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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LICENCIATURA PLENA EM LETRAS

HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA

AMBIGUIDADE LEXICAL

A VARIAÇÃO DE SENTIDO EM PROPAGANDAS

FERNANDA DO NASCIMENTO PAIVA

JOÃO PESSOA ABRIL DE 2013

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2 FERNANDA DO NASCIMENTO PAIVA

AMBIGUIDADE LEXICAL

A VARIAÇÃO DE SENTIDO EM PROPAGANDAS

Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa.

Prof. Dr. Magdiel Medeiros Aragão Neto, orientador

JOÃO PESSOA ABRIL DE 2013

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3 Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade Federal da Paraíba.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Paiva, Fernanda do Nascimento.

Ambiguidade lexical: a variação de sentido em propagandas. / Fernanda do Nascimento Paiva. - João Pessoa, 2013.

60f.:il

Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Orientadora: Prof.º Dr.º Magdiel Medeiros Aragão Neto

1. Semântica. 2. Ambiguidade. 3. Homonímia. 4. Polissemia. 5. Propaganda. I. Título.

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4 FERNANDA DO NASCIMENTO PAIVA

AMBIGUIDADE LEXICAL

A VARIAÇÃO DE SENTIDO EM PROPAGANDAS

Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa.

Data de aprovação: ____/____/____

Banca examinadora

Prof. Dr. Magdiel Medeiros Aragão Neto, DLCV, UFPB orientador

Profª. Drª. Maria Leonor Maia Santos, DLCV, UFPB examinadora

Profª. Drª. Morgana Fabiola Cambrussi, DLCV, UFFS examinadora

Profª. Drª. Mônica Mano Trindade, DLCV, UFPB suplente

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5 Agradecimentos

Agradeço a Deus por ter enviado ao mundo o seu Filho unigênito, para que hoje eu estivesse concluindo mais uma etapa de minha vida. Suas palavras de amor e consolo me deram a certeza de que eu nunca estaria só, posto que Ele, no Evangelho de São Mateus, capítulo 28, versículo 20, diz: “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”;

Ao meu irmão, Leandro do Nascimento Paiva, pelo seu amor dedicado a mim, sobretudo, durante a elaboração desse trabalho de conclusão de curso;

À todos os meus amigos que contribuíram, em seu modo particular de ser, para a realização desse trabalho, em especial, Victor Hugo Paiva Simões, pela amizade dedicada ao longo de anos, Luan Borges da Luz, pelo entusiasmo e confiança, Roberta Karla Alves do Nascimento, pelo companheirismo fraterno, revelado através da palavra e ação amiga, tanto nos dias de desânimo quanto nos dias de alegria, e Ana Caroline Gonçalves, pela fortaleza do sorriso e abraço nos momentos mais difíceis;

Ao meu amigo Elioenai Macena de Araújo, pela agradável convivência ao longo de mais de uma década, em especial, por ter proporcionado vários momentos divertidos durante a graduação, tornando a gargalhada a nossa maior companheira;

Ao Profº. Drº. Magdiel Medeiros de Aragão Neto, pela atenção, paciência e confiança prestadas durante o período de orientação monográfica, bem como pelos risos carregados de sentido ao longo desse trabalho.

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6 Dedico

Aos meus pais, Fernando Cavalcanti Paiva e Aldenôra do Nascimento Paiva, por terem me ensinado a amar e a sorrir para as adversidades da vida. Obrigada pelo carinho e pelo sacrifício diário por amor a mim.

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7 Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

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8 RESUMO

O presente trabalho versa sobre as relações que as palavras estabelecem umas com as outras, mais especificamente, dedica-se ao estudo da ambiguidade, ocasionada pela associação de uma palavra ou grupo de palavras a mais de um significado; e ao estudo da vagueza. Tal fenômeno da literatura semântica, a ambiguidade, é gerado por fenômenos da língua, como a polissemia e a homonímia. Propomo-nos, contudo, analisar a indeterminação semântica que ocorre quando mais de um sentido incide somente sobre o item lexical. O principal objetivo é desfazer o (pré)conceito de que a comunicação linguística não deve se apresentar ambígua seja qual for a situação, posto que a ambiguidade provoca falta de clareza daquilo que se desejou textualizar. Na tentativa de argumentar contra essa falsa concepção, apresentamos o discurso persuasivo que caracteriza a propaganda comercial, cuja finalidade é levar o leitor à ação pela palavra. Para tanto, no primeiro capítulo, intitulado A diversidade do significado, tratamos da diversidade do significado de itens lexicais gerados pelos fenômenos da ambiguidade: homonímia e polissemia. Além disso, traçamos uma linha divisória entre a ambiguidade e a vagueza. No segundo capítulo, Análise dos anúncios publicitários, preocupamo-nos em analisar a linguagem e a finalidade da propaganda. Para isso, analisamos seis anúncios publicitários ambíguos. Eles foram igualmente divididos a partir de três critérios dispostos em sequência: os que desfazem a ambiguidade por meio de expressões linguísticas; os que desfazem a mensagem ambígua através de imagens fotográficas; e os que não a desfaz, deixando que o leitor selecione o sentido, sem prejudicar, contudo, a mensagem.

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9 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... p. 10 1. A DIVERSIDADE DO SIGNIFICADO ... p. 13 1.1 O papel do contexto na determinação de sentidos ... p. 14 1.2 Homonímia e Polissemia: pluralidade de significado ... p. 18 1.3 Ambiguidade x Vagueza ... p. 25 1.4 A propaganda e sua produção de sentidos na mídia ... p. 33 2. ANÁLISE DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS ... p. 37 2.1 Análise do texto 1 ... p. 38 2.2 Análise do texto 2 ... p. 41 2.3 Análise do texto 3 ... p. 44 2.4 Análise do texto 4 ... p. 46 2.5 Análise do texto 5 ... p. 50 2.6 Análise do texto 6 ... p. 52 2.7 Breve discussão sobre as análises ... p. 54 CONCLUSÃO ... p. 57 REFERÊNCIAS ... p. 60

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10 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo principal de desmistificar o (pré)conceito de que a ambiguidade e a vagueza devem ser banidas da comunicação linguística, haja vista o seu caráter indeterminado para o sentido. Ademais, tem a finalidade de analisar os efeitos gerados pela ocorrência da ambiguidade e vagueza em textos propagandísticos, utilizando como corpus seis anúncios publicitários, circulados em revistas e outdoors. O tipo de ambiguidade que procuramos examinar nesses textos é a lexical, cuja variação de sentido incide somente sobre o item lexical, isto é, casos em que o que torna a sentença ambígua é a palavra. É sob esse recorte da Semântica Lexical que estudaremos os efeitos de sentido gerados pelos itens lexicais polissêmicos, homônimos e vagos de uma frase em divulgação publicitária. Além disso, tentaremos estabelecer a diferença problemática entre ambiguidade e outro tipo de indeterminação semântica, a vagueza.

A maioria das palavras de uma língua apresenta algum tipo de variação de sentido. A monossemia não tem preponderância na língua, já que fazemos uso constante de palavras semanticamente mais complexas, seja pelo motivo destas apresentar mais de um sentido, seja por terem suas formas ortográfica e/ou foneticamente idênticas a outra(s), ou ainda porque sua indeterminação semântica as classifica como vagas (ARAGÃO NETO, 2012).

Estudar o significado das palavras implica, necessariamente, analisar as relações que elas estabelecem com outras, dentro da própria estruturação do sistema lexical, posto que “as palavras são definidas umas em relação às outras” (PIETROFORTE; LOPES, 2003, p. 125). No fenômeno da ambiguidade lexical, essas relações se dão por homonímia e polissemia.

