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PODCASTING E JORNALISMO LITERÁRIO: UMA APROXIMAÇÃO. Podcast, jornalismo literário, sonoridade, narrativa, documentário.

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1 PODCASTING E JORNALISMO LITERÁRIO: UMA APROXIMAÇÃO

Resumo

Este projeto defende um estudo em nível de pós-doutorado sobre a possível aproximação entre podcast com características documentais e jornalismo literário como gênero. Se propõe também a atualizar dados sobre a proliferação do podcast documental como um formato viável para difundir reportagens profundas e investigativas, como as transmitidas pela NPR, BBC e pelo site Radio Ambulante, além de analisar reportagens dessas três fontes. Propõem-se, ainda, a estabelecer um Centro de produção de podcasts documentais a partir do Estúdio do CTR, com alunos da ECA.

Palavras-chave

Podcast, jornalismo literário, sonoridade, narrativa, documentário.

Introdução

Em abril de 2016 defendi meu doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, Área de Concentração Cultura Audiovisual e Comunicação da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), com o título Reportagem no rádio: realidade brasileira, fundamentação, possibilidades sonoras e jornalísticas a partir da peça radiofônica reportagem. Nesta pesquisa, tentei demonstrar a emergência de um modelo de reportagem radiofônica possível: a peça

radiofônica reportagem. Durante o trabalho, busquei apresentar, de um lado, uma

revisão de conceitos sobre o jornalismo e a prática da reportagem, sobretudo quando a narrativa da reportagem se alinha ao jornalismo o interpretativo e, de outro, as possibilidades sonoras da reportagem no rádio quando, mantendo-se informativo, pode ele tornar-se um meio de expressão. Para chegar a isso, dividi o trabalho em cinco capítulos, em que se desenvolveu uma linha histórica da reportagem no rádio brasileiro (1); as bases teóricas, em forma de revisão bibliográfica, sobre a notícia e a reportagem, para desembocar na reportagem para o rádio (2); a formulação de uma constituição própria de reportagem para o rádio, a peça radiofônica reportagem, acompanhada de

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2 um modelo de análise a ser aplicado (3); a aplicação do modelo de análise em duas reportagens de emissoras que tratam de notícia o tempo todo (4); e a aplicação do mesmo modelo em três reportagens que representam um formato do gênero peça

radiofônica reportagem (5).

As três reportagens analisadas são de exemplos internacionais (Argentina, Estados Unidos-América Latina, Grã-Bretanha), de iniciativas independentes (Rádio Ambulante; documentário autônomo argentino) a grande rede tradicional de rádio (BBC de Londres), onde se encontra uma rara narrativa sonora documental, não praticada em nível de tradição no rádio brasileiro. Uma narrativa que torna o rádio informativo mais atraente.

Por outro lado, a tese revisita estudos a respeito do jornalismo e suas teorias (CITELLI, 2014; CHAPARRO, 1994; GOMIS, 1997; KOVAC & ROSENTIEL, 2003; MEDITSCH, 2001; PENA, 2005; SODRÉ, 2009; TRAQUINA, 2005; WOLF, 2006), revê conceitos de notícia e reportagem (LAGE, 2003; LEANDRO & MEDINA, 1968; LIMA, 2004). Já havia encontrado uma aproximação entre o jornalismo literário e a peça radiofônica reportagem, que defendi como narração possível para o rádio informativo. Essa referência se encontra na defesa de que cabe ao repórter em seu trabalho narrar com uma visão impressionista e humanizada do fato que cobre (SODRÉ & FERRARI, 1986). Como essa aproximação foi útil apenas na forma de apoio argumentativo para provar a possibilidade da peça radiofônica reportagem, o discurso de minha tese não tratou profundamente sobre o jornalismo literário.

A defesa da peça radiofônica reportagem foi uma opção para o rompimento da exclusividade do discurso da palavra objetiva no jornalismo para áudio e rádio, pois sua estética sonora pode ocupar o lugar de interpretação dos fatos pela narração pertencente ao jornalismo literário (AMOROSO LIMA, 1969 e de reflexão de suas consequências do ponto de vista social (WILLIAMS, 1980), histórico (HALL, 2013, 2014); MARTÍN-BARBERO, 2013), a partir da captação de sua estética e de seu discurso de palavra, música, som e silêncio (BALSEBRE, 2007; ARNHEIM, 1980; WISNICK, 2002; SCHAFER, 2011).

A narrativa que tem como base a informação no rádio e em áudio é emergência essencial neste meio que, unicamente com o som, recria realidades narradas que suplantam a realidade objetiva, tornando real o que foi narrado a respeito da realidade. A proposta de recriação do real se distancia da ficção ou e do jornalismo de

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3 entretenimento, na medida em que se aplica a narração impressionista trazida da tradição do jornalismo literário, para narrar um fato real. A recriação deve estar sempre na potencialidade discursiva que se aplica naquele produto de informação em áudio. Trata-se de um exercício de estrutura narrativa pujante e ao mesmo tempo informativa, com o cumprimento dos preceitos jornalísticos que caracterizam o gênero informativo. O que se pode produzir nos dias de hoje, unindo informação e som trabalhados e recriados com inspiração em nenhum outro lugar que não o rádio pode ser, de uma só vez, o rádio muito próximo da possibilidade que sempre se pretendeu. Apenas recriado em outros lugares que não apenas e tão somente o espaço físico de uma emissora de rádio, mas um espaço do não-lugar físico, o espaço no mundo de produção e distribuição oferecido em plataformas digitais, para modos de consumo cultural dos produtos diferentemente do que faz o ouvinte de rádio, criando processos culturais, também diferentes.

