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LETÍCIA ALVES DA FONSECA DIREITOS HUMANOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO: DA FALIDA APLICAÇÃO DA PENA

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Cuiabá 2018

LETÍCIA ALVES DA FONSECA

DIREITOS HUMANOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO:

(2)

Cuiabá 2018

DIREITOS HUMANOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO:

DA FALIDA APLICAÇÃO DA PENA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade de Cuiabá – campus Beira Rio, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito.

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DIREITOS HUMANOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO:

DA FALIDA APLICAÇÃO DA PENA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade de Cuiabá – campus Beira Rio, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito.

BANCA EXAMINADORA

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

Prof(ª). Titulação Nome do Professor(a)

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aplicação da pena. 2017. 50 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direto) – Universidade de Cuiabá – campus Beira Rio, Cuiabá, 2018.

RESUMO

O presente trabalho averigua a aplicação dos Direitos Humanos ao sistema penitenciário, bem como verifica se as funções da pena estão em consonância com o preconizado, assim, busca-se simultaneamente demostrar o status quo do referido sistema e propor soluções às suas mazelas. A abordagem utilizada foi a de levantamento bibliográfico e estudo documental de dados oficiais, em especial os disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Para análise, utilizou-se de dados quantitativos oriundos das fontes supracitadas combinados com a elaboração de gráficos e tabelas, a fim de possibilitar o estudo comparativo. Nesse diapasão, constatou-se a fragilidade e ineficácia do atual sistema, bem como restou manifesta a necessidade de reforma do status quo, mediante a reunião de esforços de órgãos e autoridades responsáveis, em sincronia com a implementação de políticas criminais mais condizentes com a realidade, seja ao criminalizar uma conduta (obediência ao princípio da intervenção mínima) ou ao estruturar de modo mais adequado os presídios.

Palavras-chave: Direitos humanos; Direito Penal; Sistema penitenciário;

(5)

of penalty. 2017. 50 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade de Cuiabá – campus Beira Rio, Cuiabá, 2018.

ABSTRACT

The present study investigates the application of Human Rights to the penitentiary system, as well verifies that the penalty functions are in line with what has been recommended, thus seeking to simultaneously demonstrate the status quo of this system and propose solutions to its problems. The approach used was the bibliographical survey and documentary study of official data, especially those made available by the National Justice Council – NJC. For the analysis, we used quantitative data from the aforementioned sources combined with the elaboration of graphs and tables, in order to make possible the comparative study. Within this framework, the fragility and ineffectiveness of the current system was evident, as well as the need to reform the status quo of the current system, by gathering the efforts of responsible organs and authorities, in synchrony with the implementation of more appropriate criminal policies with reality, either by criminalizing a conduct (obedience to the principle of minimum intervention) or by proper structuring of prisons.

Key-words: Human Rights; Criminal law; Penitentiary system; Penitentiary system;

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Figura I – Santa Inquisição – Tribunal Eclesiástico ... 13

Figura II – Execuções em 2016 ... 18

Figura III – Funções da pena ... 27

Figura IV – Exemplo de péssimo presídio ... 36

(7)

Gráfico I – Evolução da população carcerária no brasil desde 1990 ... 29

Gráfico II – A realidade do sistema carcerário... 30

Gráfico III – Ranking dos 5 países com maior população prisional - 2014 ... 31

Gráfico IV – População carcerária por tipo penal ... 34

(8)

Tabela I – Número de apenados não reincidentes e reincidentes ... 33 Tabela II – Situação das obras inseridas no PNASP ... 41

(9)

INTRODUÇÃO ... 9

1. DOS DIREITOS HUMANOS ... 10

1.1 CONCEITO ... 10

1.2 HISTÓRICO E IMPORTÂNCIA ... 12

2. DAS PENAS ... 16

2.1 TIPOS DE PENAS ... 16

2.1.1 Pena de morte ... 16

2.1.2 Penas aflitivas (corporais) ... 20

2.1.3 Pena restritiva de direitos ... 22

2.1.4 Pena pecuniária ... 23

2.1.5 Pena restritiva de liberdade ... 24

2.2FUNÇÕESDAPENA ... 25

3. DO STATUS QUO DOS PRESÍDIOS E ALTERNATIVAS ... 28

3.1.SUPERLOTAÇÃO ... 29

3.2REINCIDÊNCIA ... 32

3.3 SITUAÇÃO PRECÁRIA ... 35

3.4 CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO ... 39

3.5 VIOLAÇÃO DE DIREITOS NOS PRESÍDIOS FEMININOS ... 43

3.6 DISCRIMINAÇÃO AO PÚBLICO LGBT ... 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 45

(10)

INTRODUÇÃO

Este trabalho versa sobre a aplicação dos Direitos Humanos ao sistema penitenciário, em que analisa as condições as quais os presos são submetidos, sob o prisma do princípio da dignidade da pessoa humana entrelaçado com as funções da pena.

A escolha deste tema deu-se em virtude da relevância do referido instituto e da precariedade do atual aparelho estatal. Pois, verifica-se uma considerável ênfase no direito de punir em detrimento das demais funções, igualmente importantes.

Nessa linha, tem-se a seguinte problemática: “Há eficácia na aplicação da pena, sendo suas funções devidamente cumpridas com respeito aos princípios norteadores dos Direitos Humanos?”.

Para elucidar a presente questão foram utilizadas diversas fontes bibliográficas e documentais, com enfoque no âmbito jurídico, as quais demostraram o histórico, a importância, as dificuldades enfrentadas no atual sistema, bem como possíveis alternativas.

Além disso, com vistas a reforçar a situação atual dos presídios utilizou-se também o levantamento de dados estatísticos, na modalidade quantitativa, demostrando a extrema lotação enfrentada nestes locais, dentre outras irregularidades.

Assim, objetivou-se demonstrar a ineficácia do atual sistema penitenciário. Para tanto, no primeiro capítulo buscou-se a verdadeira essência do instituto dos Direitos Humanos, sua aplicabilidade no Brasil e importância. O segundo capítulo se propôs a esclarecer as funções da pena. Já o terceiro capítulo demonstrou a situação atual dos presídios, bem como procurou trazer alternativas às mazelas.

(11)

1. DOS DIREITOS HUMANOS

1.1 CONCEITO

Oportuno esclarecer que as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” serão tomadas neste trabalho como sinônimos, pois o segundo nada mais é do que a positivação do primeiro no ordenamento brasileiro, conforme entendimento majoritário da doutrina brasileira.

Ademais, conforme ensina Nucci1 os Direitos Humanos, em sua maioria, estão

previstos no art. 5° da Magna Carta, dessa forma, possuem status de normas constitucionais. Além disso, conforme previsão do parágrafo segundo do referido artigo, há a possibilidade de integração de tratados internacionais no nosso ordenamento jurídico e, ainda, se estes versarem sobre direitos humanos e forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos referidos membros das casas, estes serão equivalentes às emendas constitucionais.

Elucida-se que não há um conceito padrão, variando de doutrinador para doutrinador, contudo, estes costumam incorrer em uma acepção finalística. Ou seja, costumam utilizar o objetivo como parâmetro para definir, relacionando aos direitos basilares necessários a uma vida digna. Nessa linha, explica Dallari:

A expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as condições mínimas necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também deve ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. 2

(grifo nosso).

