• Nenhum resultado encontrado

Coleção Eduardo Espínola. Carolina Uzeda INTERESSE RECURSAL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Coleção Eduardo Espínola. Carolina Uzeda INTERESSE RECURSAL"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

2018

Carolina Uzeda

INTERESSE

RECURSAL

(2)

CAPÍTULO 1.

AÇÃO

1.1. TEORIA DA AÇÃO

Houve um tempo em que o processo era visto apenas como o direito subjetivo material em estado de crise, ou seja, como outro viés do próprio direito material, que emergia sempre que a pretensão não era satisfeita. Como reflexo disso, a ação era também compreendida como o próprio direito subjetivo em estado de reação, em sua fase agressiva1. Surgiria como um efeito do inadimplemento ou da

im-possibilidade de o indivíduo, por seus próprios meios, obter a plena satisfação do seu direito. Era, assim, a ação considerada, para a teoria civilista, um elemento do direito subjetivo2.

A partir da construção da polêmica envolvendo Bernhard Windscheid e Theodor Muther e da publicação, em 1868, do clás-sico Teoria das Exceções Dilatórias e dos Pressupostos Processuais, de Oskar von Büllow, o processo conquistou independência e a ação passou a ser considerada por uma ótica dualista, como direito autô-nomo do direito subjetivo e não um mero desdobramento3.

1. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3ª edição. vol. I. tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. Tradução da 4ª edição italiana do Manuale di Diritto Processuale Civile, Giuffrè, Milão, 1980. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 190.

2. Arruda Alvim anota a concepção, prévia à obra de Büllow, do processo como um contrato ou quase contrato, tratado, portanto, como um aspecto do direito privado. Tal circunstância, obviamente, não era suficiente para abranger toda a sua relevância, em virtude de sua intrínseca relação com o poder estatal e com a própria noção de tutela jurisdicional do Estado. (Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de conhecimento. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pp. 64/65).

3. Sobre a polêmica Windscheid-Muther: SILVA, Ovídio Baptista; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, pp. 96/100.

(3)

Na sequência, Adolf Wach aprimorou as conclusões obtidas por Windscheid e Muther para afirmar que a ação seria um direito autô-nomo público, voltado contra o Estado - e não contra o réu -, pos-to que este deve prestar tutela jurídica. Não o desvinculou, porém, da necessidade de uma sentença de procedência. Apesar de ser um direito autônomo, a ação apenas existiria para aquele indivíduo que tivesse seu direito subjetivo violado e que, logo, teria direito a obter do Estado a tutela pretendida.

Esse vínculo entre a procedência do pedido e o direito de ação permaneceu nas lições de Giuseppe Chiovenda, que, entendendo a ação como um direito potestativo a ser exercido contra o réu, buscou desvinculá-la da tutela jurídica devida pelo Estado, afirmando que esta seria “o poder jurídico de dar vida à condição da vontade da lei”4. A ação seria, consequentemente, para a teoria concreta, a

pos-sibilidade de pedir ao Estado sua intervenção, para solução da crise do direito material, sujeitando o réu tanto à sua existência, quanto ao seu resultado.

Muito embora sustentasse a autonomia entre a ação e o direi-to subjetivo, percebe-se que a teoria concreta dele não se desvincula plenamente, pois que a ação seria apenas daquele indivíduo que tives-se tives-seu direito subjetivo violado5. Tal compreensão não foi suficiente

para explicar as hipóteses nas quais o processo culminava com uma sentença de improcedência.

A questão não passou despercebida à chamada teoria abstrata, que defendia a ação como, aqui sim, completamente autônoma do di-reito subjetivo, razão pela qual estaria presente tanto na sentença de procedência, quanto na de improcedência. A pedra de toque para os precursores da teoria abstrata está, não propriamente na violação do direito subjetivo, mas sim na afirmação de boa-fé de sua ocorrência6.

