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MÚSICA MISSIONEIRA NO AMBIENTE ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO: CULTURA, HISTÓRIA E MEMÓRIA 1.

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MÚSICA MISSIONEIRA NO AMBIENTE ESTUDANTIL UNIVERSITÁRIO:

CULTURA, HISTÓRIA E MEMÓRIA1.

Edemar Rotta2 Luana Garcia Machado3 Eduarda Griebeler da Silva4 Renan Moreira5

Resumo: No cenário nacional destacam-se várias vertentes musicais decorrentes das diferentes regiões do país, do exterior ou de opções musicais. As músicas regionais são narrativas que expressam e traduzem formas de pensamento, sentimentos e valores coletivos, ou seja, os costumes e as tradições de grupos sociais em determinada época e determinado território. O texto aqui proposto visa refletir academicamente sobre a experiência do Grupo de Música Nativista Missioneiro Universitário, do Campus Cerro Largo, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). O mesmo nasceu da constatação da existência, no cenário regional, de muitos grupos de música e cultura missioneira, mas nenhum de caráter universitário. Por outro lado constata-se, no próprio ambiente universitário, a presença marcante da “música sertaneja universitária”, pouco relacionada à tradição e à história da região missioneira. A UFFS nasceu e se constituiu em profunda sintonia com as aspirações e mobilizações da sociedade regional. Uma sociedade plural, formada pela interação de diversos grupos étnicos com seus projetos societários, mas profundamente marcada pela herança cultural missioneira. Neste ambiente social e com estas características da Universidade nascente, a criação do Grupo de Música Nativista Missioneiro Universitário emerge como espaço privilegiado de reflexão, manifestação e valorização da história, da cultura e da tradição missioneira, no sentido de afirmação das identidades e da cidadania.

Palavras-chave: Música missioneira universitária, cultura, cidadania.

INTRODUÇÃO

O ser humano se distingue das demais espécies porque nem tudo o que ele faz surge de sua estrutura genética, nem se desenvolve automaticamente em sua relação com a natureza, mas necessita de aprendizado de uma série de atividades fundamentais para sua sobrevivência e reprodução. A construção desse aprendizado se faz através da relação com outros seres humanos. A partir dessa relação ele começa a instituir a sociedade como sua forma de existência. Ele passa a entender que sua

1 Grupo de Trabalho 04: Educação e Arte

2 Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-mail: erotta@uffs.edu.br

3 Acadêmica da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-mail: L.g.machado@hotmail.com 4 Acadêmica da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-mail: eduardagriebeler1997@gmail.com 5 Acadêmico da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-mail: re-moreira200@hotmail.com

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2 vida e seu aprendizado são construídos na relação e é essa relação que se transforma em experiência vivida e é transmitida às gerações posteriores como cultura. Essas experiências construídas, refletidas e simbolizadas, coletivamente, dão ao ser humano a capacidade de entender a natureza, entender a si mesmo e construir sua história (COSTA, 1997).

Na construção da história dos povos missioneiros a música representou uma manifestação por excelência da experiência vivida na relação com os semelhantes, com a natureza e com as divindades. As letras, os ritmos, as melodias e os instrumentos musicais transformaram-se em legados culturais que são transmitidos de geração em geração como manifestação de uma identidade que resiste aos processos de miscigenação, aculturação e massificação cultural.

Este artigo retrata a experiência de um grupo de música nativista missioneiro que vem se instituindo no espaço da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus de Cerro Largo (RS). Um grupo que nasceu da constatação das raras experiências de tematização da cultura missioneira nos espaços acadêmicos brasileiros, de forma especial através da música, e do compromisso da UFFS com sua trajetória histórica de concepção e institucionalização.

O artigo está organizado em três partes. Na primeira apresentam-se alguns aspectos do processo de criação e instituição da UFFS evidenciando sua estreita vinculação com a cultura missioneira. Na segunda parte do texto abordam-se aspectos definidores da música missioneira no contexto da música nativista e regionalista gaúcha. Na terceira parte apresenta-se a experiência do Grupo de Música Nativista Missioneiro Universitário e os desafios enfrentados para constituir-se e afirmar-se no ambiente estudantil universitário.

