• Nenhum resultado encontrado

Ruy Moreira. I- O que concebemos por natureza na Geografia. II - A evolução e as fontes da concepção da natureza na Geografia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Ruy Moreira. I- O que concebemos por natureza na Geografia. II - A evolução e as fontes da concepção da natureza na Geografia"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

A insensível natureza sensível

Ruy Moreira

I- O que concebemos por natureza na Geografia

Durante longo tempo a Geografia ficou mentalizada no senso público como sendo a “base física” da História. Mas por que, essa base tem uma natureza física, isto jamais foi indagado. Se por um lado isto valoriza o estudo da natureza na Geografia, levantando a necessidade de uma visão crítica deste tema pelo geógrafo, por outro lado sabemos que com um nome trocado está se querendo falar do território ao falar-se da geografia como a bafalar-se da história. Por a natureza tem sido uma coisa física para a geografia e o que podemos entender então por natureza?

A um conjunto de corpos ordenados matematicamente pela lei da gravidade, eis ao que temos chamado de natureza em Geografia. Uma combinação de Física e Matemática, aplicada ao campo da percepção sensível.

Natureza é assim um decalque do nosso mundo sensível ordenado num conceito matemático. Vemos a natureza, vendo coisas: o relevo, as rochas, os climas, a vegetação, os rios, etc. Coisas isoladas. E como a natureza é um todo interligado, damos-lhe unidade interligando esses aspectos através ligações matemáticas.

Devido a esse confinamento da natureza ao horizonte da experiência sensível, falar geograficamente da natureza é, assim, tomar os dados da percepção imediata como os verdadeiros fatos (quem ainda não ouviu seu professor de Geografia dizer que o real concreto o é porque o podemos tocar). E explicá-la supõe enquadrá-la numa ordem taxonômica que com pomos com os agrupamentos por semelhanças e depois interligá-la com a ajuda da matemática.

Ver a unidade da natureza é, pois, ver sua estrutura lógico—formal (a estrutura matemática). E chegar à totalidade é articulá-la como um sistema. Tudo significando analisar as relações matemáticas que interligam seus fenômenos, investigando-os e interligando-os um a um, um de cada vez, no encadeamento das suas ligações, até que o último se integre ao todo, num círculo que se fecha no sistema. E tudo explicado na universalidade da lei da gravidade.

Por isso, fazer uma geografia da natureza é completar a trajetória do fazer da Física, plotando-a na tradução territorial que a transforme numa Geografia Física, uma ciência da lei da gravidade ordenada e aplicada territorialmente.

II - A evolução e as fontes da concepção da natureza na Geografia

1- A história do conceito

DO MUNDO-DIVINO AO MUNDO DESSACRALIZADO

O modo como hoje vemos e pensamos a natureza nas ciências tem sua origem remota na revolução copernicana do século XIV-XV. Denomina-se revolução copernicana à ruptura que a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico (1473-1543) promove no Renascimento (século XV) com a concepção de mundo até então centrada na teoria geocêntrica de Aristóteles e Ptolomeu. Mais que uma troca de teoria de centralidade e organização espacial do universo, o heliocentrismo significa uma completa reviravolta no conceito de mundo. É a inauguração de um período de incessantes revoluções radicais na organização material e espiritual das sociedades, que se inicia no Renascimento (século XVI) e culmina no século XVIII com a Revolução Francesa de 1789.

Até revolução copernicana, pensa-se o mundo à luz da concepção formulada por Aristóteles (384-322 antes de nossa era) e aperfeiçoada por Ptolomeu (século II de nossa era). Segundo essa Cosmologia o mundo divide-se nas esferas sub e supralunar, concêntricas e em cujo centro encontra-se a Terra. A esfera sublunar é o mundo dos homens, por isso o mundo das coisas imperfeitas e corruptíveis (que mudam e desaparecem), enquanto a esfera supralunar é o mundo das coisas distantes, perfeitas, eternas e absolutas. A Igreja entenderá esta

(2)

concepção nos termos dos preceitos bíblicos: os homens vivem no centro do inundo para que possam ver na plena amplidão do Universo a onipresença, a onipotência e a onisciência de Deus.

Desse modo, mais que o simples surgimento de uma nova Astrologia, a revolução copernicana é uma completa releitura da geograficidade do homem. É a criação de uma nova cosmologia, mudando a noção de estrutura e de localização das coisas no mundo, que inaugura o nascimento da ciência moderna e instaura sua nova concepção de mundo. Com a teoria heliocêntrica nasce a moderna Astronomia baseada na mecânica celeste, da qual sairá a moderna ciência da Física.

Até então, os homens olhavam o mundo e não viam na natureza mais que o corpo de Deus. A partir de agora passarão a ver apenas a natureza racional.

DO MUNDO DESSACRALIZADO AO MUNDO RACIONAL

Só com as progressivas descobertas da mecânica dos nossos corpos entre tanto é que a teoria heliocêntrica tomará essa nova forma de concepção de mundo. E isto ocorrerá através de sucessivas pesquisas e descobertas científicas. De fundamental importância para esse processo é a criação do método experimental por Francis Bacon (1561-1626) e Galileu Galilei (1564-1642), por meio do qual as investigações sobre o mundo circundante ganham extraordinário poder de rigor e objetividade.