A vida, por exemplo, é um direito fundamental, contudo mesmo que seja um bem da vida valiosíssimo, esta deve estar acompanhada de outros direitos, pois apenas ela não supre o objetivo pretendido pelo instituto, que é manutenção dos aparatos necessários ao gozo de uma vida digna.

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos Humanos e segurança pública.1 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.27.

2 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e cidadania. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2009, cap.1, par. 1.

(12)

Quanto a relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os Direitos Humanos, José Afonso da Silva esclarece que esta é um valor supremo atraindo, por consequência, o conteúdo dos direitos fundamentais do homem.3

Feito os esclarecimentos quanto ao vinculo de ambos, necessário se faz explicar o que vem a ser a dignidade da pessoa humana, nessa linha, Moraes explica: “se a humanidade das pessoas reside no fato de serem elas racionais, [...] será desumano, isto é, contrário à dignidade humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa à condição de objeto”.4

Logo, esta representa a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência, seja na vida em si, no corpo, na saúde ou na mente.

Esclareça-se que tanto os direitos humanos atinentes a si, quanto aos de outrem devem ser respeitados, sofrendo ponderações em caso de conflito, conforme preconiza Moreira:

Contudo, os direitos humanos podem interferir entre si; eles são limitados pelos direitos e liberdades dos outros ou por requisitos de moralidade, de ordem pública e do bem comum de uma sociedade democrática (artº 29º da DUDH). Os direitos humanos dos outros têm de ser respeitados, não apenas tolerados. Os direitos humanos não podem ser utilizados para violar outros direitos humanos (artº 30º da DUDH).5

(grifo nosso)

Ressalte-se que um direito não exclui o outro, ambos devem ser alinhados, buscando-se, dessa forma, a harmonia. Logo, válida é aquela máxima “o meu direito termina, quando o do outro começa”. Neste sentido é ainda o entendimento de Ramos:

O reconhecimento de um rol amplo e aberto (sempre é possível a descoberta de um novo direito humano) de direitos humanos exige ponderação e eventual sopesamento dos valores envolvidos. O mundo dos direitos humanos é o mundo dos conflitos entre direitos, com estabelecimento de limites, preferências e prevalências. [...] por isso, não há automatismo no mundo da sociedade de direitos. [...] pelo contrário, é possível o conflito e colisão entre direitos, a exigir sopesamento e preferência entre os valores envolvidos. 6

(grifo nosso)

3 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 38.

4 MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 1. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 117.

5 MOREIRA, Vital (Org.). Compreender os Direitos Humanos: manual de educação para os Direitos Humanos. 1ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 44.

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Nessa linha, percebe-se que os Direitos humanos abrangem todos os indivíduos, incluindo aqueles que transgrediram as normas, pois o direito/dever do estado de punir deve estar pautado em limites.

Assim, verifica-se uma das principais características dos Direitos Humanos: a universalidade. Nesta senda, diferente do que prega o senso comum, o referido instituto protege também o dito cidadão probo que teve seus direitos violados, sendo uma das vias mais utilizadas (incorporada no ordenamento pátrio) para o dito amparo, o mandado de segurança.

Além disso, por serem baseados em um mínimo existencial são mutáveis, já que as necessidades humanas variam, conforme bem explica Ramos7 ao reconhecer

o seu rol amplo e aberto. Assim, o conceito acompanha a evolução da sociedade, bem como suas carências. Outro ponto ensinado por ele é que os Direitos Humanos são superiores a demais normas, portanto, não se admite o sacrifício de um direito que está abaixo para atender ao Estado. Assim, eles representam preferências preestabelecidas.

Importa em dizer que em relação aos direitos humanos ocorre o chamado efeito cliquet (conhecido, no Brasil, como o princípio da vedação ao retrocesso), conforme brilhantemente explica Albanesi:

[...] a expressão "cliquet" é utilizada pelos alpinistas e define um movimento que só permite ao mesmo subir, não lhe sendo possível retroceder, em seu percurso. O efeito "cliquet" dos direitos humanos significa que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os direitos humanos só podem avançar.8

(grifo nosso)

Tal instituto é uma conquista histórica que deve ser protegido, tanto por órgãos responsáveis por essa finalidade, quanto pela própria sociedade, que é a detentora desses direitos, conforme tópico seguinte.

1.2 HISTÓRICO E IMPORTÂNCIA

Nascido em um berço de medo, em resposta aos abusos e às atrocidades cometidas ao longo das guerras (em especial a 2ª guerra Mundial, que ocasionaria na

7 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, passim. 8 ALBANESI, Fabrício Carregosa. O que se entende por efeito "cliquet" nos direitos humanos. Disponível em: < https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/104698/o-que-se-entende-por-efeito-cliquet-nos-direitos-humanos-fabricio-carregosa-albanesi>. Acesso em set. 2017.

(14)

criação da Organização das Nações Unidas – ONU) e, no Brasil, durante o processo de redemocratização, ao longo dos anos 80, quando vários movimentos da sociedade civil se insurgiam contra o autoritarismo do regime militar, instituído pelo golpe militar de 1964, os Direitos Humanos se mostram como uma série de garantias a fim de evitar barbáries que viriam a violar novamente os maiores princípios universais: o direito à vida e ao respeito da dignidade da pessoa humana.

Basicamente novas roupagens foram sendo dadas ao Direito Processual Penal ao longo dos tempos, seja quando o Estado passou a desvincular-se das religiões, bem como a pautar-se em valores e em outros tópicos além da punição, tais como por exemplo a ressocialização do apenado. Deixando no passado episódios perturbadores como a inquisição.

Figura I - Santa Inquisição – Tribunal Eclesiástico

Fonte: Mania de história 9

Necessário esclarecer, neste ponto, que a religião em si não é um mal, mas sim a deturpação desta, a intolerância às crenças de outrem, a perseguição. Nesta senda, como bem assevera Bicudo10, antigamente não era possível a escolha de

crenças, pois o indivíduo deveria submeter-se a religião oficial do Estado. Além disso, não havia liberdade na vida privada, nem na educação. O cidadão via-se frágil frente a então autoridade considerada divina, denominada Estado.