4. “A ação é um poder que nos assiste em face do adversário em relação a quem se produz o efeito jurídico da atuação da lei. O adversário não é obrigado a coisa nenhuma diante desse poder: simplesmente lhe está sujeito. Com seu próprio exercício exaure-se a ação, sem que o adversário nada possa fazer, quer para impedí-la, quer para satisfaze-la. Sua natureza é privada ou pública, consoante a vontade de lei, cuja atuação determina, seja de natureza privada ou pública.” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Volume I: Os conceitos fundamentais. A doutrina das ações. Tradução da 2ª edição italiana por J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1942, pp. 53/55).

5. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 1º ao 69; v. 1. Coord. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 294.

(4)

25 Cap. 1 • AÇÃO

Bastaria, conseguintemente, que o indivíduo acreditasse ter seu direito violado, para que tivesse ação e pudesse deduzir sua demanda perante o Estado7.

A teoria abstrata foi ainda extremada para a compreensão da ação como absolutamente desvinculada, inclusive, da decisão de mérito. Ela decorreria do dever do Estado de prestar tutela jurisdicional, ainda que a resposta não compreendesse o julgamento do mérito da causa8.

No Brasil, José Joaquim Calmon de Passos foi um de seus maiores defensores, compreendendo “ser o direito de ação simplesmente o di-reito à atividade jurisdicional do Estado”9. Lição que acolhemos e, como

será demonstrado adiante, foi de profunda relevância para a moldura da ação - e de suas condições - realizada pela legislação de 2015.

1.2. TEORIA ECLÉTICA, CONDIÇÕES DA AÇÃO E O CPC/73

Entre as duas correntes aparentemente opostas, Enrico Tullio Liebman optou por aderir ao meio termo, considerando que a ação seria direito desdobrado em o poder de exigir do Estado a tutela ju-risdicional e o poder de ver seu pedido julgado10-11. Neste segundo

aspecto, a ação – processual - é exercida mesmo nas hipóteses de im-7. É importante ressaltar que as obras de Plotz e Degenkolb precederam a teoria concreta do direito

de ação, todavia, apesar de terem sido enfrentadas, tanto por Wach quanto por Chiovenda, não houve, por parte dos concretistas, resposta efetiva aos questionamentos por eles postos, acerca da sentença de improcedência.

8. “Se a ação é, pelo processo histórico de sua formação, um modo de substituir o exercício da autotutela, mediante a tutela pela autoridade; e se essa substituição só se realiza a requerimento da parte interessada, não se deve admitir que esse requerimento, ou mais corretamente, esse poder de requerer, integra o poder jurídico de todos os indivíduos, de recorrer à autoridade e solicitar o que considera justo?” (COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Tercera edición. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1966, p. 74). Tradução livre. No original: “Si la acción es, a través del processo historico de su formación, un modo de sustituír el ejercicio de los derechos por acto proprio, mediante la tutela por acto de la autoridad; y si esa sustitución sólo se realiza a requerimiento de la parte interesada, no cabe admitir que ese requerimiento, o más correctamente, ese poder de requerir, forma parte del poder jurídico de que se halla asistido todo individuo, de acudir ante la autoridad a solicitar lo que considera justo?”

9. Em torno das condições da ação – a possibilidade jurídica. In: Ensaios e Artigos. Org. Fredie Didier Jr. e Paula Sarno Braga. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 21.

10. “Naturalmente, só tem direito à tutela jurisdicional aquele que tem razão, não quem ostenta um direito inexistente. Mas a única maneira de assegurar a quem tem razão a possibilidade de impor o reconhecimento desta em juízo consiste em permitir que todos tragam suas demandas aos tribunais, incumbindo a estes a tarefa de examiná-las e afinal acolhê-las ou rejeitá-las, conforme sejam procedentes ou improcedentes.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3ª edição. Vol. I. tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. Tradução da 4ª edição italiana do Manuale di Diritto Processuale Civile, Giuffrè, Milão, 1980. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 195).

