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CIÊNCIA E TERRITÓRIO: Engenheiros militares e saber geográfico na Comissão Rondon ( )

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CIÊNCIA E TERRITÓRIO: Engenheiros militares e saber geográfico

na Comissão Rondon (1907-1915)

Patrícia M. Aranha*

Resumo

Este estudo tem como objeto o trabalho de inventário do território norte do país no período compreendido entre os anos de 1907 e 1915, ocasião em que as realizações da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA) merecem destaque. Mais conhecida como Comissão Rondon, a CLTEMTA foi organizada pelos Ministérios da Guerra, Viação e Obras Públicas e Agricultura com vistas à incorporação e integração nacionais.

A comunicação tem por objetivo principal apresentar as formas pelas quais se desenvolviam os trabalhos de levantamento topográfico do território através da atuação dos engenheiros militares enviados ao Mato Grosso e ao Amazonas pelo Ministério da Guerra.

Palavras-Chave:

Comissão Rondon – Engenheiros Militares – Geografia – Levantamento territorial

* Aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde – COC/FIOCRUZ com financiamento FIOCRUZ.

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Abstract

The object of this study is the work of inventory of the territory north of the country during the period between the years 1907 and 1915, when the realizations of Commission's Strategic Construction of Telegraph Lines of Mato Grosso to Amazonas deserve emphasis. Best known as Rondon’s Commission, was organized by the Ministers of War, Traffic and Public Works and Agriculture with intention to national integration and territorial incorporation.

This communication wants to present the main ways in which developed the work of territorial surveying, the work of military engineers sent by the Ministry of War.

Keywords:

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CIÊNCIA E TERRITÓRIO: Engenheiros militares e saber geográfico na

Comissão Rondon (1907-1915)

Este texto constitui uma análise de questões referentes à minha pesquisa de pós-graduação com vistas ao título de mestre no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde – PPGHCS – da Casa de Oswaldo Cruz, FIOCRUZ. Gostaria de destacar que o mesmo é organizado como um apanhado das idéias principais, a partir do contato inicial com as fontes, as quais pretendo amadurecer no decorrer de minha pesquisa.

Meu objeto se constitui no estudo dos trabalhos de exploração territorial e de rios além de inventário da região norte do país realizados pela Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, a CLTEMTA. Entre as questões importantes para este estudo estão: as formas pelas quais se desenvolviam os trabalhos de levantamento topográfico do território através da atuação dos engenheiros militares enviados pelo Ministério da Guerra e quais eram as demandas deste e como o atendimento a estas acontecia na CLTEMTA

Desta forma, meu objeto, temporalmente, se localiza nas primeiras décadas do século XX. Nesta época, as questões de maior importância para o Estado brasileiro relacionavam-se ao seu território, suas riquezas, sua população, à integração e conhecimento acerca destas riquezas existentes em espaços tidos como afastados da então Capital Federal – o Rio de Janeiro. Para além da integração e conhecimento do território, me interessam também a relevância de sua demarcação e defesa contra possíveis investidas estrangeiras1.

Com o debate acerca da temática da integração nacional ganhando força nos primeiros anos da República, a incorporação destes territórios era como um grande lema do governo federal. Desta forma, Mato Grosso, Goiás e Amazonas se constituíam nos principais alvos do novo regime como estados a serem integrados. À época não existiam

1 MACIEL, Laura Antunes. A Nação por um Fio: Caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon.

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nem mesmo caminhos terrestres que interligassem estas regiões à capital; para chegar a estes locais era preciso fazer um longo percurso fluvial atravessando outros países, como a Argentina, Uruguai e Paraguai, para então chegar ao Mato Grosso2.

Para incorporação e defesa dessas regiões, parecia premente o conhecimento desta parte do território do país. A partir desta discussão um projeto político de incorporação territorial começou a ser pensado pelo Estado brasileiro; nesta ocasião o Brasil era visto pelos homens de política como um território a ser conhecido, mapeado e ocupado. Era de interesse estratégico conhecer e mapear o território fronteiriço, bem como efetivar a colonização destes espaços3. Desta forma, foram organizadas, pelo próprio Estado brasileiro, várias comissões responsáveis por obras de construção de infra-estrutura de transporte e comunicações às quais se associaram cientistas.

