figuraram no Tribunal de Nuremberg.
Os crimes de guerra estão expressos no art. 8º do Estatuto de Roma, o
qual em primeiro momento restringe o exercício de sua competência para julgar os
casos mais significativos, ou seja, atos identificados com um plano ou de uma política,
ou quando praticados em larga escala.
É de suma importância salientar que o art. 8º do Estatuto de Roma traz em
seu texto um rol exemplificativo dos crimes de guerra previstos.
5.1.4. Crime de Agressão
O quarto e último crime do rol de crimes de competência do Tribunal Penal
Internacional é “crime de agressão”, o qual diferente dos crimes demonstrados
anteriormente não tem uma definição expressa da sua caracterização.
A inexistência de um significado para o crime de agressão que
fundamentasse a responsabilidade penal internacional dos agentes dificultou a
incorporação deste crime ao Estatuto de Roma. (MAZZUOLI, 2009, p. 65)
Contudo, ainda havia o desejo em assegurar a punição do crime, porém
nas negociações para a inserção deste crime no Estatuto de Roma não foi possível
chegar a um acordo no sentido de se definir a agressão cometida por indivíduos, muito
menos seus elementos constitutivos ou condições que seria empregada a jurisdição
do Tribunal Penal Internacional com relação ao crime. (LIMA, 2006, p. 123)
Se mostra claramente evidenciada uma lacuna no texto do art. 5º do
Estatuo de Roma, pois em seu parágrafo 2º, determina que o exercício de
competência do Tribunal em relação ao crime se dará somente com a estipulação de
conceito do crime, bem como das condições de aplicação da jurisdição pelo Tribunal.
10Ou seja, dos quatro crimes expostos no Estatuto de Roma o único ainda
não foi tipificado é o crime de agressão. Contudo, a definição foi postergada a uma
etapa posterior, conforme os arts. 121 e 123 do Estatuto. Ou seja, o preenchimento
dos requisitos necessários para a definição do crime poderá ocorrer por emenda (art.
121)
11ou por revisão (art. 123)
12. (MAZZUOLI, 2004, p. 66)
Resta neste momento a tipificação do crime de agressão, para que assim
tenhamos de vez a caracterização plena do crime.
10 Art. 5º, §2º. 2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos
termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas.
11 Art. 121. Expirado o período de sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, qualquer Estado
Parte poderá propor alterações ao Estatuto. O texto das propostas de alterações será submetido ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, que o comunicará sem demora a todos os Estados Partes.
12 Art. 123. Sete anos após a entrada em vigor do presente Estatuto, o Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas convocará uma Conferência de Revisão para examinar qualquer alteração ao presente Estatuto. A revisão poderá incidir nomeadamente, mas não exclusivamente, sobre a lista de crimes que figura no artigo 5º. A Conferência estará aberta aos participantes na Assembléia dos Estados Partes, nas mesmas condições.
6.
A RATIFICAÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PELO BRASIL
Preliminarmente, cumpre ressaltar que o Estatuto de Roma tem natureza
jurídica de convenção internacional de direitos humanos. Isso porque, como bem
ressaltado por André de Carvalho Ramos, esse instrumento legal não se resume
apenas ao conjunto de regras materiais e processuais relativos à Corte Internacional
Criminal, pois, como o próprio preâmbulo revela, há também grande preocupação do
Estatuto com a proteção das vítimas dos crimes considerados como de maior
gravidade na história da humanidade. (RAMOS, 2013)
Nesse sentido, é que o Estatuto em seu preâmbulo estabeleceu que os
Estados signatários,
“conscientes de que todos os povos estão unidos por laços
comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham,
e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer
instante”, bem como “tendo presente que, no decurso deste século, milhões de
crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que
chocam profundamente a consciência da humanidade”, decidiram “garantir o respeito
duradouro pela efetivação da justiça
internacional”, criando o “Tribunal Penal
Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das
Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a
comunidade internacional no seu conjunto”
Portanto, resta inegável que as disposições contidas no Estatuto de Roma
visam proteger os seres humanos, buscando evitar que as atrocidades cometidas no
passado, venham a ser novamente praticadas.