Ademais, verifica-se que eram comuns condenações em nome de Deus e frequente a presença das ordálias, um método de prova que consistia em submeter o acusado a situações perigosas ou dolorosas, pois acreditavam que se este fosse inocente haveria a intervenção divina, salvando-o. Assim, explica Greco:

9 Disponível em: <https://maniadehistoria.wordpress.com/morte-aos-hereges/>. Acesso em set. 2017. 10 BICUDO, Hélio Pereira. Direitos Humanos e sua proteção. São Paulo: FTD, 1997. p.15

(15)

É bom lembrar que, principalmente no período que se convencionou chamar de Idade Média, muito se matou em nome de Deus. Havia os julgamentos conhecidos como “ordálias”, isto é, os “juízos de Deus”, nos quais o acusado pela prática de alguma infração penal era submetido às torturas mais terríveis, a exemplo da simulação de afogamento, da roda, do fogo, da tenaz, do ferro candente e, se não sobrevivesse a isso tudo, ou seja, se não superasse as provas a que era submetido, era um sinal de que “Deus não estava com ele” e, com certeza, havia sido o autor do fato que se lhe imputava. Esta era a melhor maneira de se convencido da sua culpa, pois Deus não o havia livrado da morte. [...] as ordálias conduziam a um índice elevadíssimo de erros, pois o acusado preferia confessar o delito, mesmo não o tendo praticado, a ser submetido a todo tipo de torturas e atrocidades, criadas e praticadas por mentes doentias.11 (grifo nosso)

O sistema inquisitório, adotado pelo Direito Canônico no período medieval, possuía as seguintes características, conforme ensina Renato Brasileiro12: reunião

das funções (o juiz julgava, acusava e defendia); ausência de partes (o réu era mero objeto do processo penal e não sujeito de direitos); processo sigiloso (isto é, ausente de um controle social, devido à ausência de transparência); inexistência de garantias constitucionais (pois o investigado era objeto do processo, não havendo o que se falar em contraditório e ampla defesa, devido processo legal ); confissão como rainha das provas; e presunção de culpa (o réu era considerado culpado, até que se provasse o contrário).

Renato Brasileiro13 ainda esclarece que o referido sistema é totalmente

incompatível com um Estado Democrático de Direito, pois viola os direitos e garantias individuais, bem como princípios sensíveis e elementares do Direito Processual Penal, além de ofender claramente a Magna Carta e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH, art. 8º, nº 1).

Observa-se, no entanto, que ainda há resquícios do sistema inquisitório na fase administrativa, a exemplo do Inquérito Policial. O que por si só não viola os direitos fundamentais, tendo em vista tratar-se de investigação preliminar, sendo assegurado na fase processual o devido processo legal.

11 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017

12 BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal: volume único.4ª Ed. Salvador: Juspodvm, 2016, p. 38

(16)

Resta evidente a necessidade de limites ao jus puniendi, a fim de evitar tais excessos, como bem leciona Greco14 estes são encontrados em um Estado

Democrático de Direito, seja os princípios fundamentais implícitos ou explícitos no texto constitucional, sendo norteados pela dignidade da pessoa humana, funcionariam como barreiras ao excesso estatal.

Quando não há esse respaldo, abre-se margem a insegurança. Verifica-se, deste modo, que o referido instituto busca uma proteção dos indivíduos contra possíveis abusos, garantindo a todos o respeito a seus direitos mais frágeis, pois este se utiliza de princípios e regras basilares ao mínimo existencial.

Ocorre que mesmo diante da importância do tema para a pacificação social, grande parte da sociedade é contra tal instituto, especialmente no tocante a sua aplicação aos presos, vistos por muitos como inimigos da sociedade e, portanto, não detentores de direitos. Contudo, isto não deve prosperar, conforme dito acertadamente por Greco, na introdução de sua obra:

O sistema prisional agoniza, enquanto a sociedade, de forma geral, não se importa com isso, pois crê que aqueles que ali se encontram recolhidos merecem esse sofrimento. Esquecem-se, contudo, que aquelas pessoas, que estão sendo tratadas como seres irracionais, sairão um dia da prisão e voltarão ao convívio em sociedade. Assim, cabe a nós decidir se voltarão melhores ou piores.15

(grifo nosso)

Portanto, em que pese o senso comum, os Direitos Humanos são essenciais à sociedade como um todo, pois se referem a direitos e garantias que garantem o princípio máximo do Estado Democrático de Direito, sendo estes, portanto, irrenunciáveis.

14 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, p.74 et seq.

(17)

2. DAS PENAS

2.1 TIPOS DE PENAS

Sem muito esforço é fácil compreender a necessidade das penas, desde a antiguidade as utilizaram com vistas a coibir determinado comportamento reprovável em sociedade, bem como a punir aqueles que ousaram descumprir a norma mesmo diante da proibição. Afinal tem-se, no momento da transgressão da norma penal, o jus puniendi.

Greco explica que, até o século XVIII, as penas mais utilizadas eram a pena de morte, as corporais, as infamantes e, em alguns casos menos graves, as de natureza pecuniária. A restritiva de liberdade é uma invenção relativamente recente. Neste ínterim, necessário abordar, os variados tipos de penas utilizadas tanto no passado, quanto no presente, com vistas a correta compreensão e discussão do tema.

2.1.1 Pena de morte

Opta-se por iniciar com a pena de morte, considerada por um longo tempo (e ainda utilizada em alguns países) como a “rainha de todas as penas”, utilizando-se deste famoso trecho do clássico Vigiar e punir:

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.16 (grifo nosso)

Acima observa-se um exemplo de suplício, o qual consistia em uma dura punição corporal, imposta por sentença, que ocasionava intenso sofrimento físico e mental, podendo ou não cominar na morte do apenado, ou seja, adotava-se este método de execução ainda que o condenado não fosse condenado a pena capital. Nessa linha, explica Foucault:

Não só nas grandes e solenes execuções, mas também nessa forma anexa é que o suplício manifestava a parte significativa que tinha na

16 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 38ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p.9.

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penalidade; qualquer pena um pouco séria devia incluir um pouco de suplício [...] o suplício é uma técnica e não deve ser equiparado aos extremos de uma raiva sem lei. Uma pena, para ser um suplício, deve obedecer a três critérios principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos apreciar, comparar e hierarquizar; a morte é suplício na medida em que ela não é só privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação – que reduz todos os sofrimentos a um só gesto e num só instante: o grau zero do suplício – até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo: a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em “mil mortes” [...]17 (grifo nosso)

Desproporcional, cruel e desumana, deste modo eram aplicadas as penas na antiguidade. Estas funcionavam como uma espécie de “pão e circo macabro”, cujos personagens eram os infratores da lei e o enredo consistia no Estado punir os ditos “inimigos da sociedade”, claramente visando inibir tal comportamento indesejado. Nesta linha de raciocínio segue Greco:

A imaginação cruel do ser humano não teve limites na história; eram aplicadas as mais diversas formas de execução da pena de morte. As imolações eram praticadas com a utilização de fogueiras, mediante o apedrejamento, a forca, o esquartejamento, a empalação etc. A execução de um condenado à pena de morte era um acontecimento que ocorria, como regra, em lugares públicos, a exemplo das praças, pontes, ou mesmo às portas da cidade. Esse espetáculo de horror era “deliciosamente” assistido por todos [...] pais faziam questão de levar seus filhos para que a execução daquele criminoso lhes servisse como exemplo.18

(grifo nosso)

Conforme narrado acima, a pena capital era aplicada de modo lento e doloroso, mediante o emprego dos mais variados meios que visassem a imposição de dor, não era proporcional, ou seja, havia um uso indiscriminado desta.

Não era tão revestida de caráter retributivo (quando ocorre o pagamento do dano causado), como bem ensina Greco19, o intento maior era a imagem, a

demonstração de poder, a defesa do Estado. Inclusive, no ápice da loucura humana, era comum, no período medieval, a aplicação dos mais variados tipos de penas aos defuntos e objetos inanimados. No entanto, no decorrer do tempo, mais precisamente após a virada do século XVIII, foram reconhecendo alguns direitos inatos ao ser humano, partindo de uma cognição jusnaturalista, e um exemplo deles era a dignidade da pessoa humana (ainda que de forma embrionária).

