Registro: 2017.0000185363
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito nº 0098660-93.2011.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente/querelante VALDEMAR COSTA NETO, é recorrido/querelado DANIEL GUSTAVO SANTOS PEREIRA.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Acolheram a preliminar suscitada em contrarrazões, a fim de julgar extinta a punibilidade de Daniel Gustavo Santos Pereira, com fulcro no art. 107, IV, segunda figura, ante o advento da decadência, prejudicado o mérito do recurso. V.U. Esteve presente o I. Defensor, Dr. Odel Mikael Jean Antun.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUIS SOARES DE MELLO (Presidente) e EDISON BRANDÃO.
São Paulo, 14 de março de 2017
CAMILO LÉLLIS RELATOR Assinatura Eletrônica
Recurso em Sentido Estrito n.º 0098660-93.2011.8.26.0050 Comarca da Capital
Recorrente/Querelante: Valdemar Costa Neto
Recorrido/Querelado: Daniel Gustavo Santos Pereira Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo Magistrada: Aparecida Angélica Correia
Voto n.º 20585
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO QUEIXA-CRIME CALÚNIA E DIFAMAÇÃO Peça acusatória rejeitada por ausência de justa causa Preliminar de decadência suscitada em contrarrazões Acolhimento Instrumento de mandato desprovido de menção ao fato criminoso Ausência de requisito legal Inteligência do art. 44, do CPP Eiva que deveria ser sanada dentro do prazo decadencial, cujo decurso transcorreu sem oferecimento de queixa-crime formalmente válida. Preliminar arguida em contrarrazões acolhida, com extinção da punibilidade pela decadência, prejudicado o exame do mérito recursal.
Vistos,
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Valdemar Costa Neto contra decisão a fls. 105/110, que, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, rejeitou a queixa-crime por ele ofertada em desfavor de Daniel Gustavo Santos Pereira na qual se imputa a prática dos crimes de calúnia e difamação.
Pretende a defesa do recorrente o recebimento da inicial. Argumenta, para tanto, que há suficientes elementos quanto à materialidade, autoria e elemento subjetivo da conduta. Refere, quanto a este último ponto, ser evidente o a
intenção do recorrido em caluniar e difamar o querelante, denegrindo sua imagem com falsas acusações, cuja fonte sequer foi informada na matéria veiculada (fls. 117/142).
Em contrarrazões, o recorrido suscitou, preliminarmente, a decadência do direito de queixa, pois decorridos 06 meses sem a regular propositura de ação penal privada, ressaltando a irregularidade do instrumento de mandato, não sanada dentro do lapso decadencial. Ainda em sede preliminar, afirma que houve renúncia tácita ao direito de queixa, uma vez que, à luz do princípio da indivisibilidade, não é dado ao autor o direito de optar contra quem se insurgirá judicialmente, de sorte que, optando por deixar de fora do polo passivo o também jornalista Hugo Marques, teria desistido tacitamente da queixa contra o ora querelado. Assevera, também em sede prejudicial, que a peça acusatória é inepta, à míngua de satisfatória descrição dos fatos, com todas as suas circunstâncias, em ofensa ao art. 41, do Código de Processo Penal e ao contraditório e ampla defesa. No mérito, pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 168/202).
Também o Ministério Público apresentou contrariedade ao reclamo do querelante (fls. 204/207).
A decisão foi mantida (271/271v).
Os autos foram remetidos ao Colégio Recursal Criminal que, por conta do quantum de pena cominada em abstrato para os crimes em análise, declinou da competência, determinando o envio do feito a este Tribunal de Justiça (fls.
346/350).
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 362/363).
Inicialmente distribuídos à Eminente Desembargadora Angélica de Almeida, Sua Excelência se declarou suspeita por motivo de foro íntimo (fls. 367), de maneira que os autos foram redistribuídos a este Relator.
É o relatório.
A preliminar de decadência suscitada pelo recorrido deve ser acolhida.
Preconiza o art. 103, do Código Penal que “Salvo
disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia”.
Aqui, os fatos narrados na inicial foram veiculados em conhecida revista de circulação nacional em 06 de julho de 2011, iniciando-se aí o prazo decadencial para a propositura de ação penal privada, já que o recorrente mesmo se refere aos fatos a partir de sua publicação pelo periódico, e do qual também se extrai, de pronto, os autores da matéria em questão.
do prazo decadencial o dia 05 de janeiro de 2012.
Ocorre que, sem desdouro da combatividade do advogado do recorrente, a procuração outorgada pelo querelante e apresentada dentro do semestre legal padecia mesmo de vício.
É que art. 44, do Código de Processo Penal estabelece que “A queixa poderá ser dada por procurador com
poderes especiais, devendo constar do instrumento do
mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de
diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal” (destaquei).
