• Nenhum resultado encontrado

OS INTELECTUAIS GUARANI E KAIOWÁ E SUAS PRODUÇÕES DE CONHECIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO INDÍGENA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "OS INTELECTUAIS GUARANI E KAIOWÁ E SUAS PRODUÇÕES DE CONHECIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO INDÍGENA"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

OS INTELECTUAIS GUARANI E KAIOWÁ E SUAS PRODUÇÕES DE CONHECIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO INDÍGENA

Adir Casaro Nascimento Universidade Católica Dom Bosco/UCDB

Carlos Magno Naglis Vieira Universidade Católica Dom Bosco/UCDB

O artigo é resultado de reflexões do projeto de pesquisa “A relação entre a formação de professores, os projetos políticos pedagógicos e a organização curricular em escolas indígenas Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul1”, ainda em desenvolvimento, vinculado ao grupo de pesquisa/CNPq – Educação e Interculturalidade, do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco/UCDB. Tendo como foco os trabalhos realizados por intelectuais indígenas no Programa de Pós - Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco/UCDB, na linha de pesquisa Diversidade Cultural e Educação indígena, o texto tem como objetivo trazer contribuições para as discussões da educação escolar indígena, mais precisamente, na tentativa de subverter a cristalização e de apropriar-se de ferramentas que permitam aos índios protagonizar a reescrita de suas histórias, uma outra história até então não alcançada pelo cânones escolares/acadêmicos.

As nossas vivências com os povos indígenas, em especial, os professores e crianças indígenas talvez nos tenham propiciado mais habilidades em relatar e contar nossas experiências do que escrever um texto acadêmico nos conformes da normalidade cartesiana, tão presente ainda nas academias. O contato de longos anos com suas narrativas orais e escritas sob outras lógicas tem nos afetado e, felizmente, nos hibridizado e desnaturalizado a construção moderna de normalidade, identidade, cultura, ciência e conhecimento.

Ao lado desta rica convivência também somos infiltrados pelas leituras em, entre outros, Bhabha, Fanon, Hall, Gauthier, Santos, Quijano,Walsh e as Epistemologias

1 O projeto conta com financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e

(2)

do Sul2 que nos descentram de nossas certezas em “epistemologias neutras” e dos “conhecimentos em abstrato” e que nos permitem pelo menos perceber outras “práticas de conhecimento e seus impactos noutras práticas sociais” (SANTOS; MENESES, 2010, p.11). Assim sendo, ao termos como foco, neste texto, as experiências vividas no âmbito do Observatório, não só em nossa linha de pesquisa3, mas no Programa4,como um todo trazemos, também uma longa trajetória de convivência e aprendizagens significativas com as comunidades indígenas, com os processos de formação inicial e continuada de professores indígenas, de pesquisas com crianças indígenas e com a presença de mais de uma década de acadêmicos/intelectuais indígenas no mestrado e doutorado.5

Foi com a expectativa de ampliar e fortalecer o espaço para que outras culturas, outras epistemologias, outras práticas políticas e pedagógicas produzissem a tensão e agonizassem o espaço acadêmico fortemente ancorado na “verdade” da ciência moderna e nos rastros do colonialismo, da universalidade, da monocultura, da hegemonia e homogeneidade e que dificulta o diálogo entre os saberes/conhecimentos, inclusive o da modernidade.

Permitir que estes outros saberes circulem com o aval da instituição tem provocado crises, deslocamentos, rupturas e muitos desafios, pois aquilo que foi sempre considerado inferior, primitivo, crendices, folclórico, exótico, satânico, limitado, não científico, não rigoroso, não úteis para a humanidade, agora “dividem” este espaço essencializado culturalmente, carregado da colonialidade do saber e do poder. Desconstruir a concepção epistemológica de que os saberes ancestrais ao serem considerados tradicionais seriam fixos, congelados no tempo, “resíduos de um passado sem futuro” e que o futuro “caberia exclusivo à modernidade ocidental” (SANTOS; MENESES, 2010, p. 21) tem sido uma aposta de nossa parte, não só conosco mesmos,

2 “As epistemologias do Sul são o conjunto de intervenções são o conjunto de intervenções

epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam os saberes que resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos” (SANTOS, 2010, p.19).

