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José Charters Monteiro Av. Álvares Cabral n.º 63 3º Lisboa tlm

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Academic year: 2021

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              Dr. António José Correia      Presidente da Câmara Municipal de Peniche                     Largo do Município              2.520‐239 PENICHE  Ass:   Forte de Peniche ‐ Memória e futuro  Lisboa, 23‐12‐2016          Ex. mo Senhor Dr. António José Correia, Presidente da Câmara Municipal de Peniche.    No passado dia 10 de Dezembro integrei o grupo de ex‐presos políticos, seus familiares e amigos, que  visitaram o Forte de Peniche.  Não foi a primeira vez que, desde Abril de 1974, regressei ao Forte, tendo acompanhado, ao longo de  4 decénios as sucessivas fases de ocupação e uso do Forte. Guiei até algumas visitas na qualidade de  arquitecto,  de  ex‐preso  político  detido  nesta  prisão  e  de  membro  da  direcção  da  APAC‐Associação  Portuguesa dos Amigos dos Castelos. 

 

Desde  sempre,  até  porque  interveniente  em  património  arquitetónico,  que  me  questionei  quanto  aos propósitos para uma consequente reutilização deste importante conjunto, numa singular e única  geografia que é a da península, melhor será dizer “ilha” de Peniche. Afinal, foi esse o motivo da nossa  visita,  que  o  Senhor  Presidente  quis  receber  e  saudar,  dando  notícia  do  processo  de  integração  patrimonial do Forte na memória e vida quotidianas. 

 

É precisamente sobre esta memória e o futuro que lhe está a ser preparado que pretendo transmitir  ao  Senhor  Presidente,  com  base  na  minha  plural  experiência  deste  Forte,  o  meu  conceito  de  intervenção que poderá, deverá ser acolhida, sem qualquer prejuízo; pelo contrário, para acréscimo  do seu sentido cultural e público e para uma reabilitação eficaz, económica, da componente prisional  no Forte. Irei referir‐me a um aspecto que constitui a opção mais determinante.    Trata‐se da relação: memória – matéria de suporte – uso futuro.    A memória é a longa história como presídio, militar e político, mesmo na nossa contemporaneidade;   a matéria de suporte são os pavilhões A e B e mesmo C;   o uso futuro é, em particular, o Forte possuir uma diferente tipologia de habitar, com memória.    A memória, elemento fulcral, produziu‐se nos pavilhões, onde se depositavam homens em degredo.   A sua organização, com destaque para os pavilhões A e B, é a de um singular colectivo de habitação,  constituído pelos seguintes espaços, organizados com máxima economia e eficácia na sua finalidade:   ‐ sala, por fim convívio, comum (fruto da luta prolongada dos presos políticos contra o “carcereiro”),   ‐ copa para chegada das refeições e sua distribuição,   ‐ refeitório.  E depois, e ainda, separado por gradeamento:  ‐ corredor de distribuição para acesso às celas,  ‐ instalações sanitárias coletivas,  ‐ celas, elementos genéticos e primordiais do sistema prisional de alta segurança.    A matéria de suporte ou, se quisermos, onde se faz a produção da memória é, pois, o conjunto dos  pavilhões das celas. É aqui que se viveu e criou memória, se apreende, transmite e se acrescenta com  a nossa própria experiência, diferente para cada um. Só aqui se poderão retomar as condições únicas  em que a memória se produziu e viveu; é onde ela permanece latente para ser transmitida e dela se  aprender; e hoje, é aqui que este tipo de memória, ligada ao processo social e à organização política  da sociedade se poderá experimentar, mais plenamente.  

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Os pavilhões A, B e C são a forma que a memória historicamente tomou, é neles que a reconhecemos 

e  não  num  qualquer  outro  novo  edifício  que  os  venha  substituir,  por  mais  sublime  que  seja  a  sua  arquitectura. 

 

Apagar  a  matéria  de  suporte,  os  pavilhões  celulares,  isto  é,  demoli‐los  para  depois  ali  voltar  a  construir  com  diferente  forma  e  matéria,  é  eliminar,  precisamente,  aquilo  que  se  diz  querer  preservar: o sinal, a matéria e o ambiente onde se gerou a própria memória.    O uso futuro não pode ignorar estas evidências; só pode ter benefícios, únicos e totais quando, ao  retomar a matéria de suporte, preservando‐a e usando‐a novamente, o faça ainda e afirmativamente  como lugar para habitar; agora não já sem liberdade mas com a liberdade de nos podermos localizar  em plenas condições para experienciar a memória: a de outros, que ao tornar‐se social e política se  assume como a nossa cultura e a nossa própria memória.  Numa palavra, podem e devem os pavilhões celulares ser retomados como lugares para habitar, em  regime de dormida pontual ou por breves dias; isto é, suporte de um uso de hospedagem.  