Estudar narrativas com origem radiofônica, de característica informativa e inspirada tanto no jornalismo literário quanto nos princípios do documentário em áudio (DETONI, 2018; SANTOS, 2016), comum em grandes redes de rádio no mundo, no século XX (NPR, BBC, RADIO FRANCE), e também inspiradas em iniciativas independentes como Radio Ambulante, me levará a uma complementação de estudos iniciados no doutorado, com novo recorte e aprofundamento recriação da realidade a partir de uma narração impressionista do documentarista, sempre mediada pelo realismo que se pode narrar, ao modelo do storytelling, com inspiração em formatos de jornalismo literário.

Tanto o jornalismo, quanto o rádio clamam por essa aproximação, uma vez que, ao jornalismo já lhe facultam trabalhos vastos na intersecção com a ficção literária, expostos na plataforma impressa e digital. A representação da “reportagem realmente estilosa era algo com que ninguém sabia lidar, uma vez que ninguém costumava pensar que a reportagem tinha uma dimensão estética” (WOLFE, 2005, p. 22). Com a tradição que o rádio traz das narrativas literárias em forma de novelas, não é tarefa difícil buscar em exemplos que vão de Honoré de Balzac (Século XIX na França) a Nelson Rodrigues (Século XX no Brasil) aproximações entre o gênero literário folhetim e a narrativa pretendida no jornalismo literário, uma vez que trata-se de “um estilo discursivo que é marca fundamental da confluência entre o Jornalismo e a Literatura” (PENA, 2006, p.28).

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4 Uma forma de enxergar essa possibilidade narrativa de discurso sonoro, agregado ao jornalismo literário, será percorrer textos icônicos do norte-americano new

journalism dos anos 1950, repletos de um estilo personificado de descrição detalhada e

subjetiva. A subjetividade da palavra que consegue informar além de certo lirismo que traz no enxergar os fatos, habitando o lugar – clássico no jornalismo não-literário – da palavra objetiva, é o que mais me atrai na pesquisa, pois o trabalho. Deste ponto de vista da análise da palavra de origem radiofônica no podcast, o trabalho será o de buscar um lugar narrativo aceito pelo jornalismo, pelo jornalismo para áudio sendo também literário.

A subjetividade, o impressionismo narrativo, a atitude participativa do repórter, sua narração, o uso de sons locais e ambientais do local de um fato que se cobre, ou ainda, uma reportagem ao estilo de perfil de uma pessoa importante por algum motivo – propriedade do jornalismo literário – mais a música (SCHAFER, 2011) o silêncio (WISNICK, 2002); (SCHAFER, 2011) uma dramatização (VIGIL, 2013) e até, se for pertinente e necessário, uma inserção de sons produzidos em estúdio, não tornam uma reportagem uma obra de ficção. Ao contrário, um produto informativo em áudio pode unir essas formas expostas acima e continuar sendo jornalismo a oferecer a recriação da narrativa radiofônica de forma mais criativa, pois o meio pulsa por sonoridades outras que não apenas a palavra discursiva (BALSEBRE, 2007).

O propósito fundamental desta pesquisa de Pós-Doutorado é dar um passo além na questão do relacionamento entre uma linguagem para áudio criativa e documental – o jornalismo literário quando lança mão de suas propriedades narrativas subjetivas – e não propriamente o rádio, como o fiz no doutorado, mas um produto resultado de um processo sonoro próprio e contemporâneo, próximo ao rádio no aspecto formal, distante dele no que diz respeito aos meios de se produzir, espalhar e consumir: o podcast.

Por todas essas razões, este trabalho partirá do entendimento de que o podcasting já constituiu uma história e uma tradição que podem ser revisitadas no sentido de uma melhor compreensão do processo que levou essa prática ao estágio atual de cultura já consolidada de produção e consumo midiático.

Uma particular escolha – o podcasting com características identificáveis de jornalismo literário – vai indicar a continuidade do trabalho de pesquisa iniciado no Doutorado, sendo a linguagem jornalística em áudio é o elo que une as duas pesquisas. Se encerrei meu doutorado expondo uma possibilidade viável de o jornalismo em áudio,

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5 pela figura da reportagem, poder ser um processo gerador de produtos que expandiam os conceitos contidos em manuais de radiojornalismo. O jornalismo literário será um fundamento de identificação de alguns podcasts a serem analisados neste trabalho. O conceito de jornalismo literário percorreu um longo trajeto até se propor a

potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lide, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos. (PENA, 2006, p.6).

Neste projeto, divido a defesa dele nesta Introdução; na Delimitação do tema e Objeto de pesquisa, em que estabeleço as bases profundas do conceito de podcasting e podcast, além das primeiras alusões sobre as bases teóricas advindas das Ciências Sociais, pela condução dos estudos culturais britânicos; nas Hipóteses, em que desenvolvo-as com intenção de sintetizar a importância do surgimento do podcasting; nas Justificativas, em que estão todos os laços que este projeto convertido em pós doc pode amarrar, entre elas a continuidade dos estudos de meu proposto supervisor a respeito do podcasting e a continuidade de meus próprios estudos iniciados para minha tese de doutorado; no Objetivo geral, em que proponho compreender as possibilidades expressivas no processo de produção sonora e de texto jornalístico independente; nos Objetivos específicos, em que, entre os quais, está uma aproximação entre estudos da linguagem radiofônica e os estudos de som informativo; na Metodologia, onde organizo algumas discussões sobre o tema, a serem desenvolvidas no processo do pós doc; nos Resultados esperados, em que incluo publicar artigos, participar de congressos, ministrar um curso rápido aos alunos do PPGMPA, e o desenvolvimento de um Centro de produção de podcast; e finalmente na Bibliografia, em que incluo os livros citados no corpo deste trabalho, mesmo os que foram aludidos de forma genérica, sem citações pontuais.