3 A linha de pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena, foi criada em 2004, no Programa de

Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco/UCDB por recomendação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES em virtude da demanda de trabalhos relacionados com populações indígenas e as demais diferenças.

4 Programa de Pós –Graduação em Educação- Mestrado e Doutorado/UCDB

5A linha de pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena, desde sua criação em 2004 já recebeu 21

acadêmicos indígenas, 17 que já concluíram o mestrado e um que concluiu o doutorado, além de cinco estarem com suas pesquisas em andamento no curso de mestrado.

(3)

mas também com o coletivo do Programa e quiçá de suas extensões. Tem sido uma aposta na democratização das relações de poder, das relações do saber e das relações do ser.

Nessa aposta, a vigilância mais rigorosa que temos que ter, tem sido a necessidade de subverter o nosso olhar, a nossa lógica binária, as nossas concepções com relação às pesquisas, pois como temos aprendido com Gauthier (2001, p. 42)

Ao definirmos o pensamento como feito não apenas de razão, mas também de intuição, de emoção e de sensitividade, ao enfatizarmos o papel do corpo e da espiritualidade na aprendizagem e na pesquisa, caminhamos rumo à autonomia, pela libertação das energias de vida e de conhecimento desconhecidas e recalcadas pelos poderes-saberes instituídos.

Assim como os nossos parceiros indígenas fazem quando explicam os seus conhecimentos, tendo como referência suas cosmovisões, suas resistências, a sua espiritualidade enquanto epistemologias, a oralidade enquanto um sistema de produzir, registrar e partilhar os seus saberes, o nosso compromisso político e ético é não tê-los como objetos de pesquisas, como o diferente a ser estudado, a ser normalizado e legitimado, mas como co - autores, pesquisadores, produtores da antropologia de si mesmos (NASCIMENTO, 2014). Isto nos remete à metodologias outras, ao exercício da bricolagem, às autoetnografias, à perguntas até então nunca enunciadas, à produções escritas outras que escapam ao academicismo e cartesianismo e às categorias pré-definidas; nos remetem à historias nunca contadas, à crítica das verdades, das generalizações produzidas pelos o que vem de fora, ou seja, estas novas experiências nos colocam sob rasura.

Na tradução intercultural que nós e eles fazemos, as nossas teorias têm sido colocadas em crise e nos provocam a releitura e a ressignificação de nossos saberes. Todos (eles e nós) temos feito o exercício de nos deixar contaminar pelo o outro, reconhecendo sempre que seremos (eles e nós) o outro.

(4)

O Mato Grosso do Sul é um território que possui uma grande diversidade demográfica e cultural6, representada por múltiplas línguas e inúmeros sotaques. Dentre os segmentos populacionais do Estado, destacam os povos indígenas com a segunda maior população do país, onde apresenta um contingente indígena de aproximadamente 77 mil pessoas, segundo os dados do IBGE/2010, divididas em 8 etnias indígenas, sendo: os Kaiowá e Guarani (44.351 pessoas, habitam a região sul do Mato Grosso do Sul), os Terena (23.080 pessoas, sediados na região centro-oeste do Estado), os Kadiwéu (1.426 pessoas, localizados no extremo oeste da região, na maior área indígena fora da Amazônia Legal, suas terras estendem entre os município de Bodoquena e Porto Murtinho), os Guató (175 pessoas, antigos povos pescadores das margens do rio Paraguai, sediados no extremo norte do Mato Grosso do Sul, fronteira Brasil/Bolívia), os Ofaie (61 pessoas, localizados na região de extremo sul do Estado), os Kinikinau (136 pessoas, localizados no extremo oeste do Estado, mais precisamente na Reserva Indígena Kadiwéu) e os Atikum (30 pessoas, oriundos de Pernambuco7, são sediados atualmente no centro-oeste do Estado mais notadamente na Terra indígena Terena de Nioaque/MS e Miranda/MS). Segundo Nascimento, Brand e Aguilera Urquiza (2011),

com exceção dos Kadiwéu, os demais vivem em contextos marcados pela perda territorial e correspondente confinamento em terras reduzidas, com os recursos naturais profundamente comprometidos, os quais não oferecem mais condições para a sua sustentabilidade (p.18).