A homonímia, segundo Cançado (2005), ocorre quando os sentidos da palavra ambígua não são relacionados, como no item lexical „manga‟, que pode designar uma fruta, uma parte do vestuário, terceira pessoa do presente do indicativo do verbo „mangar‟ etc. Neste exemplo, as formas são idênticas, mas suas origens são distintas, apresentando sentidos não relacionados entre si. Em contrapartida, temos a polissemia que, ainda segundo Cançado (2005), ocorre quando os possíveis sentidos da palavra ambígua têm alguma relação entre si, como no item lexical „pé‟, que pode designar pé de cadeira, pé de

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11 mesa, pé de fruta, pé de página etc. Neste exemplo polissêmico, observa-se que se usou a mesma palavra com sentidos também diferentes, mas relacionados entre si, pois, o sentido de pé, como sendo a base, é recuperado em todos os outros sentidos atribuídos ao item lexical „pé‟.

Esses dois fenômenos, a homonímia e a polissemia, são casos de indeterminação semântica, pois ambos ocorrem quando um item lexical apresenta mais de um sentido. Porém, há outro fenômeno que também apresenta indeterminação semântica, a vagueza, pois há a falta de precisão da propriedade denotada por itens lexicais. Às vezes, esses três casos se confundem entre si, não sendo fácil distinguir um tipo de outro. De uma forma geral, podemos definir a vagueza como um fenômeno que “ocorre quando o uso de uma palavra gera casos duvidosos de aplicação a certos seres ou situações” (MOURA, 2001, p. 113). Exemplificando, temos a palavra „bom‟, que denota uma propriedade que não se pode medir precisamente, pois não existe um conjunto de propriedades X que caracterizem algo ou alguém como bom.

É dentro desse escopo da variação do significado, que usaremos os seis anúncios publicitários, visando verificar e analisar os efeitos que o uso de palavras ambíguas provoca na propaganda. Isto porque, numa visão tradicional sobre a ambiguidade, esta se apresenta, segundo Ferreira (2000, p. 75), como “um problema a resolver”.

Esta é, portanto, um tipo de pesquisa básica, que objetiva entender e explicar a ocorrência do fenômeno da ambiguidade na propaganda, em especial, a que tem fins comerciais, pois são estas que visam criar uma receptividade junto ao público. Ela abrange, segundo Vestergaard (1994), uma publicidade de prestígio ou institucional, atrelada ao objetivo primário de instituir um nome ou imagem no mercado, a partir do anúncio de produtos e serviços. Por conseguinte, a presente pesquisa tem valia porque apresenta uma linguagem, a publicitária, que, segundo Sandmann (2001), ao contrário do pensamento tradicional, também alcança a sua função persuasiva quanto mais for ambígua, o que veremos nas propagandas analisadas.

O método que utilizamos para a realização dessa pesquisa é de fonte bibliográfica, uma vez que baseamos nossos estudos apenas no aparato de leituras realizadas sobre a ambiguidade, a linguagem que singulariza as construções de anúncios publicitários, bem como na seleção e exame de algumas propagandas que veiculam produtos e serviços à

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12 venda. Por conseguinte, assumimos um paradigma fenomenológico, com a tarefa de apreciar os significados que a linguagem ambígua assume enquanto recurso atrativo eficaz no processo de levar alguém a um comportamento consumista.

Metodologicamente, este trabalho está dividido em dois capítulos, um destinado à exposição das abordagens utilizadas para a sua fomentação, e o outro à apresentação e análise do corpus.

No primeiro capítulo, trataremos sobre os princípios que levam uma palavra a admitir diversidade de significado, que vai desde a arbitrariedade do signo linguístico até as redes de associações das palavras que se ligam com outros termos, seja através da relação de sentidos que mantém entre si, dos aspectos de relação formal, ou ambos concomitantes, ou seja, forma e sentido associados. À vista disso, é que discutiremos a ocorrência dos casos de polissemia e homonímia, enquanto fenômenos geradores de ambiguidade lexical. Ademais, tentaremos traçar uma linha divisória entre a ambiguidade, gerada pelo léxico, e outro tipo de indeterminação semântica de uma palavra, a vagueza, gerada pelo contexto linguístico.

No segundo capítulo, analisaremos o gênero propaganda, de modo a abordar sua linguagem e seu propósito comunicativo enquanto texto que prima pela persuasão do leitor. Como base, analisaremos seis propagandas a fim de destacar os recursos linguísticos utilizados na construção de seus anúncios, bem como os efeitos gerados pela sua criatividade expressiva.

Dessa maneira, adotamos como fundamentação teórica essencial no estudo da ambiguidade lexical e da propaganda, as contribuições de Kempon (1977), em Teoria da Semântica; Lyons (1981), em Língua (gem) e Linguística: uma introdução; Moura (2001), em Determinação de sentidos lexicais no contexto; Aragão Neto (2012), em Variação de significado; Sandmann (2001), em A linguagem da propaganda; e Vestergaard (1994), em A linguagem da propaganda.

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13 1. A DIVERSIDADE DO SIGNIFICADO

Todo falante em várias situações de interação já experimentou a difícil missão de ter que atribuir significado a uma palavra, e não são poucas as vezes que tentamos fixá-lo e ele simplesmente nos escapa. Quem nunca passou pela situação de querer dizer algo, e as palavras culminarem por dizer outra coisa? A ambiguidade, em especial a gerada por itens lexicais, já vem sendo debatida há mais de dois mil anos por inúmeros filósofos da linguagem.

No estudo sobre o significado lexical, isto é, o significado das palavras, Lyons (1981, p. 109) “enuncia que toda língua dispõe de um vocabulário, ou léxico”, que serve de complemento à gramática, uma vez que o vocabulário não apenas enumera os lexemas de uma língua como estabelece uma associação do lexema com as informações imprescindíveis aos preceitos gramaticais. Essas informações são do tipo sintático e morfológico, como podemos observar num verbo qualquer, se este é transitivo ou intransitivo, e podemos conhecer ainda a indicação do seu radical, para que a partir dele sejam selecionadas e construídas as suas formas. Ullmann (1961), ao falar sobre a rede de associações das palavras que se ligam com outros termos, afirma que algumas delas estão baseadas ora nas ligações entre os sentidos, ora apenas em seus aspectos formais, ora de modo simultâneo pela forma e pelo significado.

Todavia, costumamos pensar que lexemas são apenas palavras, mas não é bem assim, há também os lexemas sintagmáticos, cuja forma é um sintagma, que no sentido tradicional do inglês chamamos „phrase‟. Os termos encadeados estabelecem entre si relações baseadas no caráter linear da língua, tornando impossível o pronunciamento de mais de uma palavra simultaneamente, por isso a cadeia da fala é alinhada com um termo após o outro (SAUSSURE, 2012). É essa a combinação que pode ser chamada de sintagma, constituída impreterivelmente de duas ou mais unidades que se sucedem. Passou-se, portanto, a considerar as combinações de itens lexicais em sintagmas e sentenças, com o intuito de definir as relações entre vocábulos e outros fenômenos da Semântica Lexical.

A combinação que nos interessa aqui é a linguística ou interna, pois é nela que há a relação entre dois ou mais lexemas, sendo estabelecida pela identidade de certos semas ou

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14 pelo menos correspondentes semanticamente1.

De acordo com Pietroforte e Lopes (2003, p. 111), “as palavras são definidas umas em relação às outras”. Esse é o motivo pelo qual as palavras estabelecem diversos tipos de relações entre si, dentro da própria estruturação do sistema lexical. É por isso que as teorias semânticas, embasadas em diferentes conceitos acerca do significado, deparam-se com fenômenos da língua que indeterminam o sentido de algumas palavras (TRINDADE, 2006), gerando casos de ambiguidade ou vagueza.

Assim sendo, na sessão subsequente, discutiremos a importância do contexto para o estabelecimento do significado, pois, segundo Cançado (2005, p. 57), “geralmente é mais fácil definir uma palavra se esta é dada no contexto de uma sentença”, entendendo aqui contexto como o “conjunto de informações compartilhadas relevantes num dado momento da conversação”, conforme define Moura (2000, p. 89).

1.1. O papel do contexto na determinação de sentidos

Em inúmeras situações interativas do dia a dia nos perguntamos „o que significa a palavra tal?‟, ou ainda „será que fulano entendeu o sentido do que eu quis dizer?‟ Muitos linguistas, para sublinhar a importância do contexto nos diversos usos que fazemos das palavras e sua operação combinatória, argumentaram que “se as palavras não tivessem significado para lá dos contextos seria impossível compilar um dicionário” (ULLMANN, 1964, p. 103).