Desta forma, este projeto de pesquisa mantém-se claramente em uma sequência diretamente exigida ao final dos meus estudos para o doutoramento.

Delimitação de Tema e Objeto de Pesquisa

Em 2006, o pesquisador britânico Richard Berry afirmava que, em 2004, ano do surgimento do podcast1, uma pesquisa sobre o termo no Google trazia apenas 6 mil resultados, enquanto em novembro de 2005 eles chegavam a 61 milhões (BERRY, 2006, p. 144). Atualmente (fevereiro de 2018), a mesma pesquisa aponta 104 milhões de resultados. Além disso, manchetes de diferentes jornais têm celebrado nos últimos

1Usarei a palavra podcast quando quiser expressar um produto de áudio com essas características; usarei podcasting quando pretender me referir aos processos pelos quais um podcast passa para tornar-se podcast.

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6 anos uma pretensa golden age dos podcasts – expressão utilizada em publicações tão diferentes como a norteamericana Columbia Journalism Review (Is this the golden

age of podcasts? 24/11/2014); a britânica Financial Times (Podcasts create golden age of audio, 05/03/2016), ou The National, dos Emirados Árabes Unidos (Are we entering the golden age of podcasts? 08/01/2017), entre muitas outras. Segundo a pesquisa Podcast Consumer 2017, da empresa norte-americana Edison Research, entre 2006 e

2016 o percentual de indivíduos adultos daquele país que tinha familiaridade com o termo “podcasting” cresceu de 22% para 60%, o equivalente a 168 milhões de indivíduos. Além disso, segundo dados desse último ano, 24% dos entrevistados afirmavam ter ouvido pelo menos um podcast no último mês enquanto 15% tinham ouvido na última semana – equivalentes, respectivamente, a 67 e 42 milhões de ouvintes.

Uma definição a ser considerada, ainda que longínqua (2008), mas que se sustenta pelas rotinas atuais de produção, espalhamento e compartilhamento, afirma que

El podcasting es una innovación que surge tras la fusión de dos tecnologías ya implantadas como el audio digital y el RSS. Esta unión permite la distribución y recepción automatizada de archivos de audio comprimido tras uma suscripción por parte del usuario a través de un agregador - software o web - que

lo permita. Una vez recibido este archivo puede ser reproducido tanto en equipos estables como em reproductores portátiles o teléfonos móviles. (GALLEGO PÉREZ, 2008, p.20) (tradução do autor)2

Longe de ser uma afirmação definitiva enquanto conceito, mesmo porque o que se queira como definitivo com este tema será superado ainda mais rapidamente do que o que se queira como conceitos abertos, a definição posta serve para identificar a origem do podcast. O que está muito superado no conceito acima é a tecnologia RSS em voga no ano 2008. O agregador RSS (Really Simple Syndication), foi um software desenvolvido por Dave Winer em colaboração com Adam Curry. Segundo BERRY (2006, p .151), Curry, ex-VJ da MTV norte-americana, fez uma produção pioneira – Daily Source Code – para ser distribuída em episódios como podcasting. O RSS tornava mais simples a distribuição dos episódios, já que permitia aos ouvintes fazer uma “assinatura” de Daily Source Code através do iTunes. Por meio dessa assinatura, o usuário não precisava mais acessar o site onde o programa era disponibilizado para

2 O podcasting é uma inovação que surge na sequência de duas tecnologias já implantadas como o áudio

digital e o RSS. Essa união permite a distribuição e recepção automatizada de arquivos de áudio

comprimido por uma assinatura por parte do usuário através de um agregador – software ou web – que o permita. Uma vez recebido esse arquivo pode ser reproduzido tanto em computadores fixos como em tablets ou telefones móveis. (T. do A.)

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7 ouvir ou baixar os novos episódios, já que estes eram automaticamente listados pelo

iTunes quando o usuário estivesse online, podendo ser então baixados para audição no

computador ou, como se tornava cada vez mais comum naquele momento, em players de áudio digital como o iPod. É essa prática da assinatura de conteúdos de mídia através do RSS que recebeu a denominação de podcasting.

Vê-se que a prática do podcasting em seu início estava ligada essencialmente à distribuição de arquivos de áudio pela internet para download e posterior reprodução. Nesse momento ainda embrionário do desenvolvimento dos smartphones – o primeiro

iPhone seria lançado apenas em 2007 – o download de arquivos e sua audição em

dispositivos portáteis ainda se configurava como a prática básica dos ouvintes. Nesse sentido, ao listar em 2004 os exemplos que ilustravam a Audible Revolution, Hammersley cita empresa norte-americana Audible, criada por Donald Katz em 1995 para a produção de audiobooks e que começava então a produzir programas radiofônicos para download, emissoras que disponibilizavam por esse meio programas atuais ou de seus arquivos, e as gravações de voz feitas por bloggers – os “audiobloggins” da matéria (HAMMERSLEY, 2004). Além disso, deve-se destacar a forte relação da Apple com o cenário que então se constituía, evidenciada inclusive no termo proposto por Hammersley, já que “podcasting” representa a junção das palavras

iPod e broadcasting (transmissão). Em comparação com o quadro atual, pode-se afirmar

que essa base tecnológica sofreu mudanças bastante significativas. Em primeiro lugar, a popularização dos smartphones e de outros recursos de acesso à internet móvel, associada ao aumento de sua cobertura e velocidade, levaram a uma mudança da lógica do download para a do streaming. Com isso, de um modo geral, a prática do download dos arquivos de mídia e posterior reprodução foi substituída pela audição online do episódio de um determinado podcast - seja a partir de um computador ou smartphone – diretamente do site de seus realizadores ou de um dos muitos agregadores de podcasts hoje existentes. Com isso, a tecnologia do RSS e, por consequência, a prática tradicional da assinatura deixou de ser decisiva para o consumo de podcasts. Ao mesmo tempo, o podcast tornou-se também menos vinculado à tecnologia Apple6. Embora iTunes Store

ainda permaneça como o mais importante espaço para a distribuição e consumo dessa mídia, é muito provável que a imensa maioria dos 500 mil podcasts ativos produzidos em mais de 100 línguas diferentes disponibilizados atualmente pelo serviço (LOPEZ, 2018) também possam ser acessados através de seus próprios sites ou de um ou mais dos muitos outros serviços de hospedagem ou disponibilização de podcasts hoje

