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UM CONTRIBUTO PARA O TRAÇADO DA LINHA DA MÁXIMA PREIA-MAR DE ÁGUAS VIVAS EQUINOCIAIS EM AMBIENTES DE TRANSIÇÃO. O CASO DO ESTUÁRIO DO TEJO

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1 Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos

UM CONTRIBUTO PARA O TRAÇADO DA LINHA DA MÁXIMA

PREIA-MAR DE ÁGUAS VIVAS EQUINOCIAIS EM AMBIENTES DE

TRANSIÇÃO. O CASO DO ESTUÁRIO DO TEJO

Ana Rodrigues RILO

Geóloga, LNEC, Avenida do Brasil, 101, 1700-066, Lisboa, +351 .218443429, arilo@lnec.pt

Paula FREIRE

Geóloga, LNEC, Avenida do Brasil, 101, 1700-066 ,Lisboa, +351 .218443637, pfreire@lnec.pt

Ricardo Nogueira MENDES

Biólogo, UL, CO - FCUL, Campo Grande, 1749-016, Lisboa, +351.217500148, rmmendes@fc.ul.pt

Rodrigo CEIA

Engenheiro Geólogo, UL, CO - FCUL, Campo Grande, 1749-016, Lisboa, +351.217500148, rodrigoceia77@gmail.com

João CATALÃO

Engenheiro Geógrafo, UL, FCUL, Campo Grande, 1749-016, Lisboa, +351.217500833, jcfernandes@fc.ul.pt

Rui TABORDA

Geólogo, UL, FCUL, Campo Grande, 1749-016, Lisboa, +351.217500206, rtaborda@fc.ul.pt

Ricardo MELO

Biólogo, UL, CO - FCUL, Campo Grande, 1749-016 ,Lisboa, +351.217520320, ramelo@fc.ul.pt

César ANDRADE

Geólogo, UL, FC - Centro de Geologia, Bloco C6, 3º piso, Campo Grande, 1749-016, Lisboa, +351.217526348, candrade@fc.ul.pt

Maria Isabel CAÇADOR

Bióloga, UL, CO -FCUL, Campo Grande, 1749-016 ,Lisboa, +351.217500114, micacador@fc.ul.pt

Maria da Conceição FREITAS

Geóloga, UL, FC - Centro de Geologia, Bloco C6, 3º piso, Campo Grande, 1749-016, Lisboa, cfreitas@fc.ul.pt

RESUMO

Neste trabalho apresentam-se e discutem-se os critérios que serviram de base ao traçado da linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPMAVE) no estuário do Tejo. O traçado desta linha é essencial quando se pretende proceder à tipificação da faixa marginal em ambientes de transição, uma vez que define, na legislação em vigor, o limite entre a margem e leito. É também um suporte indispensável em ferramentas de gestão e ordenamento, como os Planos de Gestão de Bacia Hidrográfica e Planos de Ordenamento de Estuários no âmbito da actual Directiva Quadro da Água. No entanto, a difícil compatibilização dos conceitos legais com a dinâmica natural dos sistemas dificulta a sua implementação no terreno. Neste trabalho seguiu-se uma abordagem multidisciplinar, incluindo a análise de informação recolhida para o caso em estudo e de outros trabalhos realizados sobre o traçado deste limite noutras zonas do país. Os critérios foram fundamentados em 4 tipos de informação: 1) biofísica, ou seja a presença de comunidades ou espécies indicadoras e típicas de sistemas de transição; 2) tipo de estrutura e altimetria; 3) de uso; 4) de índole legal, com base na interpretação da Lei 54/2005 de 15 de Novembro. Os resultados obtidos contribuem para a implementação e adequação dos conceitos legais de LMPMAVE, margem e leito, à realidade do estuário do Tejo, no âmbito do projecto MorFeed. No entanto, subsistem algumas questões que deverão ser objecto de análise futura, designadamente sobre a variabilidade temporal do traçado desta linha.

Palavras-chave: LMPMAVE, margens estuarinas, ocupação antrópica, ordenamento territorial, alterações climáticas.

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1 INTRODUÇÃO

Os estuários constituem ambientes de transição de elevada complexidade e valor ambiental, onde interagem simultaneamente factores físicos, químicos, biológicos e antrópicos, tornando estas zonas especialmente vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas. Numa perspectiva de adaptação e/ou mitigação destes efeitos, e de acordo com a actual Directiva Quadro da Água1 torna-se

por isso necessário dotar estas áreas de instrumentos de gestão e ordenamento que tenham em conta perspectivas de previsão de evolução sustentadas no conhecimento dos sistemas naturais em causa.

