Casa de Sarmento
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Revista de Guimarães
Publicação da Sociedade Martins SarmentoM
USEUS,
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ALERIAS EC
OLECÇÕESXIII.
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USEUM
ODERNO.
VITORINO, Pedro Ano: 1936 | Número: 46
Como citar este documento:
VITORINO, Pedro, Museus, Galerias e Colecções XIII. O Museu Moderno. Revista de
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Museus, Galerias e Colecções
XIII
O museu moderno
Só nos países pouco progressivos o movimento iniciado há uns vinte anos na Europa e na América a
favor dos museus de arte, como instrumentos de cul- tura, teve fraca repercussão. Um deles foi o nosso. E' certo que em Portugal, depois de 1910, a reforma dos serviços artísticos e arqueológicos per- mitiu a criação de alguns museus, mercê de dedicações bairristas perseverantes, de que são exemplos lumino- sos, Coimbra, Viseu, Aveiro, Lamego, Guimarães e Bragança. Mas, propriamente, uma vontade colectiva de esforço não se verificou. Esforços pessoais, e indi- ferença geral dos meios tidos como cultos.
O Pôrto, então, pouco adiantou.
Todavia cabia-lhe o dever-de qualquer empreen- dimento de vulto, dada a circunstância feliz de ter um homem com excepcionais aptidões na matéria. Esse homem, há pouco desaparecido em avançada idade, foi o professor Joaquim de Vasconcelos. Ver- dadeira notabilidade da sciência portuguesa, espírito singularíssimo de investigador, não logrou ser bem compreendido e, ainda menos, aproveitado. Pois tinha bagagem scientífica de sobra para proporcionar lições aos mestres da arqueologia e da arte, de todo o País, seus contemporâneos.
No capítulo
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museus-
deixou-nos variados e proveitosos trabalhos, dispersos, como a grande parte da sua obra sem par.26 REVISTA DE GVIMARÃES
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trial, inaugurado em 1886, que possuía uma escolhida biblioteca, impensadamente suprimido em 1925, ¡ por medida económica !
O prof. Joaquim de Vasconcelos chamado a pres-tar o seu concurso, várias vezes, ao Museu Municipal do Perto, em 1889 (Relatório), em 1902 (Guia), e em 1907 (Catálogo da Cerâmica Portuguesa) foi esquecido, inconcebivelmente, nas remodelações de 1911 e 1919, nas quais os seus profundos conhecimen- tos de técnico e de erudito deviam, com vantagem
enorme, fazer sentir-se.
Sem despeitos agitantes, nem interesses feridos, visto os seus antigos serviços prestados ao Museu
terem sido gratuitos,.o prof. Vasconcelos, no direito
legítimo de crítica, escrevia nó Comércio do Perto (30-V-1913) após considerações oportunas: ‹‹¿Ou há-de repetir-se na nova morada em S. Lázaro, o descuido que na antiga Restauração, privou o público de um catálogo metódico, durante meio século?f›
Como o sábio professor talvez não imaginasse (visto a sua falta de intuitos proféticos), o fldescuidov prosseguiu na novíssima remodelação de 1919. E assim tinha de ser, dado 0 arrumo infeliz, ou antes o desar- rumo, que se observava na nova e esperançosa fase do Museu. NÓ o notou por certo O grande público portuense, mas reconheceram-no desde logo os enten- dídos.
Para O estudioso, habituado ao método e à ordem, uma disposição tumultuaria de objectos, com que se não conta, visto tratar-se de um museu, torna-se mo- lesta. Assim o revela um episódio singelo ocorrido em 3 de Março de 1923 com um visitante estrangeiro no Museu MunicipaI.do Pôrto. O facto foi-me referido por um guarda, que considerou o homem como ‹‹toli- nho» (expressão dele); quando supunha poder pres- tar-lhe demorada assistência ante os objectos expostos, com espanto viu que O visitante, inteirado do con- teúdo num momento, rodava sabre os calcanhares a caminho da rua.. Não era um visitante misterioso porque no livro adequado escreveu o seu nome :
Mr. Emile Mele, Pares, membro de l'lrzstitat. Simples-
mente 0 célebre professor da Faculdade de Letras de
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Paris, a quem se devem valiosíssimos trabalhos sabre a iconografia religiosa em França, coroados pelas Aca- demías.