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8 existentes. Entre dezenas de exemplos desses serviços – a grande maioria com tutoriais e outras facilidades para a criação de novos podcasts – podemos citar Libsyn (https://www.libsyn.com/), Buzzsprout (https://www.buzzsprout.com/), PodBean (https://www.podbean.com/), Podomatic (https://www.podomatic.com/), Internet

Archive (https://archive.org/), Stitcher (https://www.stitcher.com/), Acast

(https://www.acast.com/) e iVoox (https://www.ivoox.com/), que hospeda exclusivamente podcasts em espanhol. Esses sites, de um modo geral, também oferecem recursos para a divulgação do podcast nas redes sociais, a obtenção de métricas de acesso e o estabelecimento de diferentes formas de interação com os ouvintes, inclusive para remuneração dos realizadores, entre outros.

Além dos sites citados, plataformas de streaming musical como Deezer (https://www.deezer.com/br/channels/podcasts) e Spotify

(https://open.spotify.com/search/results/podcasts) passaram também a disponibilizar podcasts, que estão ainda presentes em sites como Storytel (https://www.storytel.com/) e o já citado Audible (https://www.audible.com/) – especializados, principalmente, na produção e distribuição de audiobooks. Para a busca e audição de podcasts, surgiram inúmeros tablets e smartphones. Entre muitos exemplos, podemos citar Podcasts,

Downcast, Overcast, Castro, iCatcher, Cast Box, Podcast Go, Player FM, Podcast Addict, Stitcher, TuneIn, Spreaker e Podbean.

Como muitos podcasts possuem seus próprios sites, isso possibilita não só uma melhor interação com os ouvintes como a associação dos programas em áudio a elementos textuais e visuais que os tornam mais atraentes e fornecem informações adicionais sobre o seu conteúdo.

É necessário nesta delimitação de objeto de pesquisa afirmar o princípio da

narrativa – que vai se distanciar ao conceito de jornalismo literário – como um

composto específico quando a questão é o podcast enquanto produto em áudio, diferenciando esta narrativa da narração característica do jornalismo literário.

Até aqui, projetei pensamentos sobre narrativa no trabalho documental jornalístico a partir de Muniz Sodré e de Maria Helena Ferrari (1986), cuja síntese pode ser “todo e qualquer discurso capaz de evocar um mundo concebido como real, material e espiritual, situado em um espaço determinado” (SODRÉ e FERRARI, 1986, p. 11), Também penso sobre narração, em sentido mais analítico do que sobre a narrativa, estabelecido também por Muniz Sodré em A narração do fato (2009), em que

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9 Trata-se agora de afirmar a especificidade do discurso informativo, distinguindo-o da ficção literária, mas sem deixar de evidenciar o seu relacionamento tenso com a literatura. O discurso como prática social de linguagem é uma categoria importante para essa demonstração, assim como os usos que a retórica jornalística faz da narrativa. O campo fabulativo do feature e do fait-divers. (SODRÉ, 2009, p. 137).

A malha discursiva do feature interessa ao nosso objeto, quando ela existe. Foi classificado como feature, por exemplo, o tipo de narrativa (e não a narração) como estilo do new journalism, forma jornalística que usarei como umas das referências. Por isso, também interessa manter vivo o relacionamento tenso da narrativa com a literatura. Nessa tensão repousa tranquila a possibilidade de a narrativa tornar-se impressionista, a observar detalhes e dando lugar a diálogos presenciados por quem faz o trabalho documental. Também o encontro do “discurso como prática social” na narração se conecta ao que, pelos estudos culturais, pleiteio como conteúdo com um tipo de fundamento que valoriza o jornalismo e o rádio como princípio do podcast. Para esse intuito, é necessário que o produtor documental esteja entregue à realidade do fato que narra.

Apoiado nos conceitos desses autores e pensando o universo do áudio, passo a usar a expressão narração quando me direciono ao texto exclusivamente de quem narra, parte componente e precisa do estilo documental para áudio, de preferência de quem narra a palavra impressionista, “estilosa”, como um pensamento de um dos precursores do new journalism, Tom Wolfe.

Portanto a expressão narrativa é mais completa a considerar, pois se compõe da

narração da palavra, unida a sons do tema do documental captados no local ou, em

exceções possíveis, produzidos em estúdio. É composto também de música radiofônica (BALSEBRE, 2007, p. 90), como um componente narrativo a participar do significado. Não se trata apenas de uma “musiquinha” de fundo para animar a narração, como também se usa no rádio. É composta, ainda a narrativa, de silêncio, se necessário por parte da narrativa. O conceito de narrativa, portanto, engloba o todo, incluindo a

narração que é exclusivamente palavra, esta sendo apenas um dos quatro elementos da narrativa em áudio.

