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ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA NA CADEIA DE SUPRIMENTOS DA CARNE BOVINA: UM CASO BRASILEIRO

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ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA NA

CADEIA DE SUPRIMENTOS DA CARNE

BOVINA: UM CASO BRASILEIRO

Marcela de Mello Brandão Vinholis (UFSCar)

marcela.vinholis@dep.ufscar.br

Juan Diego Ferelli de Souza (UFSCar)

jdfsouza@hotmail.com

Hildo Meirelles de Souza Filho (UFSCar)

hildo@power.ufscar.br

O presente estudo tem por objetivo verificar a relação entre o atributo valorizado nos diferentes segmentos de mercado e o atributo requerido na compra de matéria-prima e seu impacto nas estruturas de governança entre fornecedor e indústriaa processadora na cadeia de carne bovina. A análise é realizada por meio de estudo de caso no Estado de São Paulo. Foram utilizados os conceitos da Economia dos Custos de Transação. Verificou-se que o elevado nível de exigências de nichos de mercado em termos de qualidade e segurança do alimento promoveu a adoção de um regime híbrido de coordenação. No segmento de mercado de carne de baixo preço, o mercado spot prevalece. Uma única empresa pode adotar ambas as estruturas de governança, que é o caso das empresas que abastecem os mercados externo e doméstico.

Palavras-chaves: carne bovina, coordenação, economia dos custos de transação

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1. Introdução

A qualidade e segurança do alimento é uma preocupação global em crescimento não apenas por causa da sua importância para a saúde pública, mas também em função do seu impacto no comércio internacional. Cada vez mais os importadores e nichos do mercado interno exigem produtos seguros e com qualidade consistente.

Com a demanda mais exigente por alimentos mais seguros, torna-se grande o interesse na implantação de programas que garantam a qualidade do produto e que incluam ferramentas capazes de rastrear informações sobre o alimento e seu processo de produção ao longo da cadeia de suprimentos. Esta situação requer maior interação e novos desafios de gerenciamento da cadeia de suprimentos e novas formas de coordenação vertical.

Os alimentos, em geral, tendem a apresentar atributos de qualidade e de segurança classificados como de experiência e de crença, sendo esta uma causa da assimetria de informação entre vendedores e compradores. A predominância destes atributos, associada à susceptibilidade da produção agrícola às condições climáticas conferem heterogeneidade da matéria-prima agrícola e elevada incerteza com relação à qualidade do alimento. Neste cenário, a interação e o gerenciamento da cadeia de suprimentos tornam-se de maior relevância para garantir o produto e a competitividade da cadeia.

A indústria de processamento de carne bovina no Brasil tem o desafio atender um mercado que se torna cada vez mais exigente em termos de atributos do produto final, diante de uma oferta de prima muita heterogênea. A heterogeneidade de fornecimento de matéria-prima decorre de diferentes sistemas de produção co-existentes no país e da susceptibilidade intrínseca dos produtos agropecuários às variações climáticas e a diversidade de segmentos e requisitos do mercado interno e externo.

Por meio de estudo de caso na cadeia de suprimentos da carne bovina brasileira, o presente estudo tem por objetivo verificar a relação entre o atributo valorizado nos diferentes segmentos de mercado e o atributo requerido na compra de matéria-prima e seu impacto nas formas de coordenação vertical entre fornecedor e indústria.

2. Abordagem teórica

2.1. Economia dos Custos de Transação

A economia dos custos de transação avalia a eficiência organizacional com base no alinhamento entre os atributos da transação e a estrutura de governança. A depender da freqüência, da especificidade do ativo e da incerteza envolvida na transação, a forma de coordenação pode variar entre as relações de mercado, as estruturas híbridas de governança e a integração vertical. As diferentes formas organizacionais diferem nos custos de transação e a escolha da estrutura visa a redução destes custos. Os custos de transação são os custos de realização da transação entre o comprador e o vendedor, sendo que estes envolvem os custos de procura pela informação, os custos de negociação, os custos de monitoramento e os custos de garantir a transação (WILLIAMSON,1989).