Já foram realizados vários testes para verificar a influência do contexto no significado das palavras, e essas pesquisas afirmaram que, embora elas possuam um núcleo relativamente estável, se colocadas dentro de certas situações, podem sofrer modificações pelo contexto. A responsabilidade do contexto seria a de “suprimir algumas potencialidades de significado das palavras, tornando-as menos imprecisas ao definir os possíveis elementos que se acrescentam ao sentido básico do lexema” (MARQUES, 2001, p. 62).

1

Além da combinação linguística, há a “combinação extralinguística ou externa: outras relações que dizem respeito tanto ao significado como ao uso de palavras em frases, textos, em determinadas situações” (REHFELDT, 1980, p. 72).

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15 De acordo com Cançado (2005, p. 57), “é mais fácil definir uma palavra se esta é dada pelo contexto de uma sentença”, uma vez que os efeitos contextuais podem orientar o significado das palavras para distintos caminhos. Se, por acaso, um faltante da língua portuguesa indaga outro sobre o sentido do verbo „quebrar‟, haverá uma grande possibilidade de ele responder que é o ato de algo se reduzir em pedaços. Todavia, se ao invés de perguntar o significado de uma palavra de modo isolado, o falante coloca esse mesmo verbo em sentenças, o resultado não será tão básico assim. Vejamos os exemplos dados por Cançado (2005, p. 58):

1. A) Paulo quebrou o vaso com um martelo.

B) Paulo quebrou o vaso com o empurrão que levou. C) Paulo quebrou sua promessa.

D) Paulo quebrou a cabeça no acidente.

E) Paulo quebrou a cabeça com aquele problema. F) Paulo quebrou a cara.

G) Paulo quebrou a empresa.

Nesses exemplos citados, podemos observar que em (1A) e (1B) há uma proximidade de sentidos, podendo ser entendidos como partir ou estilhaçar, a diferença estaria nas funções semânticas dos sujeitos, pois no primeiro exemplo (a) o agente da ação é Paulo; e em (B) Paulo é apenas a causa. Já em (C), o sentido nos remete à percepção de que o sentido pode equivaler a descumprir. No próximo exemplo (D), há novamente uma mudança de sentido no verbo quebrar, adquirindo agora o sentido de machucar. Em (F), o sentido é de decepcionar. E, por fim, em (G), o verbo quebrar assume o sentido de falir.

Já que a multiplicidade de significados do lexema „quebrar‟ é resultado da multiplicidade de sentido que se pode atribuir a ele, as variadas interpretações que aqui foram elencadas a partir dos sintagmas analisados decorrem da multiplicidade de leituras que são possíveis de atribuir ao lexema „quebrar‟.

Segundo Marques (2001, p. 112), a ambiguidade pode ser definida nos seguintes termos: “uma forma linguística A é semanticamente ambígua, se o conjunto de leituras ou interpretações que se atribui a A é igual ou superior a dois. Nesse caso, o grau de

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16 ambiguidade de A é o número de leituras que A apresenta”. Esse é um fenômeno inerente às línguas naturais. Melhor dizendo, ainda não se tem notícia de que exista uma língua natural que não apresente ambiguidades. Isto é plausível de afirmar tendo em vista que em todas as línguas circulam inúmeros textos, sejam eles orais ou escritos, que engendram múltiplas interpretações e que variam em leituras pouco, muito ou completamente discrepantes das almejadas.

De acordo com os exemplos elaborados em torno do verbo „quebrar‟, a sua ocorrência nas sentenças (1A), 1(D), 1(E), 1(F) e 1(G), o apresenta como termo ambíguo, pois em cada uma das ocorrências há um sentido diferente, à exceção 1(A) e 1(B) que compartilham do mesmo sentido de partir ou estilhaçar. Vale destacar que se o verbo „quebrar‟ gerasse casos duvidosos de aplicação a certos seres ou situações, ele seria vago. Sendo assim, os adjetivos são casos duvidosos de aplicação, pois não há, segundo Trindade (2006, p. 19), um limite preciso de sua aplicabilidade. Isto pode ser evidenciado quando classificamos alguém como sendo alto, baixo, inteligente ou bom, pois estas são palavras relativas dependentes de um contexto, ou seja, uma pessoa que tem 1m80 de altura é alta se comparada às pessoas de mesma idade, mas, se comparada a um jogador de basquete, ela é baixa.

De acordo com Chierchia (2003 apud TRINDADE, 2006), adjetivos do tipo já citado aqui (alto, baixo, inteligente ou bom) são sempre usados com referência implícita ou explícita a uma classe de comparação, como pudemos ver no exemplo sobre uma pessoa com 1m80 de altura. Essa é, portanto, uma das categorias que Chierchia (2003 apud TRINDADE) aponta na divisão que traça entre os adjetivos. A outra categoria, cuja classificação é vaga, tem função de predicado, como no termo „moreno‟, que denota o conjunto MORENO. Neste exemplo dado por Trindade (2006), não há um critério X que classifique um indivíduo como moreno, se a cor de seus cabelos se encontra numa faixa intermediária, conforme aponta Chierchia (2003 apud TRINDADE, 2006, p. 20).

Esses casos de variação de sentido, como o do verbo „quebrar‟ e dos adjetivos, são questionados pelos semanticistas em termos de ambiguidade e vagueza. Retomaremos essa discussão na sessão 1.3, quando discutiremos as proporções do problema de distingui-las.

Prosseguindo sobre a ambiguidade, observada nas ocorrências de „quebrar, as teorias linguísticas contemporâneas, segundo Ferreira (2000), consideram a ambiguidade

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17 uma propriedade intrínseca e fundamental das línguas naturais. Numa visão gerativa, essa noção consiste num problema que precisa ser resolvido, e existe para ser desfeito. De acordo com essa ótica, a regra que prevalece é a da disjunção, ou isto ou aquilo, alertando que a língua não permite que se digam duas coisas ao mesmo tempo. Portanto, a desambiguação teria um efeito coercitivo.

Gréssillon (apud, FERREIRA, 2000, p. 57) aponta dois mitos que circulam nas reflexões sobre a língua: o mito da univocidade absoluta, que defende a transparência da linguagem; e o mito da plurivocidade absoluta, que resguarda um sentido definido à palavra.

A gramática escolar, “responsável por guardar a língua”, investe na grande missão de assegurar a compreensão. Para garantir o bom funcionamento de suas prescrições, a gramática normativa tenta fechar qualquer espaço que possibilite incertezas ou equívocos, pois, segundo Haroche:

[...] a gramática é uma instituição social, destinada a refletir e assegurar a coesão de uma formação social, e, ainda, a permitir a reprodução através do aparelho escolar da estrutura existente na sociedade, ou seja, as relações de produção. (1975, p. 229, apud, FERREIRA, 2000, p. 66).

Na citação acima, o ideal de clareza das ideias reflete a visão que se faz de uma sociedade, ou seja, a convivência harmoniosa entre um conjunto de interlocutores ideais é sustentada pela língua, agindo como fator crucial para a estabilidade e conservação das relações sociais.

Do ponto de vista puramente linguístico, há três formas principais de ambiguidade: a fonética, que resulta da estrutura fonética do sintagma; a sintática, causada por fatores sintáticos; e a lexical, que se deve a fatores lexicais (ULLMANN, 1964). Neste trabalho, discutiremos apenas a ambiguidade no tocante ao léxico, uma vez que o intento é estudar a possíveis interpretações que incide somente sobre o item lexical2. Sendo assim, examinaremos na próxima sessão os fenômenos ambíguos da polissemia e da homonímia na relação que as palavras mantém entre si.