Um primeiro passo nessa direção vem com a descoberta por Kepler (1571-1630) da forma da órbita dos astros, provando ser elíptica e não esférica, com isto assestando rude golpe na concepção aristotélico-ptolomaica da estrutura perfeita do mundo (a esfera é a mais perfeita das figuras geométricas), que a Igreja tomava como evidência da manifestação divina. A invenção da luneta por Galileu Galilei amplia em alcance e precisão essas descobertas, ao tempo que aplica os princípios da mecânica celeste ao movimento dos corpos da superfície terrestre, criando, assim, a ciência da mecânica dos pequenos corpos, a Física. Desse modo, vai surgindo a noção da uniformidade do Universo como um todo orientado nas leis da mecânica, que explode com a dicotomia aristotélica das esferas sub e supralunar, ajudando a sedimentar a compreensão integralmente mecânica do mundo.

A visualização dessa uniformidade mecânica do Universo é, todavia fornecida por Descartes (1596-1650), ao dar-lhe uma feição geometrizada. Fundindo a aritmética, a álgebra e a geometria até então desconectadas, Descartes cria a matemática moderna. Unificando todo o mundo no raciocínio matemático, Descartes assim fornece à nova cosmologia o arcabouço que lhe faltava para fundamentar a idéia do universo como uniformidade mecânica. Com apoio nessa matemática unificada, o método experimental adquire grande consistência e poder de demonstração do padrão único da organização do Universo.

Falta algo, contudo nessa nova visão de mundo. E esse algo surge com a Lei da Gravidade, que Isaac Newton (1642-1727) só descobre no meado do século XVII.

Ao chegarmos ao século XVIII, o processo por fim se completou, uma vez que a uniformidade do mundo, que já vinha se afirmando através da padronização mecânica do seu movimento, ganha com a Lei da Gravidade a unidade interna que faltava. Fechou-se o circuito da construção do que daqui em diante será a essência da cultura de todo o Ocidente.

Do Renascimento (surgimento da teoria heliocêntrica) ao Iluminismo (síntese newtoniana da Física Clássica) a visão de mundo revirou-se por completo no ocidente: o mundo—Deus cede lugar ao mundo—máquina; o mundo dos acidentes esporádicos por meio dos quais Deus saía da esfera supralunar para interferir no andamento da vida dos homens na esfera sublunar dá lugar ao mundo regido pelas leis constantes e regulares da razão matemática; o mundo encantado do corpo divino cede lugar ao mundo das formas racionalmente geometrizadas; o mundo dos fenômenos casuais cede lugar ao mundo causalmente explicado pela razão experimental—matemática.

Estamos assim diante de um mundo rigorosamente regulado pelas relações constantes da matemática e que o homem pode conhecer e controlar, sem que cometa qualquer sacrilégio.

(3)

DO MUNDO RACIONAL À NATUREZA DESUMANIZADA

Todavia, é este um mundo engravidado de nova dicotomia. Nem tudo nele segue esta rígida racionalidade. Descartes distingue a res extensa, o mundo externo e objetual do espaço geometrizado, da res cogito, o mundo interior do eu pensante. E Galileu Galilei distingue o constante do que não é.

Significa isto que neste mundo se distinguem o natural e o não-natural, nascendo dessa distinção o moderno conceito de natureza e de homem. Natureza é o mundo racional dos corpos submetidos à uniformidade do movimento mecânico. Homem é o correlato do conceito do espírito, o mundo subjetivo das idéias.

Referindo-se à natureza, Galileu Galilei assim a resume: “A Filosofia está contida neste vasto livro, que se mantém permanentemente aberto perante os nossos olhos, quer dizer, perante o Universo; mas não pode ser lido antes de termos aprendido a linguagem nele usada e de nos termos familiarizado com os caracteres em que está escrito. Está escrito em linguagem matemática, e as letras são, portanto triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem a compreensão das quais é humanamente impossível compreender uma única palavra”. Selando esta nova concepção que separa a natureza no mundo, Galileu Galilei vai afirmar que só é natureza o que é matemático e constante, dela não fazendo parte os fenômenos subjetivos como cor, prazer, sentimento, ou seja, a parte do mundo não redutível aos axiomas matemático-mecânicos.

DA NATUREZA DESUMANIZADA AO HOMEM DESNATURADO

Rompeu-se com a concepção medieval de natureza, mas não todavia com a concepção divina de homem. Mesmo na nova natureza Deus permanece como essência do mundo, sendo ele que nela aparece agora na forma da razão geométrica. Nesse novo conceito a natureza tem leis de movimento intrínsecas, suas próprias leis de movimento, mas no seu conjunto é um grande relógio (metáfora que se empresta generalizadamente para o todo da natureza a partir dos movimentos da Terra) e Deus o grande relojoeiro.

Até o Renascimento o mundo se distingue entre o sub e o supralunar. Mas se confundem estes mundos: o encantamento (mistério e revelação) serve como acesso de livre passagem entre o natural e o não-natural, abrin do entre eles mil portas de entrada e saída. Os acontecimentos são acidentais. As catástrofes são sinais divinos. Assim, as formas das coisas naturais bem podem ser a encarnação de seres sobrenaturais, e vice-versa, natural-não-natural formando ao mesmo tempo uma dicotomia e massa fluida.