Entre estas iniciativas estão: as viagens do Instituto Oswaldo Cruz (realizadas nas duas primeiras décadas do século XX), a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Goiás a Mato Grosso - Comissão de Goiás (1891/1898), a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas do Mato Grosso – Comissão do Mato Grosso (1900/1906) e, a campanha de Rondon na Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas – a CLTEMTA (1907-1915), por exemplo.

No que refere especificamente às comissões construtoras de linhas telegráficas, a preocupação do Estado brasileiro não se resumia a estabelecer as comunicações com os territórios ao Norte do país, mas “encerrar os principais pontos do país, de forma a permitir a integração e vigilância” 4. Assim, em 1891, foi criada a Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Mato Grosso a Goiás. Esta Comissão foi liderada pelo major Antônio Ernesto Gomes Carneiro estendendo seus trabalhos até o ano de 1898. Entre os anos de 1900 a 1906 operou a Comissão do Mato Grosso, cujo objetivo era a construção de uma linha telegráfica entre Cuiabá e Corumbá5.

2 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no Brasil: as atividades científicas da Comissão Rondon (1907-1915). História, Ciências,

Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro: v.15, 2008; DIACON, Todd A. Rondon: O marechal da floresta.

São Paulo: Companhia das Letras, 2006 & MACIEL, Laura Antunes. A Nação...Op. Cit, 1998.

3 MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2002. 4 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008.

5 Idem; DIACON, Todd A. O Marechal...Op. Cit, 2006; MACIEL, Laura Antunes. A Nação...Op. Cit,

1998 & BIGIO, Elias dos Santos. Cândido Rondon: a integração nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, PETROBRAS, 2000.

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As Comissões de Goiás e do Mato Grosso tinham como principal objetivo o estabelecimento de comunicações com áreas isoladas da fronteira com a Bolívia e o Paraguai. Visavam ligar as linhas já existentes em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro àqueles dois estados6. Estas Comissões estavam subordinadas, concomitantemente, ao Ministério da Guerra e ao Ministério da Viação. O Ministério da Guerra fornecia a estas Comissões oficiais do setor de engenharia e construção do exército, e também recrutava dezenas de praças que seriam designados ao trabalho pesado de construção de postes telegráficos e derrubada das matas7. Através deste empreendimento o Ministério da Guerra tinha por objetivo o conhecimento estratégico do território nacional e de áreas de fronteira além do estudo da viabilidade da ocupação destes espaços8.

Estas Comissões telegráficas eram de caráter provisório, visto que eram montadas com objetivos específicos9. Contudo, a Comissão de Mato Grosso teve grande relevo à época, com destaque para a atuação de Cândido Mariano da Silva Rondon na condução dos trabalhos. A Comissão do Mato Grosso originou uma outra Comissão, a Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA), a comumente conhecida Comissão Rondon, que realizou seus trabalhos de 1907 a 1915.

A CLTEMTA, de acordo com o próprio decreto governamental que a criou, tinha objetivos muito mais audaciosos que as anteriores10: destacou-se como parte de um grande plano republicano de demarcação, proteção, ocupação e povoamento das áreas que eram então entendidas como a última fronteira do Brasil11. Também estavam ligados à resolução dos impasses acerca da vulnerabilidade da fronteira norte do país através da colonização, do povoamento estratégico para a efetivação destas regiões fronteiriças como nacionais.

O Estado projetava que a instalação do telégrafo e de suas estações favoreceria a formação de povoados nestas regiões; o que era tido como essencial para a proteção

6 Idem. 7 Idem.

8 MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História... Op. Cit. 2002.

9 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008.

10 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008.

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destes territórios. O povoamento da região efetivamente se constituía num dos objetivos do Estado no que diz respeito aos resultados objetivos da CLTMTA12.

Além do estabelecimento da comunicação via telégrafo, a Comissão também tinha como objetivo transmitir uma idéia de unidade nacional a essas regiões mais afastadas do território nacional; um autor que nos aponta esta idéia é Todd Diacon, em seu livro “Rondon: o Marechal da Floresta” 13. Diacon afirma também que, no ano do estabelecimento da Comissão Rondon, 1907, a autoridade do governo brasileiro não alcançava todo o país. A falta de comunicação entre o litoral e as regiões ao norte do país era um grande problema para a nascente República brasileira14.