O projecto MorFeed (Morphodynamic feedback of estuarine margins to climate change) visa a melhoria do conhecimento da resposta das margens estuarinas (lato sensu) a diferentes cenários de alterações climáticas, e o desenvolvimento de um modelo conceptual de evolução que possa servir de apoio a instrumentos de gestão territorial, usando como caso de estudo o estuário do Tejo. No âmbito do referido projecto, tornou-se necessário tipificar o leito e margem do estuário, incluindo a descrição da sua morfologia, conteúdo sedimentar, habitats, e ocupação antrópica. Para tal, foi essencial recorrer às definições que constam da Lei 54/2005 de 15 de Novembro2, no qual o limite entre leito e a margem

é definido pela Linha de Máxima Preia-Mar de Águas Vivas Equinociais (LMPMAVE). As dificuldades surgidas na transposição deste limite para a realidade do terreno, levaram à construção de um conjunto de critérios que se apresentam e discutem neste trabalho.

2 A LINHA DA MÁXIMA PREIA-MAR DE ÁGUAS VIVAS EQUINOCIAIS

De acordo com o nº 1 do artigo 10º da Lei 54/2005 de 15 de Novembro2 “entende-se por leito o

terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades (…)”. O nº 2 do artigo 10º do mesmo diploma refere ainda que “o leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais” e estabelece que “esta linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias no segundo.”

De acordo com o mesmo diploma “entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas” (nº 1, art. 11º) e que “a margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis que se encontram à data da entrada em vigor desta lei sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas e portuárias, tem a largura de 50m” (nº 2, art. 11º). Define ainda que “a largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito (…)” (nº 6, art. 11º).

Assim, o traçado de leito e margem está dependente da definição e traçado da LMPMAVE (Figura 1) e tendo em conta o enunciado legal, o estuário do Tejo enquadra-se nas águas sujeitas à influência das marés, devendo a LMPMAVE ser definida em “condições de cheias médias”. Este conceito não é facilmente quantificável, no entanto, Amaral e Fernandes (1978) referem que “cheias médias, segundo o entendimento da Direcção Geral dos Recursos Hidráulicos, são as que podem prever-se com a possibilidade de ocorrência de uma vez em cada quatro ou cinco anos” (pág. 84). Também Tavarela Lobo (1999) refere o mesmo (pág. 203). Embora seja possível prever valores de caudal fluvial para diferentes períodos de retorno, é no entanto difícil associar a esses valores cotas altimétricas que permitam suportar o traçado da LMPMAVE em ambientes de transição exclusivamente com base neste critério.

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3 Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos

Figura1 Esquematização dos conceitos de leito e margem estuarina segundo a Lei 54/2005.

Mais recentemente, o Despacho Normativo 32/2008 de 20 de Junho3 estabeleceu que a

LMPMAVE em zonas abrigadas de agitação marítima como portos ou estuários, é em regra materializada pela curva de nível dos 2 m, referida ao nível médio do mar (NMM). No entanto, associar a LMPMAVE a uma cota altimétrica constante ao longo de um sistema de transição, onde há uma variação espacial do nível de maré, envolve imprecisões consideráveis.

Foram entretanto publicados dois trabalhos importantes sobre o traçado da LMPMAVE, da responsabilidade das Administrações de Região Hidrográfica do Algarve e do Centro. O primeiro (Teixeira, 2009), trata do traçado deste limite no litoral da costa algarvia e defende que o traçado em lagunas e estuários permanentes deverá ser feito caso a caso conjugando informação altimétrica, presença de biocenoses de plantas halófitas e informação recolhida no terreno durante as marés de águas vivas equinociais. O segundo (ARH Centro, 2011), debruça-se sobre sistemas lagunares, estuários e lagoas costeiras e defende uma solução mista onde se incluam as regras do Despacho Normativo 32/2008 de 20 de Junho3 quando aplicáveis bem como critérios altimétricos, presença de

biocenoses e registos cartográficos antigos, adaptando-os em função das características morfodinâmicas dos casos em estudo na região centro.

Tendo em conta o exposto, parece evidente que subsistem dificuldades quanto à materialização no terreno da LMPMAVE, havendo várias opções de critérios para o seu traçado. O caso do estuário do Tejo é especialmente paradigmático, pois trata-se de um estuário onde a variação das condições hidrodinâmicas, fluviais e de uso antropogénico do leito e da margem são especialmente relevantes. Por outro lado, observações de campo mostram que a LMPMAVE possui uma grande variabilidade espacial e temporal, esta última principalmente associada à ocupação antrópica, tornando-se essencial encontrar um conjunto de critérios facilmente identificáveis no terreno que suportem o seu traçado.