17 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 38ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010, p.35-36.

18 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, p.91 et seq.

(19)

No decorrer, conforme explica o autor20, a execução das penas foram se

tornando mais brandas (na busca de trazer o menor grau de sofrimento ao condenado) e proporcionais (a serem graduadas conforme a norma infringida, exigindo-se, inclusive, que a lei fosse anterior ao fato – princípio da anterioridade da lei penal).

O raciocínio supra foi estendido até mesmo à pena de morte, com o advento da guilhotina (utilizada pela primeira vez em abril de 1972), pois esta consistia em uma morte mais rápida e, portanto, praticamente indolor.

Ademais, conforme narrado alhures, a pena de morte ainda é permitida em alguns países e aplicada, em caso de guerra, no Brasil. Conforme expõe Greco:

[...] ainda hoje, em muitos países, se adota a pena de morte. Alguns a aplicam a crimes comuns, a exemplo dos estados Unidos, do Japão, da Coreia do Norte, da Coreia do Sul, de Cuba e da China; outros, como é o caso do Brasil, somente terá aplicação quando houver guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, da Constituição Federal (art.5º, XLVII, da CF). (grifo nosso)21

Destarte, segundo a Anistia Internacional22, ao menos 1.032 pessoas foram

executadas em 23 países, em 2016. Já em 2015, registrou-se 1.634 execuções em 25 países em todo o mundo. Sendo que a maioria ocorreu na China, seguida pelo Irã, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão, respectivamente. Nessa linha, a China é o país que mais executa pessoas no mundo (ressalta-se que a extensão real de execuções é desconhecida, pois estes dados são considerados um segredo de Estado, assim o referido número exclui outras possíveis execuções).

Figura II - Execuções em 2016

Fonte: Anistia Internacional23

20 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, passim.

21 Ibidem, p.94.

22 ANISTIA INTERNACIONAL. Pena de morte 2016: Fatos e números. Disponível em: <https://anistia.org.br/noticias/pena-de-morte-2016-fatos-e-numeros/>. Acesso em out. 2017. 23 Disponível em: <https://anistia.org.br/noticias/pena-de-morte-2016-fatos-e-numeros/>. Acesso em out. 2017.

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Ainda segundo a Anistia Internacional24, 141 países em todo o mundo, mais de

dois terços, são abolicionistas na lei ou na prática. Em 2016, dois países – Benin e Nauru – aboliram a pena de morte para todos os crimes.

Outrossim, alguns pontos importantes ainda devem ser mencionados sobre o referido tema, para tanto, necessário trazer à baila a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, em específico, seu art. 4º:

Artigo 4º - Direito à vida:

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.

4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos.

5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.

6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.25

(grifo nosso)

Nessa linha, verifica-se uma série de garantias, com vistas a proteger o indivíduo do arbítrio estatal, muito presente no passado, mas não totalmente ausente no presente.

Tem-se, no geral, uma proteção à vida desde a concepção, um conjunto de restrições ao aplica-la (apenas para delitos mais crimes graves, observando-se a proporcionalidade, além disso é vedado a aplicação à crimes políticos e em determinado grupo de pessoas, conforme itens 4 e 5, do referido diploma).

Além disso, o Estado que a adotar deverá respeitar o princípio da anterioridade da lei e aquele que a revogar não poderá voltar a estabelece-la, havendo, portanto, um efeito cliquet (vedação ao retrocesso).

24 ANISTIA INTERNACIONAL. Pena de morte 2016: Fatos e números. Disponível em: <https://anistia.org.br/noticias/pena-de-morte-2016-fatos-e-numeros/>. Acesso em out. 2017. 25 BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de nov. de 1992. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Brasília, DF, nov. 1992. Disponível em: <

(21)

Dessa forma, conforme dito alhures, os Direitos Humanos devem sempre progredir, evoluir para patamares mais humanísticos.

Outra garantia importante é que todos que forem condenados à pena capital poderão pedir anistia, indulto ou comutação da pena, conforme item 6, do diploma legal supramencionado26.

Ocorre que ainda assim há indivíduos contrários a tais direitos, pois estes esquecem que um dia poderia ser eles a serem submetidos a tal situação despótica. Sendo subjugados a um processo, sem quaisquer garantias, por um Estado arbitrário, sem poder, até mesmo, provar-se inocente (em termos mais técnicos, valer-se do contraditório e da ampla defesa). Neste sentido, é o posicionamento de Greco:

O que todos esqueciam, no entanto, é que aquele Estado despótico, que condenava as pessoas baseando-se em um processo sigiloso, que usava a tortura como um meio legal de se obter a confissão, também podia virar-se contra eles e que, a partir desse momento, se modificariam as posições. De meros expectadores, passariam a ser protagonistas dessas histórias de horror. Prova disso, como ressalta Beatriz Margarida Bernal y Gaipo, é que praticamente todos os condenados à pena de morte já haviam presenciado, alguma vez, uma execução.27

(grifo nosso)

Importante frisar que a crítica em relação à pena de morte não recai apenas em relação à sua rigidez, a falta de humanidade, ou, ainda, ao modo como esta se procede (patamares de dor), mas também em relação a sua irreversibilidade, pois sabe-se que não é raro a ocorrência de erros em julgamentos.

2.1.2 Penas aflitivas (corporais)

Conforme dito alhures, até o século XVIII as penas que mais predominaram eram a pena de morte, as corporais, as infamantes e, em alguns casos menos graves, as de natureza pecuniária.

Ao falar da pena de morte, no item anterior, também foi necessário falar dos suplícios, pois estes se referem a uma técnica de aplicação das penas corporais. Deste modo, restou claro que estes faziam parte da pena capital, pois havia o costume, na época, desta ser aplicada ao infrator seguida de um conjunto de penais corporais.

26 BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de nov. de 1992. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Brasília, DF, nov. 1992

27 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 92.

(22)

Esclarecida a possibilidade de aplicação conjunta, explica Greco28 que aflitiva

será a pena que causar um sofrimento físico ao condenado, sem cominar na morte deste. As penas aflitivas dividem-se em diretas (positivas) e indiretas (negativas).

Portanto, do mesmo modo, tratam-se de penas cruéis e desumanas, totalmente contrárias a um Estado Democrático de Direito, de viés totalmente desproporcional.

As penas diretas serão aquelas que causarem dores corporais e dividem-se em deléveis e indeléveis, segundo o autor29, conforme explicação a seguir.

corporais diretas deléveis são aquelas que, apesar de infligir dor, não deixam sequelas. A par de exemplo, no Brasil, era comum agredir os presos nas mãos e nos pés, com um pedaço de pneu. Embora causasse uma forte dor, não deixava marcas. Já as corporais diretas indeléveis, em sentido contrário, são aquelas que ocasionam em sequelas permanentes. Um exemplo clássico são as mutilações (com o corte de parte da mão ou, até mesmo, ela inteira).

Já em relação as penas corporais indiretas, explica Greco30 que estas serão

aquelas que, de algum modo, privem o indivíduo de sua liberdade. Como exemplo tem-se a detenção e o desterro (banimento, deportação).