Desta forma, a CLTEMTA, almejava alcançar a região amazônica através da construção de linhas telegráficas15 que ligariam o “sertão do noroeste” à então Capital Federal, o Rio de Janeiro, além de proteger e demarcar as fronteiras do país com o Peru e a Bolívia, bem como realizar o inventário científico dos territórios percorridos16. Deste ponto, tratarei à frente.

Em março de 1907, iniciaram-se então as diferentes viagens da CLTEMTA com objetivo de realizar trabalhos de exploração, levantamento e reconhecimento das regiões em que seriam construídas as linhas telegráficas bem como para conhecer, proteger e explorar os recursos naturais e humanos de regiões do território do Brasil tidas como desconhecidas.

Se, como já afirmei, o Brasil era pensado pelos homens de Estado da ocasião como um espaço a ser conhecido e ocupado, o estudo do território era projeto político de absoluta importância neste momento histórico17. Desta forma, podemos perceber com maior clareza o valor crucial e estratégico da CLTEMTA nos primeiros anos da República. O simples fato da existência do telégrafo, por mais longínqua que fosse a região, já representava a presença do Estado, da República18.

12 Idem.

13 DIACON, Todd A. O Marechal...Op. Cit, 2006. 14 Idem.

15 Ver mapa no anexo I.

16 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008 & LIMA, Nísia Trindade; SÁ, Dominichi Miranda de. Science and Territory in Brazil: the Strategic Telegraph Commission of Mato Grosso to Amazonas (1907-1930). Minerva:

Review of Science, Learning and Policy (London), 2008.

17 MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História... Op. Cit. 2002. 18 MACIEL, Laura Antunes. A Nação...Op. Cit, 1998.

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Esta discussão é indissociável de outro aspecto das atividades da Comissão Rondon: os levantamentos científicos dos recursos naturais das regiões percorridas19. Meu trabalho trata justamente da importância destes levantamentos - e das publicações dos mesmos através de Relatórios, mapas, esquemas e fotografias – para a ciência nacional, além de pretender demonstrar sua relação com os objetivos republicanos modernizadores e integradores do território. É sobre esse tema que me detenho agora para melhor apresentar a pesquisa que venho desenvolvendo no mestrado.

A CLTEMTA estava subordinada, concomitantemente, a três Ministérios: ao Ministério da Guerra, da Agricultura e da Viação e Obras Públicas. E é exatamente devido a esta tripla filiação e de seu caráter misto, civil e militar, que seus objetivos foram tão diversos20. O Ministério da Agricultura almejava o conhecimento de novas áreas disponíveis para a lavoura ou que pudessem ser destinadas a pastagens de gado. Já o Ministério da Viação e Obras Públicas tinha interesse na comunicação via telégrafo e na construção de estradas de rodagem que acompanhariam as linhas21.

O Ministério da Guerra, conforme anteriormente mencionado, fornecia os oficiais engenheiros formados nas escolas do exército, além de praças que se dedicariam ao trabalho mais pesado de construção de linhas telegráficas, como a abertura de piques na mata e a confecção dos postes. Este Ministério almejava o conhecimento da natureza, bem como deste território, até então tido como afastado e desconhecido. Conhecimento este que se dava através da confecção de mapas e da ratificação e correção dos mesmos (quando da existência destes), assim, alimentando de informações o Escritório Central da Comissão22 . Mais uma vez destaco que este trabalho tinha por objetivo viabilizar a ocupação efetiva destes espaços.

Assim, a Rondon e seus subordinados era delegada a tarefa de enviar a estes Ministérios relatórios detalhados acerca da exploração das áreas e do andamento da

19SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia de. Telégrafos e Inventário do Território

no Brasil... Op. Cit. 2008.

20 Idem. 21 Idem.

22 Diacon assevera que o Escritório Central da Comissão, situado no Rio de Janeiro, foi criado no ano de

1910 com o intuito de sistematizar as informações acerca dos trabalhos da CLTEMTA e produzir Relatórios e mapas a partir destas. Ao Escritório cabia repassar estes produtos – mapas e Relatórios - aos órgãos governamentais interessados, entre eles o Ministério da Guerra, por exemplo. In.: DIACON, Todd A. O Marechal...Op. Cit, 2006.