Com a revolução da Física a natureza passa a ser um conjunto de cor pos de extensão definida (o espaço cartesiano), animados pelo movimento mecânico. Esse movimento é uniformemente governado do nível macro (corpos celestes) ao nível micro (corpos da superfície terrestre) pela Lei da Gravidade, uma lei universal. Separam-se, assim, rigidamente natural (físico) e não-natural (não-físico), o movimento mecânico servindo de parâmetro de demarcação. A dicotomia sub-supra lunar desaparece, mas é substituída pela dicotomia do natural-não-natural.

A grande transformação que se opera no conceito de natureza apóia-se assim numa dessacralização que não se estende ao homem. Não se pode indagar sobre o sacralizado e não há ciência sem a indagação. Cria-se assim uma ciência identificada com a natureza dessacralizada. E uma parte do mundo que ela não alcança em face de sua sacralidade. Diante do homem que se indaga sobre o mundo separam-se a natureza e o espírito.

Estamos na modernidade, longe então da relação natural—sobrenatural medieval, de fronteiras fluidas, e vivendo no interior de uma relação natureza—espírito de fronteiras rigidamente demarcadas. De uma natureza confusamente indivisa, passamos para uma natureza separada do espírito. E para um homem inteiramente defrontado com um mundo de estranhamento.

A natureza penetrada de subjetividade e o homem penetrado de objetividade dessensibilizam-se nesse mútuo estranhamento.

Estamos, assim, perante uma relação entre a natureza e o homem de absoluta externalidade. O mundo natural animado de mistérios e prenhe de significados espirituais de antes dá lugar a uma natureza fechada em si mesma, externalizada a tudo que não é matemático-mecânico e preditivo, dessensibilizada na sua objetividade inorgânica. E esse conceito cartesiano-newtoniano de natureza determina o de homem

(4)

dividido entre o interno e o externo, divorciado de um mundo que para ele é o outro estranho e inorgânico. Externalidades recíprocas, natureza e homem são opostos, um não faz parte do outro. O homem está excluído do conceito de n natureza está excluída do conceito de homem.

Expulso do Paraíso natural uma primeira vez por Deus, o homem dele é expulso uma segunda vez, agora pelos criadores da Física (mais adiante o reverendo Malthus (1766-1834) dirá que para ele não há lugar no banquete da vida). Não participando do mundo objetivo da Física, ao homem resta então o mundo da Metafísica.

Separam-se a Ciência, à qual cabe a reflexão sobre a natureza e a Filosofia, à qual cabe a reflexão sobre o homem, e assim a ciência sela um pacto com a Escolástica no momento em que nasce um novo mundo.

Eis como nascem a “Geografia Física” e a "Geografia Humana" modernas. E a idéia do mundo físico como base geográfica da história.

DO HOMEM DESNATURADO AO MUNDO TRICOTOMIZADO

Encarnando em si mesmo essa dicotomia natureza—espírito, o homem se parte em três: seu corpo, sua mente e seu espírito.

Se corpo e mente se dissociam no conceito medieval de mundo, fazem-no porém dentro de fronteiras fluidas: diferem, sem entretanto se separarem em termos absolutos. A dicotomia de separação rígida só vem com a redução física da natureza e a conseqüente exclusão do homem. A geometrização cartesiana que segmenta o mundo em res cogitans/res extensa vai mais além. No conceito medieval o homem integrava-se ao mundo circundante, mesmo que nos termos de uma teleologia teísta. Na nova concepção físico—geométrica, dele se dicotomiza irremediavelmente. E se triparte.

É que há algo mais na dicotomia corpo—mente: o corpo do homem faz parte do mundo da natureza, provam-no as pesquisas do anatomista Vesálio (1514-1564), contemporâneo de Copérnico, e isto implica uma natureza-espírito no próprio homem, na forma da dicotomia corpo-mente. Quando Descartes geometrizou o mundo, nele separando ser pensante dos objetos corporais, sentindo que separara em termos absolutos o objeto, resolveu contornar essa separação trazendo para ligá-los Deus. Deus passou a compor a substância comum, mas de três mundos: o corpo-natureza (a grande máquina cósmica), o corpo-humano (a pequena humana) e a mente (o espírito).

Enquanto no conceito bíblico o homem apenas perdera sua imortalidade ao ser expulso da vida eterna do Paraíso, no conceito físico—clássico perdeu ele sua própria integração no mundo das coisas materiais. Mais que a integração, o homem perdeu com a modernidade a sua integralidade. Tal como no poema Ismailia, de Alphonsus de Guimarães, “sua alma subiu aos céus, seu corpo desceu ao chão”. Seu mundo ficou tricotomicamente que brado em natureza—corpo—mente.

DO MUNDO TRICOTOMIZADO À ULTRA-ATOMIZAÇÃO DA NATUREZA

A solução cartesiana, se não restabelece a unidade do mundo, oferece porém uma unidade comum por detrás da sua incontrolável desintegração. A fisicização que isola reciprocamente a natureza e o homem encontra na geometrização a lógica que embasa por baixo a ordem comum da fragmentação radical. Geometrizado, o mundo se quebra ao infinito em uma multidão incalculável de corpos, mas a multiplicidade dos pedaços é tão-somente a atomicidade de um único e mesmo corpo.

É assim que a geometrização da natureza desdobra-a numa natureza radicalmente atomizada. A geometrização parte-a em múltiplos e distintos objetos, corporalizados por suas formas e individualizados por seus limites externos. A natureza infinita de antes da revolução científica se converte em suas mãos no espaço infinitamente descontínuo.