A narração a que esta pesquisa se destina a buscar, portanto, a palavra na divisão dos quatro elementos de BALSEBRE, (2007) – a palavra, a música, o ruído (ou efeito sonoro) e o silêncio – é a parte da narrativa à qual estará ligado o conceito de

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10 Jornalismo Literário, cuja tradição toma força na história do jornalismo brasileiro a partir de um pequeno livro do crítico e professor de literatura, autor e acadêmico Alceu Amoroso Lima, chamado O jornalismo como gênero literário, parte de uma coleção de ensaios da Livraria Agir Editora, em 1960. Neste ensaio, o autor defende que

Jornalismo só é literatura, enquanto empregar a expressão verbal com ênfase nos meios de expressão. Não importa, como vemos, que tenha outra finalidade em mente. Só aquela concepção exclusivista de literatura é que faz do meio (a palavra) um fim, com exclusão de qualquer outro fim. AMOROSO LIMA, 1960, p. 23)

Será compreendido durante o estudo, que a palavra a que se refere Alceu Amoroso Lima e outros estudiosos do jornalismo literário é uma palavra, ela também, literária, e que a constituição de narração desta disciplina do jornalismo é apoiada em elementos da literatura, sem que sejam perdidos os elementos fundamentais da narração jornalística, caracterizando-a (a narração) como uma palavra de composição não-ficcional, pertencente ao inicial conceito de storytelling como pequena estória vivida ou presenciada por um narrador. Será distindo e aplicável à nossa pesquisa esse princípio do storytelling muito aliado ao new journalism dos Estados Unidos dos anos 50, e não o conceito contemporâneo do storytelling diluído na fluidez do universo líquido revelado por Baumann. Neste universo em que o conceito de storytelling cai muito bem à publicidade, à venda e ao branding,

O aparecimento do storytelling na mídia tem como objetivo adaptar e acomodar, nos mais diversos suportes e tipos de linguagem, uma narrativa qualquer. É inevitável essa analogia à nossa atual e imediatista sociedade. O que conta é a rapidez e a facilidade de engolir um produto de mercado, já mastigado, pois esses produtos estão na mídia para atingir grandes platéias. Veicular idéias por meio de histórias vivas [...] Tudo se derrete, desintegra-se, enferruja fácil, diz Bauman. [...] Os espaços das histórias se amalgamam nas mídias, nos computadores, na

telefonia, especialmente nos celulares, gerando caos e desterritorialização espacial. (DOMINGOS, 2008, p.5)

Nada que desterritorialize por completo, em termos de perda de raiz, será incluído no desenvolvimento do conceito de storytelling relacionado ao jornalismo literário, pois essa diluição de que fala Baumann ocorre com a apropriação livre do conceito por outras áreas que não a jornalística. Na garantia desta utilização original estarão os conceitos sociais dos estudos culturais britânicos que passam por estrutura do sentir de Raymond Williams (1980), e por Da diáspora (2014), de Stuart Hall.

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11 Hipóteses

O podcast documental é a última instância de um trajeto sonoro iniciado com a informação no rádio, engrandecido pela evolução da linguagem documental sonora por um lado, e pelas formas narrativas do jornalismo literário por outro.

O podcast documental inaugura uma linguagem jornalística em áudio renovada, aproveitando parte do conhecimento da narrativa do rádio, e outra parte contribuindo com uma narrativa sonora apurada, para o universo dos sons além da palavra, que a mídia digital favorece.

O estudo também buscará analisar o transitar do som consumido via rádio hertziano desde 1923; passando para o audiovisual – cinema e televisão (LABRADA, 2009); (RODÍGUEZ, 2006), estabelecendo pontes de influências entre esses meios até desembocar no meio digital com o podcasting, demonstrando, como hipótese, tanto esse percurso do som em mídias, e como prova ser o podcasting como processo e o podcast como produto a última ponta contemporânea que fecha um ciclo de trânsito sonoro por meios. Em cada meio que o som se evidencia, há a marca do desenvolvimento que o rádio deu à presença dele nas mídias do século passado e deste século. Mas nesse trânsito por mídias ganhou em também em cada uma delas outras especificidades, de forma que quando desemboca no processo de podcasting, exibe uma experiência sonora mais repleta do que a do rádio tradicional.

Justificativas para o projeto

-Por um lado demonstrar o interesse crescente no mundo – e por tradição de atraso em tendências culturais, o Brasil em breve poderá seguir esse interesse – já identificado na pequisa de pós doc do professor Dr. Eduardo Vicente, do CRT da ECA, entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018 na Universidad Complutense de Madrid, Em

busca de um rádio possível: as novas configurações da produção radiofônica independente na Europa.

-Por outro, estimular a produção local, a partir dos exemplos internacionais, demonstrando viabilidade de produção, financiamento e distribuição de podcast documental, em contraponto à quase total ausência de produção brasileira nesse novo formato sonoro.

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12 -Estimular empreendedorismo na produção brasileira de podcast documental, como importante alternativa independente de discurso jornalístico para além da grande concentração da informação “confiável” pelas mídias tradicionais, com sua polarização de discursos. Essa estimulação deverá ser executada na prática, com uma incubadora de produção de podcast com linguagem documental para áudio, constituindo equipes de alunos dos cursos de Audiovisual e de Jornalismo da ECA-USP.

-A proposta deste trabalho se relaciona com o pós doc do professor Dr. Eduardo Vicente, meu proposto supervisor, de forma a fechar um ciclo entre minha tese orientada por ele, o pós doc que ele realizou na Espanha e este Pós Doc como projeto até o momento. Seria a finalização de uma sequência que tenta enxergar as possibilidades totais da linguagem em áudio, para um rádio possível do prof. Dr. Eduardo Vicente, projeto que desenvolve faz muitos anos, com excelentes resultados acadêmicos.