1 A UFFS: RAÍZES E MARCAS MISSIONEIRAS

A Universidade Federal da Fronteira Sul nasceu da ampla mobilização dos movimentos, organizações e instituições da sociedade civil de uma vasta região de fronteira com a Argentina. Uma região que abrange mais de 400 municípios situados ao Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul, Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná, representando uma área de mais de 120.000 km² e uma população aproximada de 4 milhões de habitantes. Historicamente é uma região identificada com a experiência das Reduções Jesuíticas e do processo de disputa do território entre Portugal e Espanha que acabou conformando as fronteiras do território brasileiro neste vasto espaço missioneiro.

A experiência das Reduções Jesuíticas legou a esta região um perfil bastante diferenciado do restante do Brasil Colonial, pois esteve assentada em uma estrutura de produção fundada no uso comum da propriedade e dos meios de produção; em uma forma de divisão do trabalho que respeitava

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3 as habilidades individuais, o sexo e a idade, mas que não levava a um processo de diferenciação social, pois todos eram considerados importantes para a garantia da prosperidade comum; na ausência da apropriação e acumulação individual; na convivência até certo ponto harmônica com a natureza, porém sem deixar de exercer um processo racional de exploração dos recursos que ela proporcionava e numa profunda integração entre as várias dimensões da vida, de certa forma, unidas e significadas pela dimensão religiosa (ROTTA, BUTTENBENDER e HOFLER, 2016). Estas características da sociedade missioneira são reconhecidas como “protoformas de modelos de organização social com base nos princípios da solidariedade, do trabalho coletivo, da partilha comunitária e da cooperação” (ROTTA, BUTTENBENDER e HOFLER, 2016, p. 165).

Os múltiplos interesses em jogo levaram à desagregação da experiência das Reduções Jesuíticas, porém não acabaram de vez com seu legado que ainda permanece vivo na memória dos diferentes povos indígenas remanescentes que ainda habitam a região, nos povos miscigenados que convencionalmente chamamos de “caboclos” e até mesmo nos europeus não ibéricos e seus descendentes que recolonizaram a região a partir de meados do século XIX.

Da experiência dos “caboclos” pode-se agregar aos povos missioneiros a tradição de exaltação da família ampliada, do parentesco, da vizinhança, do profundo apego à terra (entendida como propriedade coletiva da família ampliada) e do respeito e convivência com a natureza, conhecendo seus ritmos e adequando os processos de produção e reprodução da vida às características do meio em que viviam.

Da experiência dos europeus não ibéricos6 e seus descendentes que recolonizaram a região a partir de meados do século XIX tem-se como elementos marcantes a agropecuária diversificada e de cunho familiar, a agroindústria, a pequena e média propriedade e a organização comunitária e religiosa com vistas a suprir a ausência do próprio Estado na viabilização dos serviços de educação, saúde e infraestrutura.

Tem-se presente que estas experiência societárias dos povos indígenas, dos caboclos e dos europeus não ibéricos e seus descendentes se configuraram na interação e/ou no conflito com a experiência das estâncias agropastoris que demarcavam o pampa gaúcho e grande parte do planalto catarinense e paranaense.

6 Usa-se esta expressão para caracterizar um grupo bastantes expressivo e diversificado de povos que foram atraídos para

a região a partir da desagregação da experiência das Reduções Jesuíticas. São europeus (alemães, italianos, russos, poloneses, eslavos, entre outros) não provenientes da Península Ibérica e seus descendentes. Estes últimos provenientes das Colônias Velhas e das Novas Colônias do Planalto Rio-grandense já atingidas pelo esgotamento das fronteiras agrícolas.

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4 Neste sentido pode-se falar que a região de abrangência da UFFS é plural, múltipla e diversificada. Porém também é herdeira de uma tradição de comunitarismo, associativismo e cooperação que fazem com que seu povo vá em busca das soluções para os problemas que vivencia, especialmente através da mobilização e da organização comunitária. A partir dela é que nasceram as principais iniciativas empresariais e as instituições de saúde e de educação presentes na região. A partir desta cultura cívica e deste capital social é que nasce também o movimento pela criação de uma Universidade Federal que pudesse atender aos anseios do ensino superior público e gratuito para uma grande parcela da população que não tinha condições de bancar os custos das mensalidades nas instituições comunitárias.