A geometrização quebra a natureza em múltiplas formas de corpos individuais na infinita extensão do mundo (a res extensa), mas não há dispersão neste mundo de tamanha diversidade corpórea: por trás da pulverização está a unidade da ordem gravitacional.

(5)

DA ULTRA-ATOMIZAÇÃO DA NATUREZA À NATUREZA-TÉCNICA

Esta natureza constituída de objetos que ocupam e trocam de lugares (cada corpo ocupa um só lugar no espaço, mas nele troca de posição com outro constantemente) no espaço infinito é assim um gigantesco campo de forças.

A natureza é uma coleção de corpos, como a rocha ou a chuva, que se interligam num todo pela ação de forças a elas externas, que ocupam e trocam de lugar no espaço. É um universo fragmentário e ao mesmo tempo unificado como campo de forças.

Dotados assim de movimento mecânico, esses corpos deslocam-se entre os diferentes lugares do espaço segundo unidades métricas tão constantes, que o controle desses movimentos permite que possam ser levados a realizar trabalho. Em outros termos, suas propriedades mecânicas fazem de cada um e do seu conjunto uma engrenagem tão precisa e perfeita que pode ser posta a serviço do progresso material da sociedade.

Esse conceito em que a objetivação (a condição de ser objeto) é o estatuto ontológico da natureza e as relações matemáticas são o se do é a idéia de natureza que se firma no século XVIII ao desembocar da revolução industrial.

Não é preciso muito esforço para percebermos que este conceito moderno que assemelha a natureza às máquinas não é ocasional. Muito menos o vínculo dessa maquinização da natureza com a mecanização da e nas sociedades européias nos séculos XVIII-XIX. Não é ocasional a Física Clássica (Isaac Newton é inglês) e a máquina (James Watt igualmente) terem nascido na Inglaterra do século XVIII.

É que a evolução da ciência moderna está comprometida Renascimento com o projeto histórico da construção técnica do capitalismo. Por isso, a produção do saber sofre a filtragem que a limita ao desenvolvimento da Física. Nascem juntas a Mecânica Celeste e a medicina, Copérnico e Vesálio, mas é a primeira que progride desdobrando-se na Física Clássica. Daí a criação de um conceito técnico de natureza com valor prático de uso industrial. Razão por que desde o começo a natureza adquire a cara da máquina e a ciência a da tecnologia mecânica.

Não por acaso, Kepler, Da Vinci, Galileu Galilei, enfim, os iniciadores da revolução copernicana são todos homens também de invento, que estarão mais tarde representados nas figuras de Arkwright, Kartwrigh, os pais pragmáticos da revolução industrial.

DA NATUREZA-TÉCNICA AO HOMEM FORÇA-DE-TRABALHO

O próprio homem é concebido como parte física dessa engrenagem: a separação corpo—mente tem desde o início essa finalidade. Tanto quanto os demais corpos, o do homem faz parte do mecanismo das forças: é força-de-trabalho.

A concepção matemático—mecânica desloca-se, portanto, com a revolução industrial dos séculos XVIII-XIX, do campo da Física para o da Economia Política, O trânsito é a conversão do conhecimento físico-mecânico nas máquinas fabris.

A fusão entre a Física e a produção maquinofatureira cria a cultura técnico-científica da nova sociedade, com face objetiva na máquina e face subjetiva na concepção cartesiano-newtoniana de mundo.

A fábrica é a célula orgânica desse novo mundo. Nela as idéias da física se plasmam em realidade objetiva e daí se irradiam pelo corpo social inteiro para plasmarem a nova ordem social. Nessa célula natureza e homem são reintegrados para formar o corpo orgânico do sistema produtivo, o corpo humano atuando como a energia cuja força de trabalho é posta a transformar os corpos inorgânicos da natureza em tantos outros corpos, os corpos—mercadorias. Desse modo, ao contrário do que temos no mundo físico, nessa máquina—miniatura que é a fábrica tudo se une.

(6)

Reduzidos a complemento mecânico nessa miniatura do mundo físico criada pela revolução industrial os homens—trabalhadores vêm, tal como na fala do poeta, seu corpo descer à fábrica, sua mente subir à Igreja.

DO HOMEM FORÇA-DE-TRABALHO AO PARADIGMA ÚNICO DE NATUREZA

Com a revolução industrial a Física Clássica passa a ser modelo para as demais ciências que o próprio avanço industrial impulsiona, em particular a Química e a Biologia. A fábrica vitoriosa converte a Física Mecânica numa verdade geral para o conhecimento humano. Sobretudo, seu método. Assim, a partir do século XVIII a concepção de natureza e o método experimental saem da Física para se tornarem o paradigma de todos os saberes. Ao paradigmar-se, o método experimental traz em conseqüência a consolidação sobre todo o saber humano da idéia física da natureza.