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18 1.2. Homonímia e Polissemia: pluralizando o significado

Michel Bréal (1992) foi um dos pioneiros no estudo sobre o fenômeno da polissemia. Ele utilizou esse termo para se referir à multiplicidade de significados que uma palavra pode comportar ao ser empregada nas mais diversas situações. Lyons (1981, p. 111) vai mais longe e acrescenta a informação de que a principal consideração para que uma palavra seja polissêmica é “haver relação entre significados”3, como no lexema „pé‟, que pode se referir ao pé de cadeira, pé de mesa, pé de fruta, pé de animal, dando a idéia de uma base inferior que sustenta o peso.

Dentro da literatura semântica há vários tipos de ambiguidade: a lexical, a sintática, a semântica, de escopo. Todavia, fixaremo-nos na ambiguidade lexical, que pode ser gerada por dois fenômenos, a polissemia, que ocorre quando os possíveis sentidos da palavra ambígua têm alguma relação entre si; e a homonímia, que ocorre quando os sentidos da palavra ambígua não são relacionados.

Segundo Moura (2001), há dois tipos de polissemia: a literal e a metafórica. Para exemplificar, temos a palavra „abafar‟, que tanto pode significar „tirar o ar, oxigênio‟ (sentido literal) quanto ocultar, encobrir, esconder (sentido metafórico), como podemos observar na sentença „A menina abafou o boato‟, ou seja, escondeu o boato. Contudo, uma mesma palavra também pode admitir esses dois tipos de polissemia (literal e metafórico): a palavra „artista‟, no sentido literal, pode significar tanto ator de televisão, quanto cantor, ou ainda artista plástico, entre muitos outros; e no sentido metafórico, pode estar qualificando uma pessoa como ardilosa, esperta. Vejamos o seguinte exemplo: „Roberta é uma artista‟, isto é, pode-se estar afirmando que ela é uma artista porque atua, canta, pinta, ou porque é ardilosa, astuta.

A polissemia difere da homonímia, outro fenômeno que gera ambiguidade lexical. A homonímia se define pela identidade formal entre pelo menos dois signos distintos que não têm seus sentidos relacionados entre si. Exemplificando, temos a palavra „banco‟, que pode se referir à instituição financeira ou a um lugar de assento, e não há nenhuma relação

3 A visão de que apenas na polissemia os possíveis sentidos atribuídos a uma palavra são relacionados entre si,

vem de uma posição tradicionalmente assumida pela literatura semântica, mais especificamente pela lexicologia. É esse o caráter distintivo entre a polissemia e a homonímia, haja vista que ambas lidam com variados sentidos para uma mesma palavra fonológica.

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19 entre esses possíveis sentidos. Recorrendo às palavras de Pustejovsky & Boguraev (1996, p. 02 apud MOURA, 2001, p. 112), homonímia é “a situação na qual um item lexical é associado com ao menos dois sentidos diferentes e sem relação entre si”.

Lyons (1981) aponta que há dois tipos de homonímia: a absoluta e a parcial. A homonímia absoluta ou perfeita é aquela em que duas ou mais palavras são, simultaneamente, homófonas homógrafas. Vejamos o seguinte exemplo: o item lexical „verão‟ tem as formas fonológica e ortográfica idênticas, apresentando sentidos diferentes e não relacionados, isto é, „verão‟ pode ser entendido como a conjugação do verbo „ver‟ em 3ª pessoa do plural do futuro do indicativo, ou substantivo que denomina uma estação do ano. Em contrapartida, temos a homonímia parcial, que dá a possibilidade de existir homófonos não homógrafos, e vice versa, como podemos perceber nos itens „censo/senso‟, em que há coincidência apenas na forma fonológica, assumindo os sentidos de conjunto de dados estatísticos e juízo, respectivamente; e „colher‟, em que há coincidência apenas na forma ortográfica, e se apresenta tanto como talher formado de um cabo e uma parte côncava quanto como um verbo no infinitivo.

Não obstante, a distinção entre polissemia e homonímia é difícil de ser aplicada com coerência e segurança, haja vista que “enquanto a identidade entre as formas é uma questão de sim ou não, a relação entre os significados é um problema de mais ou menos” (LYONS, 1981, p. 111). Chegou-se a postular, dentro de alguns tratamentos modernos da semântica, um caso de polissemia em todas as situações, mas isso não satisfaria a uma questão teórica.

Weinreich (apud ARAGÃO NETO, 2012), contudo, define a homonímia ou ambiguidade contrastiva, como aquela que ocorre quando um item lexical representa dois sentidos diferentes e não têm relações entre si; e define a polissemia ou ambiguidade complementar como aquela que ocorre quando um item lexical admite sentidos que são manifestações do significado básico de uma palavra. Para ele, a polissemia pode se apresentar de dois tipos: quando o item lexical permanece dentro da mesma categoria lexical, ou quando há mudança de categoria.

Aragão Neto (2012) salienta que muitos pesquisadores complementam o critério semântico com o morfossintático através das classes morfossintáticas/morfológicas. Por meio desse critério, uma classe é um “local” onde são reunidos os itens do mesmo tipo, as

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20 línguas subordinam-se bem à formação de classe de palavras, e as palavras se encontram necessariamente em uma classe ou outra, porém, não em duas simultaneamente. Portanto, um item lexical polissêmico pertence somente a uma classe, pois, não pode estar em duas ou mais ao mesmo tempo. Vale destacar que algumas abordagens concebem a classificação gramatical/morfológica como critério definidor para a distinção entre homonímia e polissemia. Isto pode ser verificado, segundo Aragão Neto (2012), no tratamento que a gramática tradicional dá, por exemplo, à palavra „cozido‟, classificada-a como um caso de homonímia que apresenta duas palavras não relacionadas entre si e pertencentes a classes diferentes: cozido¹ (verbo no particípio) e cozido² (substantivo).

Em contrapartida, ocorre diferente no caso da homonímia, uma vez que, por se tratar de mais de uma palavra que tem a mesma forma e sentidos não relacionados entre si, ela pode não estar apenas na mesma classe, ou em classes diferentes. Recorrendo a Aragão Neto (2012) para exemplificar, temos a palavra „manga‟, que compreende várias palavras diferentes, visto que seus sentidos não apresentam nenhuma relação entre si: manga¹ (parte de vestimenta), manga² (fruto da mangueira), manga³ (cercado feito em curral ou à beira de rios para direcionar o gado) e manga (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo „mangar‟). Desse modo, essas quatro palavras homônimas podem ser classificadas em apenas duas classes: numa, a dos substantivos, manga¹, manga² e manga³; e na outra, a dos verbos, manga

Todavia, não me parece que a ideia de considerar as classes de palavras como critério de diferença entre polissemia e homonímia seja um bom método para promover essa distinção. Esse critério é falho pelo motivo de que nem sempre as classes são delimitadas pelas línguas. Isto pode ser facilmente comprovado se tomarmos como exemplo a palavra „velho‟, que ora pode aparecer como adjetivo, ora como substantivo. Diante do fato de que há significados relacionados entre si, mas que transitam por classes diferentes, nos valeremos da noção de polissemia transcategorial, de James Pustejovsky (1995 apud ARAGÃO NETO, 2003), que engloba palavras que se apresentam em classes distintas e têm seus significados relacionados; e da noção de função desempenhada pelas palavras, dispostas, por exemplo, em Camara Junior (1970 apud ARAGÃO NETO, 2003).

A distinção entre polissemia e homonímia advém, segundo Aragão Neto (2003) de

4 4

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21 uma técnica elementar da semântica lexical4, chamada Sense Enumeration Léxicon (SEL). Ela surgiu na tentativa de servir para a diferenciação entre esses dois tipos de ambiguidade, a complementar e a contrastiva. O benefício que a SEL traz é o de apresentar cada item lexical com uma entrada lexical diferente, como vimos no caso de „banco‟.

As contribuições da SEL para a promoção dessa diferença não são eficientes no trato com itens lexicais, cujos sentidos se realizam nas diversas formas sintáticas e no uso criativo das palavras, isto é, nos sentidos que são gerados no contexto. Daí decorre a dificuldade delas expressarem a natureza do conhecimento acerca do léxico e da polissemia.