A mobilização desta região pela criação de Universidades públicas e gratuitas acompanha o processo de lutas sociais pela redemocratização e ganha impulso com a Constituição Federal de 1988 e nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9394/96). Estas mobilizações iniciais não obtiveram êxito no sentido da criação de universidades públicas federais ou estaduais, mas geraram um conjunto expressivo de universidades e instituições de ensino superior comunitárias que passaram a fomentar as atividades de ensino, pesquisa e extensão, mesmo que custeadas com recursos dos próprios cidadãos demandantes dos serviços. Porém, estas instituições comunitárias não conseguiram dar conta de garantir o acesso ao ensino superior à parte expressiva da população regional que não possuía condições socioeconômicas para custear as mensalidades.

A criação de universidades públicas estaduais, ao final de década de 1980 e início da de 1990, nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul não foram suficientes no sentido de atender às reivindicações históricas do Norte e Noroeste do RS, Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná, até mesmo porque não implantaram campi que atendesse diretamente estes territórios.

A década de 1990 foi marcada pela predominância do ideário neoliberal nas discussões a respeito do papel do Estado nas dinâmicas de desenvolvimento das sociedades, gerando certo refluxo nos movimentos em busca de ensino superior público e gratuito. Os movimentos se mantiveram ativos e a espera de um cenário mais favorável para intensificar suas lutas. Cenário este que se estabeleceu ao longo da primeira década do século XXI com a crise do ideário neoliberal e a conquista do governo federal por uma coalizão partidária afinada com ideias de centro esquerda, muito próximas às cultivadas pelos movimentos sociais que sustentavam, nesta região, as lutas em prol da criação de universidades públicas e gratuitas, especialmente federais.

Ao assumir o governo, Luís Inácio Lula da Silva adotou medidas para estabilizar a economia, retomar o crescimento econômico e diminuir as desigualdades regionais e sociais. Superadas as

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5 dificuldades iniciais, decorrentes especialmente das políticas de estabilização da economia, o governo Lula passou a estruturar uma nova proposta de desenvolvimento que definia o Estado como um dos atores fundamentais. De acordo com Marques e Cepêda (2012) esta proposta visava combinar políticas de crescimento econômico com políticas de distribuição de renda, devolvendo o protagonismo do Estado e da Sociedade Civil na relação com o Mercado, no sentido buscar soluções para os gargalos do processo de produção e viabilizar um pacto social redistributivo capaz de dar novas dimensões ao desenvolvimento do país com a inclusão de grupos sociais historicamente excluídos.

Nesta nova proposta de desenvolvimento as políticas sociais públicas passaram a desempenhar papel fundamental na dinamização do processo produtivo (fortalecimento das estruturas do mercado interno, qualificação das pessoas, qualificação dos processos, abertura de novos espaços de geração de trabalho e renda, ampliação do consumo, entre outros), na criação de infraestrutura para o desenvolvimento (saúde, educação, habitação, saneamento básico, assistência, entre outros) e na melhoria das condições de vida da população em geral (ROTTA, 2007; CEPÊDA, 2012).

O governo Lula adotou um conjunto de estratégias que visaram ampliar, de forma significativa, o acesso à educação superior, com atenção especial para àquelas parcelas da população historicamente excluídas do acesso à mesma. Entre as mesmas pode-se destacar o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Programa de Expansão da Educação Superior e Profissional Tecnológica, o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), a redefinição do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), o fortalecimento do Exame Nacional de Ensino Médio como forma de ingresso para a educação superior nas Instituições Públicas Federais, a criação do sistema de cotas e a criação de novas Universidades Federais, especialmente em regiões distantes dos grandes centros e tradicionalmente excluídas no acesso ao ensino superior público e gratuito.

Neste contexto de um novo papel desempenhado pelas políticas sociais na dinâmica de desenvolvimento do país e a consequente nova compreensão da política de expansão, acesso e permanência no Ensino Superior é que foi criada a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Uma Universidade que nasceu da mobilização, por mais de três décadas, de amplos movimentos, organizações e instituições da sociedade civil, nos três estados do Sul do Brasil e que se transformou em realidade a partir da sansão, por parte do Presidente Lula, da Lei nº 12.029, em 15 de setembro de

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6 2009. A nova Universidade nasceu com sede em Chapecó e Campi em Cerro Largo, Erechim, Laranjeiras do Sul e Realeza, tornando realidade o sonho acalentado por uma grande região do Brasil historicamente excluída do acesso ao ensino superior público e gratuito.