A definição deste limite torna-se particularmente relevante na medida em que o leito e a margem pertencem ao domínio público hídrico onde várias entidades tem diferentes responsabilidades em termos de gestão, licenciamento e fiscalização. Por outro lado, há ainda a ter em conta as acções judiciais para reclamação da propriedade privada de terrenos do leito, conquistados ao leito ou contíguos a ele, que foram correndo nos tribunais ao longo dos anos.

3 ZONA DE ESTUDO

O estuário do Tejo localiza-se na costa ocidental portuguesa, na região da Estremadura e Ribatejo meridionais, desenvolvendo-se preferencialmente segundo as direcções NNE-SSW e ENE-WSW. A área em estudo neste trabalho (Figura 2) engloba todo o estuário, desde Vila Franca de Xira até à embocadura (linha Cova do Vapor, Bugio e S. Julião), e compreende a orla estuarina4 definida

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Figura 2 Localização da área de estudo. Base cartográfica: ortofotomapas digitais do Instituto Geográfico Português (IGP), 2007.

O estuário do Tejo encontra-se sob a influência de uma maré semi-diurna, podendo ser classificado como um estuário mesotidal elevado segundo a classificação de Hayes (1979). Devido à sua morfologia particular, caracterizada por uma região interior extensa e pouco profunda e um canal de embocadura, estreito e profundo, a amplitude de maré varia ao longo do estuário e não há condições de propagação de ondas oceânicas para o interior do canal de embocadura (Freire, 2003, Freire et al., 2006). O estuário interno é caracterizado por extensos rasos de maré, de substrato essencialmente vasoso, que favorecem a ocorrência de vários habitats de intertidal, nomeadamente uma vasta franja de sapal em ambas as margens ainda que mais desenvolvida na margem esquerda. A extensão do estuário interno e a sua orientação aos ventos dominantes na zona, do quadrante norte, favorecem a geração local de ondas, cuja acção proporciona a manutenção de praias e restingas de areia ao longo da margem esquerda, entre Alcochete e Alfeite (Freire e Andrade, 1999, Freire et al., 2009).

A presença de áreas extensas de rasos de maré favorece o aparecimento de comunidades de macroalgas (Sousa-Dias, 2008) e sapais. Estes ocorrem em solos provenientes de sedimentos aluviais e estuarinos transportados pelas marés que são colonizadas por plantas vasculares, herbáceas ou arbustivas (vegetação halófita) e são regularmente inundados pelas águas estuarinas (Caçador e Vale, 2002). O reduzido número de espécies vegetais existentes nos sapais, possuem adaptações morfológicas e fisiológicas que lhe permitem colonizar estes habitats peculiares, caracterizados por condições de encharcamento e salinidade elevada (Caçador, 1986; Caçador et al, 2007).

Sendo um dos maiores estuários da Europa, a expansão portuária e o desenvolvimento urbano e industrial a partir do século XIX originaram a explosão da ocupação antrópica da zona marginal, alterando os padrões evolutivos naturais (Taborda et al., 2009). A envolvente do estuário abarca treze concelhos, dos quais onze fazem parte da área de estudo. Dados recentes (INE, 2011) mostram que a população nos onze concelhos cresceu globalmente (de 1 581 744 habitantes para 1 634 288) à

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excepção do concelho de Lisboa onde diminuiu entre 2001 e 2011. A ocupação da orla estuarina (faixa dos 550 m limítrofe ao leito) do estuário é diversa; a norte predominam as áreas urbanas e infra-estruturas portuárias e a sul a ocupação faz-se sob a forma de área urbanas no seio das quais se desenvolvem áreas verdes e industriais. As áreas agrícolas localizam-se fundamentalmente nos concelhos de Benavente e Vila Franca de Xira.

Face ao seu elevado valor ecológico e ambiental, cerca de 14 192 ha da zona mais a montante do estuário, incluída nos concelhos de Alcochete, Benavente e Vila Franca de Xira, foram classificados como Reserva Natural5.