Em relação ao banimento Lição interessante traz Manuel de Lardizábal y Uribe, por intermédio de Greco:

Esta pena nunca deve ser imposta a homens depravados, que podem contagiar os outros com seu mau exemplo, pois não é justo que para libertar do dano um lugar se possa causar outro, tendo todos igual direito à proteção e cuidado do Governo.31

(grifo nosso)

Portanto, não se deve utilizar o desterro indiscriminadamente, pois na verdade só estaria ocorrendo uma “transferência de responsabilidade” entre Estados e não, de fato, buscando a resolução do problema.

Em relação a detenção, esta será trabalhada no tópico referente a pena restritiva de liberdade, em virtude de sua especificidade e necessidade de maior detalhamento.

28 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 88.

29 Ibidem, passim. 30 Ibidem, passim.

(23)

2.1.3 Pena restritiva de direitos

Trata-se de um tipo de pena, em regra, substitutiva à pena privativa de liberdade (desse modo, ante a um possível não cumprimento, esta seria convertida novamente em pena de prisão). Nessa linha, segundo Cera32, trata-se de uma sanção

imposta que consiste na supressão ou diminuição de um ou mais direitos do condenado, de modo alternativo.

Neste sentido, segundo a autora33, possui como espécies: prestação

pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. Assim, segundo a autora, tais penas teriam duas características: substitutividade e autonomia, conforme explicação abaixo.

A substitutividade ocorre pois o juiz fixa, inicialmente, a pena privativa de liberdade e, após, na mesma sentença, substituí pela pena restritiva de direitos.

Autonomia, pois não podem ser cumuladas com as penas privativas de liberdade, já que não são meramente acessórias.

Contudo, há exceções: a lei de drogas (Lei 11.343/06) e o Código de Defesa do Consumidor. Na primeira, a pena restritiva de direito é autônoma e, na segunda, a pena restritiva de direitos pode ser cumulada com a pena privativa de liberdade. Em relação aos critérios para concessão, explica a autora:

São critérios de aplicação das penas restritivas de direito: a) condenação igual ou inferior a um ano, substituição por uma pena de multa ou por uma pena restritiva de direitos ou b) condenação superior a um ano, substituição por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direito. Art. 44, 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. 34

Percebe-se que a restritiva de direito, a depender do quantum da pena, pode ser aplicada sozinha ou cumulada com a multa, que, na verdade, nada mais é que

32 CERA, Denise Cristina Mantovani. Qual o conceito, as espécies e as características das penas restritivas de direitos. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2192488/qual-o-conceito-as-especies-e-as-caracteristicas-das-penas-restritivas-de-direitos-denise-cristina-mantovi-cera>. Acesso em: out. 2017.

33 Ibidem.

34 Ibidem.Quais são os critérios de aplicação das penas restritivas de direito e quais as hipóteses de conversão das mesmas em pena privativa de liberdade. Disponível em: < https://lfg.jusbrasil.com.br/ noticias/2616555/quais-sao-os-criterios-de-aplicacao-das-penas-restritivas-de-direito-e-quais-as- hipoteses-de-conversao-das-mesmas-em-pena-privativa-de-liberdade-denise-cristina-mantovani-cera>. Acesso em: out. 2017.

(24)

uma restritiva de direito, em virtude de esta ser uma das espécies de prestação pecuniária, como veremos a seguir.

2.1.4 Pena pecuniária

Em que pese ser esta uma espécie da pena restritiva de direitos, necessário é um tópico em apartado, em virtude de suas especificidades.

Conforme Masi35, esta consiste no pagamento, pelo infrator, como forma de

punição pela transgressão de determinado delito.

Assim como as penas citadas alhures, a pena pecuniária é uma pena antiga. Contudo a essência antiga (caráter indenizatório) não é a que mais permanece hoje, assim ensina Bitencourt:

Em Roma ela esteve presente no direito público e no direito privado. Não é demais esclarecer que a sanção tinha, também aqui, caráter indenizatório, típico da vingança privada. Não era – nem podia ser – a pena pecuniária de hoje, cuja essência constitui-se em um pagamento, em favor do Estado, de determinada quantia em dinheiro, despida de qualquer ideia de indenização. 36 (grifo nosso)

Ainda segundo Bitencourt37, referida pena possui três tipos: confisco,

indenização ao ofendido e multa. O primeiro refere-se à possibilidade de perda de bens pelo infrator. A segunda, visava reparar a vítima pecuniariamente pelo prejuízo causado, utilizada, geralmente, em substituição as penas privativas de liberdade de curta duração. Já a terceira, refere-se ao pagamento de uma determinada quantia, fixada por sentença, ao Estado.

Conforme assevera o autor38, é importante ressaltar que a pena de multa, na

esfera penal, difere-se das demais em virtude de seu caráter personalíssimo (não é transferida aos herdeiros ou sucessores do apenado) e da possibilidade de sua conversão em pena restritiva de liberdade, caso esta não seja cumprida.

A maior crítica para este tipo de pena, em especifico a multa, é em relação ao locupletamento pelo Estado de tal verba, em razão de sua própria ineficiência em prevenir os crimes, assim ensina Garcia, por intermédio de Bitencourt:

35 MASI, Carlo Velho. Das penas pecuniárias. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/18757/das-penas-pecuniarias>. Acesso em: out. 2017

36 BITENCOURT, Cézar Roberto. Falência da pena de prisão, causas e alternativas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 266.

37 Ibidem, p. 267. 38 Ibidem, passim.

(25)

Percebe-se, porém, certa nota de imoralidade nesse enriquecimento do Estado às expensas do crime, que lhe compete prevenir [...] que se locupleta invocando sua própria ineficiência, para não mencionar sua própria torpeza, conforme brocardo proibitivo [...] a impreterível necessidade de se canalizarem os proventos originários dessa fonte impura unicamente para as salvadoras funções de prevenção geral e especial, buscando com eles atenuar a criminalidade [...]39

(grifo nosso)

Neste ínterim, a fim de compensar o uso de uma verba originária de tal fonte, ao menos seria necessário a destinação vinculada ao combate ao crime. Do contrário, o Estado estaria valendo-se de sua própria torpeza. No mais, é uma ótima forma de punir as infrações menos graves.

2.1.5 Pena restritiva de liberdade

Trata-se de um tipo de pena relativamente recente em relação às demais, começando a ter maior uso a partir do século XVIII, tendo grande influência dos ideais iluministas trazidos pela Revolução Francesa.

Importa em dizer que a restrição de liberdade não era utilizada inicialmente como pena, sendo mero instrumento facilitador do processo (semelhante à preventiva, contudo, sem abatimento da pena ou algo similar), nesta linha explica Greco:

Durante a Idade Média, da mesma forma que no período anterior, a privação da liberdade do acusado era entendida como de natureza processual, e não como pena, uma vez que o motivo que determinava sua prisão era o e tão somente aguardar a aplicação da pena corpórea que sobre ele, futuramente, iria recair [...] Se o destino do réu seria algum trágico sofrimento, como consequência lógica desse raciocínio, nunca houve preocupação com sua custódia cautelar, ou seja, os acusados ficavam presos normalmente em lugares fétidos, em masmorras, sem alimentação adequada, privados, muitas vezes, do sol e do próprio ar; enfim, as condições dos cárceres provisórios existentes na Idade Média não se distanciavam muito daquilo que conhecemos nos dias de hoje, principalmente em países de fase de desenvolvimento ou emergentes, como ocorre em muitos países da América Latina, a exemplo do Brasil [...]40 (grifo nosso)

Logo, percebe-se que a finalidade da referida restrição não tinha o mesmo condão que a de hoje, todavia, o tratamento direcionado aos presos era similar, não havendo, portanto, uma mudança por completo.