-Também se relaciona (vide Introdução, pg. 2) com o tratamento feito em minha tese, Reportagem no rádio: realidade brasileira, fundamentação, possibilidades

sonoras e jornalísticas a partir da peça radiofônica reportagem, no que diz respeito a

aproximação entre linguagens intimistas, subjetivas, pessoais, na narração de repórter para a peça radiofônica reportagem.

Objetivo Geral

Apresentar a análise de um corpus de podcast narrativos jornalísticos que auxilie na compreensão das possibilidades expressivas oferecidas por essa prática de produção radiofônica e jornalística, além do seu potencial para o desenvolvimento de um jornalismo mais independente e de maior profundidade, em que parte dessas possibilidades expressivas reside nas propriedades do universo sonoro. Outra parte está na narração intimista, subjetiva, repleta de condutores de estrutura do sentir.

Objetivos Específicos

Discutir técnicas de produção radiofônica utilizadas, de redação do discurso jornalístico documental, das técnicas de storyteller; bem como lançar olhar dos estudos culturais para as estratégias de disponibilização, distribuição e espalhamento de podcast com linguagem documental.

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13 Desenvolver maior aproximação entre os estudos da linguagem radiofônica e os estudos de som informativo.

Aumentar a frequência de estudos, além de propostas de produção de e sobre podcast documental em áudio.

Metodologia da Pesquisa

As hipóteses serão verificadas em forma de analise de produtos e percepção de processos sociais que ocorrem – ou não – em forma de significação que o público faz com as obras documentais em com linguagem de podcast documental, depois que ouve. O trabalho deve partir daquele que é considerado o maior fenômeno em podcast nesta linguagem documental, Serial, um spin off de This American Life, cuja linguagem lança mão do conceito do storytelling na criação textual. Antes de ser apropriada pelo marketing e pela propaganda, storytelling sempre foi uma estratégia de comunicação e de narrativa que atraia o interlocutor. Storytelling é palavra original do inglês, “relacionada à narrativa, o que significa a capacidade de contar histórias que sejam relevantes” (NOGUEIRA, 2014, p.1). Uma nova roupagem para o conceito de

experiência de Walter Benjamin, disseminado em seus aforismas e artigos, como Experiência e pobreza, em que a narração inexistente da experiência dos soldados

alemães que voltavam vivos da Primeira Guerra era como um fim de vida, o contrário do atual storytelling. O conceito diz respeito a propagação de narrações de experiência vivida de um narrador, tornando esse ato um espalhamento de conhecimento aproveitável para o interlocutor que escuta a história de vida de quem narra. (BORGES et al, 2011). “A abordagem Storytelling tem se destacado na literatura porque as narrativas tem se mostrado eficientes meios de interação ao circularem informações que no seu conjunto transmitem vida, emoção, racionalidade e sentimentos” (BORGES et al, 2011, p.107).

Na última década, a popularização da banda larga e dos smartphones (adaptáveis ao sistema de som dos automóveis) abriu espaço para uma nova forma de audição, on

demand, o que favoreceu a distribuição pela internet de conteúdos mais criativos e em

formatos longos. Houve um boom de programas online oferecidos regularmente por produtores nos EUA e na Europa. A série Serial, um spin em forma de radiodocumentário do programa This American Life, (NPR) tornou-se um sucesso

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14 mundial, recebendo destaque nas páginas de grandes jornais, inclusive no Brasil. A série, em 12 episódios semanais de cerca de uma hora, lançada em outubro de 2014, investigou o assassinato de uma estudante de Maryland por seu ex-namorado, de ascendência paquistanesa. Condenado, ele diz ser inocente, mas não lembra exatamente onde estava na tarde do crime. Seria mesmo ele o autor do crime?

Abordando questões como amor, morte, justiça e verdade, Serial arrecadou cerca de US$ 10 milhões de dólares com publicidade em cada uma das duas temporadas (DÓRIA, 2016) e seu sucesso em podcast - 300 milhões de downloads no mundo todo (THIS AMERICAN LIFE, 2018) - apontou um nicho no mercado para boas e bem contadas histórias em formatos que já não encontravam espaço no rádio linear.

O projeto se propõe também a buscar sinais dessa composição entre jornalismo literário, uso das potencialidades sonoras em narrativa documental para áudio, no programa e série de podcast Outlook, da BBC World Service, que vai ao ar por ondas hertzianas às quartas-feiras, às 8 da manhã pelo horário britânico. Outlook apresenta reportagens longas (de 5 a 10 minutos) enviadas por correspondentes em todo o planeta. E ainda analisar com a mesma metodologia, buscar sinais dessa composição documental radiofônica em podcasts do site independente Radio Ambulante, que distribui podcast documentais para áudio, abrigados e distribuídos agora pela rede de rádio pública norte-americana NPR e para uma rede de rádios da América Latina. Tratam-se de documentários em áudio feito por repórteres colaboradores de muitos países da América Latina e Caribe.

Formas como o documentário e o feature podem ser ouvidos pelo rádio do mundo. São formas comuns a muitas redes públicas e, mesmo privadas, em países da Europa e em emissoras públicas dos Estados Unidos. Esses países ainda mantêm um nível de diversidade na informação veiculada pelo rádio, como manutenção mínima das linguagens e narrativas variadas que o rádio possui em sua história. Uma integridade mantida graças também às dimensões territoriais dos países de regiões citadas à exceção de Estados Unidos, em que uma rede territorial de onda hertziana de rádio na Grã Bretanha, por exemplo, é uma rede relativamente simples de constituir, se comparada ao território brasileiro, por exemplo. comparado com outros tempos de investimento e resultados, graças a possuírem ainda potentes redes de emissoras de rádio público. Não são emissoras públicas de rádio, pois todas as emissoras que comunicam informação

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15 são públicas. As feitas e mantidas por governos ou órgãos púbicos em países, estados e cidades, são (ou deveriam ser) emissoras de rádio público. Tal “público” necessita contemplar uma produção cultural como política pública, a ser difundida por essas emissoras de rádio. O bom raciocínio em relação aos investimentos com impostos recolhidos, em países em que o executivo e o legislativo dominam um conceito claro de benefício público, recai também na cultura, mantendo ainda o rádio como um dos grandes difusores, apesar do aumento atual das mídias disponíveis ao público.