Em que consiste este método? O método experimental consiste na observação atenta e isolada do comportamento dos fenômenos em investigação. O investigador observa os fenômenos um a um, provocando a repetição do seu comportamento infinitas vezes, até apreender-lhe suas regularidades e interligações. Segue então uma seqüência praticamente padrão de fases: primeiro separa e isola o fenômeno para análise laboratorial; depois, procede à repetição que leve à detecção e registro das constâncias; a seguir, devolve-o ao quadro de conjunto de que fora tirado para estudo de suas interligações; por fim, enuncia em linguagem matemática a relação regular, dando-lhe um caráter de lei científica e assim de teoria. Esta seqüência pode ser assim resumida: observação-hipótese-repetição-quantificação-inferência-Iei-generaljzação-teoria. Como se vê, trata-se de um procedimento que combina senso-percepção (a experiência sensível) com matematização dos dados captados (inferência da lei), desprezando-se nesse processo as irregularidades, para só deixar ficar o que for relação regular e constante. A observação e a repetição são a chave desse método experimental. Um exemplo primário e clássico nos primórdios do seu emprego é a pesquisa do comportamento dos metais, cuja teoria é assim anunciada: todo corpo metálico submetido ao aquecimento se dilata e submetido ao esfriamento se contrai. Na pesquisa, investiga-se um a um cada tipo de metal, de modo a, pela generalização, chegar-se à descoberta da universalidade da lei da sua expansibilidade. Foi assim que Newton chegou à Lei da Gravidade e à constatação do caráter da sua universalidade na natureza.

DO PARADIGMA ÚNICO DE NATUREZA À NATUREZA DE MOVIMENTOS HETEROGÊNEOS

Enquanto foi aplicado ao movimento mecânico, este método viu confirmada sua capacidade de chegar ao conhecimento dos fenômenos. Todavia, cedo a universalidade da sua aplicação é posta em xeque. De um lado, as forças materiais liberadas pela revolução industrial fazem a ciência sair das externalidades próprias da abordagem da Física para ir na direção da própria estrutura íntima da natureza, desenvolvendo suas pesquisas da Química, da Geologia e da Biologia. Em pleno auge das transformações técnico-mecânicas, o pensamento humano descobre então que há outras formas de movimento do mundo além do mecânico, nenhuma delas contemplada no paradigma cartesiano-newtoniano. Inicia-se, portanto, uma fase de questionamento do conceito até então aceito de natureza.

Enquanto o capitalismo se encontrava no estágio embrionário da pré-revolução industrial, a concepção de natureza pôde ser a físico-mecânica Afinal, tratava-se de promover a revolução maquinofatureira. A Revolução Industrial, entretanto leva a produção fabril a requerer novos avanços. De certa maneira, o desenvolvimento do capitalismo necessita romper com a estreiteza da ciência de até então, em grande medida subsistente do pacto que a evolução da ciência estabelecera com a filosofia da Igreja.

A ruptura começa quando Lavoisier (1743-1794) cria no século XVIII a Química Moderna e com ela sepulta o último vestígio da concepção aristotélica de mundo, sua teoria das quatro substâncias estruturais da natureza (água, fogo, vento e terra), ao substituí-la pela teoria atomística (baseada no estudo da composição química do ar e da água) e ao introduzir no estudo do movimento da matéria a lei nada mecânica da conservação da energia (“na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”). Desse modo, ao lado do movimento mecânico põe-se o movimento da autotransformação da matéria, questionando a essencialidade mecânica da natureza.

Nos primeiros instantes os pesquisadores não visam questionar o paradigma cartesiano-newtoniano, antes, ao contrário, buscam validá-lo na sua universalidade sobre todos os tipos de fenômenos. É assim com Lavoisier. E é assim com o próprio Newton, que já prenuncia a crise

(7)

do seu paradigma quando vê em suas pesquisas de luz e ótica que estes fenômenos não obedecem à teoria do movimento corpuscular da natureza (base da sua Física Mecânica), antes seguindo a teoria cio movimento ondulatório, descoberta por seu contemporâneo Huyghens. E é assim também com Lineu (1741 1783), o biólogo cujo sistema de classificação dos vegetais contempla já a idéia da evolução das espécies. O questionamento só ganha forma mais frontal e inevitável em face dos avanços das pesquisas sobre a transformação dos seres vivos, então excluídos do mundo físico, com os quais se prova que a natureza está submetida também a essa forma de movimento. Incipiente com Lamarck (1744-1829), o criador da moderna Biologia justamente porque introduz a idéia da evolução natural nos estudos dos seres vivos, o conhecimento concreto dessa evolução só vem um pouco mais adiante com Darwin (1809-1882).

DA NATUREZA DE MOVIMENTOS HETEROGÊNEOS À DESCOBERTA DA HISTÓRIA NATURAL

O móvel desse deslocamento da noção de movimento único para a de movimento múltiplo e heterogêneo da natureza é a pesquisa geológica. O consumo crescente de minérios provocado pela expansão industrial suscita a pesquisa geológica sistemática. E essa pesquisa leva à descoberta das espécies dos tempos passados através dos inúmeros fósseis encontrados nos mais diferentes estratos de camadas rochosas, indicando uma sucessão temporal da vida no planeta. Descobre-se assim que as espécies vivas têm uma história e que esta não é mais que a própria história natural do planeta. Está descoberta a história natural do homem.

Mas desenrola-se dentro do mundo social materialmente estruturado pela revolução industrial uma segunda frente de confrontação ainda mais radical com o mundo reduzido a coisa física. Relaciona-se com a Revolução Francesa de 1789, o movimento pelo qual a burguesia e as classes populares derrubam a aristocracia feudal do poder na França, patenteando para todos os homens que são eles portadores de forças sociais tão grandes para mudar o rumo das coisas quanto as fábricas em relação à natureza inorgânica. Está descoberta a história social do homem.