Existem, segundo Aragão Neto (2003), quatro problemas que surgem do uso criativo das palavras, de acordo com os postulados da Sense Enumeration Léxicon. O primeiro é ocasionado a partir da iniciativa da SEL em atribuir ao uso um número “ilimitado” de significados em novos contextos, elencando os sentidos para que possam ser consultados sempre que for preciso determinar o significado de um item lexical. Todavia, essa lista não seria conveniente, pois sempre que um novo sentido fosse encontrado para esse item, ela deveria ser atualizada. Um segundo problema reside no fato de que não é tarefa simples atribuir o significado correto de uma palavra dentro de certo contexto. Um terceiro problema diz respeito aos conhecimentos que se tem do léxico, isto é, ele não é capaz de expressar de forma adequada a relação entre os diferentes sentidos que a polissemia lógica assume. No quarto e último problema, se visto por uma questão econômica, constata-se que não é viável fazer uma categorização dos sentidos, ou seja, separar as diferentes ocorrências de um item lexical polissemicamente regular, considerando-as como sentidos distintos. Ademais, também não é econômico enumerar estruturas alternativas que teriam significações pseudo-distintas.

A tradição linguística de que os significados das palavras são obtidos por meio de técnicas de enumeração do significado é superada com a Teoria do Léxico Gerativo (LG), desenvolvida por James Pustejovsky (1995 apud ARAGÃO NETO, 2003). Essa teoria é um modelo de processamento de língua natural, que tem a finalidade de explicar semanticamente os itens lexicais, estejam eles em condição isolada ou contextual. Ela é coerente com o objetivo da Semântica Lexical, que é classificar, antecipadamente, em

4 “A semântica lexical (SL), também dita semântica de palavras, estuda a denotacão das palavras de uma língua,

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22 classes, os itens lexicais de uma língua, em suas expressões sintática e semântica. Por conseguinte, pode-se compreender que o LG é viável e bem mais econômico do que as técnicas de listagem do significado.

No que diz respeito à expressividade de itens lexicais, Pustejovsky (1995 apud ARAGÃO NETO, 2003) classifica as línguas naturais como sendo fracamente polimórficas, ou seja, seus itens lexicais são semanticamente ativos e as realizações semânticas que operam mudanças de tipo do item lexical são operadas a partir de coerções. Desse modo, é possível que haja uma organização sistemática acerca das informações lexicais dentro do LG, haja vista que seu objetivo é empregar uma descrição de língua que seja expressiva e flexível a ponto de compreender a natureza gerativa da criatividade de itens lexicais e extensão de sentidos. Diante do exposto, torna-se claro que o léxico gerativo se encarrega de analisar os itens lexicais na sua relação a certo estado, embora se diferenciem em termos de categorias ou classes de acordo com a sua funcionalidade. Como estamos observando, são muitas as tentativas que postulam o surgimento de um novo sentido dado a uma palavra, bem como são muitos os critérios de diferenciação entre os tipos de indeterminação semântica.

As palavras polissêmicas, se vistas sob a ótica da abordagem diacrônica, que se vale da história do signo, o critério etimológico, defendido pelos lexicógrafos, seria o mais adequado para promover o seu distanciamento para com a homonímia. Porém, segundo Lyons (1981), a dimensão histórica torna a questão ainda mais complicada, pois, de acordo também com Aragão (2012), seus significados podem ter divergido a tal ponto de não mais apresentar nenhuma relação de transparência entre si, como podemos observar nos diversos sentidos da palavra „fazer‟: “construir”, “arrumar”, comportar-se”, “percorrer”, “fingir”, “proferir”, “celebrar” etc. Já as palavras homônimas, sob a perspectiva diacrônica, se vale de formas idênticas que apresentam vocábulos de origens diferentes, como a palavra „manga‟, já citada.

Contudo, a abordagem diacrônica perdeu sua força a partir de Saussure, com o surgimento das idéias estruturalistas acerca do signo. E mais do que isso, perdeu sua centralidade como critério único para a distinção entre polissemia e homonímia, uma vez que as relações semânticas e etimológicas que algum dia existiu podem não existir mais. E mesmo que unamos a abordagem diacrônica e sincrônica, ainda é arriscado estabelecer nitidamente a distinção entre polissemia e homonímia, pois, as línguas não são estáticas.

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23 Sendo assim, Moura (2001) sugere dois critérios que servem de linhas divisórias entre os casos de indeterminação semântica (polissemia, homonímia e vagueza), são eles: a obrigatoriedade de determinação no contexto, para separar a homonímia e a polissemia; e a lexicalização, para separar a polissemia e a vagueza.

De acordo com Moura (2001), a distinção entre polissemia e homonímia pode ser realizada com mais efeito através do critério de obrigatoriedade de determinação no contexto. Esse critério defende que, na homonímia, um dos sentidos possíveis associado ao item lexical é selecionado dentro de um contexto, e na polissemia, mais de um sentido é gerado no contexto. Melhor explicando, não há compatibilidade entre um sentido de base indeterminado e os diferentes sentidos do termo homônimo, logo, quanto mais distantes entre si, mais os sentidos de uma palavra são incompatíveis entre si. Isto pode ser observado na aplicação dos testes de identidade e zeugma, sugeridos por Moura (2001).

No teste de identidade, o uso da expressão „fazer isso também‟, no caso de sentidos incompatíveis, torna obrigatória a identidade de sentidos que ela liga. Exemplificando, temos na sentença „João encontrou um corretor, e Paulo fez isso também‟, dada por Moura (2001), uma identidade do provável sentido de „corretor‟ nas suas duas ocorrências, ou seja, ou João e Paulo encontraram um corretor/agente de imóveis, ou ambos encontraram um corretor de texto, por exemplo. O que não é admissível é, num mesmo contexto, João encontrar um corretor de imóveis e Paulo um corretor de texto. Assim sendo, é percebível que apenas um sentido é escolhido no contexto, em oposição ao outro, logo, a homonímia do substantivo „corretor‟ interdita uma leitura cruzada. De modo diferente das palavras homônimas acontece com as palavras polissêmicas e as palavras vagas. Observemos os exemplos dados por Moura (2001, p. 114): “„João gostou do livro, e o Paulo também‟ e „Maria é uma boa aluna, e Pedro também‟”.

No primeiro, „João gostou do livro, e Paulo também‟, temos o substantivo „livro‟, que é polissêmico em no mínimo dois sentidos: pode ser um objeto físico (composto de folhas, capas etc) e/ou o conteúdo que esse objeto físico carrega. Neste exemplo, o item lexical „livro‟ não requer a existência de uma identidade de sentidos, sendo perfeitamente aceitável que haja uma leitura cruzada, pois, João pode ter gostado do conteúdo do livro e Paulo ter gostado das artes gráficas do mesmo. No segundo exemplo apresentado, „Maria é uma boa aluna, e Pedro também‟, temos a palavra vaga „boa‟, que pode ter mais de uma interpretação diferente nas suas duas ocorrências, por exemplo: Maria pode ser uma boa

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24 aluna porque é inteligente, e Pedro pode ser um bom aluno porque é comportado. Logo, o item lexical „livro‟ também permite uma leitura cruzada.

O outro teste associado ao critério de obrigatoriedade de determinação no contexto é o da zeugma, em que apenas um sentido é acessado, impedindo a ligação de sentidos diferentes pela elipse do verbo (zeugma) no caso das palavras homônimas. Vejamos um exemplo: „João montou um cavalo, e Maria a peça de Shakespeare‟. Em virtude do contexto, apenas um sentido é ativado, pois é o contexto que exige a determinação de apenas um sentido, em oposição ao outro. Logo, de acordo com Moura (2001, p. 115), “não é possível coordenar por zeugma os sentidos de montar5

um cavalo (cavalgar) e montar uma peça (encenar)”, a não ser em alguns tipos de discurso, como o homorístico. À vista disso, o verbo „montar‟ é um caso de homonímia, ao contrário do que afirmam os dicionários, julgando ser este verbo um caso de polissemia.