4 METODOLOGIA

No âmbito deste trabalho foram coligidos e analisados vários elementos bibliográficos e cartográficos junto de diversas entidades (Quadro 1). Procedeu-se à vectorização da LMPMAVE com recurso ao software ArcGis Desktop® (extensão ArcInfo®) versão 10 desenvolvido e comercializado

pela ESRI®, no qual foi construída uma geodatabase onde foram armazenados os atributos da

LMPMAVE. O trabalho de vectorização foi suportado por várias campanhas de campo efectuadas entre Janeiro e Setembro de 2011 para validar opções de traçado e esclarecer dúvidas levantadas ao longo do trabalho.

A definição dos critérios usados no traçado da LMPMAVE resultaram da informação recolhida para o caso em estudo, tendo, no entanto, beneficiado da análise de outros trabalhos realizados sobre o traçado deste limite noutras zonas do país, nomeadamente na costa Algarvia e na Ria de Aveiro.

Quadro 1 Elementos bibliográficos e cartográficos coligidos

Base documental Data Observações

Ortofotomapas 2007 Fonte: IGP. Sistema Coordenadas PT TM06/ETRS89.

Resolução RGB e infravermelho próximo. Resolução espacial: 0,5 m

Bing Maps Aerial, na opção Birds Eye

Não definida Aplicativo desenvolvido pela Microsoft®. Imagens aéreas da

NASA. Disponível online em: http://www.bing.com/maps/ Google Earth® Várias datas Aplicativo desenvolvido pela Google® Disponível online em:

http://www.google.com/intl/pt-PT/earth/index.html Imagem LANDSAT 7 ETM+ Data: 22/2/2002

Hora: 11:03:23

Referência da Imagem: L71204033_03320020222_NTL. Disponível online na biblioteca da USGS em: http://edcsns17.cr.usgs.gov/NewEarthExplorer/

Imagem escolhida por ser, de entre as disponíveis, aquela que registava um nível mais elevado de maré. Usada essencialmente para definir as áreas alagadas, através da composição de bandas 752

Levantamento topográfico da faixa marginal do estuário

2011 Geodatabase onde constam pontos cotados, curvas de nível, hidrografia e edificado da faixa marginal do estuário. Cedida pela ARH-Tejo no âmbito do protocolo de colaboração com o projecto MorFeed.

Lei 54/2005 15 de Novembro

de 2005

Estabelece a titularidade dos Recursos Hídricos. Disponível online: www.dre.pt

Amaral e Fernandes (1978) 1978 Análise e comentário do decreto-lei 468/71 de 5 de Novembro, por parte dos dois juristas.

Tavarela Lobo (1999) 1999 Manual de Direito que versa apenas sobre direito de águas, públicas e privadas.

Teixeira (2009) 2009 Documento guia para o traçado da LMPMAVE na costa do Algarve elaborado pela ARH do Algarve, Departamento de Recursos Hídricos do Litoral

ARH Centro (2011) Junho de 2011 Relatório sobre os critérios a adoptar para a traçado da LMPMAVE nas lagoas, lagunas e estuários da Região Centro

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tendo em conta o exposto anteriormente, optou-se por uma solução integradora e abrangente que pudesse responder da melhor forma à realidade do estuário do Tejo. Os critérios usados para o traçado da LMPMAVE foram subdivididos em quadro tipos: 1) biofísicos; 2) tipo de estrutura/altimétrico; 3) de uso; 4) de índole legal (Quadro 2).

Quadro 2 Síntese dos critérios adoptados no traçado da LMPMAVE no âmbito do projecto MorFeed. Morfologia /estrutura / uso Tipo de Critério Critério

Arribas alcantiladas Biofísico Limite inferior do aparecimento da vegetação terrestre

Praias Biofísico Limite da praia junto às arribas, ou limite inferior do habitat dunar noutros locais

Estruturas permeáveis

(salinas, caldeiras e diques de moinhos de maré, aquicultura)

Tipo de

estrutura/altimétrico

Incluem-se no leito

Estruturas impermeáveis

(cais, pontões, esporões)

Tipo de

estrutura/altimétrico

Com cota abaixo dos 3 m (NMM): incluem-se no leito Com cota acima dos 3 m (NMM): incluem-se na margem