Um documentário em áudio, para ser produzido, é trabalho de semanas por parte de um repórter ou uma equipe em party time. Sua melhor definição é muito simples, pois, considerando o jornalismo interpretativo como ferramenta constituinte de um documentário, ou grande reportagem em áudio, ela seria “produzida com esse esforço de abarcamento vasto da realidade, rumo à compreensão” (LIMA, 2004, p. 22). O autor cita vários estudiosos que trataram do conceito de reportagem, e fecha o ciclo com Cremilda Medina que, em entrevista a ele sobre reportagem, ao concluir um pensamento, afirmou ser

justamente na pluralidade de voz e a pluralidade de significados sobre o imediato e o real que fazem com que a reportagem se torne um instrumento de expansão e instrumentação plena da democracia, uma vez que a democracia é polifônica e polissêmica (MEDINA apud LIMA, 2004, p. 24). Para o autor,

a reportagem, como gênero [...] Significa também um certo grau de extensão e/ou aprofundamento do relato, quando comparado à notícia, e ganha classificação de grande-reportagem quando o aprofundamento é extensivo e intensivo, na busca o entendimento mais amplo possível da questão em exame” (LIMA, 2004, p. 24).

Essa amplitude é buscada também pela peça radiofônica reportagem em minha tese. Partindo desse conceito preliminar de reportagem, e de grande reportagem, esse gênero no rádio se converte rapidamente em formato. Assim, por um lado oferece suas grandes possibilidades de exploração dos recursos sonoros e, por outro, traz uma narração impressionista. O impressionismo na narração do repórter dá, à peça

radiofônica reportagem, essa “pluralidade de significados sobre o imediato e o real” de

que fala Medina acima.

Chamo de peça radiofônica em ligação que esse formato de reportagem necessita ter com o rádio e os princípios da peça radiofônica, segundo ideias difundidas

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16 por Werner Klippert no livro Introdução à peça radiofônica, de organização de George Bernard Sperber (1980). Os elementos principais são “som e ruído”, cujas expressões de Klippert para estudos de peças radiofônicas originais posso transferir para meu conceito como o possível uso de sons captados no ambiente do acontecimento, portanto naturais, ou mesmo produzidos em estúdio quando os sons naturais não ficaram bons na captação. Outro elemento é a música, que Klippert explica vastamente para o uso em peças, citando exemplos, em que a música é usada “Num sentido mais amplo, porque a peça radiofônica inclui em si mesma todos os elementos do audível, para além do material básico musical dos sons.” (KLIPPERT in SPERBER, 1980, p. 45) e que no nosso caso é uma música incidental, usada a partir da edição, uma música radiofônica na definição de Balsebre (2007). Os sons e ruídos nas definições de Klippert mantêm a tradição de peça radiofônica para a reportagem que defendo. Outro elemento componente da peça radiofônica que pode participar da reportagem é a dramatização de diálogos ou cenas presenciadas pelo repórter ou checadas por ele em entrevista com as testemunhas de um acontecimento. A dramaturgia é elemento fundador da peça radiofônica e a palavra é fundadora de todo o conceito de Klippert.

Com base nestes conceitos que dizem respeito à narrativa de nosso objeto de estudo, acrescentar-se-ão conceitos fundamentais de sustentação sonora, que seriam sons captados nos locais de origem ou produzidos se necessário (VIGIL, 2014); silêncio; música; palavra, todos em harmonia a transitar o rádio de meio de comunicação para meio de expressão (BALSEBRE, 2007).

Mesmo quando estamos diante de produzir um documental para áudio, devemos ter em mente que a linguagem do rádio é a medida constante para a produção e que

la radio es libre, la radio es imaginación. Supongamos que vamos hacer un reportaje sobre uma mina de acero abierto, ya¿ Y tenemos los testimonios, tenemos las grabaciones, pero por dificuldad no tenemos el ambiente de la mina, es decir, no tenemos los ruídos de los tratores, no nos dejaran entrar, no tenemos el viento de la mina, no tenemos los gritos, vamos decir, de los capatazes o de los mineros que están en esta mina a cielo abierto. Todo eso lo podemos incluir después, tomando de otras grabaciones o haciendo nosotros esas voces en estúdio. Eso falsea la realidad¿ En absoluto, porque el viento, el viento en una mina es universal. El viento tiene también libertad de expresión, entoces el viento suena aqui, suena allá y yo lo grabo donde me dá la gana. El ruído de un tractor no tiene copyright. El ruído de un tractor yo lo tomo de un disco de tractor de mi casa. Y digamos en la imagen auditiva que quiero crear en el oyente: pongo el ruído del tractor y me da lo mismo si fuera el tractor real, o el tractor de la esquina de mi casa, porque ló que se trata es de como ubicar un mensaje con efectos, com

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17 imagenes auditivas que permitan comprender mejor la investigación del repotaje. (VIGIL EM ENTREVISTA AO AUTOR, 2014)3.