Por dois diferentes caminhos os homens do século XVIII vivem uma experiência radicalmente diferente daquela vivida no laboratório da Física e da Química, mas levando a uma mesma conclusão: o homem e a natureza têm história e é único o processo da história. A descoberta da história natural se conjuga à descoberta da história social.

Enquanto o processo social da história não vem ao cenário do conhecimento humano e a concepção geral de mundo o separa em forças estanques, a ciência pode fluir sem maiores enfrentamentos com a força ideológica da Escolástica. A ciência evita tratar cientificamente do homem e a filosofia encara-o apenas metafisicamente. Com a Revolução Francesa, porém, homem e natureza se encontram no plano da história e fica evidenciada a interioridade de ambos. Todavia, se com a revolução industrial o homem descobrira sua força técnica em relação à natureza, com a Revolução Francesa descobre que esta força está em si mesmo. Fica identificada agora a força da natureza e da sociedade com a própria força humana e já não mais se podia pensar o mundo com o pensamento gerado do Renascimento ao Iluminismo. Nesse momento, questiona-se a concepção de homem que a Física e a Metafísica haviam acertado entre si por decorrência da concepção física de natureza.

Quando, então, no final da segunda metade do século XVIII, se combinam na cabeça das grandes massas de homens a força telúrica da revolução industrial com a força prometeica da revolução francesa, reaviva-se o encantamento do mundo que o racionalismo físico-matemático dele expulsara, explodindo por inteiro um paradigma.

DA DESCOBERTA DA HISTÓRIA NATURAL À REFORMA FILOSÓFICA DA NATUREZA

É sobre essa crise geral do pensamento que na passagem do século XVIII-XIX se debruça a filosofia idealista alemã, de Kant (1724-1804) a Hegel (1770-1831). É que estes filósofos vivem justamente nesse período que medeia entre duas revoluções, a francesa e a darwiniana que está a caminho. Antecipando-se à marcha dos acontecimentos, estes filósofos levam suas reflexões no sentido de se repor em relação homem e natureza enquanto unidade e não dicotomia de mundo.

(8)

Kant é o seu iniciador. Até então se lidara com objetos (os corpos) e suas relações (movimento mecânico). O conhecimento é tomado como conhecimento das relações do movimento mecânico, realizado por homens postos do lado de fora do mundo submetido à investigação. Entretanto, a Revolução Francesa pusera à mesa a questão do sujeito. O pensamento alemão vai em busca da elucidação dos problemas assim colocados. Em face do paradigma físico a experiência fora entendida como uma relação travada pelos objetos. Kant vai tomá-la como propriedade da sensibilidade humana e assim a retira do âmbito dos objetos para pô-la no âmbito da relação do homem com o mundo, portanto do sujeito com o objeto. O conhecimento passa a ser visto, por conseguinte, como produto da experiência humana. Kant restabelece a relação do homem com a natureza, e desse modo reinterpreta a estrutura do mundo. Entenderá por natureza tudo que compõe o mundo da experiência sensível do homem. Todavia, como para este filósofo o conhecimento se produz orientado pela razão, reafirmando o papel da matematização na constituição do mundo, embora este mundo do conhecimento não fale a linguagem da matemática pura e simples, mas a do conceito, no seu sistema filosófico homem e natureza permanecem dicotomizados. Tudo se passa como se Kant desejasse reorientar o problema do método, mas sem entrar na questão espinhosa da relação pactuada entre a ciência e a metafísica. Para Kant, o fato de a natureza ser um conceito mediado pela experiência sensível faz do método um percurso onde se vinculam numa seqüência sensibilidade—imaginação--entendimento, o homem continuando a ver o mundo de fora e agora por esquemas. Kant imprime, pois, ao pensamento uma formulação superior, mas mantém sua raiz na Física newtoniana, a qual, no fundo, busca salvar através da filosofia. Hegel empreende um percurso diferente. Considera que a natureza é a idéia que se alienou pela materialização, havendo uma unidade

homem-mundo que só se estabelece para o homem quando este adquire sua consciência. A dicotomia natureza—espírito, que Kant acaba sustentando por força de manter na base do seu sistema filosófico os parâmetros da Física, desaparece no sistema hegeliano diante do conceito deste de que “a natureza é o vir-a-ser do espírito”. Hegel não entende a relação do homem diante do mundo apenas como de experiência e de conhecimento, mas de consciência. Para ele, além da experiência e do conceito há a consciência. Por isso, o próprio entendimento não passa de um momento do movimento da consciência. Para Hegel o caminho do método é o que vai do abstrato ao concreto, seguindo-se o mesmo percurso de Kant, começando na sensibilidade e passando pelo entendimento, mas para culminar na autoconsciência. O método é o caminho da consciência experimentando o mundo.

Hegel opera assim um novo e mais radical deslocamento na experiência, tirando-a da relação homem—mundo (sujeito—objeto) em que a deixara Kant para levá-la para a interioridade da consciência. Quem experimenta o mundo não é a sensibilidade, mas a consciência humana. Há, então, para Hegel uma forma superior de existência, a consciência, que por ser uma história de tensão na sua contraditória experiência do mundo, é vida. É nesse plano da vida, a consciência enquanto história tensa, que se fundem natureza e espírito. A natureza é, portanto a idéia alienada, a “exteriorização do ser nas coisas físicas e orgânicas”, a “idéia absoluta, na forma da alteridade”, realidade que existe e se dissolve na interioridade do fluir da vida, porquanto “o vir-a-ser da natureza é o vir-a-ser na direção do espírito”. E a dicotomia homem—natureza não é senão a alienação do homem, que a experienciação do mundo pela consciência supera e transforma no sujeito—objeto idêntico, a consciência que atingiu o estado da autoconsciência. Hegel é o filósofo mais impactado pela Revolução Francesa em suas idéias. Por força dessa influência o seu sistema filosófico tem por raiz o sentido histórico das coisas: nada é senão dentro do movimento de sua própria história. Daí seu conceito de vida como a tensão da história da consciência, extraordinariamente antecipatório e superior ao puramente biológico da revolução darwiniana.