11. Cândido Rangel Dinamarco concorda com essa dualidade da ação, como a soma de duas pretensões distintas. A primeira é a substancial. A outra é logicamente antecedente àquela e “consiste na

(5)

procedência do pedido12. O desdobramento da ação foi acolhido por

Galeno Lacerda que, ao explicar a distinção entre o simples direito de petição (tido como direito de acesso aos tribunais) e o chamado direito subjetivo de ação, esclarece que

[...] ambos podem gerar relações processuais. Mas, enquan-to a relação nascida do direienquan-to de petição se justifica apenas em termos de direito constitucional, a que surge do direito de ação se agasalha nas normas do direito Judiciário”. Exempli-fica utilizando a ação divórcio, vedada pelo ordenamento ao tempo da publicação da monografia, que geraria uma relação jurídica processual, na forma prevista na Constituição, sem, contudo, poder ser considerada “expressão de um direito sub-jetivo de ação13.

Enrico Tullio Liebman condiciona a existência da ação apenas à presença dos requisitos da legitimidade e do interesse de agir, chama-dos condições da ação14. Ou seja, no entendimento da teoria eclética,

há ação mesmo na hipótese de improcedência, desde que preenchi-das suas condições, sem as quais não será possível o julgamento do mérito15.

Em que pese a forte adesão da doutrina à teoria abstrata, as li-ções da teoria eclética foram acolhidas pelo legislador de 1973, que previu a carência de ação, decorrente do não preenchimento de suas condições, como forma de extinção do processo sem resolução de mérito16-17. Pecou, no entanto, ao aproveitar lição defasada do próprio

aspiração a um provimento jurisdicional em relação à primeira”. (Capítulos de sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, pp. 38/39).

12. LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., p. 200.

13. Despacho saneador. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1953, p. 76. 14. LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., p. 203.

15. Para Teresa Arruda Alvim a ausência de condições da ação é vício de existência da sentença, não sendo sujeitas à ação rescisória: “Parecer-nos, então, que as sentenças proferidas em processos instaurados por meio de ação, sem que tenham sido satisfeitas uma ou mais condições de ação – legitimidade e interesse -, não podem ser consideradas nulas, mas juridicamente inexistentes.” (ALVIM, Teresa Arruda. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pp. 289/290).

16. Artigo 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito: [...] VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

17. BUZAID, Alfredo. A influência de Liebman no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, vol. 72, n. 1 (1977). Disponível em http://www.revistas.usp. br/rfdusp/article/view/66795. Acesso em 08.02.2017.

(6)

27 Cap. 1 • AÇÃO

Liebman que, no mesmo ano, havia excluído a possibilidade jurídica do pedido das chamadas condições da ação, passando a compreendê--la, nas raras hipóteses que não culminavam com a improcedência do pedido, como integrante do interesse de agir18.

Sem prejuízo do acolhimento pelo legislador de 1973 da teo-ria eclética, a teoteo-ria abstrata do direito de ação evoluiu. Para os seus adeptos, na esteira das lições de, dentre outros, Eduardo Couture19 e,

no Brasil, principalmente José Joaquim Calmon de Passos, a ação se-ria direito autônomo desvinculado tanto do direito subjetivo, quanto propriamente do julgamento de mérito. Aqui, a ação seria o direito a obter a tutela jurídica do Estado, seja qual fosse o resultado, sendo intimamente atrelada ao princípio da inafastabilidade do controle ju-risdicional e as condições da ação seriam propriamente o mérito.

As três teorias não chegam a se anular, muito pelo contrário, co-existem e se complementam. São perspectivas distintas para um mes-mo fenômeno. Evidentemente que para a obtenção de uma sentença favorável de mérito (teoria concreta), é necessário que a parte tenha legitimidade e interesse (teoria eclética), o que apenas será avaliado com a possibilidade de seu ingresso em juízo (teoria abstrata).