Reabilitem‐se  os  pavilhões  celulares  A,  B  e  C,  dêem‐se‐lhes  condições  de  habitabilidade,  durma‐se  nas celas; e teremos uma experiência única e autêntica da memória do totalitarismo, estando‐se em  plena  liberdade.  Poupar‐se‐á  muito  dinheiro  e  ter‐se‐á  um  resultado  autêntico,  verdadeiro  e  irrepetível. Facultar‐se‐á aos cidadãos poderem colocar‐se no lugar da memória, na sua matéria de 

suporte, não apenas para a evocar mas para a viver, de facto, na experiência de uma noite em célula 

de prisão, plenamente livres nessa experiência e exercício.     

Acredito na reutilização global do Forte, com usos diferenciados e compatíveis com as suas formas e  morfologias;  e  não  acredito  na  falsidade  da  destruição  tipológica  para  construir  o  novo  sem  memória; joga‐se um momento único para a identidade e monumentalidade da ilha de Peniche.   Considero  que  os  pavilhões  celulares  existentes  reúnem  todas  as  condições  materiais  e  imateriais  para uma correta e sabedora intervenção patrimonial. 

 

À  atenção  de  V.ª  Ex.ª  Senhor  Presidente  fica  o  meu  apelo  à  real  valorização  da  memória  e  do  património construído do Forte de Peniche, poupando os pavilhões celulares ao camartelo, de uma  abstrata memória a construir sem a espessura do tempo nem dos homens; que os pavilhões possam,  com  todo  o  direito  e  propriedade  integrar  o  programa  geral  para  este  extraordinário  Forte  no  quotidiano de Peniche e do país.  

Nesses pavilhões celulares poder‐se‐ão alojar cidadãos e turistas, cidadãos activos na economia do  mar, ou deste fazendo o meio de encontro com a natureza, fazendo do Forte uma experiência única  – a de habitar/dormir num presídio – ímpar na Europa, também pela localização oceânica. 

 

Porque  de  fortaleza  militar  se  trata,  muito  se  perderia  caso  a  definição  e  concretização  do  projeto  para  o  Forte  de  Peniche  não  pudesse  contar  também  com  o  apoio  de  milhares  de  associados  da  APAC e a participação activa dos seus mais competentes quadros para intervir em fortificações.   Sugiro que a C. M. Peniche convide a APAC, a ser representada pelo seu Presidente Eng.º Francisco  Sousa Lobo, para participar na definição da intervenção a realizar no próximo futuro. 

 

Embora bem presente em V.ª Ex.ª, incluo nesta carta uma fotografia da recepção que nos fez em 10  de  Dezembro  passado;  e  também  duas  imagens  que  se  referem  à  intervenção  feita  pelo  arq.  Raul  Rodrigues  Lima;  e  ainda  três  fotos  do  próprio  Forte,  onde  os  três  pavilhões  celulares  se  destacam  pelos  seus  volumes  em  crescendo,  de  monumental  simplicidade,  austera  e  autêntica,  até  pelo  que  foram e agora são: memória viva, predisposta para ser livremente habitada.  

 

Com os melhores cumprimentos.    

               

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    PENICHE – FORTE, VISTAS DE SUL  PAVILHÕES CELULARES A, B e C DA EX‐PRISÃO POLÍTICA       2015       2015       2015 

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 PRÉ‐EXISTÊNCIA E REFORÇO DO SUPORTE PARA MEMÓRIA PRISIONAL, 1953‐1961.   

 

A  prisão  de  Peniche,  antes  da  intervenção  de  Raul  Rodrigues  Lima  (1909‐1979),  arquitecto  do  regime do Estado Novo com actividade preponderante a partir de 1939 em projetos para Tribunais  e Prisões de todo o tipo, nomeadamente Prisões Especiais, posteriores à «Reforma da Organização  Prisional  de  1936»,  entre  as  quais:  Pinheiro  da  Cruz,  Alcoentre,  Vila  da  Feira;  prisões  políticas:  Caxias e Peniche.          Intervenção geral entre 1953 e 1961.  Início de construção dos Pavilhões A, B, C em 1956, com projeto do arq. Raul Rodrigues Lima, que  retoma o pátio e a morfologia geral das precedentes construções.    

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         VISITA DE EX‐PRESOS POLÍTICOS AO FORTE (EX‐PRISÃO POLÍTICA).         2016‐12‐10 PENICHE   RECEPÇÃO PELO PRESIDENTE DA C.M. PENICHE DR. ANTÓNIO JOSÉ CORREIA.                       

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