DA REFORMA FILOSÓFICA DA NATUREZA À RENATURALIZAÇÃO BIOLÓGICA DO HOMEM

É, entretanto, Darwin quem vai fornecer os elementos da reorientação que a concepção da natureza e do homem seguirá no pensamento científico.

Quando Darwin publica 28 anos após a morte de Hegel, em 1859, sua Evolução das espécies (mesmo ano em que Marx, com 41 anos de idade, publica sua Contribuição à crítica da economia política), o ambiente intelectual avançado da Europa está aberto à crítica e à espera apenas do fundamento empírico para romper em definitivo com a concepção mecanicista da natureza e do mundo.

Provando que o homem se origina da evolução natural, Darwin fere de morte, de uma só penada, o conceito de natureza e de homem pactuado entre a Física Mecânica e a Escolástica, provocando-lhe enorme abalo. Por um lado, prova que, se a natureza é dotada de movimento mecânico, também o é de movimento de autotransformação, disso resultando que nem só o que é matemático-mecânico e inorgânico é

(9)

natureza, mas também o interativo e orgânico, portanto sendo natureza a rocha, a chuva e a vida. Por outro lado, prova que o lugar genético do homem é a natureza e não o céu espiritual, saindo o homem do interior do desenvolvimento da própria natureza. Realizando num só ato a retirada do homem do céu e a fixação de suas raízes na terra, Darwin redefine o conceito de natureza e de homem e, por decorrência o de mundo.

DA RENATURALIZAÇÃO BIOLÓGICA DO HOMEM

À REINVENÇÃO POSITIVISTA DA NATUREZA FÍSICO-MATEMÁTICA

Nem por isto, entretanto, morre a ciência paradigmatizada na Física Clássica. Sua encarnação na base material da sociedade é já tão sólida que foi-lhe suficiente para incorporar e converter a revolução darwiniana à sua concepção físico-matemática de natureza, trocar a máquina física pela máquina orgânica. A natureza—máquina dá lugar à natureza—organismo.

O grande veículo dessa reelaboração é o Positivismo, a expressão filosófica da trajetória que a crise do paradigma natureza—máquina segue na França.

A revolução política de 1789 traz consigo uma sucessão de acontecimentos que vão consolidar a revolução industrial e a ciência experimental como nova ordem numa França ainda socialmente convulsionada. A divisão técnica do trabalho e seu crescente aprofundamento e o novo quadro intelectual criam o temor de uma nova revolução, assim surgindo o caldo de cultura do qual o Positivismo será a resposta conservadora.

Criado na França do século XIX por Augusto Comte (1798-1857), o Positivismo é, do ponto de vista geral, a expressão filosófica do triunfo pragmático da técnica sobre o pensamento. No seu conjunto, é a sistematização de aspectos básicos do empirismo físico-matemático, atualizados no quadro das idéias do começo do século XIX. Suas características são:

1) concepção do mundo como o naturalmente já dado da nossa apreensão senso-perceptiva; 2) dissolução da filosofia na ciência, erigida como pensamento superior;

3) redução dos fenômenos a coisas e das relações a relações entre coisas; 4) simplificação do conhecimento ao paradigma único do método experimental;

5) hierarquização das formas de pensamento sob a regência geral das leis físico-matemáticas.

Segundo Comte o conhecimento humano evolui em três etapas históricas que denomina Lei dos Três Estados: a teológica (religião), a metafísica (filosofia) e a positiva (ciência). Esta evolução segue uma linha que leva do mais primitivo ao mais superior: o conhecimento teológico é o mais primitivo e o científico o mais desenvolvido, o conhecimento filosófico sendo intermediário e assim superior ao teológico, mas inferior ao científico. No plano do conhecimento científico, as ciências também guardam entre si uma relação hierárquica e igualmente evoluem numa seqüência estrutural de complexidade que vai do mais geral ao mais específico, e do mais simples ao mais complexo. Assim temos a seqüência: Matemática, Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Sociologia. A Matemática é a mais geral e mais simples, enquanto a Sociologia e a mais especifica e mais complexa. Cada ciência toma por sua base e sintetiza em si o conteúdo da que a antecede na seqüência hierárquica, de modo que a Matemática é o conteúdo básico de todas, a começar pela Física, formando assim o conteúdo físico matemático comum a todo o pensamento humano.

A Sociologia, a forma ao mesmo tempo complexa e mais específica de ciência, tem a Biologia por conteúdo, mas as leis físico—matemáticas por base (razão porque Comte chamou-a primeiramente de Física Social). Daí dividir-se estruturalmente em Sociologia Estática e Sociologia Dinâmica, reproduzindo a divisão da Biologia em Anatomia e Fisiologia.