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execução das linhas e abertura de estradas. Estes relatórios tinham por objetivo o esclarecimento acerca do território explorado, como uma espécie de inventário23.

A Comissão se destacou também por seu papel como colaboradora para a ciência nacional, pois uniu de maneira indissociável as atividades de construção do telégrafo a atividades científicas. A ela se incorporaram cientistas de instituições renomadas, entre elas o Museu Nacional e o Jardim Botânico24. Os naturalistas tinham por objetivo estudar os solos para o estabelecimento de centros agrícolas, novas espécies de plantas que se adaptariam à agricultura e ao mercado nacionais, assim como a fauna e a flora das regiões por onde a Comissão passava, coletando e identificando grande quantidade de espécimes até então desconhecidos para a ciência25.

O material coletado durante os anos de funcionamento da CLTEMTA pelos pesquisadores e coletores, bem como por tenentes da Comissão e pelo próprio Rondon, foi reunido, sobretudo, no Museu Nacional tendo sido estudado por profissionais da instituição e do exterior26.

No que diz respeito à Comissão e o papel desempenhado por suas contribuições ao âmbito da ciência nacional destaco que trabalhos como os de Silvia Figueirôa e Margareth Lopes em As Ciências Geológicas no Brasil: uma história social e

institucional e O Início do Movimento dos Museus no Brasil27, respectivamente, e a

partir dos trabalhos pioneiros de Maria Amélia Dantes sobre a história das instituições científicas no Brasil28, abriram caminho para que pensemos em Museus e Comissões, entre outros espaços, como lugares de desenvolvimento e fomento das ciências no Brasil. Mesmo instituições de curta duração, como a CLTEMTA, a partir destes trabalhos, têm sido estudadas como ambientes de pesquisa e divulgação científica, com papel crucial na própria institucionalização das ciências no Brasil.

23 MACIEL, Laura Antunes. A Nação... Op. Cit, 1998.

24SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008.

25SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008.

26 Idem.

27 FIGUEIRÔA, Silvia F. de M. As Ciências Geológicas no Brasil: uma história social e institucional,

1875-1934. São Paulo: Hucitec, 1997. & LOPES, Maria Margareth. “O Início do Movimento dos Museus

no Brasil”. In.: O Brasil Descobre a Pesquisa Científica. Os Museus e as Ciências Naturais no Século

XIX. São Paulo: Hucitec, 1997, pp. 151-221.

28 DANTES, Maria Amélia. (org.). Espaços da ciência no Brasil. 1800-1930. Rio de Janeiro: Editora

Fiocruz, 2001. & Institutos de Pesquisa Científica no Brasil. In: Ferri, Mário Guimarães; Motoyama, Shozo. História das Ciências no Brasil. São Paulo: EPU/EDUSP, 1979/80, vol. 2, pp. 343-380.

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Também se faz necessário ressaltar que, para Dantes, Figueirôa e Lopes, o Estado assumiria papel de destaque no incentivo às ciências, principalmente à ciência aplicada, que era pensada como um importante instrumento para a modernização do país.

Há um estudo recente tratando deste aspecto da Comissão: seu papel como colaboradora para a ciência nacional, classificando-a como uma instituição científica. Suas autoras são: Dominichi Sá, Magali Sá e Nísia Lima29. Em seu artigo, Telégrafos e Inventário do Território no Brasil: as atividades científicas da Comissão Rondon

(1907-1915) 30 ganha destaque como objeto os levantamentos científicos dos recursos

naturais. As autoras nos apresentam a importância destes levantamentos - e das publicações dos mesmos através de relatórios – para a ciência nacional. Demonstram também o quanto estes objetivos científicos da Comissão estavam ligados a aspectos de estabelecimento de infra-estrutura através do telégrafo, nos apresentando uma iniciativa calcada em diferentes bases e que atendia a objetivos modernizadores e integradores destas áreas do país.

Assim, me filio a esta vertente historiográfica e também classifico a Comissão como uma instituição científica, contudo, os trabalhos científicos que constituem o objeto deste estudo são os de levantamento topográfico, demarcação de fronteiras, correção de mapas, levantamento de rios e seus afluentes. Este trabalho era majoritariamente executado por profissionais engenheiros do exército31.