A UFFS nasce profundamente comprometida com os movimentos, organizações e instituições da sociedade civil regional que se mobilizaram pela sua criação; inserida em um novo projeto de desenvolvimento para o país; imersa em uma nova compreensão das políticas sociais; ciente do contexto no qual está inserida e do importante papel que passa a desempenhar nas dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão.

2. A MÚSICA MISSIONEIRA NO CONTEXTO DA MÚSICA NATIVISTA E REGIONALISTA GAÚCHA.

O Brasil é um país que possui uma riqueza musical imensa, comprovada na variedade de gêneros, estilos, ritmos, melodias e letras. A música tem função importante na construção de identidades locais e regionais, assim como também na expressão das mesmas. Ela é um registro que, dentre suas tantas particularidades, descreve o espaço geográfico e social de determinados grupos, classes, formações sociais e povos. Nas músicas contam-se histórias que através de letras bem elaboradas traçam perfis fazendo com que a cultura das regiões se forje, se manifeste e mantenha relações com outras culturas.

No cenário nacional, destacam-se várias vertentes musicais decorrentes das diferentes regiões do país. As músicas regionais são narrativas que expressam e traduzem formas de pensamento, sentimentos e valores coletivos, ou seja, os costumes e as tradições de um grupo social em uma determinada época e em um determinado local. Muitas vezes, o “caráter e a identidade dos lugares são apreendidos a partir de letras, melodia, instrumentação e da "percepção" geral ou do impacto sensorial da música” (KONG, 2007, p.137).

O Rio Grande do Sul possui um processo histórico de formação forjado na diversidade de múltiplos grupos étnico-culturais que o constituíram, em diferentes épocas e sob diversos contextos. Os diversos povos indígenas, os negros, os caboclos, os portugueses, os espanhóis, os europeus não ibéricos são marcantes nos primeiros séculos da história gaúcha. A partir do século XX a diversidade se expande com a presença de novos grupos étnico culturais provenientes dos mais diversos locais do mundo que acabaram optando por aqui construir sua história. Este processo forjou identidades que atravessam espaços e gerações, porém, também marginalizou culturas que ora e outra ressurgem para recobrar seus traços e retomar sua memória.

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7 Neste processo de formação histórica do Rio Grande do Sul, a música representa um dos traços marcantes e constituintes das diferentes formações sociais que no mesmo foram se estabelecendo. A música gaúcha tem como peculiaridade ritmos mais dançantes, de fandango, como são chamados os bailes gaúchos. Diferente desta música galponeira, temos as músicas nativistas, que são mais elaboradas, mais intimistas, que retratam o amor pelo chão, com arranjos e sinfonias mais requintados, além de serem mais calmas, trazendo ritmos mais compassados. A música nativista, por sua vez, foi reconhecida através dos festivais, em meados de 1970, tendo como um dos mais conhecidos a Califórnia da Canção Nativa, que influenciou a criação de outros pelo estado.

O termo nativismo, no âmbito musical no Estado, é muito usado para referir-se a exaltação da figura do gaúcho, da beleza da terra, da geografia, do cavalo, das lidas campeiras, dentre outras funções que desempenha o gaúcho. A música nativa dependerá da região e da presença de fatores relevantes para traçar a identidade da localização a ser estudada, se dada região é predominante colonizada por alemães, as principais características serão traçadas pela mesma, o mesmo ocorre com os portugueses, poloneses, italianos, indígenas, africanos e outros povos que se encontram no Estado, dependerá também da geografia das paisagens.

Cada região tem sua própria configuração, ou seja, cada local tem sua música nativa, oriunda do próprio espaço, com características particulares. Na região das missões, parte noroeste do estado do Rio Grande do Sul, temos como exemplo de música nativa a música missioneira. Segundo Brum (2005), a música missioneira compreende dois significados distintos. O primeiro deles é de caráter histórico, pois trata-se de uma música executada nos Sete Povos, ensinada pelos padres jesuítas, reproduzida e (re)inventada pelos índios guaranis. O segundo, é de caráter atual, pois ela refere-se ao regionalismo, na medida em que é feita como possibilidade de nomeação e de classificação do passado missioneiro no presente, no sentido de apologizá-lo para revivê-lo.