Os dicionários-padrão traçam a fronteira entre a homonímia e a polissemia por meio do critério etimológico. Lyons (1981) cita como exemplo as palavras „meal¹‟, significando “repasto”, e „meal²‟, significando “farinha de trigo”, os quais são tratados pelos dicionários como lexemas diferentes, uma vez que do ponto de vista histórico derivam de lexemas que não eram homônimos no inglês antigo. Lyons (1981) argumenta que, embora esse critério seja defendido pelos lexicógrafos, torna-se irrelevante na perspectiva sincrônica, pois esta considera necessário estudar o significado atual de uma palavra, em vez de estudar a sua história.

Por conseguinte, quando falamos em homonímia, estamos falando que os sentidos de uma palavra são inteiramente incompatíveis, ao contrário da polissemia, cuja incompatibilidade pode ser maior ou menor. Em síntese, a incompatibilidade entre os sentidos de uma palavra homônima está associada ao fato de que um desses sentidos é obrigatoriamente lançado no contexto, em oposição aos outros sentidos (Moura, 2001).

O critério de distinção aqui abordado condiz a uma linha divisória no fenômeno da indeterminação: “a obrigatoriedade de determinação no contexto, que separa de um lado a homonímia, e de outro a polissemia e a vagueza” (MOURA, 2001, p. 116).

Na próxima sessão, tentaremos traçar uma linha divisória entre ambiguidade e vagueza, ou seja, entre o sentido lexical gerado pelo léxico e o sentido lexical gerado pelo

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25 contexto, respectivamente.

1.1. Ambiguidade x Vagueza

Para compreendermos as proporções do problema de estabelecer a distinção entre ambiguidade e vagueza, examinaremos as diferentes facetas apresentadas por essas duas noções. De modo geral, podemos distanciá-las dizendo que, na vagueza, o contexto pode selecionar informações que não estão especificadas no sentido; e na ambiguidade, o contexto especificará qual o sentido a ser selecionado (CANÇADO, 2005). Essa distinção é mais [uma fronteira da língua] que apresenta dificuldades de demarcação. Todavia, não se deve cair no descuido de generalizar a ambiguidade e a vagueza, ou seja, tratar uma pela outra. É nesse espaço brando que alguns teóricos, em forma de tentativas, apontam a distinção entre ambiguidade e vagueza.

Muitos testes são propostos para distinguir essas duas noções, Kempson (1977) assume quatro tipos principais de vagueza relacionados mutuamente, são eles: a vaguidade referencial¹, a indeterminação do significado², a falta de especificação no significado de um item³ e a disjunção na especificação do significado de um item

No primeiro teste, temos o item lexical que, embora possua um significado bastante claro, gera dificuldade em decidir se o item pode ou não ser empregado a certos objetos. Melhor explicando, a sua vagueza é referencial, visto que não temos uma medida específica para o atributo que um item lexical vago exprime, logo, a verdade ou a falsidade desse atributo pode sofrer variação de acordo com o ponto de vista que está servindo como referência. Vejamos um exemplo:

1. Reynaldo Gianecchini é bonito.

Não há nenhum critério X que classifique uma pessoa como sendo bonita. No entanto, há várias opiniões acerca do que seja alguém que tenha essa característica, podendo variar entre mais ou menos bonito. Isto vale também para palavras como gordo,

5

Segundo o Aurélio (2001), „montar‟ significa 1. Cavalgar. 2. Encenar.

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26 velho, fácil, alto. Percebemos, então, duas propriedades da vagueza: a escalaridade6, uma vez que há uma escala que classifica alguém como bonito, variando, como dissemos, entre mais ou menos; e a comparação, pois alguém pode estar mais bonito do que a última vez que foi visto, ou mais bonito do que outra pessoa. Recorrendo a Cançado (2005, p. 60), torno a ratificar que esse fenômeno de natureza semântica se associa a palavras que “fazem referência apenas de maneira aproximada, deixando para o contexto a função de acrescentar informações não detalhadas nas expressões vagas”.

No segundo tipo de vagueza, apresentado por Kempson (1977), temos a indeterminação do significado de um item ou sintagma. Isto pode ser observado em sentenças cuja construção tem a preposição de, vejamos um exemplo: „O livro de Sílvia‟. Neste exemplo, a indeterminação está em saber se essa sentença foi usada para dizer que o livro foi escrito por Sílvia e/ou que o livro pertence a Sílvia. Esse é um dos exemplos mais evidentes desse tipo de vagueza.

Contudo, sob a ótica de Cançado (2005), esse tipo de sentença apresenta claramente duas (ou mais) interpretações, tendo o contexto a função apenas de especificar qual dos sentidos está sendo utilizado. Em outras palavras, esse é o tipo de sentença ambígua, que difere de uma sentença vaga, uma vez que exemplos desta última não apresentam duas (ou mais) interpretações, apenas não são especificadas, como é o caso do tipo de exemplo dado por Kempson (1977). O que ocorre é que as preposições são itens lexicais denominados “leves”, podendo admitir vários sentidos que só serão acolhidos a partir da composição com o seu complemento e, algumas vezes, em composição com o verbo. A interpretação da preposição de7, em oposição ao que afirma Kempson (1977, p. 127), não é “tangível e indeterminada”, visto que determinados sentidos são associados a elas e elencados no léxico. Assumo, pois, aqui, a concordância de que “sentenças envolvendo preposições que levam a duas ou mais interpretações são, na realidade, exemplos de ambiguidade lexical” (CANÇADO, 2005, p. 66).

Prosseguindo com o estudo de Kempson (1977) sobre a vagueza, esta também pode se mostrar na ausência de especificação no significado de um item lexical, dando-lhe uma configuração muito geral, embora, a priori, o significado do item lexical seja bastante

6 A essa propriedade, Cançado (2005, p. 60) classifica de fenômeno gradual, uma vez que há palavras que são

bem mais vagas (grande) do que outras (verde).

7 Exemplos dados por Cançado (2005, p. 65): Origem (Veio de São Paulo), qualidade (o burro do Paulo, casa de

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27 claro. Ullmann (1964) também compartilha dessa visão, dizendo que uma das principais fontes da imprecisão é o caráter genérico dos itens lexicais, os quais designam classes de coisas. Um exemplo disso são os itens criança, adulto, pessoa, que nada especificam quanto ao sexo, idade, raça. Além desses, temos a palavra planta que é bem mais geral que árvore, haja vista ser esta um tipo de planta segundo o seu tamanho. O mesmo acontece com os verbos „fazer‟ e „ir‟, que abarcam uma considerável variedade de ações. Exemplificando, temos:

2. Carol foi a São Paulo.

Esta sentença cobre distintas ações, que, não sendo especificada a natureza de nenhuma delas, podemos pensar que tenha ido de carro, avião ou ônibus. Além disso, sabe-se que Carol foi a São Paulo, mas não sabe-se sabe nem sabe-sequer o lugar específico de onde ela partiu, logo, o verbo „ir‟ é vago quanto à especificação do lugar de origem. Isto tudo porque o verbo ir possui apenas o significado de movimento em direção a. Já a sentença „A empresa já fez os papéis‟ pode ser usada por um falante para indicar que a empresa já elaborou, por exemplo, o contrato a ser firmado com outra empresa, ou ainda que já fabricou os papéis, pois a natureza dessa ação não é especificada.

Esse teste de vagueza também se insere no aparato que Lakoff (apud FERREIRA, 2000, p. 72) montou para tornar preciso os limites entre a ambiguidade e a vagueza. Ullmann (1964) diz que esse processo de generalização serve de conduto para termos um meio de comunicação social que seja suficientemente maleável para lidarmos com as nossas vastas experiências.

Um tipo que se distingue bastante do caso de especificação é a disjunção de diferentes interpretações no significado de um item lexical. O exemplo central é com o operador lógico ou: „Os candidatos à vaga devem ter curso superior completo ou alguma experiência no exercício do professorado‟. Temos que nessa sentença o ou colabora para a sentença como um todo, sendo uma de suas partes verdadeira ou ambas verdadeiras simultaneamente. Ou seja, os candidatos devem ter curso superior completo, mas nenhuma experiência no ensino, ou ter experiência como professor, mas não ter um curso superior completo; ou ainda ter curso superior completo e ter experiência como professor. Se por acaso o operador lógico ou excluísse a possibilidade de ambas serem verdadeiras, tornando apenas uma verdadeira, teríamos um caso de ambiguidade. Vejamos:

(28)

28 3. João assobia ou chupa cana.