39 BITTENCOURT, Cézar Roberto. Falência da pena de prisão, causas e alternativas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.268.

40 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 100.

(26)

Em relação a temática anterior, conforme explica Greco41, cabe mencionar que

haviam exceções, tais como a prisão eclesiástica e as prisões de Estado. Pois estas tinham sim a finalidade de punir o indivíduo. A eclesiástica era destinada a sacerdotes e religiosos, que se recolhiam em monastérios com vistas a pagar penitência (daí vem a expressão “sistema penitenciário”), já as prisões de estado eram destinadas aos inimigos do poder real. Outrossim, embora considerada por muitos mais branda, a prisão eclesiástica também teve momentos de excesso, a exemplo do cárcere subterrâneo, marcados pela expressão “Vá em paz”, pois aqueles que nelas entravam, jamais saiam.

Em relação a situação atual dos presídios, bem como a crítica que tais sistemas recebem, opta-se em abordar estas no capítulo 3, momento que será feito um contraponto com as possíveis soluções.

2.2 FUNÇÕES DA PENA

Importante ressaltar que não se pretende esgotar todo o assunto que revestem as teorias das funções das penas, portanto, será abordado de forma breve, com o simples intuito de demonstrar as razões, os objetivos de se impor uma pena ao infrator.

Sabe-se que o conceito de “Estado” e “pena” são relacionados, pois as funções que a segunda irá desempenhar estarão relacionadas ao desenvolvimento do Estado. Assim conforme um evolui, o outro evoluirá, assim ensina Bitencourt:

Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si. O desenvolvimento do Estado está diretamente ligado ao da pena. [...] Convém registrar que uma concepção de Estado corresponde uma de pena, e a esta, uma de culpabilidade [...] Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos inter-relacionados. Com efeito, é evidente a relação entre uma teoria determinada de Estado com uma teoria da pena, e entre a função e finalidade desta com o conceito dogmático de culpabilidade adotado.42

(grifo nosso)

41 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, passim.

42 BITENCOURT, Cézar Roberto. Falência da pena de prisão, causas e alternativas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 114.

(27)

Nesse sentido, as teorias das penas dividem-se em retributivas (absolutas), preventivas (relativas) e mistas (unificadora). A teoria retributiva, segundo Ganen43,

consiste em:

[...] retribuir com o mal da sanção o mal causado pela infração, ou seja, o seu único objetivo é a retribuição do mal pelo mal. Para entender melhor a teoria retributiva é importante ter em mente que ela era apenas o reflexo do modelo político decorrente do Estado absolutista, em que a pessoa do governante se mistura com o Estado e o Estado se confunde com a Igreja. Afirma-se, então, que a teoria em análise possui as seguintes características: 1) aplica um castigo; 2) a posição da vítima é secundária; 3) representa o poder do Estado.

É manifesto que essa era a função que prevalecia na antiguidade. Contudo, a retribuição naquela época ultrapassava, na maioria das vezes, os limites da proporcionalidade, em virtude do caráter altamente supliciante.

Já a teoria preventiva, possui como escopo evitar a prática delitiva. Segundo o ilustre autor44, esta se divide em duas espécies: prevenção geral e prevenção

especial.

A prevenção geral visa intimidar os cidadãos para que não pratiquem a conduta delituosa, é uma espécie de coação psicológica que paira sobre eles. Desse modo, a pena desestimula a prática de crimes. O enfoque é a sociedade em geral.

Já a prevenção especial, diferente da anterior, possui o enfoque no infrator, pois visa evitar que este cometa novos crimes, adaptando-o a vida em sociedade (neste ponto, revela-se o aspecto ressocializador da pena).

Nesta senda, a teoria mista cuidou de juntar as teorias anteriores, exatamente por isso também é chamada de teoria unificadora, assim explica Ganen45, que,

conforme esta teoria, a pena cuidaria ao mesmo tempo da retribuição, pelo agente, bem como de sua ressocialização, de modo que este não passe mais a delinquir. Aliás, esta é a teoria adotada pelo Brasil, nos termos do art. 1º, da Lei de Execução Penal, que determinou que a execução deveria “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”46

43 GANEN, Pedro Magalhães. Funções da pena. Disponível em:

<https://pedromaganem.jusbrasil.com.br/artigos/445736305/funcoes-da-pena>. Acesso em out. 2017. 44 Ibidem.

45 Ibidem.

46 BRASIL. Lei nº 7.210, 11 de jul. de 1984. Lei de Execução Penal. Brasília, DF, jul. 1984.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210compilado.Htm>. Acesso em mar. 2018.

(28)

Figura III – Funções da pena

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim, resta claro que a pena não tem o único condão de punir o agente infrator, em que pese a nomenclatura, visa também impedir que este volte a delinquir, ressocializando-o. Além disso, visa inibir a prática delituosa pela sociedade.

(29)

3. DO STATUS QUO DOS PRESÍDIOS E ALTERNATIVAS

Este capítulo objetivou demostrar o status quo dos presídios no Brasil, bem como a trazer soluções a esse sistema degradante. É sabido que o sistema penitenciário sempre foi alvo de diversas críticas. Ineficaz no que tange a ressocialização, superlotação, condições desumanas e degradantes, são apenas algumas adjetivações recebidas. A precariedade e ineficiência é algo manifesto, nesse sentido, traz-se a lição de Barros47:

É de conhecimento geral que o Sistema Prisional Brasileiro é, na prática, precário e ineficiente para a reabilitação do preso, em virtude de descaso por parte do Poder Público, que não investe o suficiente para a manutenção de um Sistema Prisional adequado que de fato atenda às normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais atinentes à questão.

(grifo nosso)

Conforme visto no capítulo 2, o sistema penitenciário deveria, além de punir, ressocializar o preso, função comumente esquecida. Todavia, acabam por realizar o exato oposto, tanto que é apelidado pela sociedade como “escola do crime”.

Bedê elucida bem os problemas que o cercam, fazendo, inclusive, uma analogia com o atual sistema penitenciário e o inferno, da obra de Dante Alighieri:

O sistema carcerário brasileiro atual encontra-se falido, sem qualquer perspectiva de mudança positiva, como superlotação, falta de defensores públicos, médica, psicológica, maus-tratos, corrupção, reincidência de 70%, etc. O Brasil possuía, em 2015, cerca de 563.526 detentos encarcerados e um déficit de 206.307 vagas no sistema prisional. Não é de se assustar que, em meio a tantas irregularidades, os direitos de presos sejam violados constantemente; com presídios sujos, sem condições humanas adequadas, com grande proliferação de doenças, estruturas precárias, dentre outras coisas nefastas, remetendo ao famoso autor Dante Alighieri, em sua obra “A Divina Comédia” quando começou a descrever com as mesmas características o Inferno.48

(grifo nosso)

Assim, a fim de permitir uma melhor visualização da realidade dos presídios e possibilitar uma adequada discussão sobre as soluções, optou-se por dedicar um título para cada infortúnio que assola o sistema penitenciário, para aprofundá-lo em separado.