Williamson (1989) explica a adoção do arranjo organizacional em função da especificidade dos ativos. Quanto maior a especificidade dos ativos envolvidos na produção de um bem, mais fortes são os incentivos para se ter a estrutura de governança unificada. A especificidade de um ativo pode ser classificada em seis tipos: (1) especificidade locacional, quando os agentes estão localizados próximos um do outro a fim de economizar gastos de transporte; (2)

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3 especificidade física, quando peças ou moldes especializados são necessários para produzir um determinado componente; (3) especificidade humana, que surge a partir da idéia do learning by doing; (4) ativos dedicados, quando investimentos específicos são realizados para determinado propósito, para certo cliente; (5) marca; e (6) especificidade temporal.

Na produção agrícola as especificidades do ativo mais relevantes são do tipo locacional, física e temporal. Esta última, em grande parte, decorrente da perecibilidade e das condições climáticas que influenciam a quantidade e qualidade dos produtos agrícolas (RAYNAUD et al., 2009). Investimentos em conhecimento, processos e equipamentos que visem à redução da variabilidade da qualidade do produto constituem outro tipo de especificidade.

Em função da susceptibilidade às variações climáticas, a produção agropecuária apresenta uma maior heterogeneidade da qualidade e segurança dos produtos. Esta situação caracteriza uma dimensão da incerteza envolvida na transação, enquanto que a instabilidade do ambiente institucional representa outra dimensão deste atributo.

Nos estudos sobre canais de marketing e distribuição, Coughlan et al. (2002) afirmam que, em um ambiente altamente incerto, a ausência de especificidade favorece a terceirização, enquanto que, a presença de elevada especificidade conduz a integração vertical, desde que o mercado seja promissor.

O atributo freqüência não é tratado diretamente no modelo de Williamson, mas seus efeitos estão relacionados à reputação, pois se uma transação é recorrente pode existir uma relação maior de confiança entre os agentes (RODRIGUES e MORAES, 2007). Neste caso, a reputação está relacionada à reciprocidade entre as partes.

De acordo com Barzel (1982), a troca de bens entre os agentes é motivada pela necessidade e pela percepção do valor de troca. Para formar esta percepção, os atributos dos bens devem ser mensurados. No entanto, os principais problemas das transações surgem por causa da dificuldade e do alto custo de obtenção de informações precisas sobre as características do produto. Alguns destes atributos são de fácil mensuração como o peso de um produto, sendo assim a obtenção desta informação não representa custo adicional. Mas atributos que apresentam um caráter subjetivo são de difícil mensuração o que torna o processo de avaliação e transmissão da informação muito custosa.

A partir destes conceitos, Raynaud et al. (2009) citam a dificuldade de avaliação desses atributos como outra característica relevante na análise da coordenação entre os agentes. Atributos de segurança e características organolépticas relacionadas à qualidade do alimento tendem a ser do tipo “experiência”, observáveis após o consumo, ou de “crença”, não verificáveis nem após o consumo. Clientes que valorizam produtos com predominância destas características incorrem em elevados custos de procura e de mensuração da qualidade do produto ex ante (BARZEL, 1982).

Raynaud et al. (2009) verificaram como a seleção de informações sobre a qualidade do produto, traduzidas em marcas, podem influenciar as estruturas de governança. Os autores concluem que dependendo dos requisitos da qualidade enfatizados, algumas transações verticais na cadeia de suprimentos são mais críticas do que outras para formar e garantir estes atributos. Estas transações tendem a ser mais controladas e conduzem a estruturas de governança mais formais. O presente estudo propõe que os atributos valorizados em cada segmento de mercado podem influenciar a estrutura de governança a montante da cadeia de suprimentos. Isto ocorre porque a escolha do atributo do produto sinalizado para o consumidor irá influenciar os atributos da transação e seus respectivos riscos contratuais.

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4 A hipótese central deste estudo é a de que os atributos valorizados (procura, crença ou experiência) em cada segmento de mercado influenciam as características das transações (especificidade dos ativos) e a estrutura de coordenação entre fornecedor nível 1 e empresa focal.

3. Método

Optou-se pela pesquisa qualitativa com estudo de caso na cadeia de suprimentos de carne bovina no Brasil por pretender realizar uma análise em profundidade, onde não é possível separar o objeto de seu contexto.