Analisando o cenário indígena do Mato Grosso do Sul identificamos uma forte presença e influência da colonialidade, principalmente pelo fato de provocar um padrão de controle, hierarquização e classificação dessa população (QUIJANO, 2005). Amparado pelas leituras do grupo Modernidade/Colonialidade8 verificamos que

6 Estão presentes no território do Mato Grosso do Sul/MS populações de migrações nacionais

(nordestinos, mineiros, paulistas, catarinenses, paranaenses, baianos e gaúchos) e estrangeiras vinda da Europa, Ásia e Oriente Médio (portugueses, húngaros, russos, búlgaros, gregos, franceses, poloneses, italianos, alemães, sírios, armênios e japoneses), além de populações quilombolas, camponesas, ribeirinhas e de fronteira.

7Os índios Atikum que vivem em Mato Grosso do Sul saíram da Serra do Umã/PE em diferentes fluxos

migratórios e por diversas razões, entre a década de 1970 e 1980, atravessando o território nacional até se estabelecerem em Nioaque/MS e Miranda/MS (Ulian, 2013).

8O grupo Modernidade/Colonialidade é formado por inúmeros intelectuais de nacionalidade latino-americana e americanista. Dentre eles se destacam o filósofo argentino Enrique Dussel, o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o semiólogo e teórico cultural argentino Walter Mignolo, o sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel, a linguista norte-americana radicada no Equador Catherine Walsh, o

(5)

estamos diante de um “Estado em que a ‘cultura do boi’ dita as regras e impõe seus valores, e a economia do agronegócio e da pecuária constrói, estimula e reproduz um discurso carregado de estereótipos e intenso preconceito e discriminação” (VIEIRA, 2015, p. 127).

A presença da colonialidade resultou em um processo histórico agressivo e violento. Para melhor compreender todo esse cenário, basta ler as produções historiográficas sobre o Estado, principalmente aquelas que destacam a questão econômica. Nelas identificamos que os migrantes estrangeiros que povoaram a região, principalmente na década de 19209, são populações colonizadoras, que além do interesse no domínio e na exploração do território e do mercado, provocaram, por consequência, um “esparramo10” (BRAND, 1993) e um “confinamento11” (BRAND, 1997).

Neste sentido, essa “colonialidade do poder” que ainda perdura muito forte pelo Mato Grosso do Sul, evidencia que os grupos que vieram de fora, e fixaram uma “hierarquia racializada [entre]: brancos (europeus), mestiços e, apagando suas diferenças históricas, culturais e linguísticas, índios e negros como identidades comuns e negativas” (Walsh, 2009, p.14). Se para Walsh (2009) em uma interpretação mais genérica houve um “apagar” das diferenças, em nossas observações junto aos povos indígenas esse “apagar” não acontece. Há um silenciamento e uma subalternização de suas manifestações culturais (econômica, linguística, espiritual) que foram sendo

filósofo porto-riquenho Nelson Maldonado Torres, o filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez, o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, o antropólogo colombiano Arturo Escobar, a semióloga argentina Zulma Palermo, o antropólogo venezuelano Fernando Coronil e o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein.

9Referimos - nos ao Estado de Mato Grosso, período anterior a divisão do Estado, em 11 de outubro de

1977.

10 O termo esparramo, segundo Brand, foi amplamente empregado pelos informantes indígenas para

caracterizar o processo de destruição das aldeias e o desmantelamento das famílias extensas em função do desmatamento. É o processo de dispersão que precede o confinamento no interior das reservas. A informação pode ser consultada em BRAND, Antônio Jacó. O confinamento e seu impacto sobre os

Pãi/Kaiowá. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. 1993.

Dissertação (Mestrado em História).