O risco metodológico e como resolvê-lo

Ao apresentar minha investigação sobre o podcast, tendo ela como elemento certa intrusão de uma linguagem híbrida (informação + subjetividade literária + som informativo) no sistema formalmente fechado do discurso jornalístico, pode-se criar um risco metodológico. O risco torna-se oportunidade pela forma de resolvê-lo, principiando por uma busca no universo da origem disciplinar à qual o jornalismo pertence, as Ciências Sociais, precisamente nos estudos culturais britânicos de Raymond Williams (1980) e Stuart Hall (2013, 2014). Ao analisar nos podcasts documentais, além dos indícios literários e de narrativa sonora, os que possuam potencial de provocar no consumo cultural do ouvinte a estrutura do sentir, conceito desenvolvido por Williams, em que como o social, que seria o fixo, o explícito, o conhecido, já está dado, o que valerá na experiência do ouvinte com o podcast é “tudo o que é presente, mobilizador, tudo o que escapa ou parece escapar do fixo, do explícito e o conhecido, é compreendido e definido como o pessoal: isto, aqui, agora, vivo, ativo, ‘subjetivo’.” (WILLIAMS, 1980, p.151). Apesar de o conceito ter sido desenvolvido nos anos 50 do século passado e diante de um sistema de meios de comunicação de massa, ele continua aplicável nos dias de hoje ao pensarmos a relação do ouvinte com a sonoridade original do rádio com a qual ele lida na contemporânea vida digital. Afinal, as oportunidades de interatividade se alastram a oferecer momentos não registrados socialmente e que ocorrem no “agora” e “ativo”, duas das expressões de Williams que une o conceito à ação do internauta. Um dos teóricos fundamentais dos estudos culturais ingleses, Stuart Hall, percorre um caminho de explicações para chegar à estrutura do

sentir, retirando o formato emocional das expressões de Williams para definir o

fenômeno e o devolvendo como um resultado de estudo social apurado. Para Hall (2013) Williams chegou ao conceito quando constituía uma forma viável de analisar a

3 O rádio é livre. O rádio é imaginação. Suponhamos que vamos fazer uma reportagem sobre uma mina de aço aberta,

certo? E temos depoimentos, temos as gravações, mas por dificuldade não temos o ambiente da mina, quero dizer, não temos os ruídos dos tratores, não nos deixaram entrar e não temos o vento da mina, não temos os gritos, vamos dizer, dos capatazes ou de mineiros que estão na mina a céu aberto. Tudo isso podemos incluir depois, tomando de outras gravações ou fazendo nós essas vozes em estúdio. Isso falseia a realidade? Em absoluto, porque o vento em uma mina é universal. O vento tem também liberdade de expressão, então o vento soa aqui, soa lá e eu gravo onde me dá vontade. O ruído de um trator não tem copyright. O ruído de um trator eu tomo de um disco de trator da minha casa. E digamos, na imagem auditiva que quero criar no ouvinte, ponho o ruído do trator e dá no mesmo se fosse o trator real ou o trator da esquina de minha casa, porque o que se trata é de como colocar uma mensagem com efeitos, com imagens auditivas que permitam compreender melhor a investigação da reportagem

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18 cultura segundo uma natureza de organização que forma o complexo de todos os relacionamentos. Segundo Hall, a “cultura não é uma prática; nem apenas a soma descritiva dos costumes e ‘culturas populares [folkways]’, “a cultura é esse padrão de organização, essas formas características de energia humana que podem ser descobertas como reveladoras em si mesmas.” (HALL, 2013, p.149) E o “propósito da análise [dos padrões de organização] é entender como inter-relações de todas essas práticas e padrões são vividas e experimentadas como um todo, em um dado período: essa é sua ‘estrutura de experiência’.” (HALL, 2013, p.149).

O caminho de transição entre essas diferentes linguagens para diferentes mídias passa pelo documentário e seu trajeto histórico feito para o rádio. Desde a “paisagem sonora” (SCHAFER, 2011) até o desenvolvimento de linguagem analítica sobre o documentário em áudio (DETONI, 2018).

Resultados esperados

Instituir uma forma adaptada e aprofundada – de minha tese – de análise de produtos em áudio.

Publicar ao menos dois artigos sobre o tema.

Participação em ao menos dois congressos apresentando comunicações vinculadas ao tema.

Estruturar e ministrar junto com o pretendido supervisor, uma disciplina de curta duração sobre o Podcast e a narrativa do jornalismo literário a ser ministrada em forma de contribuição aos alunos de pós-graduação do Programa Meios e Processos

Audiovisuais da ECA-USP, como resultado parcial desta pesquisa, de forma a aplicá-la em turnos intensivos no início do ano letivo de 2019.

Ao final do curso rápido, desenvolver um Centro de produção de podcasts com linguagem documental, em atendimento, na prática, ao que o estudo se propõe no campo teórico.

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19 Cronograma de Trabalho

X Nov Dez Jan/19 Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out

1 X X X X X X X X X X X X 2 X X 3 X X X 4 5 X 6 X X X 7 X X 8 X X X X 9 X X 10 X X X X 11 X 12 X Legenda:

1- Pesquisa Bibliográfica / 2- Pesquisa de Campo 1 / 3- Levantamento e Análise de Podcast 1 / 4- Produção de artigo / 5- Participação em Congresso 1 / 6 – Análise de Podcasts 2 / 7 – Estadia de 2 meses no exterior, condicionada a Bolsa Fapesp ou de Mobilidade Internacional Santander / 8- Análise de Podcasts 3 / 9 – Pesquisa de Campo 2 (exterior) / 10 – Curso rápido para o PPGMPA e Produção de Podcasts / 11 –

Produção de Artigo 2 / 12 - Participação em Congresso 2 (exterior) Bibliografia

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Referências

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