47 BARROS, Gabriela dos Santos. Análise crítica do Sistema Penitenciário Brasileiro. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27727/analise-critica-do-sistema-penitenciario-brasileiro>. Acesso em mar. 2018.

48 BEDÊ, Rodrigo. Uma breve análise sobre a situação dos presídios brasileiros: Qual o estado que se encontram os presídios brasileiros?. Disponível: <https://rodrigobede.jusbrasil.com.br/artigos/ 444136748/uma-breve-analise-sobre-a-situacao-dos-presidios-brasileiros>. Acesso em mar. 2018.

(30)

3.1. SUPERLOTAÇÃO

Sabe-se que as dependências dos presídios suportam muito além do quantum para o qual foram projetados e que essa situação vem se agravando no decorrer do tempo, conforme se pode observar do gráfico abaixo:

Gráfico I - Evolução da população carcerária no brasil desde 1990

Fonte: Nexo.49

Ademais, além de estar em consonância com princípios basilares de Direitos Humanos, a exemplo da dignidade da pessoa humana, o respeito a capacidade máxima da lotação possui previsão na Lei de Execução Penal – LEP50, in verbis:

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades.

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

(Grifo nosso)

49 MARIANI, Daniel et. al. NEXO. Disponível em: < https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/01 /04/Lota%C3%A7%C3%A3o-de-pres%C3%ADdios-e-taxa-de-encarceramento-aqui-e-no-mundo>. Acesso em mar. 2018.

50 BRASIL. Lei nº 7.210, 11 de jul. de 1984. Lei de Execução Penal. Brasília, DF, jul. 1984.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210compilado.Htm>. Acesso em mar. 2018.

(31)

Aliás, conforme veículo oficial do Conselho Nacional de Justiça – CNJ51, o

Conselheiro Rogério Nascimento explicou que “o sistema prisional abriga 660 mil pessoas, mas conta com apenas 401 mil vagas”.

Ocorre que grande parte é ocupada por indivíduos presos preventivamente. Nessa linha, o Conselheiro detalhou que “deste universo, 243 mil são presos provisórios (sem condenação), 296 mil do regime fechado, 105 mil do semiaberto e cerca de 9 mil do aberto”. Palavras que podem se resumidas no gráfico abaixo:

Gráfico II – A realidade do sistema carcerário

Fonte: elaborado pela autora.

Oportuno esclarecer que o referido quantitativo, de âmbito nacional, guarda proporção entre os estados, portanto, não se trata uma característica de determinado estado, em isolado, que impacta no quantitativo geral.

A fim de tentar contornar esse problema, o CNJ desenvolve o projeto Choque de Justiça, implantado pela então presidente ministra Carmen Lúcia, o qual, mediante ação coordenada entre magistrados e servidores dos Tribunais de Justiça, agilizam o julgamento de processos a fim de reavaliar a situação dos presos preventivamente.

O referido projeto permitiu a quebra da curva ascendente de presos provisórios, conforme o próprio veículo oficial do CNJ52, nos primeiros quatro meses de 2017, o

número passou de 218,3 mil para 214,2 mil.

51 CIEGLINSKI, Thaís. CNJ. Sistema carcerário é doente e mata, diz Rogério Nascimento, do CNJ. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85245-o-sistema-carcerario-e-doente-e-mata-diz-rogerio-nascimento-do-cnj>. Acesso em mar. 2018.

52 FARIELLO, Luíza. CNJ. Choque de Justiça: 150 mil casos de presos provisórios reavaliados. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84923-choque-de-justica-150-mil-casos-de-presos-provisorios-reavaliados>. Acesso em mar. 2018.

Regime fechado 296 mil (45%) Provisórios 243 mil (37%) Regime semiaberto 105 mil Regime aberto 9 mil (2%)

Número de vagas: 401 mil

(32)

Em que pese o belo feito, tal medida, por si só, é insuficiente para resolver o problema em comento, uma mudança na política de encarceramento é necessária.

Assim, em que pese o número alarmante de presos provisórios, o Conselheiro Rogério Nascimento53 salienta ser ilusório acreditar que enfrentando apenas esse

problema restaria superada a superlotação. Pois é necessária “a adoção de medidas de política criminal, como a reavaliação da Lei de Drogas, assim como de política jurisdicional, a exemplo da priorização permanente do julgamento de processos com acusados presos”.

Nessa linha temos também Greco54, que explica que a superlotação atual se

origina de uma “opção política adotada pela maioria dos países”, que decorre do Direito Penal máximo (chamado ainda de eficientismo penal), que consiste em utilizar cada vez mais o referido ramo para regular condutas, em detrimento dos demais. De forma brilhante sintetiza Silva55:

Quando se fala em aumento da criminalidade, o primeiro instrumento lembrado é o direito penal, consequentemente, como resposta a uma

suposta violência globalizada, criam-se tipos penais, aumentam-se as penas

e restringem-se cada vez mais as garantias fundamentais, colocando, certas pessoas, diante dos atos praticados, como “inimigos” do Estado. O que se acaba de demonstrar nada mais é do que o chamado “eficientismo penal” ou “direito penal máximo” [...]. (grifo nosso)

Nessa esteira, a fim de ilustrar a proporção do eficientismo penal no Brasil em relação aos demais países, traz-se à baila o levantamento realizado pelo CNJ, em 2014, em relação à população prisional, observe que o Brasil aparece em 3º lugar:

Gráfico III - Ranking dos 5 países com maior população prisional - 2014

Fonte: CNJ (adaptado)56

53 CIEGLINSKI, Thaís. CNJ. Sistema carcerário é doente e mata, diz Rogério Nascimento, do CNJ. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85245-o-sistema-carcerario-e-doente-e-mata-diz-rogerio-nascimento-do-cnj>. Acesso em mar. 2018.

54 GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 4ª Ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 182.

55 SILVA, Louise Trigo da. Algumas reflexões sobre o direito penal máximo. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13103>. Acesso em mar. 2018.

56 CNJ. Novo diagnóstico de pessoas presas no brasil. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_presas_correcao.pdf>. Acesso em mar. 2018. 385.135 676.400 711.463 1.701.344 2.228.424 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 Índia Rússia Brasil China EUA

(33)

Portanto, é evidente que uma nova postura por parte do Estado deve ser tomada, a fim de tornar, de fato, a subsidiariedade uma característica tanto do Direito Penal e quanto das penas privativas de liberdade, nos termos do preconizado pelo princípio da intervenção mínima (frise-se: do Direito Penal e não do Estado, não se busca aqui o Estado mínimo).

3.2 REINCIDÊNCIA

É de conhecimento geral que as taxas de reincidência no Brasil são altas, variando conforme o conceito adotado de reincidência na amostragem. Quando se utiliza um mais estrito as taxas giram em torno de 30% e, quando se adota um mais amplo, pode alcançar os temíveis 70%.