11 Segundo Brand, o confinamento dos Kaiowá e Guarani deu-se por diferentes fatores, em especial, em

decorrência da perda de seus territórios tradicionais, provocando a falta de condições para manterem seu modo – de - ser nos tekoha (aldeias) tradicionais, fazendo com que se aglutinassem dentro das reservas instaladas pelo SPI. A informação pode ser consultada em BRAND, Antônio Jacó. O Impacto da perda

da Terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade

(6)

ressignificadas, traduzidas, mas não “apagadas”. Poderíamos inferir que, talvez, em alguns grupos étnicos essa subalternização e/ou silenciamento, fosse mesmo estratégico, ou, por outra, processos concebidos de negociação.

Mesmo com essa consideração local, diante da reflexão de Walsh (2009) e das condições de vida desse povo, se pode perceber que as populações indígenas parecem ser as que mais têm sofrido com essa situação, pois desde a colonização, vêm sendo posicionados como minorias étnicas e por esse motivo, têm vivido “nas margens da sociedade branca ou como obstáculos para a implantação dos valores civilizatórios, sendo vistos como ervas daninhas que devem ser eliminadas, sufocadas” (BACKES; NASCIMENTO, 2011, p.25) e silenciadas na identidade do Estado.

No cenário indígena de Mato Grosso do Sul, em decorrência das diferentes situações apresentadas, destacamos o crescimento do número de índios que deixaram as aldeias no campo e migraram para a cidade. Entre as principais justificativas para o deslocamento de índios para o espaço urbano estão: a falta de trabalho nas comunidades indígenas e a degradação da terra (VIEIRA, 2015), (SANT´ANA, 2010). Além disso, contribuem para esse êxodo, o convite dos parentes, a necessidade de um tratamento de saúde, a falta de escolarização na aldeia ou algum desentendimento ou conflito com lideranças ou membros da comunidade.

Em decorrência desses fatores presenciamos no Mato Grosso do Sul 14 mil indígenas em contexto urbano12, segundo os dados do IBGE/2010. Essa população, grande parte da etnia Terena, está distribuída em inúmeros municípios do estado. Dentre as cidades com maior contingente populacional indígena vivendo em contexto urbano se destacam: Campo Grande, Dourados, Sidrolândia, Amambaí, Miranda, Maracaju, Rio Brilhante e Nova Alvorada do Sul.

É importante registrar que não é somente na terra indígena que os povos indígenas sofrem com um processo histórico agressivo e violento. No espaço urbano, o processo histórico de violência e confrontos diretos ficam menos aparente, mais silenciado, o que resulta na ausência de conhecimento da população não indígena sobre

12Como estamos diante de uma temática complexa, as produções sobre o assunto não apresentam um consenso com relação a que termo empregar: índios urbanos, índios na cidade, índios da cidade, índios citadinos, índios em área urbana e índios em contexto urbano (VIEIRA, 2015, p. 89).

(7)

os índios em contexto urbano, além do preconceito e da negação da alteridade indígena (VIEIRA, 2015).

A população indígena em situação de acampamento/assentamento é outro contexto que encontramos no território sul-mato-grossense. Também conhecidos como índios de “corredor” (CAVALCANTE, 2013), esse grupo situado às margens de rodovias do Estado ou em uma pequena porção da área que reivindicam, lutam e aguardam a demarcação de suas terras. Em outras palavras, Pereira (2006) escreve que essa população, grande maioria famílias indígenas Guarani e Kaiowá, vivem de forma isolada em áreas que ficam delimitadas entre uma pista asfaltada e o cercado de arames. Ainda, de acordo com o autor, os indígenas em situação de acampamento/assentamento “são marcados por ações de retomada de terras com histórico de conflitos violentos, com registros de assassinatos em muitos casos” (CAVALCANTE, 2013, p. 107).

Enfim, as populações indígenas do Mato Grosso do Sul são marcadas por um processo de enfrentamento, no qual as perdas territoriais e humanas, o preconceito e a discriminação são presentes constantes. Diante dessa situação, os índios são “constantemente desafiados a moldar e remoldar sua organização social, construir e reconstruir sua forma de vida e desenvolverem complexas estratégias, alternando momentos de confrontos diretos, permeados por enorme gama de violência, com negociações, trocas e alianças” (Brand; Nascimento, 2006, p.02).