A controvérsia reside apenas na identificação do ponto em que se considera exercido o direito de ação. Em qual momento des-sa escalada pode-se afirmar que o indivíduo tem ação? Para nós a resposta para tal indagação não tem mais tanta relevância, já que será garantido ao sujeito, independentemente do nome pelo qual se chame ou do desdobramento que se faça, o direito a ingressar em juízo e obter, caso preenchidos os requisitos previstos em lei e com-provada a existência do direito subjetivo, julgamento favorável de mérito20. Aqui, inafastável a lição de José Carlos Barbosa Moreira,

quando afirmou que

[...] parece menos relevante indagar se a ação há de ser conce-bida como direito a uma sentença favorável ou como direito

18. A modificação do pensamento de Liebman ocorreu na terceira edição de seu Manual, publicada em 1973.

19. COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Tercera edición. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1966, pp. 57/74.

20. Pelo prisma constitucional, qualquer das teorias adotadas leva ao mesmo resultado. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 65).

(7)

a uma sentença de qualquer teor, que cuidar da possibilidade concreta do respectivo exercício e salientar os desdobramen-tos de conteúdo (direito ao contraditório, à prova, à motiva-ção das decisões judiciais) cujo resguardo se põe como condi-ção necessária – embora não suficiente – de um desfecho, na medida do possível, justo21.

1.3. TEORIA DA ASSERÇÃO

A teoria eclética, adotada pelo legislador brasileiro de 1973, não ficou isenta de críticas. Especialmente quanto às situações nas quais havia reconhecimento tardio da inexistência de determina-da condição determina-da ação. Por diversas vezes, o processo ultrapassava a fase instrutória, se desenvolvendo por anos, com grande dispên-dio de tempo e recursos, para culminar com uma sentença de ex-tinção sem resolução do mérito, por carência de ação. É evidente que tal circunstância produz grande desapontamento, visto que as partes, tanto autor quanto réu, não obtêm resposta definitiva, sendo levadas a um estado de incerteza e de descrédito para com o Judiciário.

Somado a isso, sempre houve grande dificuldade, por parte da doutrina, em distinguir as condições da ação do mérito. Este é o mo-tivo de algumas das mais enfáticas críticas à teoria eclética, sobretudo em se tratando da possibilidade jurídica do pedido e da legitimação

ad causam.

A teoria da asserção ou prospettazione, buscando solucionar tanto o problema teórico, quanto o prático, defende que a presença das condições da ação deve ser aferida exclusivamente a partir das informações prestadas pelo autor na petição inicial, ou seja, in status

assertionis. O juízo, aqui, é sumário e somente de viabilidade, de tal

forma a evitar que se prolongue um processo evidentemente inútil. Ultrapassada esta fase22, com os olhos voltados para as provas

produ-zidas nos autos, isto é, realizando cognição efetiva, a sentença, ainda

21. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências contemporâneas de direito processual civil. Revista de Processo, v. 31. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul-set, 1983, pp. 199/209.

22. Fase cognitiva e não temporal. Para os defensores da teoria da asserção, é possível o reconhecimento da inexistência das condições da ação em qualquer grau de jurisdição ou fase processual, desde que tal análise seja feita a partir das afirmações do autor.

(8)

29 Cap. 1 • AÇÃO

que reconheça ausência de alguma das condições da ação, deverá ser de julgamento do mérito do pedido23-24.

Apesar de ter sido acolhida por boa parte da doutrina, a teoria da asserção não restou alheia às críticas de quem encontra dificulda-de em aceitar que a instrução seja suficiente para justificar que um mesmo fundamento sirva, inicialmente, para extinção do processo sem resolução de mérito e, ao final, para o julgamento de improce-dência25.