Penso que há aí uma lacuna acerca do estudo da ciência no âmbito da Comissão, visto que o grupo de engenheiros subordinados à CLTEMTA e seu trabalho científico nunca foi objeto de pesquisa. A partir desta análise, selecionei como objeto de mestrado a análise deste projeto modernizador republicano – a CLTEMTA -, que uniu de maneira indissociável a incorporação do território, por meio dos telégrafos, às atividades de exploração científica32.

Minha intenção é considerar, através da leitura de documentos como Relatórios do Ministério da Guerra, relatórios da Comissão, cadernetas com anotações de campo

29 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

Território no... Op. Cit, 2008.

30 Idem.

31 LIMA, Nísia Trindade; SÁ, Dominichi Miranda de. Science and Territory in Brazil…, 2008. Op. Cit. 32 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do

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realizadas por engenheiros geógrafos do exército e mapas, de que forma este trabalho era estabelecido e executado pelos engenheiros militares enviados pelo Ministério da Guerra, bem como a maneira pela qual os resultados deste trabalho eram transmitidos ao Ministério. Além disso, interessa-me compreender: como era a formação destes engenheiros-geógrafos militares? Qual era a atuação deste grupo no interior da CLTEMTA? Como eram executados seus trabalhos?

Assim, meus questionamentos se localizam exatamente no ‘entroncamento’ dos diferentes objetivos da CLTEMTA. Melhor dizendo: se a Comissão era um empreendimento que aliava de maneira indissociável o trabalho de estabelecimento da comunicação via telégrafo aos trabalhos científicos, o grupo símbolo desta indissociabilidade eram os engenheiros geógrafos.

Estes profissionais eram polivalentes, estavam no limiar entre a ciência e o estabelecimento da comunicação; da mesma forma que podiam analisar onde seria colocado um poste telegráfico também estavam capacitados e incumbidos de realizar um extenso trabalho de levantamento geográfico. Desta forma, destaco nesta pesquisa o trabalho destes homens no que diz respeito ao levantamento de rios e áreas a eles próximas com objetivo de estabelecer representações cartográficas destes espaços além de ratificar ou corrigir mapas. Os engenheiros militares da CLTEMTA eram os protagonistas da aliança entre obras públicas e conhecimento científico na ocasião. O grupo se constituía no “principal depositário do saber geográfico” do exército33.

O saber geográfico desses engenheiros militares, e que pretendo exatamente compreender, os habilitava não somente à defesa externa (papel tradicional do exército), mas também a trabalhos com vistas à melhoria da infra-estrutura do país, como, por exemplo, a própria CLTEMTA34.

Para concluir, reafirmo que o trabalho destes homens estava concomitantemente alinhado em dois eixos: as construções com vistas à funcionalidade, circulação,

33 Para saber geográfico sigo a definição de Sérgio Nunes In: NUNES, Sérgio. Engenheiros Militares e

Saber Geográfico: Anotações para uma pesquisa. Trabalho apresentado no I Encontro Nacional de

História do Pensamento Geográfico. UNESP – Campus Rio Claro, 1999. Neste texto o autor problematiza a institucionalização do saber geográfico no Brasil. Seu argumento para a criação do termo é baseado em seu questionamento da importância, dada pela historiografia, à institucionalização acadêmica desta área do conhecimento. Segundo ele, existiram outros âmbitos específicos nos quais o saber geográfico era desenvolvido, dentre eles, o mundo da formação e atuação militares, e, desta forma, se propõe a identificar e analisar os lugares onde este conhecimento era produzido.

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ocupação, valorização e exploração do território35, bem como no desenvolvimento de atividades científicas que tinham por objetivo o conhecimento do território nacional.

Com relação às fontes por mim estudadas, são elas: Relatórios Anuais do Ministério da Guerra dos anos de 1907 a 1915, cadernetas de campo da Comissão datadas de 1907 a 1915, Relatórios dos engenheiros militares com os resultados dos trabalhos da CLTEMTA de 1907 a 1915 e mapas feitos pelos engenheiros da Comissão entre os anos de 1907 a 1915. Os Relatórios Anuais do Ministério da Guerra encontram-se disponíveis de forma digital no encontram-seguinte site: http://www.crl.edu/content/pindex.htm, os Relatórios da CLTEMTA por mim analisados se encontram na biblioteca do Museu do Índio do Rio de Janeiro e as cadernetas de campo encontram-se no Museu do Exército e Forte de Copacabana.