Esse é um claro exemplo de que a língua não admite que se façam duas coisas simultaneamente, ou é isto ou é aquilo. Novamente aqui, há uma discordância entre Cançado (2005) e Kempson (1977), uma vez que aquela considera a sentença em questão como sendo um caso de ambiguidade lexical, argumentando que o contexto está selecionando o sentido. Na sentença „Os candidatos à vaga devem ter curso superior completo ou alguma experiência no exercício do professorado‟, temos uma leitura exclusiva e/ou inclusiva, isto é, ou você se adequa a um dos critérios para ocupação da vaga como professor, ou você pode atender, simultaneamente, aos dois critérios de seleção. Vale salientar que, de acordo com Cançado (2005), a escolha do sentido selecionado pelo contexto é uma característica típica de ambiguidade. Assumo, portanto, o posicionamento de Cançado (2005) de que existem dois sentidos diferentes, e que um deles será escolhido, a depender da entonação dada à sentença.

Para separarmos com mais nitidez os casos de vagueza e ambiguidade, utilizaremos um teste proposto também por Kempson (1977), visando estabelecer essa diferença não apenas nos casos mais claros, mas, sobretudo, dos que geram mais dificuldade no momento de decidir que fenômeno está em análise. Esse teste consiste no uso da palavra também, usada como uma forma reduzida da sentença, que tem o propósito de evitar a repetição da sentença anterior.

Tomemos a seguinte sentença dada por Cançado (2005, p. 58): “„Carlos adora sorvete; e a Maria também‟”. Essas duas sentenças são compreensíveis, e isto se deve ao fato de que há uma convenção que estabelece a identidade de significado dos dois sintagmas verbais em questão, ou seja, a partir da palavra „também‟ a segunda sentença é inferida de acordo com a primeira. Em outras palavras, se a sentença que antecede a segunda possuir mais de uma interpretação, esta assimilará as mesmas interpretações da anterior. Vejamos este outro exemplo:

4. Paulo esteve no banco; e Ana também.

A ambiguidade aqui surge da interpretação do lexema banco, que pode tanto estar relacionado à instituição financeira, quanto a um assento. Note que o sentido atribuído à primeira sentença é obrigatoriamente assumido pela segunda sentença. Se, portanto, entendermos que a palavra banco refere-se à instituição financeira, as duas sentenças terão

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29 que se referir à instituição financeira. Logo, é inviável que a primeira sentença refira-se à instituição financeira e a segunda, ao assento; ou vice-versa.

Um comportamento diferente dos acima descritos é o uso da palavra também em sentenças que só têm a falta de especificação dos termos. Exemplificando, temos: „Paulo beijou Ana; e Pedro também‟. Nesse caso, segundo Cançado (2005), também não assume a mesma identidade de significado da sentença anterior, pois há uma falta de especificação do local beijado. É perfeitamente possível entender que quando a sentença tem um caráter vago, a interpretação da sentença reduzida não se restringe à interpretação da primeira, que, como podemos supor, Paulo pode ter dado um beijo na bochecha de Ana, enquanto que Pedro a beijou na boca. A ressalva que Cançado (2005) faz a esse teste é que nem sempre será possível aplicá-lo, pois nem sempre é possível encontrar as duas interpretações da ambiguidade numa mesma sentença, como no caso do verbo quebrar, que assumiu diversos sentidos: estilhaçar, descumprir, machucar, refletir, decepcionar e falir. Todavia, este é um teste que bem separa essas duas noções.

Outro tipo de vagueza é aquele em que “cada uma das possíveis interpretações de uma ambiguidade estará associada a uma rede de sentidos específica” (CANÇADO, 2005, p. 59). Isto pode ser observado nas ocorrências do verbo quebrar, utilizado anteriormente, que admite vários sentidos, como por exemplo, (A) estilhaçar e (B) descumprir. Ao primeiro sentido podemos associar várias palavras que façam parte do seu campo semântico, entre elas, vaso, uma vez que esta apresenta a característica semântica de ser estilhaçável, logo, podemos tê-la como uma palavra que pertence ao mesmo campo semântico de quebrar (A). Sendo assim, nas sentenças construídas com quebrar e vaso, pode haver a substituição de quebrar por qualquer outro verbo que tenha o mesmo sentido de quebrar (A). Vejamos uma estranheza nos seguintes exemplos:

5. (A) Pedro quebrou o vaso. (B) Pedro estilhaçou o vaso. (C) *Pedro descumpriu o vaso.

6. (A) Pedro quebrou a promessa. (B) Pedro descumpriu a promessa.

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30 (C) *Pedro estilhaçou a promessa8.

Note que esse teste de sentido nos explica a ambiguidade que ocorre em exemplos já citados do tipo: „Paulo quebrou o vaso com um martelo‟, „Paulo quebrou o vaso com o empurrão que levou‟ e „Paulo quebrou a cabeça no acidente‟. Agora, vemos mais claramente que uma única palavra pode cobrir várias outras por ser possuidora de características semelhantes que as associam a um mesmo campo semântico. Logo, o seu uso em diferentes contextos pode resultar em ambiguidades que, nos casos vistos, incidem sobre o item lexical quebrar.

Há, em especial, além desses critérios de distinção entre ambiguidade e vagueza, o critério de distinção entre polissemia e vagueza, que é o da lexicalização (MOURA, 2001). A linha divisória entre polissemia e vagueza pode ser demarcada a partir da ideia de que os sentidos de itens lexicais advêm do léxico ou do contexto. Quando o sentido de um item lexical é selecionado e este se encontra acessível no léxico, podemos dizer que esse sentido é lexicalizado; quando o sentido de um item lexical é gerado no contexto, o sentido não é lexicalizado, logo, não ocorre lexicalização. Em outras palavras, na polissemia e também na homonímia, os sentidos são lexicalizados, enquanto que na vagueza, os sentidos procedem do contexto. Para exemplificar, tomemos a sentença:

7. Mariana é uma boa aluna.

Note que não há nada no léxico que nos permita determinar qual o sentido de “boa aluna” ou de “aluno alto”, visto que denotam propriedades que não temos como medir precisamente. Ou seja, uma pessoa é qualificada como boa aluna porque é comportada, porque tira boas notas ou porque é esforçada? E mais, qual a altura certa para uma pessoa ser considerada alta? Assim sendo, os seus sentidos devem ser acessados numa ocorrência específica, ou seja, os seus sentidos devem ser buscados num determinado contexto e não no léxico.

Com efeito, para sair do nível de indefinição da sentença, podemos fazer precisificações da sentença „Mariana é uma boa aluna‟. Isto porque a indeterminação semântica, exemplificada no termo „boa‟, é suscetível à ocorrência de precisificações, que, segundo Pinkal (1995 apud TRINDADE, 2006, p. 22), consiste numa função que

8 Há divergência quanto à estranheza do verbo „estilhaçar‟ nessa sentença. Para uns, essa palavra soa natural,

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31 transforma sentenças indefinidas em definidas. Desta forma, vejamos as seguintes precisificações da sentença (7):

8. (A) Mariana é uma boa aula quanto à assiduidade. (B) Mariana é uma boa aluna em relação às suas notas.

A sentença (8) é uma precisificação de (7), na medida em que exclui certas interpretações que (7) autorizava, ou seja, a precisificação já seleciona o sentido desejado e elimina os outros possíveis sentidos. No caso dessa sentença, o que é relevante para definir um adjetivo como „boa‟ é a precisificação que só se faz pelo contexto, pois, segundo Trindade (2006, p. 23), “o léxico não é suficientemente informativo para a interpretação”.

Vejamos um outro exemplo dado por Moura (2000, p. 82): 9. Antônio Ermírio comprou a Folha de São Paulo.