Na época das reduções jesuíticas, nos sete povos, os cânticos usados eram gregorianos, definido como canto próprio da liturgia romana, era ensinado para os indígenas pois fazia parte do plano de civilizar e evangelizar. A música missioneira além de sofrer forte influência dos indígenas, e após, dos ensinamentos trazidos pelos padres, também sofreu influência dos países vizinhos como a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Como exemplo temos a fusão da milonga missioneira com o tango argentino, que após anos se tornou a milonga que conhecemos hoje. Não podemos citar um marco na história do surgimento da música regional missioneira, mas poderíamos nomear várias pessoas que moldaram-na no tempo, foram os artistas da época responsáveis por consolidar e modificar a musicalidade, que aos poucos forjou nossa autêntica música missioneira.

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8 A música regional missioneira tem como características a maneira de compor e apresentar obras de modo diferenciado das demais músicas. Está no sentimento impregnado nas linhas de quem vive a música; no orgulho em ser missioneiro; na poesia e na musicalidade regional. Poesias que retratam fatos do cotidiano, atividades reais exercidas pelo gaúcho. No percurso do que é hoje, destacaram-se alguns cantores que mesmo saindo da região continuavam a cantar as missões, muito provável que por isto sejam mais conhecidos, como os nomes de Jayme Caetano Braun, Noel Guarany, Cenair Maicá e Pedro Ortaça, conhecidos também como os “quatro troncos missioneiros”. São alguns dos principais responsáveis pela propagação da música regional missioneira. O motivo de receber o nome de “troncos” relaciona-se a um LP lançado em 1988 com o nome de “Troncos Missioneiros”, conforme Barbosa (2013, p. 143) explica, de modo breve, em seu texto:

Em uma árvore, um tronco é um tipo de caule lenhoso, resistente, cilíndrico ou cônico. Já em anatomia, tronco é a parte central, de onde se projetam a cabeça e os membros. Fazendo analogia com nossos artistas, podemos dizer que Jayme, Noel, Ortaça e Cenair são a base, de onde se projetará a Música Regional Missioneira.

Quatro artistas nascidos na região, preocupados em difundir a figura do gaúcho missioneiro. Considerados artistas a frente de seu tempo. Insatisfeitos com a representatividade musical que havia na época, cantavam protestos e faziam denúncias em suas músicas, especialmente motivados pelo contexto vivido entre as décadas de 1960 a 1980. Na década de 1960, a maioria dos artistas sofreram represália e foram obrigados a tolerar muitas críticas. Porém, a partir da década de 1980 a música nativista missioneira passou a ser mais difundida e reconhecida com força, no estado e país. É de questionar-se o motivo de haver apenas quatro troncos missioneiros, afinal, foram muitos “troncos” dedicando suas vidas à música e às artes missioneiras. Artistas que iniciaram a formação da identidade regional missioneira. Ao restringir a origem e a identidade da música nativista missioneira a estes quatro referenciais, pode-se estar produzindo descontentamento de vários artistas da região que passam a sentir seu trabalho não reconhecido como mereceriam. De forma alguma relativizam-se este troncos referenciais, pois se compreende seu papel e sua importância, mas, talvez, tenha que se dar maior amplitude e estas matrizes originárias.

A música nativa influenciou a música hoje conhecida como missioneira, pelo simples fato de também cantar a terra, referindo aí o significado da palavra nativismo. Por sua vez a música nativista também foi influenciada pelos troncos missioneiros, pois as letras das composições antes feitas relatavam muito o misticismo e eram baseadas em fatos irreais. No momento em que surge Jaime Caetano Braun, com sua poesia diferenciada e sempre muito humilde, o mesmo encantou a

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9 todos com versos que retratavam o cotidiano e o orgulho pelo chão. Eram versos com um linguajar mais rebuscado. Ele trouxe a pajada. Até então se conhecia apenas a trova, que são versos improvisados, onde desafiava-se um concorrente e quem obtivesse um desempenho melhor vencia. Ainda hoje existem concursos de trovas e pajadas pelo estado. A maneira de compor músicas de festivais é diferenciada e recebe muita influência de Jaime e da música regional missioneira, nas quais se canta a vida do gaúcho.