Perante as nossas insuficiências, o que devemos é procurar corrigi-las. Vale muito já, conhecê-las.
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O nosso meio é pouco propício à existência de museus. Assim se explica o desaparecimento do Museu Industrial (instalado numa das naves laterais
do Palácio de Cristal Portuense) em 1925, sem o mí- nimo protesto público. Em compensação, e como
nota estranha, houve quem protestasse quando da sua
criação. Num opúsculo de 56 páginas intitulado
Nic/zos, publicado no Pôrto em 1884, o néscio autor,
Pereira Magalhaes, numa catilinária em que considera «tudo bruto, tudo de má raça I -tudo arqueológico", exclama com insensato desdém: ~Museus! Desenho I Desenho! Museus lv
Ninharia, pelo visto, a educação artística. .
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O museu moderno é assunto de actualidade nos países cultos, onde se buscam, para que ele seja pro- veitoso ao público, as melhores soluções. No intuito de tornar conhecidos do vulgo vários princípios gerais que o norteiam, a par de diversos exemplos, enfeixa- rei algumas notas ligeiras.
A concepção actual de museu foi assim estabe- lecida, numa conferência, por Sir F.-G. Kenyon, direc- tor do «British ML1S€LlM», de Londres: «Os museus
recusam ser ainda simples armazéns de antiquários.
Querem ser considerados integralmente como ele- mento importante no sistema da educação nacional.
Reclamam a sua parte no tributo que fornece um país à civilização e pretendem dar a prova do interesse que este toma nas coisas do espírito." Servir é o fim dos museus modernos, e os membros do seu pessoal consi- deram-se eles próprios como servidores do público. O Dr. Jean Lameere, secretário do «Office national des Musées de Belgique» (Mouseion, t. 1`2, 1930) após a citação acima, observa que «este papel activo dos
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museus responde, segundo Sir Kenyon, a uma con- cepção moderna, que corresponde ela própria a um certo estado da civilização", e acrescenta que essa concepção nasceu nos Estados-Unidos.
«Focos de vida intelectual intensa, proclama o Dr. Lameere, eis o que todos, na Europa, queremos que sejam os museus."
l social, la flmentalitév d'une epoque onça leur réper- cussion sur le musée, mais il faudrait notei que e"est surtout depois que les institutions muséographiques et leurs dirigeants se préoccupent d'en feire des lieux de culture à l'intention du public. Et ce qu'il y a de plus remarquable, d a s certe evolution de la notion de musée, c'est que, quel que soit Ie regime politique ou social du pays considéré, la collection d'oeuvres d'art et sa présentation sout conçues comme des moyens d'initiation et d'éducation et que, par cela
mime, eIIes sou Ie reflexo autant que l"instrument de la p e n s e contemporaine.›› (Mouseion, supplément, IV, 1936).
Nos Estados-Unidos, estes estabelecimentos vi- sam, principalmente, a educação. Em número consi- derável, grandes e pequenos, possuem-nos não só
as
principais cidades, como muitas outras e mesmo vilas. Para uso do público, são, muitas vezes, instituições privadas que o público mantém. A sua abundân-cia permitiu a publicação de um livro Manual for
small museums, por Laurence Vail Coleman, secre-
tário da «Americano Association of Museumsv, apa- recido em 1927.
O museu mais importante da América do Norte é o «Metropolitan Museum of Art" de Nova York, sabre o qual, falando dos «Museos Norteamericanos»
(Boletí/2 del Museu Nacional de Bellas Artes, Buenos
Aires, 1934), o Dr. Cupertino Del Campo, diz : «Entre los detalles más sorprendentes de Ia instala- ción merecer Ser especialmente mencionados, por un lado, el belo y amplo p a t o romano con un jardín central, al que decorar esculturas clásicas y trozos de muros provenientes de Pompeya, y, por o r o lado, la tumba de Perneb, transportada, block por block, «II est indéniable (observa um crítico) que 'état
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desde el sitio próximo a Ia a n t i g a ciudade de Men-
fis que ocupava en Egipto. Gracias pues a la liberali-
dad de Sr. Eduardo Harkness que custeá los gastos del transporte y de Ia instalación, los habitantes de Nueva York pueden pasear por el interior de una
tumba egípcia autêntica de la V dinastia, com mas de
cuatro mil aços de antigüedad. Tales grandes donacio- nes son muy frequentes, como p u d e verse en todos los museus de Estados Unidos, donde Ia mayor parte de las colecciones llevan los nombres de generosos domadores que contribuyeron con su fortuna y, a veces, con Ia dedicación de toda sua vida al adelanto
artístico de su país.»