De acordo com Moura (2000, p. 78), “a interpretação dessa sentença não depende do conhecimento que se tem dos fatos, mas da interpretação que damos às palavras do locutor”. Dessa forma, pode-se interpretar que Antônio Ermírio comprou a empresa jornalística Folha de São Paulo ou que Antônio Ermírio comprou o jornal do dia. Temos, portanto, um caso de ambiguidade lexical, gerada pela polissemia da expressão „comprar a Folha de São Paulo‟, visto que os seus possíveis sentidos estão relacionados entre si, admitindo como sentido base a ideia de que ambos os sentidos tratam sobre um “pedaço de papel de determinado formato”, definição de „folha‟ apresentada pelo Aurélio (2001).

Utilizando a precisificação, podemos desfazer a ambiguidade ao fornecer um contexto mais informativo, acrescentando a sentença abaixo:

10. A Folha da quinta-feira, 18 de maio.

Moura (2001) explica a desambiguação da sentença (9) argumentando que a sentença (10), por ser uma precisificação de (9), exclui certas interpretações que (9) autorizava. Acrescenta ainda que, nesse caso, não foi preciso recorrer a uma inferência pragmática, pois ela foi desfeita segundo a resolução de ambiguidade semântico-discursiva, isto é, a dinâmica do discurso se encarregou de eliminar a ambiguidade.

Com efeito, de acordo com Trindade (2006, p. 23), “um item lexical corresponde a um conjunto de sentidos (precisificações) que podem advir diretamente do léxico (nos

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32 casos de polissemia) ou do contexto (nos casos de vagueza)”. Ao contrário do que ocorre na polissemia e na vagueza, na homonímia não é aceitável a indeterminação do sentido, de modo que exige do locutor uma definição sobre o sentido a que se refere. Vejamos o seguinte exemplo dado por Trindade (2006):

11. João foi ao banco.

O termo „banco‟ possui dois sentidos, o de assento e o de instituição financeira. Nesse caso, a precisificação deve ser feita, pois a sentença assinala apenas um sentido, bloqueando todos os outros. Consequentemente, admitir-se-á o sentido que o locutor assume para „banco‟:

12. (A) João foi ao banco retirar dinheiro.

13. (B) João foi ao banco da praça para descansar.

Nestes exemplos, dados por Trindade (2006), vemos que a precisificação foi realizada de acordo com o sentido a que o locutor se refere, na primeira assume o sentido de instituição financeira, e no segundo, de assento.

Postas as teorizações aqui discutidas sobre a distinção entre os casos de determinação semântica, em particular o da polissemia e vagueza nesta sessão, mas também os da polissemia e homonímia, defendo o contexto e o léxico, respectivamente, como os critérios de determinação do sentido lexical, haja vista sua relevância teórica.

Com efeito, a ambiguidade e a vagueza são reflexos de um jogo com e sobre a língua, onde os sujeitos se inscrevem na dimensão aberta da linguagem. É eficaz tornar presente que o sentido independe do falante, pois ele nada pode trocar num signo que foi estabelecido em determinado grupo linguístico, assim como o sentido não pertence exclusivamente à língua, pois, como defende Saussure (2012, p. 115), “o signo se permite alterar porque ele continua”. Isto porque a língua não é capaz de se defender dos fatores que tendem a deslocar a relação entre o significado e o significante, e essa é uma das consequências da arbitrariedade do signo. É certo que o tempo altera todas as coisas, logo, não existe razão para que a língua seja uma exceção a essa lei universal.

Em Português, os enunciados que apresentam multiplicidade de sentido costumam ser empregados, em especial, na propaganda publicitária, como podemos observar no exemplo dado por Ferreira (2000, p. 70), retirado de um jornal de São Paulo: “„Ligue-se! A

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33 Economia está por um fio‟”. Nesta sentença, a ambiguidade está na expressão “ligue-se”, que pode tanto atribuir um tom de chamada ao interlocutor para ficar ligado através do aparelho, usando a linha telefônica a fim de realizar a ligação; quanto para ficar atento, em estado de vigilância. Estamos, portanto, diante de uma visão biunívoca das idéias, que dá lugar ao surpreendente universo ambíguo da linguagem.

Na próxima sessão, faremos um breve percurso acerca das características atinentes à propaganda, destacando sua linguagem e sua finalidade na promoção de divulgar produtos e serviços.

1.4. A propaganda e sua produção de sentidos na mídia

É comum sermos induzidos sempre a comprar produtos e a experimentar serviços, ao assistir à televisão, ler uma revista ou um jornal, ou ainda quando somos surpreendidos com uma desejável imagem9 de um produto visivelmente muito atrativo e que é consumido pelo grupo social mais privilegiado. Na tentativa de vender seus produtos, os meios de comunicação de massa utilizam várias formas persuasivas, sejam elas numa linguagem verbal ou não, para suscitar no consumidor a vontade de comprar e dar preferência ao seu produto em vitrine. Esta é a chamada propaganda comercial ao consumidor10, que não apenas anunciam um produto a ser vendido, mas um nome no mercado.

O termo „propaganda‟ foi retirado do nome latino Congregation de propaganda fide, que traduzido, temos Congregação da fé que deve ser propagada (VESTERGAARD, 1994). Muitas vezes ele é tido como sinônimo de „publicidade‟, porém, “em português, publicidade é usado para a venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para propagação de ideias tanto para o sentido de publicidade” (SANDMANN, 2001, p. 10).

A propaganda, enquanto técnica de comunicação que tem a finalidade, segundo Sant‟Anna (1996), de fornecer informações, desenvolver atitudes e promover benefícios na

9 A imagem a que me refiro nesse momento diz respeito à proposta tentadora de um produto oferecido pelo

mercado, sendo ela construída não apenas de um material fotográfico, mas linguístico. Por assim dizer, ao longo do trabalho, em especial, na análise dos anúncios publicitários, tratarei a imagem enquanto representação visual ou fotográfica de um produto ou serviço oferecido ao seu possível consumidor.

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34 venda de produtos ou serviços, carrega uma mensagem publicitária, organizada em forma de anúncio, que, de acordo com Cabral (1990, p. 59), “tem uma forma que o reveste, dando-lhe a exterioridade visual”, seja ela escrita ou auditiva. Cabral (1990) aponta que o conteúdo do anúncio não é apenas textual, ou seja, não se resume no que se lê ou ouve, mas é todo o contexto que se aplica a ele: palavra, texto, imagem, som e cor. Por conseguinte, conforme Sant‟Anna:

O anúncio é grande peça do imenso tabuleiro publicitário e o meio publicitário por excelência para comunicar algo com o propósito de vender serviços ou produtos, criar uma disposição, estimular um desejo de posse ou para divulgar e tornar conhecido algo novo e interessar a massa ou um de seus setores. (1996, p. 77).

O sociólogo Herbert Blumer, citado por Sant‟Anna (1996), identifica a massa como os membros que podem vir de qualquer profissão e de todas as camadas sociais, o que inclui posições sociais, vocações diferentes, variados níveis de cultura e de riqueza. Vê-se, então, que o anúncio é um processo de comunicação cuidadosamente estudado, que objetiva ser visto por pessoas, das quais só se tem acesso à classe econômica a que pertence, idade e sexo.

A linguagem da propaganda enfrenta um grande desafio, que é o de convencer e levar o leitor à ação através da palavra e da imagem, esta última tida enquanto representação visual ou fotográfica. É o que destaca Sandmann (2001), ao afirmar que a porfia maior consiste em prender a atenção do leitor. Para atender a essa exigência é que a propaganda utiliza de uma linguagem criativa, fazendo o leitor parar, ler ou escutar, e às vezes refletir sobre a mensagem que lhe é dirigida. A respeito disso, Vestergaard (1994, p. 07) destaca:

Não só a publicidade contribui para que os produtos pareçam esteticamente o mais agradáveis possível como também o anúncio se converte numa realização estética. [...] essa estetização da mensagem significa que os anúncios podem ser analisados por meio de técnicas geralmente aplicadas às artes verbais e visuais; na verdade, a propaganda representa um gênero “subliterário”. (LEECH, 1969, p. 66).

Referências

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