As produções de conhecimento dos intelectuais Guarani e Kaiowá sobre educação indígena

O projeto de pesquisa “A relação entre a formação de professores, os projetos políticos pedagógicos e a organização curricular em escolas indígenas Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul” está em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco/UCDB, desde o ano de 2015. A pesquisa surgiu a partir de inquietações, ainda não respondidas, do projeto “Formação de professores indígenas Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: relações entre territorialidade, processos próprios de aprendizagem e educação escolar” financiado pelo programa Observatório da Educação/CAPES.

(8)

O programa Observatório da Educação/Educação Escolar Indígena/CAPES, esteve presente no PPGE/UCDB no período de 2009 a 2017. Nesse período, o projeto financiado colaborou para a formação de 8 professores indígenas, das etnias Terena e Guarani, com bolsas em nível de mestrado. A presença desses professores indígenas no PPGE/UCDB tem nos desafiado, enquanto professores, a reconhecer novas lógicas, a negociar palavras, subverter olhares e experienciar aprendizagem outras, principalmente de “ouvir as vozes dos que estão posicionados nas fronteiras da exclusão” (BACKES; NASCIMENTO, 2011, p.25).

Esses professores, também conhecidos como intelectuais indígenas “são em primeiro lugar formados pela e na oralidade, e que mantém a cultura oral como seu esteio de produção e transmissão, embora muitos deles hoje cheguem à academia” (BERGAMASCHI, 2014, p. 13). Ainda apoiado nas reflexões da autora, esses intelectuais são os sábios da cultura tradicional, são aqueles que

Conjuga[m] a formação acadêmica, que se apropria[m] da escrita e das metodologias consagradas no meio acadêmico, mas que igualmente (e em primeiro lugar) é[são] formado[s] na oralidade e na perspectiva da tradição de seu povo, atuando como um diplomata, um mediador entre dois mundos de saberes: o indígena e o não indígena (p. 13).

Conforme a apresentação no quadro a seguir é possível perceber que todas as dissertações defendidas estão articuladas com seu povo, com a sua comunidade e foram produzidas a partir da lógica indígena, uma subversão à lógica acadêmica (relação oralidade /escrita; ressignificação dos saberes acadêmicos e dos saberes ancestrais...).

Mestrandos Dissertações Defesas Etnias

Elda Vasquez Aquino

Educação escolar indígena e os processos próprios de aprendizagens: espaços de

inter-relação de conhecimentos na infância Guarani/Kaiowá, antes da escola, na Comunidade Indígena de

Amambai, Amambai - MS

2012 Guarani e Kaiowá

Teodora de Souza

Educação escolar indígena e as políticas públicas no Município de Dourados/MS

(2001-2010).

2014 Guarani e Kaiowá

(9)

Eliel Benites Oguata pyahu (uma nova caminhada) no processo de desconstrução e construção da educação escolar indígena da Reserva

Indígena Te’ýikue

2014 Guarani e Kaiowá

Edineide Bernardo Farias

A criança indígena Terena da Aldeia Buriti, em Mato Grosso do Sul: o

primeiro contato escolar

2015 Terena

Claudemiro Pereira Lescano

Tavyterã Reko Rokyta: Os Pilares da Educação Guarani Kaiowá nos Processos

Próprios de Ensino e Aprendizagem

2016 Guarani e Kaiowá

Lidio Cavanha Ramires

Processo Próprio de Ensino-Aprendizagem Kaiowá e Guarani na Escola Municipal Indígena Ñandejara

Pólo da Reserva Indígena Te’ýikue: Saberes Kaiowá e Guarani, Territorialidade e Sustentabilidade

2016 Guarani e Kaiowá

Gerson Pinto Alves

O protagonismo da escola pólo indígena Terena Alexina Rosa Figueiredo, da Aldeia Buriti, em Mato Grosso do Sul, no

processo de retomada do território da Terra Indígena Buriti

2016 Terena

Evelin Tatiane da Silva Pereira

Contribuições da escola no processo de revitalização da Língua Terena na Aldeia Aldeinha, em Anastácio, Mato Grosso do