Verte daí, que não basta a indicação do artigo no qual consta a descrição típica, ou mesmo o nomen juris do crime, uma vez que a Lei Penal Adjetiva exige menção do fato, ou seja, é preciso que, ainda que resumidamente, haja menção da conduta em concreto, o que não pode ser suprido pela mera definição jurídica do evento.
E isso para se evitar excessos e eventual denunciação caluniosa no exercício do direito de queixa.
In casu, o instrumento de mandato mencionou os
crimes, o título jornalístico, ao qual atribuiu a qualidade de calunioso e difamatório, porém, nenhuma descrição fática trouxe (fls. 20).
de regularização da procuração (fls. 77).
O causídico apresentou novo instrumento de mandato, o qual, desta vez, sequer se referia ao caso em análise, mas a situação completamente distinta (fls. 82).
Mais uma vez ordenada a regularização da representação, foi finalmente juntado o instrumento a fls. 89/90.
A despeito disso, já estava escoado o prazo decadencial quando da primeira determinação de regularização (em 10 de maio de 2012 fls. 77).
Com efeito, é verdade que o art. Art. 568, do Código de Processo Penal dispõe que “A nulidade por
ilegitimidade do representante da parte poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos processuais”,
porém, a interpretação da expressão “a todo tempo” deve, por óbvio, ser restringida ao lapso decadencial, que, se fulmina o próprio direito, com mais razão impossibilitar qualquer ratificação de ato processual irregular.
Nessa medida, decorrido o lapso decadencial, que é fatal e não se interrompe, de rigor a extinção da punibilidade.
Em caso análogo, assim já decidiu este Relator no bojo do Recurso em Sentido Estrito n.º 0004530-19.2014.8.26.0079, julgado por esta Colenda 4.ª Câmara em 20.11.2015.
A mesma senda tem trilhado este E. Tribunal de Justiça Bandeirante:
“CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA ART. 140, § 3º, C.
ART. 141, III, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. AÇÃO PENAL EXCLUSIVAMENTE PRIVADA. NECESSIDADE DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA. ART. 44 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DEFEITO NÃO SANADO ANTES DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO. O defeito decorrente da inobservância do art. 44 do CPP pode ser sanado a todo tempo (art. 568 do CPP), desde que dentro do prazo decadencial, hipótese não verificada no caso” (Apelação n.º 0009976-81.2008.8.26.0024, Rel. Renê Ricupero, 13.ª Câm. Crim., j. em 02.06.2011).
“Analisando-se os documentos que instruem o feito,
verifica-se que a petição inicial não contou com assinatura do próprio querelante e a procuração outorgada ao representante constituído não cumpriu as exigências do artigo 44 do Código de Processo Penal (fls. 05), que exige, expressamente, menção do fato criminoso no instrumento de mandato. E o fato criminoso não é o 'nomen juris', aliás, nem este foi apontado na procuração, mas a sua descrição, ainda que resumida. Assim, apesar de a ação ter sido ofertada dentro do prazo de decadência, foi instruída com procuração defeituosa, sem as exigências legais, o que impede o seu recebimento. Anote-se que o vício poderia ter sido sanado a qualquer tempo, desde que durante o interstício decadencial, o que não foi feito. A jurisprudência entende ser incabível a regularização da
representação processual uma vez operada a decadência. Nesse sentido: 'PROCESSUAL PENAL.
RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A HONRA. QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO. IRREGULARIDADE DO INSTRUMENTO DE MANDATO. ART. 44 DO CPP. DECADÊNCIA. I A falha na representação processual do querelante pode ser sanada a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial (Precedentes do STJ e do STF). Recurso especial desprovido'. (Resp
879.749/BA, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, j. 26.06.07). No mesmo sentido ensina Mirabete: 'A
queixa deve ser rejeitada se as omissões não podem mais ser supridas dentro do prazo decadencial. A expressão 'a todo tempo' do artigo 568 do CPP significa, no caso, 'enquanto for possível', ou seja, enquanto não ocorrer a decadência' (fls. 104/105).
Nessa conformidade, de rigor a rejeição da queixa-crime” (Ap. n.º 0204901-76.2013.8.26.0000, Rel.
Augusto de Siqueira, 13.ª Câm. Crim., j. em 28.08.2014).
No mais, poder-se-ia argumentar com a superação das irregularidades com a assinatura do querelante na peça inaugural, segundo do Superior tribunal de Justiça: “A assinatura do querelante na peça acusatória, juntamente
com seu patrono, supre a deficiência da procuração”. (STJ,
RHC n.º 7762/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, 5.ª Turma, DJe 14.09.1998), o que, porém, não aconteceu (fls. 19).
Dito isso, não cabem quaisquer considerações sobre as demais prejudiciais e mérito do recurso.
preliminar suscitada em contrarrazões, a fim de julgar extinta a punibilidade de Daniel Gustavo Santos Pereira, com fulcro no art. 107, IV, segunda figura, ante o advento da decadência, prejudicado o mérito do recurso.