A crítica, porém, parece confirmar a correção da premissa. Isto porque as condições da ação devem ser vistas única e exclusivamente pela perspectiva da efetividade e da economia processual, impedindo que um processo inútil se prolongue no tempo, causando inúmeros prejuízos, principalmente ao réu26. Não importa saber se seu

conhe-cimento implicará, ou não, julgamento do mérito, porque a separação apenas é viável no plano das ideias. Quando defrontados com as situ-23. São adeptos, dentre outros, da teoria da asserção: GUIMARÃES, Luiz Machado. Carência de ação. In:

Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1969, pp. 93/107; GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 69/2007, Nov-Dez, 2007, pp. 179/199 e ALVIM, Teresa Arruda. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pp. 59/60. 24. Há controvérsia acerca da adesão de Liebman à teoria da asserção. Enquanto Cândido Rangel

Dinamarco afirma ter ouvido do mestre italiano “uma palavra de repúdio a ela” (Enrico Tullio Liebman e a cultura processual brasileira. In: Enrico Tullio Liebman Oggi: riflessioni sul pensiero di un maestro. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2004, p. 53), Machado Guimarães afirma sua adesão tomando por base conferência realizada em 1949, na qual Liebman teria afirmado que “todo problema, quer de interesse processual, quer de legitimação ad causam, deve ser proposto e resolvido admitindo-se, provisoriamente e em via hipotética, que as afirmações do autor sejam verdadeiras; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse. Quer isto dizer que, se da contestação do réu surge a dúvida sobre a veracidade das afirmações feitas pelo autor e é necessário fazer-se uma instrução, já não há mais um problema de legitimação ou de interesse, já é um problema de mérito.” (Carência de ação. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1969, pp. 102/103). 25. Por todos, vide: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: volume

II. 7. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2017, pp. 368/370 e DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 357.

26. José Roberto dos Santos Bedaque, muito embora não pareça adotar a mesma perspectiva do presente trabalho, ao reconhecer a insuficiência da teoria da asserção para as demandas declaratórias, diante de uma possível necessidade de instrução para o reconhecimento da existência de incerteza jurídica, ressalta que “Embora iniciado desnecessariamente, este processo reúne elementos suficientes para eliminar qualquer litígio futuro sobre determinado direito material. E isso será obtido sem qualquer esforço extra ou atividade complementar. É só flexibilizarmos a técnica processual, para admitir que a falta de interesse na tutela declaratória não impede a sentença de mérito se nos autos houver elementos suficientes que permitam afirmar a existência do direito do autor. Já que o processo nasceu e se desenvolveu, vamos extrair dele a maior utilidade possível. Extingui-lo sem julgamento de mérito, nesse caso, parece-me contrariar a lógica do razoável.” (Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, pp. 322/324).

(9)

ações da vida, com as demandas postas para julgamento, nem sempre é possível realizar essa distinção de forma segura, sobretudo quanto à possibilidade jurídica do pedido e a legitimidade ad causam27.

Merece ser tomada por empréstimo a analogia criada por Kazuo Watanabe para tratar do acoplamento entre os planos do direito ma-terial e processual28. Imagine dois rios cujas águas possuem cores distintas e que, em um dado momento, se encontram e passam a cor-rer paralelamente, até que se misturam por completo. A pintura serve perfeitamente à compreensão das condições da ação. Um dos rios é o da admissibilidade e o outro o mérito. Eles são diferentes e embora as suas águas corram paralelamente durante algum tempo, é possível notar com nitidez que as cores destoam. As condições da ação estão postas justamente na junção entre tais águas, sendo a fronteira entre ambos os rios. Não é possível, com segurança, separá-las do mérito ou da admissibilidade, como se fossem azeite e água. Elas possuem a mes-ma essência e circulam entre as duas naturezas ainda que se apresen-tem, pontualmente, mais próximas de uma ou de outra margem29-30.