Sul

2017 Terena

Os trabalhos produzidos pelos mestrandos indígenas/intelectuais indígenas têm apresentado outras formas de olhar, investigar, pesquisar, ler, escutar e escrever. Também “tensionam nossos próprios marcos disciplinados de estudos e interpretação, e [...] questiona[m] com racionalidades, conhecimentos, práticas e sistemas civilizatórios e de viver radicalmente distintos” (WALSH, 2010, p. 222). Nascimento (2014) tem nos mostrado que as produções indígenas têm permitido aos índios “protagonizar a reescrita de suas histórias, uma outra história até então não alcançada pelos cânones escolares/acadêmicos” (p. 40).

As pesquisas indígenas têm oferecido críticas consistentes aos modelos de escolas que vivenciaram que tinham como objetivos a integração e a assimilação à

(10)

cultura européia e ao estado nacional. Foram currículos e aprendizagens que não tinham vínculos com suas histórias, seus saberes, suas memórias, suas pedagogias. Escolas que produziram fortemente a colonialidade e que subalternizaram as suas possibilidades de autonomia e emancipação étnicas, políticas e de sustentabilidade. Têm possibilitado, também, aos saberes indígenas, saberes outros até então silenciados na academia, mas vivo e atuante no cotidiano das comunidades, que flui e se ressignifica pela oralidade, pelas atitudes, pelos fazeres a terem acesso e espaço nos grupos de pesquisa, nos programas de mestrado e doutorado, bem como nas formações iniciais e continuadas.

A busca de seus saberes sobre a espiritualidade/cosmovisão, a história, as pedagogias, os processos próprios de aprendizagem, os pilares da construção étnica, o modo de ser, as condições para o bem viver a partir de suas lógicas, a relação com a natureza ouvindo os mais velhos e os xamãs têm colaborado na produção de novos conteúdos para formação de professores, para a reelaboração dos currículos das escolas nas aldeias, elaboração de material didático e paradidático bem como para a valorização dos saberes orais e o fortalecimento da identidade étnica.

Por outro lado, mas não na contramão, pesquisadores não - indígenas tem sido afetados por enunciados epistemológicos até então ignorados ou desconhecidos pelo longo processo da modernidade/colonialidade, colocando em crise as certezas da racionalidade, da homogeneização, das metanarrativas, da monocultura no campo da/s ciência/s, das metodologias investigativas sobre e não com os povos indígenas, das pedagogias, das políticas públicas.

Estas “novidades” na academia tem implicado na construção e sistematização de um referencial teórico com relação a outras lógicas epistemológicas e metodológicas em pesquisas realizadas por pesquisadores indígenas em contextos culturais indígenas fortalecendo, neste sentido, o diálogo entre os saberes indígenas e os saberes produzidos por outras culturas, em especial, os chamados acadêmicos/científicos.Outro aspecto positivo é que a disponibilidade em pesquisar as questões indígenas estão presentes, hoje, nas três linhas de pesquisas do Programa, o que evidencia a sensibilização que a presença dos indígenas têm provocado entre os pesquisadores até então resistentes a esta temática. Poderíamos dizer que ao abrir-se para a entrada e permanência dos indígenas, do outro, do diferente como produtores de conhecimentos, a academia (e no caso o

(11)

PPGE/UCDB), evidencia-se como um espaço não só de tensões epistemológicas, mas também de tensões políticas, configurando-se em um campo fértil de militância acadêmica, militância que perpassa as reflexões teóricas e abre a possibilidade de produção de novos conhecimentos, de novos olhares na perspectiva de transformação de uma sociedade mais justa, solidaria e intercultural.

Referencias

BACKES, José Licínio; NASCIMENTO, Adir Casaro. (2011). Aprender a ouvir as vozes dos que vivem nas fronteiras étnico-culturais e da exclusão: um exercício cotidiano e decolonial. In: Série-Estudos (UCDB), v.31, Campo Grande.

BERGAMASCHI, Maria Aparecida. (2014). Intelectuais indígenas, interculturalidade e educação. In: Tellus (UCDB), v. 26, jan-jun. Campo Grande.