Entre nós têm-nos faltado dedicações deste género
com as quais muito aproveitariam os museus, mas as pessoas com meios de fortuna, mesmo com prosápias
de amadores de ar te, são incapazes de qualquer rasgo
notável de generosidade. Em vida nada fazem, pro- metem por vezes, e quando da morte, nada se chega
a ver. Há um exemplo recente aqui no Fôrto.
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No Museu Russo de Leninegrado, a preocupação educativa é levada ao máximo. ~Sob O ponto de vistada composição, da amplidão, e da importância das
colecções, cada secção pode ser encarada como cons-
tituindo um grande museu independente››; além disso cada secção dispõe
de
uma biblioteca com obras especiais e de uma sala de leitura para os visitantes. Sujeito assim ao grande princípio de servir Opúblico, educando-o, 0 museu moderno tem sem dúvida de reunir os elementos necessários para isso, pela actividade exercida no campo da investigação
scientífica. Nestas condições deve ser confiado aos
cuidados de pessoas competentes, e votadas ao estudo. Como observou o professor da Universidade de Bar-
celona, Bosch Gimpera (lrzvestigació/z y Progreso,
Abril, 1930), «este personal, que no puede impro- visarse››, é necessário flbuscarlo entre las personas conocedoras de los problemas arqueológicos de ter-
ritorio y con experiencia en el estudo de este". E quem diz arqueologia, diz também arte. Prepara- ção técnica comprovada, actividade e dedicação, são condições indispensáveis.
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Da conferência internacional de estudos s «Arquitectura e organização dos museus de realizada em Madrid em 1934, resultou o a mento de um tratado de Mzzséograplzie, dois g volumes ilustrados, que o Instituto Internacio Cooperação Intelectual (Sociedade das Nações cou,l1á pouco, numa excelente edição. Aí se com tudo quanto a nova sciência museológica apres progressivo e de palpitante.
Numa conferência recentíssima feita na Es
Louvre àcêrca do «Museu de Arte popular fra a estabelecer no Palácio do Trocadéro, recon para a Exposição de 1937, Georges Henri-Riviè tingue nos museus actuais quatro estados de ev " l e metade dhccunzulatíon: le musée reçoit nó* quota de n'importe oU, de n'importe qui, qu'il n'importe comment. Musée injustifiable.
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de rassemblement: le musée rassemble ses coll sur un placa méthodique, il expose touro ou s'eff
moiras de le feire. C'est le rnusée-magasin fa
les conservateurs et pour eux seuls.
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Le msélectiorz : sélection des p u s beaux spécirne
s'agit d'un musée d'art, selector des types s' d'un musée de sciences. Le Musée s"adresse élite de connaisseurs ou de chercheurs. - Le de synt/zèse: Ie Seul valable p o r les miasse documentation graphique et photographique, d tes à grande échelle accompagnent les spé ultra sélectionnés. Un musée qu'on peut pa sans guide. Ce metade est atteint notamment nombreaux musées soviétiques.
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reunira les trais derniers vades: Ie metade de blement dans les magasins, le metade de selecto une série de saltes publiques parallèles à des g publiques destinges à la 'synthèsefi ( B e a u x
n.°
169, 1936).O princípio moderno da organização do repartindo-o em duas partes, uma destinada ao co e outra aos especialistas, é geralmente recon Un musé
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i i E s i 4 E E' I Icomo vantajoso. Apesar de origem europeia, foi a América que com mais entusiasmo o adoptou.