De acordo com Yin (1990), o estudo de caso é definido como sendo uma “forma de se fazer pesquisa social empírica ao investigar um fenômeno atual dentro de seu contexto de vida real, onde as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas e na situação em que múltiplas fontes de evidências são usadas”.

A questão investigada é: Como o atributo valorizado pelo cliente nos diferentes segmentos de mercado pode influenciar a coordenação vertical entre fornecedores e empresa focal (frigorífico)?

Para responder essa questão foram entrevistados pesquisadores, especialista de mercado e o gerente de operações de um frigorífico habilitado para exportação. A empresa selecionada atua em diferentes segmentos do mercado interno e externo. Este requisito foi considerado na seleção da empresa para que houvesse maior variabilidade nas estratégias de comercialização e nos canais de distribuição.

O roteiro de entrevistas foi construído seguindo as etapas: (i) mapeamento da cadeia de suprimentos, considerando os diferentes canais de distribuição e tipos de fornecedores; (ii) identificação dos atributos valorizados nos diferentes segmentos de mercado; e, (iii) verificação das características das transações e as formas de coordenação vertical existentes entre fornecedores nível 1 e empresa focal.

A análise das características das transações foi realizada com base em três estágios de intensidade de influência: muito alta (+++); alta (++) e baixa (+). A descrição das estruturas de coordenação vertical baseou-se na tipologia proposta Williamson (1989).

4. Resultados e discussão 4.1. Descrição do caso

Trata-se de uma empresa de pequeno/médio porte do setor de carnes, com administração familiar, habilitada para exportação de carne in natura. Atualmente, a empresa possui três fazendas próprias destinadas à engorda de bovinos. A estrutura de abate e processamento conta com um frigorífico com capacidade instalada diária de 900 animais na região central do Estado de São Paulo, Brasil.

O controle da qualidade segue os programas de Limpeza e Higienização (PPHO - Procedimento Padrão de Higiene Operacional), treinamento de pessoal em Boas Práticas de Fabricação (GMP - Good Manufacture Pratice), e de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP - Hazard Analysis and Critical Control Point). O acompanhamento e supervisão são realizados pelo Serviço de Inspeção Federal (S.I.F.).

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5 A figura 1 apresenta o desenho da cadeia de suprimentos da carne bovina, os atores que a empresa focal se relaciona a montante e a jusante e as respectivas transações. Estas últimas estão numeradas para facilitar a análise posterior.

Figura 1. Desenho da cadeia de suprimentos da carne bovina do caso brasileiro em estudo.

Características das transações e estruturas de governança

Na relação frigorífico e cliente nível 1, existem segmentos de mercado definidos em que se valorizam distintos atributos do produto (Figura 1). Na transação T1 em que se valorizam atributos organolépticos como maciez e sabor, são direcionados cortes da marca Premium cuja compra de matéria-prima é diferenciada para atender esta necessidade. Este mercado é constituído de churrascarias, lojas de redes de supermercados e casas de carne localizados em regiões de classe econômica média/alta. A matéria-prima para o atendimento deste mercado é originada, em grande parte, de fazendas próprias e de produtores que possuem uma relação de mais longo prazo com o frigorífico. O frigorífico conhece o histórico do produtor e a transação é mais recorrente com este fornecedor. Em geral, ele este está localizado em um raio que não ultrapassa os 250 km de distância do frigorífico. Os mecanismos de coordenação que atendem este mercado estão entre a integração vertical (T6 e T7) e contrato a termo (T8), sendo que em sua maioria são atendidos via produção própria (T6 e T7).

Maciez e sabor são características do tipo experiência. A construção, mensuração e avaliação destas características são mais custosas do que outras características valorizadas em outros segmentos. A construção destas características no produto final depende de um conjunto de

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6 fatores, dentre eles a genética do animal, o sistema de produção e os processos industriais. No Brasil, a grande maioria dos bovinos é de raça bos indicus o que confere maior dificuldade na padronização da característica maciez. A forma que o frigorífico utiliza para a mensuração e a avaliação da matéria-prima para o alcance destas características é a compra de animais com base em número de dentes (proxy para idade dos animais), sexo e peso (proxy para o acabamento da carcaça, ou camada de gordura, no processo de tipificação), sendo sua maioria advindos de engorda em confinamentos. Para que esses requisitos na compra dos animais possam de fato ser traduzidos em melhor maciez e sabor do produto final é necessário o monitoramento e controle dos processos industriais, em especial do processo de resfriamento da carne. Para a marca Premium são requeridos novilhos com quatro dentes e peso superior a 15@. Produtos para exportação são requeridos animais com idade inferior a 30 meses e pesos superiores a 15@ para macho e 11@ para fêmea.