Outro exemplo é Noel Guarany que através de sua vivência fez resgates em relação a ritmos do grande pampa, tais como chamarritas, milongas e chamamés, que resultaram em uma musicalidade jamais conhecida. Considerado um contestador, fez amizade com Jaime, que o influenciou com suas composições. Como seguidores tivemos ainda Cenair Maicá e Pedro Ortaça. Cenair tocava como instrumento musical a gaita que após alguns anos passou a tocar violão. Dos artistas Pedro Ortaça é o único em vida, e continua exaltando a música regional missioneira pelos quatro cantos do estado.

A música gaúcha apresentada hoje, em festivais, rádios, televisão e qualquer meio de comunicação reflete o resultado da influência dos trabalhos realizados na época aqui na região das missões, o legado dos missioneiros traçou um norte, uma direção, para os compositores nativistas acrescerem a identidade da cultura gaúcha. Barbosa (2013), referindo uma manifestação de Pedro Ortaça, destaca que “a diferença da música missioneira para a produzida em outras regiões do Estado está na maneira de cantar-denunciando, protestando, registrando e levando para o futuro o passado de um povo esquecido, explorado, mas cheio de encanto e essências, o povo Guarani” (p. 144).

3 O GRUPO DE MÚSICA NATIVISTA MISSIONEIRO UNIVERSITÁRIO

Durante o ano de 2013 desenvolveu-se, no Campus Cerro Largo, um projeto de extensão denominado “dialogando com a cultura local regional” que visava estabelecer um espaço de interlocução da Universidade com organizações, movimentos e instituições de fomento à cultura e à participação comunitária em atividades culturais. Nas parcerias e nos eventos realizados nasceu a ideia de criar um grupo de artes ou de música que pudesse representar a Universidade em eventos promovidos em nível local e regional.

No início do ano de 2014, tendo ciência do edital interno de incentivo à cultura, a direção do Campus, em diálogo com o produtor cultural e um grupo de servidores técnico administrativos, tomou a iniciativa de convidar o artista local Emerson Gotardo, que nesta ocasião era o diretor local da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN) para uma reunião a fim de estabelecer uma parceria efetiva com a mesma na área da cultura. Também convidou-se para a reunião representação

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10 da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Cerro Largo. No ambiente de diálogo da referida reunião fechou-se a ideia e a parceria para a criação do Grupo de Música Nativista Missioneiro Universitário.

O projeto foi submetido ao Edital nº 031/UFFS/2014, obtendo sua aprovação para o início da vigência em abril daquele ano. Entre os objetivos do projeto destacavam-se a promoção e a valorização da história e da tradição missioneira e a divulgação da música riograndense e do sentimento nativista no espaço acadêmico e local-regional; o incentivo à partilha de experiências entre artistas consagrados no cenário nativista missioneiro e artistas amadores, especialmente estudantes universitários; o incentivo à emergência de novos compositores e intérpretes de letras e músicas ligadas à temática regional e missioneira; a criação de espaços de integração entre artistas e pessoas ligadas à arte e à cultura missioneira; a divulgação do nome e dos ideais da Universidade através das apresentações do Grupo de Música Nativista Missioneiro nos eventos locais e regionais; a promoção de oficinas de acordeon, violão e vocal para os acadêmicos e público externo; a promoção de eventos de arte e cultura missioneira; entre outros.

A constituição do Grupo se deu a partir da seleção de três acadêmicos bolsistas que possuíssem as habilidades necessárias para ministrar as oficinas nas três áreas escolhidas (vocal, violão e acordeon) e do chamamento de outros acadêmicos interessados em integrar o grupo como voluntários. A partir deste grupo inicial realizou-se o planejamento das atividades, contando com a colaboração expressiva do produtor cultural do Campus Cerro Largo e de alguns servidores técnico administrativos. As dificuldades foram sendo superadas a partir de muito empenho de todos os integrantes do grupo.

Chegado ao final do primeiro ano se fez uma avaliação muito positiva do trabalho realizado. As oficinas contaram com boa participação de público interno e externo; o grupo começava a dar os primeiros passos no sentido de alcançar visibilidade interna e externa; realizaram-se diversas apresentações em eventos internos e externos; houve compreensão da comunidade acadêmica e regional no sentido de perceber os objetivos do grupo e a sua relevância no espaço da Universidade.