(10)

Num paradoxo, justamente neste ponto o Positivismo se antecipa e engravida o darwinismo. Relata Darwin em sua Autobiografia que, após ter reunido em suas viagens uma grande massa de informações sobre os seres vivos de todos os cantos do mundo, viu-se diante do desafio de colocá-los numa ordem sistemática. A idéia da evolução era o eixo da sua busca, o que os dados empíricos coletados comprovavam, mas faltou-lhe a teoria que costurasse os dados num todo coerente. Este corpo teórico Darwin encontrou obra Ensaios sobre

os princípios da população publicada por Malthus em 1798, sob o mesmo impacto que a revolução de 1789 irá provocar no criador do Positivismo. Embora Darwin não tenha construído sua teoria da evolução apoiando-se em Comte, a formulação de Malthus de natureza —organismo com que antecipa Comte lhe pareceu tão comum (Darwin ainda está tão espantado na Inglaterra com o impacto da revolução de 1789 quanto Comte na França, os dois sendo contemporâneos), que a tomará como o fundamento teórico que procurava.

O fato é que o Positivismo sistematiza sua idéia de mundo declarando-o um mundo de coisas. Reduzindo tudo a coisas (a coisificação do mundo é uma característica do pensamento positivista), uniformiza a diversidade do mundo, suprimindo o problema da dicotomia natureza—homem e eliminando a questão filosófica da relação sujeito—objeto. Nisto o Positivismo extrai sua diferença do pensamento antecedente, que isolava e exteriorizava, mas mantinha a natureza e o homem como diferença do mundo. Fica-lhe mais fácil classificar a diversidade do mundo, dividindo-o em três reinos distintos: o mineral, o animal e o vegetal, que se desdobram em classificações infinitas (classifica-o também em inorgânico, o orgânico e o da vida), criando para cada grupo de coisas uma ciência própria.

No fundo Comte pretende estar com sua doutrina criando a ciência da sociedade, uma ciência nova que ele mesmo designa por Sociologia. Esta ciência cuida das coisas sociais, deixando as coisas da economia e as coisas da política, categorias da sociedade que Comte exclui da Sociologia, como tarefa de ciências próprias.

Nessa simplificação que pulveriza o mundo na divisão infinita das coisas sensórias em seu afã de suprimir a filosofia, o Positivismo ironicamente reduz a ciência a uma pura metafísica dos fatos.

DA REINVENÇÃO POSITIVISTA DA NATUREZA FÍSICA

À NATUREZA ESTOQUE-DE-RECURSOS DA ECONOMIA POLÍTICA NEOCLÁSSICA

E assim que a natureza e o homem entram na vida da sociedade uniformemente como coisas. E a porta de entrada é a teoria da utilidade que pelas mãos do Positivismo passará a ser a base da Ciência Econômica. A nova ciência da economia vai reduzir a natureza e o homem a recursos diferentes por suas utilidades. O conhecimento da utilidade dos recursos naturais passa a ser a razão mesma das ciências da natureza, que assim se transformam em tantas outras formas de economia.

Rompendo com a teoria do valor trabalho das formulações clássicas do século XVIII-XIX de Adam Smith (l72l-1790) e David Ricardo (l772-1823), os economistas da segunda metade do século XIX e primeira do século XX, Jevons (1835-1882), Menger (1840-1921) e Wairas (1834-1910), organizam o pensamento econômico sobre a base psicologista da maximização das satisfações. O valor dos bens naturais é dado assim pelo limite máximo de satisfação que possam dar em função de sua utilidade (valor utilidade-marginal). Estabelece-se pois uma concepção econométrica e psicologista das relações econômicas, onde cada indivíduo entra na vida econômica como

proprietário de terra, trabalho ou capital, coisas que formam seu capital, participando da repartição da riqueza gerada na proporção do capital com que ingressa, cabendo ao fator terra a renda, ao fator trabalho o salário, e ao fator capital o lucro.

Transformada numa fonte de fatores naturais de produção, a natureza atinge aqui o máximo do seu entendimento pragmático, diferenciando-se pela sua utilidade em minério, solo agrícola, fonte de energia ou mão-de-obra.

DA. NATUREZA ESTOQUE-DE-RECURSOS DA ECONOMIA NEOCLÁSSICA À NATUREZA DA GEOGRAFIA FÍSICA

Referências

Documentos relacionados

Foram observadas e descritas as variáveis mais relevantes de cada processo elementar, ou seja, as entradas (matérias-primas, energia e outros materiais) e saídas

ACC CB#36 = American College of Cardiology Conferencia de Bethesda; ESC = Sociedade Europeia de Cardiologia; CMD = cardiomiopatia dilatada; CMV = cardiomiopatia hipertrófica; CAVD

Regarding the modulating effect of environmental genetic factors, in the SNP rs4658973 a reduction of the risk associated with the tobacco habit could be

Buscando contribuir para a composição do estado da arte da pesquisa contábil no Brasil, a investigação lançou mão de técnicas de análise bibliométrica para traçar o perfil

Nesse  passo,  mesmo  que  a  decisão  combatida  tenha  se  subsumido  na 

e declaradas, como se de cada huma fizesse individual mençao e por verdade pedi a Francisco dos Santos Souza que este por mim fizesse, e como testemunha assignasse eu me assigno com

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

confecção do projeto geométrico das vias confecção de projeto de drenagem, dimensionamento e detalhamento de 20 lagos de retenção, projeto de pavimentação e