Produtores que atendam estas características apresentam, em geral, um perfil diferenciado. O sistema de produção utilizado é a engorda em confinamento. Adotam o manejo e o controle do rebanho mais rígido e possuem maior nível tecnológico. Neste sistema de produção as margens unitárias são menores, o que significa que o controle é maior e o tempo de abate deve ser respeitado e fim de reduzir custo. Neste caso, a especificidade temporal do sistema de produção e da idade do animal é elevada quando comparada com outros sistemas. Cada dia a mais que o animal permanece no confinamento após ter atingido as características de abate, o custo unitário se eleva. O que justifica estrutura de coordenação mais estreita como o contrato a termo e a integração vertical.

Assim como a transação T1, a transação T2 atende mercado interno. Porém, o foco são lojas de redes de supermercados ou casas de carne localizadas em regiões de faixa de renda em que se prioriza preço e quantidade. Para este segmento são encaminhados cortes de carne da marca própria padrão. Em termos sanitários, verificou-se que houve um ganho para este segmento dos processos e estruturas alterados para atender as exigências internacionais. No entanto, não se verificou exigências de requisitos específicos em termos de idade, peso e sexo dos animais. Neste segmento, os atributos valorizados são do tipo procura, ou seja, são facilmente avaliados no momento da compra, com baixo custo de mensuração. Em geral, a compra da matéria-prima para este segmento se dá de fornecedores sem vínculos relacionais com o frigorífico, podendo vir de longas distâncias que variam até 1000 km. Em geral, são pecuaristas que adotam o sistema de produção de engorda a pasto, onde a especificidade do ativo é menor, ou seja, não há grandes perdas para o produtor caso ele espere uma melhor oportunidade de venda do seu animal. A transação ocorre basicamente em termos de preço e quantidade e a coordenação entre os agentes se dá por meio do mercado spot, onde não há compromisso de uma relação continuada. Referem-se basicamente às transações T9 e T10 na figura 1. Da mesma forma, a transação T12 realizada entre o fornecedor de nível 1 e 2 para atender este mercado ocorre com base em preço e quantidade.

Com relação as transação T9 e T10, destinadas ao mercado interno, a incerteza com relação ao ambiente institucional é baixa e a incerteza com relação aos atributos de qualidade é mais elevada em função da variabilidade da qualidade existente no produto fornecido, no entanto, como este mercado privilegia preço e quantidade, este tipo de incerteza não chega a afetar a estrutura de coordenação via mercado existente. Em situações específicas, este mercado pode ser abastecido também por algum animal via T6, T7 ou T8.

O mercado externo se divide em três grandes segmentos: estados membros da União Européia e países que exigem a rastreabilidade equivalente ao sistema europeu (T3), países que não

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7 exigem a rastreabilidade equivalente ao sistema europeu (Lista Geral-T4) e demais países (T5).

Os animais destinados ao abate para a produção de carnes a serem exportadas aos estados membros da União Européia e os países que adotam exigências equivalentes (T3) são acompanhados de “Declaração do produtor”, a qual é apresentada à Inspeção Federal, juntamente com a Guia de Trânsito Animal e o Sumário emitido pela Base Nacional de dados, com vistas à inspeção ante-mortem. Neste caso, o respaldo da referida declaração são as auditorias das certificadoras terceirizadas vinculadas ao Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV), circular nº41/2006/DIPOA (Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal).

Para o pecuarista, o investimento para tornar sua propriedade habilitada para a exportação para o bloco europeu (Estabelecimento Rural Aprovado no SISBOV - ERAS) é alto e específico. O produtor rural deve atender as seguintes exigências: termo de adesão ao SISBOV, cadastro de produtor, cadastro da propriedade, protocolo básico de produção, registro dos insumos utilizados na propriedade, todos os bovinos da propriedade identificados individualmente, controle de movimentação dos animais, acompanhamento por uma única certificadora e vistorias periódicas pela certificadora. O processo de habilitação é lento. A obtenção desta habilitação tem por efeito a possibilidade de inserção no mercado da UE e serve como referencial para a exportação para outros países, como a Rússia e o Oriente Médio.