A posição mutável das condições da ação, que a doutrina, ape-sar dos esforços envidados, não conseguiu diferenciar de forma clara, admite que em um dado momento a verificação da ausência de uma delas leve à resolução sem mérito e noutro com mérito31. Daí porque

27. Galeno Lacerda sustenta que especificamente a possibilidade jurídica do pedido e a legitimação ad causam levarão à prolação de sentença de mérito. Tal circunstância, contudo, pode ser atribuída ao amplo conceito de mérito por ele adotado, que o identifica como “todo juízo de valor sobre o pedido”. (Despacho saneador. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1953, p. 82). Fredie Didier Jr., no mesmo sentido, adverte que, apesar de a falta de possibilidade jurídica e a legitimação ad causam levarem à improcedência do pedido, “O interesse de agir, em certo sentido, não se confunde com o mérito da causa.” (Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 215).

28. WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 21. 29. As condições da ação podem ser consideradas, então, elementos de coordenação entre os planos

do direito material e processual, “que são distintos, apesar do vínculo de instrumentalidade que os une.” (WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 98).

30. Susana Henriques da Costa, em monografia específica sobre o tema, defende que as condições da ação são questões de mérito e que, portanto, “ao constatar a ausência de uma condição da ação, o juiz deverá, obrigatoriamente, entender pela improcedência da demanda, uma vez que respondeu negativamente a uma questão de mérito condicionante ao acolhimento do pedido do autor.” (Condições da ação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 97). Em sentido contrário, José Manoel de Arruda Alvim, compreende as condições da ação como tecnicamente inconfundíveis com o mérito. (Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de conhecimento. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 164).

31. Pontes de Miranda, no Prólogo dos seus Comentários e tomando as lições de Adolf Schönke, parece dissentir da possibilidade de haver julgamento de improcedência, quando ausente

(10)

31 Cap. 1 • AÇÃO

o critério a ser adotado não está na sua relação com o objeto litigio-so, mas sim na utilidade do provimento jurisdicional. Tal utilidade possui dois aspectos: o benefício do réu e o dispêndio adequado de tempo e recursos na atividade jurisdicional32.

Para o primeiro aspecto - do benefício do réu - pensemos em um concurso de soletrar promovido por uma escola de ensino fun-damental. As regras do concurso admitem a inscrição e participação apenas de alunos do quinto ano. No momento das inscrições, o pro-fessor responsável por coletá-las avalia se o aluno candidato preenche o requisito essencial para participação. Aquele aluno de outra série, que porventura preencha a ficha, terá sua inscrição indeferida. Caso o concurso não atinja o mínimo de dois competidores inscritos, será cancelado. Se apenas um aluno se inscrever, considerando a inexis-tência de outros competidores, o concurso não será realizado e o ins-crito, em hipótese note que um dos alunos do oitavo ano se inscreveu indevidamente no concurso. As etapas prosseguem e é marcado o evento com dois competidores. No momento da competição é veri-ficado o equívoco e percebe-se que apenas um dos alunos preenche os requisitos para participação. Não parece justo que, após submeter o aluno do quinto ano a todas as angústias da competição, a mesma fosse cancelada, sem a consagração de qualquer vitorioso, porque seu concorrente era inapto a participar do mesmo. O único legitimado para o concurso de soletrar deve receber o prêmio.

Eis que o fato de um dos jovens haver se submetido às etapas da competição e esperado por participar do concurso de soletrar foi su-ficiente para que, inexistindo competidor apto, ele fosse considerado o vencedor. A solução seria absolutamente diversa se, no momento da inscrição, o equívoco tivesse sido percebido. A expectativa

cria-condição da ação: “Quando se julga pela falta de pressuposto, não se pode, ao mesmo tempo, julgar-se pela improcedência da ação, porque seria encher-se de julgamento de mérito sentença que, ex hypothesi, é somente formal.” (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I: arts. 1º ao 45. Rio de Janeiro: Forense, 1979).