BRAND, Antônio Jacó; NASCIMENTO, Adir Casaro. A escola indígena esustentabilidade: perspectivas e desafios. (2006). In: Anais do III Seminário

Internacional: Educação intercultural, movimentos sociais e sustentabilidade: perspectivas epistemológicas e propostas metodológicas. UFSC: Florianópolis.

____________. (1993). O confinamento e seu impacto sobre os Pãi/Kaiowá. Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. Porto Alegre.

___________. (1997). O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani:

os difíceis caminhos da Palavra. Tese (Doutorado em História). Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS. Porto Alegre.

CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. (2013). Colonialismo, território e

territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Tese

(Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Assis/SP.

GAUTHIER, Jacques; FLEURI, Reinaldo Matias; GRANDO Beleni Saléte (orgs). (2001). Uma Pesquisa Sociopoética: O Índio, o Negro e o Branco no Imaginário de Pesquisadores da Área de Educação. Núcleo de Publicações do Centro de Ciências da Educação da U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e S a n t a C a t a r i n a . F l o r i a n ó p o l i s . NASCIMENTO, Adir Casaro; AGUILERA URQUIZA, Antônio Hilário; VIEIRA, Carlos Magno Naglis. (2011). A cosmovisão e a representação das crianças indígenas Kaiowá e Guarani: o antes e depois da escolarização In: Criança indígena: diversidade cultural, educação e representações sociais. Brasília. Editora: Liber:

____________. BRAND, Antônio; AGUILERA URQUIZA, Antônio Hilário. (2011). Acadêmicos indígenas em Mato Grosso do Sul: negociações entre saberes para a

(12)

construção da autonomia. In: SISS, Ahyas [et al.] (orgs). Educação e debates

etnicorraciais. Rio de Janeiro. Quartet: Leafro.

____________. (2014). Fronteiras étnico-culturais e fronteiras da exclusão e o diálogo com as culturas ancestrais: uma construção difícil, mas possível. In: Revista Série -

Estudos, v. 1, p. 33-46. Campo Grande.

QUIJANO, Aníbal. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. CLACSO: Buenos Aires.

SANT’ANA Graziella Reis de. (2010). História, espaços, ações e símbolos das

Associações Indígenas Terena. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade

Estadual de Campinas/UNICAMP, Campinas/SP.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). (2010).

Epistemologias do Sul. Cortez: São Paulo.

ULIAN, Gabriel. (2013). Eu ando em terra alheia, procurando minha aldeia: Territorialização dos Atikum em Mato Grosso do Sul. (Dissertação de Mestrado em Antropologia). Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD, Dourados/MS. VIEIRA, Carlos Magno Naglis. (2015). A criança indígena no espaço escolar de

Campo Grande/MS: identidade e diferença. Tese (Doutorado em Educação) –

Universidade Católica Dom Bosco/UCDB, Campo Grande/MS.

WALSH, Catherine. (2009). Interculturalidade, crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, reexistir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na

Referências

Documentos relacionados

Aos sete dias do mês de janeiro do ano 2002, o Perito Dr. OSCAR LUIZ DE LIMA E CIRNE NETO, designado pelo MM Juiz de Direito da x.ª Vara Cível da Comarca do São Gonçalo, para proceder

Com base no trabalho desenvolvido, o Laboratório Antidoping do Jockey Club Brasileiro (LAD/JCB) passou a ter acesso a um método validado para detecção da substância cafeína, à

Promovido pelo Sindifisco Nacio- nal em parceria com o Mosap (Mo- vimento Nacional de Aposentados e Pensionistas), o Encontro ocorreu no dia 20 de março, data em que também

Faustino Cesarino Barreto Avenida Francisco Antonio Consolmagno, 260 Jardim Europa SP Capão Bonito 207 33003654 ANTONIO LOPES MARQUES 34304323 301 Manhã Escola Municipal Prof..

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

Quando contratados, conforme valores dispostos no Anexo I, converter dados para uso pelos aplicativos, instalar os aplicativos objeto deste contrato, treinar os servidores