Em função dos investimentos necessários, a propriedade rural que se mantém no SISBOV tende a ter escala de produção e perfil tecnológico superiores. Em geral, o frigorífico conhece o histórico do produtor em função da relação de longo prazo, tem um contato mais próximo e recorrente e este está localizado em um raio que não ultrapassa os 250 km de distância da planta. As especificidades física e locacional do ativo geradas neste sistema têm conduzido ao estabelecimento de contratos a termo (T8 na figura 1) para a aquisição do animal rastreado destinado a produção de carne voltada para a exportação aos estados membros da União Européia e aos países que adotam exigências equivalentes. O grande volume de animais para este mercado é atendido pela T8, no entanto, em situações específicas os animais também podem ser adquiridos via T9, desde que o fornecedor seja uma propriedade ERAS.

O estabelecimento de contrato a termo entre pecuarista e frigorífico é uma prática recente no Brasil, inicialmente utilizada por grandes frigoríficos. Em estudo sobre a cadeia produtiva da carne bovina no início da década, Pigatto (2001) e Vinholis (2001) não verificaram a ocorrência deste tipo de coordenação. A empresa estudada passou a adotar a forma de contrato a termo no ano de 2009 e atualmente este mecanismo já representa cerca de 30 % dos animais entregues para abate. O que coincide com a estratégia de vendas adotada pela empresa. Até 2005, esta empresa operava com cerca de 70% de suas vendas voltadas para o mercado externo. Após o embargo à carne bovina brasileira por parte da União Européia em 2005, em função de foco de aftosa, este frigorífico, localizado no Estado de São Paulo, alterou sua estratégia de vendas. Hoje, trabalha cerca de 30% voltado para exportação e 70% para mercado interno.

Nesta modalidade de coordenação, é previsto a data de entrega dos animais, quantidade, peso, idade, sexo e preço. Este último é calculado com base no índice ESALQ/BM&F acrescido de um diferencial. Este diferencial é determinado pelo mercado. Existem ainda multas contratuais caso uma das partes rompa o contrato. Para o pecuarista, este mecanismo permite a programação técnica e financeira da produção e reduz o risco em função da especificidade

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8 do ativo e incerteza da ambiente institucional mais elevado. Para o frigorífico, permite a melhor programação de vendas e produção e garante a entrega do produto. Ressalta-se aqui que a concorrência entre frigoríficos por bovinos é mais alta hoje em função do maior número de estabelecimentos. Na região do estudo, existem outros dois frigoríficos exportadores. A forma encontrada pelos produtores com menor escala de produção e que desejam se manter no mercado de exportação para o bloco europeu tem sido a associação a grandes produtores que possuem propriedade ERAS, neste caso executa-se uma relação do tipo contrato a termo entre o fornecedor de nível 1 e o fornecedor de nível 2. A empresa em estudo terceiriza a produção da matéria-prima (T11) junto a fornecedores de nível 2, denominados “parceiros”. Porém ainda não tem sua propriedade habilitada no SISBOV. Na estratégia da empresa, duas de suas propriedades rurais solicitaram a inclusão no SISBOV. Neste caso, a transação T11 também poderá atender o mercado europeu. Atualmente este mercado tem sido atendido pela transação T8.

A adoção de normas de produção e da rastreabilidade tem efeitos contraditórios. Por um lado, tende a reduzir a variabilidade da qualidade da matéria-prima e a assimetria da informação e, com isso, reduz os custos de transação ex ante e a incerteza em relação aos atributos da qualidade e segurança do alimento. Por outro lado, as constantes alterações do ambiente institucional em relação à adoção de práticas que visem a rastreabilidade bovina de forma a atender às exigências européias tem contribuído para a insegurança e desestímulo do produtor em investir na propriedade ERAS.