32. Reconhecendo a dificuldade em identificar o conteúdo da decisão, Teresa Arruda Alvim sustenta que, além do momento da prolação, deverá ser considerado o grau de imediatidade da aferição do conteúdo da decisão: “Casos há em que só o momento somado ao grau de imediatidade da aferição do conteúdo da decisão é que nos pode orientar no sentido de saber se a decisão é de mérito, ou não. Tem-se o caso, já citado, do usucapiente que pleiteia a declaração de usucapião antes do decurso do prazo. Neste caso, tido o autor como carecedor da ação (por falta da necessidade ou da utilidade – atuais e jurídicas), terá sido o mérito examinado, ainda que prima facie, e a decisão, em ultima ratio, sobre ele versa, ainda que proferida liminarmente.” (Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 60).

(11)

da no competidor, a tensão que envolve o concurso, a presença de familiares e amigos na data marcada para o evento, tudo isso corro-bora para que, muito emcorro-bora ele não precise soletrar absolutamente nenhuma palavra, receba o prêmio. A justiça do resultado está em todo o processo que se desenrolou inutilmente após a fase inicial de inscrições.

Tanto no cancelamento do concurso, quanto na consagração do único participante como vencedor, o fundamento será o fato de o segundo candidato não preencher os requisitos mínimos para par-ticipação. O resultado final, porém, dependerá não apenas do mo-mento em que a circunstância foi descoberta, mas principalmente da indevida submissão do aluno do quinto ano às etapas do concurso.

O exemplo auxilia na compreensão do que motiva a alteração do resultado, apesar da identidade de fundamentos. Em fase inicial, o processo não chegou a causar qualquer prejuízo mais grave ao réu, razão pela qual é autorizada sua extinção sem resolução do mérito. Caso citado o réu, os prejuízos decorrentes da litispendência que se prolongam conforme o processo se desenvolve, justificam que ele re-ceba a tutela jurisdicional a que tem direito com a sentença de impro-cedência.

Daí porque mesmo que a sentença de improcedência liminar, na forma do art. 332, seja mais favorável ao réu, não se justifica sua prolação para as hipóteses de reconhecimento inicial das condições da ação, já que, ainda não citado, não sofreu prejuízo em decorrência da demanda.

Nesta perspectiva caminhamos para o segundo aspecto que de-terminará se a análise da ausência das condições da ação leva a uma sentença com ou sem julgamento de mérito: se é justificável impor ao juiz uma cognição efetiva - e não apenas de fachada-, o que, sem sombra de dúvidas, exigirá maior dispêndio de tempo e energia33.

Há situações em que a prolação de sentença de mérito não trará qualquer benefício. Nesses casos, ao arrepio do que defende a teoria

33. Muito embora o art. 489 do CPC afirme que todas as decisões deverão ser fundamentadas, é evidente que para a extinção do processo sem resolução de mérito, o esforço argumentativo do magistrado será sempre menor. Em sentido contrário, defendendo que a extinção do processo sem resolução de mérito deveria impor um esforço argumentativo maior do julgador: SCHMITZ, Leonard Ziesemer. A fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 284.

Referências

Documentos relacionados

4 Este processo foi discutido de maneira mais detalhada no subtópico 4.2.2... o desvio estequiométrico de lítio provoca mudanças na intensidade, assim como, um pequeno deslocamento

Neste sentido, e visto que os educadores e os professores são modelos para as suas crianças, as suas atitudes deverão ser sempre atitudes de respeito, valorização

Projeções até 2020 – Cenário do plano de ação No cenário do plano de ação, a evolução da procura de energia e das emissões de dióxido de carbono, até

Embora esteja cada vez mais bem documentada a magnitude da dispersão no meio ambiente de poluentes tóxicos produzidos pelo homem, poucas pessoas sabem que esses mesmos compostos

A tabela 4 fornece os dados do ensaio com carga para determinação do rendimento através das normas antiga e nova, utilizando os métodos de medição direta e indireta e

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

Trata-se de pequenos objectos de osso, nalguns casos de marfim, de forma cilíndrica, em geral mais bojudos na zona média, afuselando para ambas as extremidades,

Outra gruta natural contendo uma sepultura perfeitamente indi- vidualizada é a da Ponte da Laje (VAULTIER et aI. Este enterramento poderá ser atribuído ao Neolitico