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Figura 01: Registros de oficinas e apresentações do grupo

Fonte: Tadeu Salgado – Produtor Cultural do Campus Cerro Largo

A opção foi por dar continuidade ao grupo no ano de 2015 reapresentando o projeto no Edital nº 318/UFFS/2015 – Bolsa Cultura. Novamente o projeto foi aprovado e contemplado com três cotas de bolsas, o que garantia a continuidade das oficinas e a estabilidade em termos de seu funcionamento. Pode-se dizer que foi o ano da afirmação do grupo. As rotinas de oficinas, ensaios e apresentações foram definindo um estilo próprio e uma compreensão mais apurada das características específicas da música nativista missioneira. Isso pode ser atestado com a manifestação de Pedro Ortaça, um dos ícones da música nativista missioneira, por ocasião do Show que realizou durante a 11ª Expocel, em Cerro Largo. Neste Show, o Grupo de Música Nativista Missioneiro Universitário foi convidado para

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12 fazer a abertura, cantando um dos maiores sucessos de Pedro Ortaça, a música “Timbre de Galo”. Logo após a apresentação, Pedro Ortaça manifestou, de público, que jamais havia presenciado uma apresentação desta canção, por uma voz feminina, com tal qualidade.

Figura 02: Apresentações do Grupo na 11ª EXPOCEL, 2015

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13 A apresentação realizada pelo Grupo durante as atividades do Natal Luz, na praça central da cidade de Cerro Largo, também pode ser referida como um marco na afirmação e aceitação do mesmo pela comunidade. O grupo executou várias canções com desenvoltura e tranquilidade, mostrando maturidade, domínio da técnica musical e presença de palco. Chegava-se ao final do segundo ano de existência com uma marca conhecida na comunidade e com a certeza de que os objetivos traçados haviam sido alcançados.

Figura 03: Apresentações do Grupo no Natal Luz, Cerro Largo, 2015.

Fonte: Elisa Welter – Prefeitura Municipal Cerro Largo; Ana Elisa Bobrzyk – Jornalista do Campus Cerro Largo;

O ano de 2016 veio acompanhado de restrições em termos de bolsas para o Edital de Cultura. O projeto foi novamente aprovado no Edital nº 210/UFFS/2016 – Bolsa Cultura, porém apenas uma bolsa para acadêmico foi liberada. Essa restrição vai afetar algumas atividades do grupo, porém não vai fazer com que a ideia perca sua continuidade, importância e significado no contexto da Universidade e do próprio cenário local regional. A inserção da temática da música missioneira nativista no espaço acadêmico veio para ficar.

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CONCLUSÃO

A criação do Grupo de Música Nativista Missioneiro Universitário, no Campus Cerro Largo da Universidade Federal da Fronteira Sul, foi uma iniciativa que envolveu integrantes da comunidade interna e da sociedade regional. Ele nasceu a partir do sentimento de que a UFFS, além de suas atividades fundantes na área do ensino, da pesquisa e da extensão, possui um compromisso com a cultura local-regional, em especial a missioneira. A Universidade nasceu a partir da mobilização de múltiplos atores regionais que sempre fizeram questão de ressaltar que este “chão missioneiro” representa um dos marcos fundantes da história do Rio Grande do Sul e do próprio Brasil.

Se tem presente que ainda é preciso avançar bastante na consolidação do Grupo para que ele possa efetivar-se como um espaço de manifestação, organização, reflexão e cultivo da cultura missioneira no ambiente universitário. Um ambiente marcado pelo pluralismo, no qual as diversas expressões da cultura precisam instituir-se, no sentido de se organizar e se manifestar publicamente, a fim de encontrar seu espaço e poder dialogar com as demais na perspectiva da liberdade e da construção da cidadania dos sujeitos.

Os primeiros passos foram dados. Espera-se que os demais possam estar ancorados nestes que já foram trilhados e que o Grupo possa fazer sua história, na Universidade e na região, sempre inspirado nos ideais missioneiros de uma sociedade fundada na solidariedade, na cooperação e na justiça social.

REFERÊNCIAS

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Referências

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