Zonas naturais com sapal Biofísico Limite superior do habitat de sapal

Linhas de água Biofísico Limite superior do habitat de sapal

Valados – taludes de protecção a terrenos agrícolas

De uso Incluem-se na margem

Mouchões Legal Incluem-se no leito

5.1 Critério biofísico

O critério biofísico apoia-se no reconhecimento da presença e distribuição das diversas espécies vegetais de sapal que povoam o estuário, na sua maioria perenes. Sendo conhecido que determinadas espécies tolerantes ao sal (p.e. Scirpus lacustris; Scirpus maritimus; Juncus maritimus, Spartina marítima; Halimione portucaloides, Sarcocornia fruticosa, S. perennis, Inula crithmoides, I. viscosa, Artrocnemum galucum, e Atriplex halimus) indicam a presença de água salgada ou salobra, o limite do desaparecimento deste tipo de vegetação e o início da ocorrência de vegetação com características terrestres constitui um indicador fiável para o traçado da LMPMAVE (Figura 3). Este critério foi aplicado no caso das arribas alcantiladas, zonas de sapal e linhas de água. Em praias estuarinas, usou-se o mesmo critério baseado, no entanto, na ocorrência de espécies dunares para definir o limite máximo do traçado da LMPMAVE.

Figura 3 Traçado da LMPMAVE sobre ortofomapa do IGP (2007) baseado em critérios biofísicos, na zona da baía do Seixal.

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5.2 Critério tipo de estrutura/altimétrico

Este critério é aplicado no caso em que a faixa marginal está ocupada com estruturas, designadamente estruturas de defesa aderente, pontões, cais, diques, salinas, aquiculturas, diques de moinhos de maré, e baseia-se no princípio da propagação natural da água entre o leito e a margem. Assim, as estruturas foram divididas em permeáveis, no caso dessa circulação se fazer sem constrangimentos e impermeáveis quando tal não acontece.

Os níveis de água no estuário dependem da maré astronómica, dos caudais fluviais, da sobreelevação meteorológica, do espraio das ondas e da subida do nível médio. Estudos anteriores (Rocha et al., 2007) indicam que o efeito das cheias para diferentes períodos de retorno não tem impacto nos níveis máximos a jusante da Póvoa de Sta. Iria. Assim, uma vez que grande parte das

estruturas se localizam essencialmente a jusante deste local, este factor não foi considerado no presente trabalho. A análise dos níveis de água em Chelas, realizada por Oliveira e Fortunato (2008), que incluiu a componente de maré, sobreelevação meteorológica e subida do nível médio do mar, indica que a cota 3,0 m (NMM) está associada a um período de retorno de 100 anos. Fica por quantificar em trabalho futuro o possível efeito do espraio de ondas, que poderá ser relevante na zona da embocadura e canal de embocadura.

Entendendo que à definição legal da LMPMAVE está subjacente uma intenção do legislador de associar esta linha a condições médias, assumiu-se neste trabalho que a cota de 3,0 m (NMM) corresponde a um nível não inundado com frequência, ficando as estruturas impermeáveis com cotas acima deste valor incluídas na margem (Figura 4).

Figura 4 Traçado da LMPMAVE sobre ortofotomapa do IGP (2007), baseado nos critérios tipo de estrutura/altimétrico, ilustrando os casos de estruturas permeáveis e impermeáveis no Porto de Lisboa. A zona onde se encontram atracados os navios é permeável, o restante cais é impermeável.

No caso das estruturas permeáveis, estas foram consideradas parte integrante do leito uma vez que não constituem um limite à propagação natural da água, havendo mesmo casos (e.g. nas caldeiras de moinhos de maré abandonadas) em que há a invasão de vegetação de sapal no seu interior (Figura 5).

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Figura 5 Traçado da LMPMAVE sobre ortofotomapa do IGP (2007), baseado nos critérios tipo de estrutura/altimétrico, ilustrando o caso de um moinho de maré no Montijo.

5.3 Critério de uso

Este critério fundamenta-se no uso de uma determinada área limítrofe ao estuário, designadamente os valados de protecção agrícola. Estas estruturas denunciam uma intenção reiterada de conservar enxutos os terrenos contíguos ao Tejo e por este motivo optou-se por incluir estas estruturas e os terrenos na margem (Figura 6). Se o critério aplicado fosse o tipo de estrutura/altimétrico estas fariam parte integrante do leito, uma vez que são impermeáveis mas não apresentam na sua totalidade, nem os terrenos agrícolas por elas limitados, cotas superiores a 3,0 m (NMM). No entanto, esta solução não pareceu a mais adequada uma vez que há uma intenção renovada ao longo do tempo de que estes terrenos se mantenham na margem.

Figura 6 Traçado da LMPMAVE sobre ortofotomapa do IGP (2007), baseado no critério de uso.

5.4 Critério de índole legal

O critério legal, que foi aplicado aos mouchões, fundamenta-se exclusivamente na interpretação da Lei 54/2005. Assim, tal como o referido diploma determina “no leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial.” (nº1, art.10º).