No que diz respeito ao edifício, está assente que «devendo ser um museu um lugar destinado às obras de arte, é necessário e lógico que tida a arquitectura de um tal edifício tenda a obter um ambiente próprio a valorizar cada um desses objectos~. Há regras estabelecidas, fruto de longas experiências, que con- vém observar; uma delas é que a ornamentação não deve contrariar o destaque dos quadros e antes contribuir para o assegurar. Por isso a tendência dominante é a, da maior sobriedade decorativa dos interiores, preceito que melhor se adapta às exigên- cias da apresentação dos objectos, ~no estilo a que poderá chamar-se funcional
As construções novas, com um programa arqui- tectónico bem definido, de harmohia com a sciência museológica, em que, por exemplo, as salas podem ser proporcionadas às dimensões das obras expostas, levam vantagem aos edifícios antigos adaptados. Uma colaboração íntima entre o arquitecto que construi e o conservador que organiza as colecções, é neces- sária.
A instalação de uma colecção num edifício não construído para esse fim, velho palácio, convento ou casa histórica, é admissível, desde que se procure o aproveitamento tendo em vista «uma correspondên- cia entre o carácter do edifício e os objectos que ele deverá encerrar".
O novo Museu Nacional de Escultura, de Valla- dolid, no Colégio de S. Gregório, magnífica constru- ção flisabelinaw do século XV, é exemplo recente das modernas concepções, aplicadas, com proficiência e bom gesto, a um velho edifício; entre a escultura policromada que encerra e as cores neutras, claras, das salas transformadas, onde riquíssimos tectos sub- sistem, foi possível obter uma harmonia que o visi- tante culto admira enlevado.
Iluminação, natural ou artificial, aquecimento, ventilação e arejamento, são outros tantos proble- mas que a técnica museológica moderna tem de
enfrentar.
A propósito destes complexos sistemas, O Dr.
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Cupertino Del Campo (lug. cit.) exemplifica c Novo Museu de Pensilvânia, em Filadélfia,
modo :
«El grandioso edifício de estilo grego pu f a l a dotado de admirables sistemas de ilumin y ventilación. Gracias a un complicado dispo de focos luminosos colocados en la parte superi
los tectos, donde se han reservado espacios co tamanho de las salas, se obtiene una luz cenítal b
e intensa como la de dia, al ponto de confun con esta y con la ventania de ser sempre igual
ventilación se consigne por m e d o de inyeceion
a r e previamente purificado y lavado en aparatos
ciales, calentando en inverno y refrescando en ve Los cristales de las ver tanas, que selo sirvo pa vista a los jardines, permanecer hermeticamente dos, de modo que el único polvo que haja en el m es el que llevan los visitantes en las s e l a s de sus nes, que, por lo demos, sale al exterior, arrastrad la corrente de a r e puro que penetra en las sa
arriba abajo, por aberturas practicadas en los di de las puertas.››
Integrado nos princípios das novas cor
educadoras, o Louvre iniciou em 1927 a transf
ção das suas salas, tendo obtido soluções de
satisfatórias e agradáveis à vista.
Henri Verme, director dos Museus Naciona França, no «Plan d'extension et de regroupe
méthodique des collections du Musée du Lo
(Bulletin des Musées de Franco, I, 1934), expla
doutrinas basilares dessa transformação, a que tence este conceito: «La première règle indiscut
la bonne organisation o"un niusée public est d au visitar la possibilitá de voir et de bien vo
oeuvres exposées.››
O conservador chefe dos Museus Reais de
Artes da Bélgica, L. Van Puyvelde, tem uma
expressiva que indica admiràvelmente o obje
hoje ambicionado: «Pour instruire le public i savoir 1'attirer, il faut le séduire, et il faut lui pro des motifs de retour.» (Mouseio/2, v. 25-26, 1934
¡Alcançar estes predicados é obter o triun museu moderno i
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Não será em vão que somas elevadas se lhe con-
sagrem.
Interrogado O arquitecto francês Augusto Perret, autor do arrojadíssimo projecto do «Museu do Futurov, sabre o seu provável custo, respondeu' «Cent, cent- trente, cent-cinquante millions. C'est par millions que se chifirent, depois la fin de la guerre, les dépenses de certaines capitales étrangères en faveur de Ieurs mu-
sées» (Musées, Paris).
Na verdade, O século XX tem certas probabilida- des, como alguém aventou, de merecer o epíteto de «Século dos Museus».