Como já observado, o Estatuto de Roma é o tratado multilateral que criou
o Primeiro Tribunal Penal internacional de caráter permanente. O documento entrou
em vigor em julho de 2002, porém no Brasil passou a vigorar a partir de setembro do
mesmo ano. (MIRANDA, 2011) Desta forma, neste capítulo abordaremos o processo
de ratificação do Estatuto de Roma junto ao ordenamento jurídico brasileiro.
Acerca do tema ressalta Mazzuoli que “o corpo diplomático brasileiro, que
já participava, mesmo antes da Conferência de Roma de 1998, de uma Comissão
Preparatória para o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, teve
destacada atuação em todo o processo de criação do Tribunal”. (MAZZUOLI, 2009, p.
40)
E podemos afirmar que isto foi devido, em grande parte, em virtude do que
expõe o art. 7º dos Atos das Disposições Transitórias, da Constituição brasileira de
1988, que declara que “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional
dos direitos humanos”.
Foi em setembro do ano de 2000 que o Brasil assinou o tratado
internacional referente ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual
foi aprovado pelo Parlamento brasileiro, por meio do Decreto Legislativo 112, de junho
de 2002, e posteriormente promulgado pelo Decreto presidencial 4.388 de setembro
de 2002, momento em que o Brasil passou a se tornar Estado-parte do referido
tratado. (LIMA, 2006, p. 152)
A partir deste marco, e por força do art. 5º, §2º da Constituição de 1988,
que salienta que “Os direitos e garantias expressas nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, o Estatuto de
Roma integrou-se ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma
constitucional. (MAZZUOLI, 2002, p. 233)
No mesmo sentido, a autora Flávia Piovesan afirma que
“a Constituição assume expressamente o conteúdo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte. Ainda que esses direitos não sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais, mas sob a forma de tratados internacionais, a Carta lhes confere o valor jurídico de norma constitucional, já que preenchem e complementam o catálogo de direitos fundamentais previsto pelo Texto Constitucional”, sendo
que os direitos internacionais integram o “chamado ‘bloco de
constitucionalidade’, densificando a regra constitucional positivada no §2º do art. 5º, caracterizada como cláusula constitucional aberta”. (PIOVESAN, 2011)
Em razão disso, por força do disposto no artigo 5º, §2º, da Constituição
Federal, os tratados internacionais de direitos humanos possuem natureza
materialmente constitucional, sendo que os demais têm natureza supralegal.
E foi a partir de dezembro de 2004, em virtude da entrada em vigor da
Emenda Constitucional 45, foi acrescido o §4º no art. 5º da Constituição Federal de
1988, momento em que o Brasil passou a reconhecer formalmente o a jurisdição do
Tribunal Penal Internacional em seu ordenamento.
137.
IMPACTO DO ESTATUTO DE ROMA NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO
7.1.
Os (aparentes) conflitos entre o Estatuto de Roma e o texto constitucional
brasileiro
Uma leitura não detalhada do Estatuto de Roma, em relação as regras
penais e procedimentos, pode pressupor ao leitor algumas incompatibilidades com o
direito constitucional brasileiro, mais especificamente acerca dos seguintes tópicos
fundamentais: a entrega de nacionais ao Tribunal; a pena de prisão perpétua; a
imunidades e o foro por prerrogativa de função; a reserva legal; e a coisa julgada.
Esta matéria está ligada ao que se denomina no Direito dos Tratados de
inconstitucionalidade intrínseca dos tratados internacionais, e Mazzuoli afirma que:
“Esta tem lugar quando o trato, apesar de formalmente ter respeitado todo o procedimento constitucional de conclusão estabelecido pelo direito interno, contém normas violadoras de dispositivos constitucionais(...)” (MAZZUOLI, 2009, p. 75)
Contudo, pode-se afirmar de antemão, que tal inconstitucionalidade é
meramente aparente, conforme será demonstrado nos tópicos abaixo.
13Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
7.2.
A entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional
O primeiro conflito aparente entre o Estatuto de Roma e a Constituição
Federal de 1988 advém do disposto no art. 89 do Estatuto, o qual prevê a prerrogativa
de o Tribunal encaminhar pedidos de detenção e entrega de indivíduos a qualquer
Estado em que esse se encontrar, e ainda, utilizando-se do princípio da cooperação,
solicitar ao Estado-parte a detenção do agente e a entrega de tal indivíduo,
respeitando as disposições do Estatuto e os procedimentos internos.