Através dos Relatórios Anuais do Ministério da Guerra analiso como eram as designações deste à Comissão, qual trabalho era delegado aos engenheiros e como deveria ser executado. Por meio das cadernetas, intento perceber como era realizado o trabalho no campo, qual era a rotina científica dos engenheiros em serviço. Através da leitura dos Relatórios e mapas da CLTEMTA entender como o trabalho descrito nas cadernetas originou publicações detalhadas do trabalho da Comissão.

Para efetuar tal consideração minha metodologia consiste em analisar quais cadernetas deram origem a relatórios publicados ou mapas realizados para, posteriormente, verificar como era o processo desde a coleta de informações até a publicação. Além disso, interessa-me perceber como as designações do Ministério da Guerra eram atendidas no interior da Comissão e como os seus produtos eram remetidos e utilizados por essa pasta.

Assim, iniciei minha pesquisa pelos Relatórios da CLTEMTA, fazendo um levantamento prévio acerca das contribuições dos engenheiros militares à geografia. Assim, percebi que grande parte das indagações deste grupo se encontrava no conhecimento do território, principalmente o conhecimento dos rios que cortavam estas áreas e seu uso para a navegação, para escoar produção agrícola e servir ao transporte de pessoas.

35 O autor Sérgio Nunes, em seu já mencionado artigo, afirma que os ‘engenheiros-geógrafos’ militares

travavam um tipo de guerra, contudo esta não era contra os soldados inimigos, mas contra o abandono dos sertões, ao atraso que grassava nestas áreas, a batalha destes profissionais era contra a rudeza do meio geográfico, sua vitória estava na conquista da fronteira. Págs.: 8 e 9.

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Desta forma, destaco que a análise das cadernetas juntamente com os Relatórios tem possibilitado o estabelecimento de relações entre as expedições e a estratégia de reconhecimento e defesa territorial. Ressalto também que têm sido utilizadas para o estudo do trabalho em campo dos engenheiros militares, no interior da CLTEMTA, bem como de suas diferentes etapas. Além disso, penso que estes documentos me permitirão identificar quais eram os engenheiros que trabalhavam na Comissão além de analisar como o trabalho destes engenheiros em campo era repassado para o Ministério da Guerra na forma de Relatórios e mapas.

Por conseguinte, desde já, ainda que não finalizada toda a pesquisa, penso ser possível afirmar que, através da leitura de Relatórios, mapas e cadernetas de campo, o trabalho dos engenheiros subordinados à CLTEMTA estava diretamente ligado ao reconhecimento e exploração estratégica do território brasileiro, sobretudo através da análise de rios como caminhos, como vias que permitiriam a exploração e ocupação dos espaços ao Norte do país. Desta análise consistiam estudos acerca da navegabilidade dos rios, sua localização, geologia, estudo da vegetação de seu entorno, de seu leito, de populações de seus arredores, suas atividades econômicas; para, através deste estudo, ser possível definir a viabilidade, ou não, da ocupação destes territórios. Como principal produto destes estudos estão os mapas destas regiões, feitos através das anotações contidas nas cadernetas de campo.

Deste modo, a partir da pesquisa com as fontes tenho conseguido elucidar grande parte de minhas questões quando do início deste estudo. Como próximo passo desta pesquisa, pretendo analisar, como já ressaltei, como as demandas do Ministério da Guerra eram atendidas através da análise dos Relatórios Ministeriais relacionando-os com os Relatórios da CLTMTA e cadernetas. Assim, pretendo investigar como as anotações de campo presentes nas cadernetas eram remetidas ao Escritório Central da Comissão e daí para o Ministério da Guerra.

Quanto aos engenheiros que estiveram subordinados à CLTEMTA, pretendo identificá-los e pesquisar informações acerca de sua biografia no Instituto Militar de Engenharia além de elementos acerca de seu trabalho presentes em cadernetas e Relatórios para, a partir deste ponto, definir um engenheiro como personagem arquétipo de todo o grupo para, através deste, elucidar questões relativas à formação bem como a maneira pela qual esta teria influenciado em seus trabalhos de exploração territorial.

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Referências

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