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5.5.Limitações e variação temporal do traçado da LMPMAVE

Os critérios que serviram de base ao traçado da LMPMAVE no estuário do Tejo resultaram de uma abordagem multidisciplinar e contribuíram para a implementação dos conceitos legais à realidade do terreno, em função dos objectivos científicos do projecto Morfeed. No entanto, subsistem ainda algumas limitações na sua definição que necessitam de trabalho futuro. Refere-se a título de exemplo a não inclusão da quantificação do possível efeito do espraio de ondas no critério tipo de estrutura/altimétrico.

Outra questão que deve ser levantada diz respeito à possível variação temporal do traçado desta linha, uma vez que os critérios adoptados neste trabalho fundamentam-se em factores naturais e antrópicos que variam no tempo. Tendo em conta o exposto, parece razoável admitir que, no caso do estuário do Tejo, o traçado deste limite seja revisto no prazo de vigência dos Planos de Ordenamento de Estuários, podendo no entanto haver revisões específicas, mais amiúde, consoante estejamos em presença de alterações do leito ou da margem.

6 CONCLUSÕES

A necessidade do traçado da LMPMAVE no estuário do Tejo nasceu no âmbito do projecto Morfeed, como uma tarefa necessária à prossecução do trabalho de investigação associado a esse projecto. No entanto, no decorrer da tarefa verificou-se que este limite se revestia de uma importância vital para as entidades de gestão da área de estudo e que elas próprias se debatiam com várias dificuldades na definição deste limite. Numa tentativa de superar alguns destes constrangimentos, foi elaborado o presente trabalho.

Foram definidos quatro tipos de critérios baseados em aspectos biofísicos, tipo de estruturas/altimétrico, de uso e de índole legal. Muito embora se tenha dado um passo importante no sentido de definir critérios facilmente materializáveis para o traçado deste limite em ambientes de transição, admite-se que a sua concepção deverá ser feita caso a caso, tendo em conta o sistema natural em causa.

No entanto, subsistem ainda algumas questões a resolver que se prendem com a dificuldade em transpor os conceitos legais para a realidade do terreno. Sublinha-se a limitação de adoptar o critério de cheia média como única linha orientadora em “águas sujeitas à influência das marés” (nº 2, art. 10º da Lei 54/2005) para o traçado da LMPMAVE, uma vez que existem outros factores que contribuem para o nível de água nestes sistemas nomeadamente a sobreelevação meteorológica, o espraio de ondas e a subida do nível médio do mar.

Outra questão omissa na legislação prende-se com a variabilidade temporal do traçado desta linha, que ao depender de condições hidrodinâmicas, morfológicas e de ocupação antrópica variáveis ao longo do tempo, não é estática. Neste trabalho propõe-se, como primeira aproximação, que a revisão do traçado deste limite seja efectuada pelo menos no prazo de vigência dos Planos de Ordenamento de Estuários.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto MorFeed: Morphodynamic feedback of estuarine margins to climate change (ref. PTDC/AAC-AMB/100092/2008), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Os autores agradecem aos técnicos superiores Lourival Trovisco e Luís Simões Pedro pela contribuição dada neste estudo, e à Administração da Região Hidrográfica do Tejo (ARH-Tejo) e ao Instituto da Água (INAG) pela proveitosa troca de impressões sobre o tema deste trabalho. Um agradecimento especial aos restantes colegas do projecto MorFeed pelo apoio nesta tarefa e troca de experiências.

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BIBLIOGRAFIA

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1 Directiva 2000/60/CEdo Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2000. Jornal

Oficial das Comunidades Europeias, de 22 de Dezembro de 2000.

2 Lei 54/2005 de 15 de Novembro. Estabelece a titularidade dos recursos hídricos. Diário da

(11)

11 Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos

3 Despacho Normativo 32/2008 de 20 de Junho do Ministério do Ambiente, Ordenamento do

Território e Desenvolvimento Regional. Estabelece o regulamento dos processos de delimitação do Domínio Público Marítimo pendentes a 27 de Outubro de 2007. Diário da República nº 118 série II.

4 Decreto –lei 129/2008 de 21 de Julho. Estabelece o regime dos planos de ordenamento dos

estuários. Diários da República nº 139 série I-A.

5 Decreto-Lei n.º 565/76 de 19 de Julho. Decreto de criação da Reserva Natural do Estuário do

Tejo. Diário da República, nº167, série I, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 487/77, de 17 de Novembro.

Referências

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