Esclareça-se que altas taxas demonstram a ineficácia da função ressocializadora da pena. Assim, a fim de ilustrar o presente trabalho, optou-se por utilizar os dados do levantamento57 realizado pelo CNJ em parceria com o Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.

Oportuno esclarecer que tanto neste tópico, quanto na pesquisa em comento, o conceito adotado de reincidência foi o estritamente legal, aplicável quando o indivíduo é “condenado em diversas ações penais, ocasionados por fatos diversos,

devendo a diferença entre o cumprimento de uma pena e a determinação de uma nova sentença ser inferior a cinco anos”58 (grifo nosso), com fulcro nos arts. 63 e

64, do Código Penal.

Além disso, a referida pesquisa buscou “aprofundar o conhecimento a respeito dos programas de ressocialização”. Assim, analisou o quanto “os programas desenvolvidos no âmbito dos estados se aproximam da política voltada à reintegração social orientada pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN e pelo CNJ”.

Assim, mediante amostra realizada nos estados de Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro, foi realizada a média ponderada de reincidência ficou em 24,4%, conforme tabela seguinte.

57 CNJ. Reincidência Criminal no Brasil – Relatório de pesquisa. Disponível em: <http://cnj.jus.br/files/ conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf>. Acesso em mar. 2018, passim.

(34)

Tabela I – Número de apenados não reincidentes e reincidentes

UFs da amostra Processos

analisados Não reincidentes Reincidentes

AL, MG, PE, PR e RJ 817 618 (75,6 %) 199 (24,4%)

Fonte: CNJ (adaptado)59

Ademais, restou verificado60 que 62,8% da amostra era formada por uma

população jovem, em consonância com dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que demonstra que 54,8% dos apenados, em 2012, no Brasil, têm entre 18 e 29 anos.

Em relação ao sexo, os dados61 revelaram que 91,9% dos apenados eram do

sexo masculino, contra 8,1% do sexo feminino. Além disso, a proporção de mulheres entre os reincidentes é de 1,5%, enquanto os homens 98,5%.

Em relação a cor, verificou-se62 que a proporção de brancos entre os

reincidentes era de 53,7%, contra 11,6% dos pretos e 34,7% dos pardos. As categorias amarelo e indígena não se fizeram presentes nos dados coletados. Observe-se, no entanto, que 39% dos dados relativos aos reincidentes obtidos nos processos da amostra não foram informados a cor, razão pela qual os índices podem sofrer distorções.

O relatório apontou ainda que 55% da população carcerária é ocupado por negros e pardos, o que poderia indicar um “filtro racial nas abordagens e prisões” tanto no Brasil, quanto no mundo, in verbis:

Segundo dados do último Censo Demográfico do IBGE, pretos e pardos representam 55% da população brasileira, o que significa que sua proporção na amostra analisada é superior àquela encontrada na população em geral. Este fato tem sido objeto de muitos estudos, que têm demonstrado a existência de um filtro racial nas abordagens e prisões efetuadas pelas polícias brasileiras, que de forma seletiva e racista colocam como “clientes” preferenciais jovens, negros e moradores da periferia sob custódia (Ramos, 2002; Adorno, 1996; Cano, 2010). Este argumento ganha ainda mais força quando verificamos que 67,5% das vítimas de morte por agressão em 2011 eram pretas e pardas, que representaram impressionantes 35.207 tiradas de forma violenta em apenas um ano. Estudos internacionais

59 CNJ. Reincidência Criminal no Brasil – Relatório de pesquisa. Disponível em: <http://cnj.jus.br/files/ conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf>. Acesso em mar. 2018, p. 23.

60 Idem.

61 Ibidem, p. 24. 62 Idem.

(35)

também têm apontado para a filtragem racial nas abordagens e prisões de outras polícias no mundo [...].63 (grifo nosso)

Em relação ao nível de escolaridade, os analfabetos, os que sabem ler e escrever mas que não possuem instrução, mais os que têm ensino fundamental incompleto, somados ocupam 75,1% do índice de apenados, mantendo essa proporção na taxa de reincidentes, que é de 80,3%.64

Nessa linha, verifica-se que, em que pese ter se utilizado de um conceito mais restrito de reincidência (o legal) para fins de apuração dos índices, os níveis são altos, em especial nos indivíduos de baixa escolaridade. O que revela o impacto e importância da educação, considerado pela Magna Carta um direito fundamental de cunho social.

Em relação aos tipos penais, verificou-se65 que os predominantes são os

patrimoniais, furto e roubo, que ocupam cerca de 41% da população carcerária, seguido do tráfico de drogas, conforme gráfico abaixo, elaborado com base nos estudos em comento:

Gráfico IV – População carcerária por tipo penal

Fonte: Elaborado pela autora.

Ademais, essa proporção foi mantida nos índices de reincidência, mostrando novamente um predomínio de crimes patrimoniais, contudo em relação ao tráfico de drogas houve uma queda, conforme gráfico.

63 CNJ. Reincidência Criminal no Brasil – Relatório de pesquisa. Disponível em: <http://cnj.jus.br/files/ conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf>. Acesso em mar. 2018, p.31., 24-25. 64 Ibidem, 25-26. 65 Ibidem, p. 29. Furto 21% Roubo 20% Tráfico de drogas 18% Homicídio/latrocínio 9% Porte e/ou posse

de arma de fogo 6% Aquisição/porte/consu mo de droga Estelionato 3% Lesão corporal 3% Receptação 3% Outros 13%

(36)

Gráfico V – Reincidência por tipo penal

Fonte: Elaborado pela autora.

Em relação as ações voltadas a ressocialização, conforme dito alhures, a LEP, no art. 1º, previu que era dever do Estado, na execução da pena, promover a “harmônica integração social do condenado ou do internado”.66

Contudo, para que isto ocorra, conforme estudos do CNJ67, é necessário o

amparo material, à saúde, jurídico, educacional, social, religioso e ao trabalho. Ou seja, os estabelecimentos penais devem ser dotados de estrutura física e humana.

Contudo, não é isto o que ocorre, em diversos casos os presos são submetidos a condições insalubres e o amparo é deixado de lado, conforme será observado no tópico seguinte.

3.3 SITUAÇÃO PRECÁRIA

Seja em decorrência da falta de recursos ou da malversação deles, bem como de cuidados de básicos de manutenção e higiene predial muitos presídios enfrentam péssimas condições.

Em relação aos problemas decorrentes da má e irregular gestão de verbas, bem como da corrupção, esclareça-se que será abordado no tópico “3.4 corrupção e má gestão”.

66 BRASIL. Lei nº 7.210, 11 de jul. de 1984. Lei de Execução Penal. Brasília, DF, jul. 1984.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210compilado.Htm>. Acesso em mar. 2018.

67 CNJ. Reincidência Criminal no Brasil – Relatório de pesquisa. Disponível em: <http://cnj.jus.br/files/ conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf>. Acesso em mar. 2018, p.31. Furto 27% Roubo 22% Tráfico de drogas 12% Homicídio/latrocínio 5% Porte e/ou posse

de arma de fogo 6% Aquisição/porte/consu mo de droga Estelionato 4% Lesão corporal 2% Receptação 4% Outros 8% Não informado 3%

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