Contudo, a Constituição brasileira em seu art. 5º, LI e LII
14, veda a
extradição de nacionais, sendo que tal disposição está inserida no Título dos Direitos
e Garantias Fundamentais. Ressaltando que os direitos fundamentais estão
acobertados pelo art. 60, §4º, IV,
15da Carta Magna.
O Estatuto de Roma, levando em consideração disposições semelhantes
de vários textos constitucionais, distingue claramente o que se entende por “entrega”
e por “extradição em art. 102, alíneas “a” e “b”. Sendo que se entende por “entrega”,
o ato do Estado entrega um indivíduo ao tribunal “nos termos do presente Estatuto”, e
por “extradição”, entende-se a entrega de uma pessoa por um estado a outro Estado.
Em razão disso, as normas constitucionais relativas à
“extradição” não
podem ser aplicadas aos casos de entrega requeridas pelo Tribunal Penal
Internacional.
Ademais, o fundamento para a previsão da não extradição de nacionais
nas Constituições contemporâneas reside no fato de que um tribunal estrangeiro
14 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;
15 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.
poderia agir sem imparcialidade, realizando um julgamento injusto, o que não ocorre
no Tribunal Penal Internacional, pois este possui normas processuais que garantem a
imparcialidade nos julgamentos. (CACHAPUZ DE MEDEIROS, 2000, p. 14)
Diante do exposto, a previsão de entrega disposta no Estatuto de Roma
não incide em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, assim não
havendo nenhum tipo de inconstitucionalidade neste sentido.
7.3.
A pena de prisão perpétua
Outra questão que gerou dúvidas acerca da incompatibilidade foi a
previsão, no Estatuto de Roma, da possibilidade de imposição de pena de prisão
perpétua.
O Estatuto de Roma, diferentemente dos Tribunais de Nuremberg e de
Tóquio, trouxe o elemento de não estabelecer a pena de morte, e instituir em seu art.
77 a pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30
anos ou a pena de prisão perpétua apenas para os casos mais graves, ou seja, para
os condenados pelos crimes previstos em seu artigo 5º, os quais são o genocídio,
crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressão.
No entanto, como a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XLVII, alínea
“b”, veda expressamente, a imposição de pena de prisão perpétua em nosso
ordenamento jurídico.
Por outro lado, ressalta-se que o art. 80 do Estatuto de Roma previu
importante regra de interpretação, ao dispor que suas normas em nada prejudicarão
a aplicação, pelos Estados, das penas previstas em seus respectivos direitos internos
ou a aplicação da legislação de Estados onde não haja a previsão das penas referidas
no Estatuto.
Portanto, a previsão constitucional de vedação de pena de prisão perpétua
dirige-se somente ao legislador interno brasileiro, não alcançando os legisladores
estrangeiros como também os legisladores internacionais, ou seja, não há afronta ao
Estatuto de Roma. (CACHAPUZ DE MEDEIROS, 2000, p. 15)
Desta forma, pode-se afirmar que não há qualquer incompatibilidade a ser
declarada também nesse tópico.
7.4.
Imunidades e o foro por prerrogativa de função
Outro conflito que pode surgir é referente às imunidades em geral e às
prerrogativas de foro por exercício de função. No ordenamento jurídico brasileiro
essas regras são aplicadas, por exemplo, ao Presidente da República, seus Ministros
de Estado, Deputados, Senadores, etc. Contudo, deve-se salientar que tais
imunidades e privilégios são de ordem interna e variam de Estado para outro.
(MORAES, 2005)
Os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional, são na maioria
das vezes cometidos por indivíduos que se ocultam atrás de imunidades e privilégios
que são conferidas por seus ordenamentos jurídicos. (MAZZUOLI, 2009, p. 85)
Visando inibir essa atitude, o Estatuto de Roma em seu art. 27, trata da
irrelevância da qualidade/cargo daqueles que cometem os crimes por eles abordados,
segundo o qual expõe:
Art. 27. “1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena. 2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.