Para os países que não exigem o sistema de rastreabilidade equivalente ao europeu (Lista Geral – transação T4), as garantias são oferecidas pelos Serviços Veterinários Oficiais, mediante declaração do produtor atestando que a propriedade rural de origem dos animais relacionados na GTA (Guia de Trânsito Animal) está sob supervisão do Serviço Veterinário Oficial (Circular nº41/2006/DIPOA). Para o atendimento deste mercado (T4) e o mercado dos demais países (T5), cuja exigência limita-se aos requisitos do Certificado Sanitário de Exportação (idade inferior a 30 meses), preço e quantidade, os animais são abastecidos em sua grande maioria pelas transações T9 e T10, podendo ocorrer também via T6, T7 ou T8 em menor intensidade. Embora haja exigência de idade, a especificidade do ativo é baixa para o atendimento destes mercados, quando comparado ao sistema de produção exigido para o atendimento do segmento europeu. A incerteza do ambiente institucional está subordinada às exigências dos países importadores destes dois segmentos, considerada inferior ao do bloco europeu, mas superior ao fornecimento de carne para o mercado interno.

A tabela 1 resume a relação existente entre os segmentos de mercado (relação entre empresa focal e cliente nível 1) e as transações entre a empresa focal e fornecedor de nível 1 para o atendimentos dos segmentos de mercado. As transações prioritárias são aquelas que ocorrem com maior freqüência e que atendem o maior volume de matéria-prima para determinado segmento de mercado. Enquanto que a tabela 2 resume os atributos valorizados nos dois sentidos (relação entre empresa focal e cliente nível 1 e empresa focal e fornecedor de nível 1) e as características das transações na direção a jusante da cadeia. Os atributos valorizados na relação com o fornecedor nível 1 são aqueles que atendem as transações prioritárias para determinado segmento, não estão relacionados os atributos valorizados nas transações marginais por entender que estas ocorrem em situações específicas ou oportunidades de mercado e não representam a maioria para aquele segmento. Quando são realizadas as transações marginais, os atributos requisitados no segmento são atendidos.

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Fonte: dados da pesquisa.

Tabela 1. Relação existente entre os segmentos de mercado e as transações

Fonte: dados da pesquisa.

Tabela 2. Características das transações.

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10 Verificou-se no caso estudado que existe relação entre o atributo valorizado nos diferentes segmentos de mercado e a estrutura de coordenação vertical entre empresa focal e fornecedor de nível 1. Isto ocorreu, pois o atributo valorizado pelo cliente influenciou o atributo valorizado na compra da matéria-prima pelo frigorífico.

Verificou-se estruturas de coordenação vertical mais estreitas entre empresa focal e fornecedor de nível 1 em situações em que se exigia sistema de produção ou processos específicos para o alcance do atributo valorizado pelo cliente. Esta condição ocorreu para o atendimento de nichos de mercado interno que operam com marca Premium e para o atendimento dos estados membros da União Européia e países com requisito equivalente. Da mesma forma, segmentos que priorizam preço e quantidade são atendidos por animais adquiridos em sua maioria no mercado spot. Isto é possível, pois a informação do atributo valorizado à montante da cadeia é repassada internamente para o setor de compras de matéria-prima, sendo este atributo considerado na relação com o fornecedor de nível 1. Esta relação não ocorre na totalidade do volume negociado pela empresa, porém ocorre em sua maioria. Embora não tenha sido foco do estudo, entrevista com especialista apontou que esta situação é mais evidente em empresas de menor porte como o caso estudado. Em empresas do setor de maior porte esta relação pode não ser tão evidente em função do volume negociado. Sugere-se dessa forma estudo futuro sobre a influência do porte das empresas nas estratégias de comercialização e estruturas de governança com fornecedor.

O caso em estudo corrobora o trabalho de Banterle e Stranieri (2008) de que a adoção de sistema de rastreabilidade voluntário possibilita a alteração da estrutura de coordenação entre os agentes. No caso brasileiro, embora a adoção do sistema de rastreabilidade (SISBOV) seja regulamentada pelo governo, a adesão ao sistema é voluntária. Neste caso, a possível elevação da especificidade do ativo neste sistema agregada à incerteza do ambiente institucional tem conduzido ao estabelecimento de contraltos a termo para o fornecimento de animais para o mercado europeu. Existe ainda a perspectiva de adicionar a integração vertical para o atendimento deste mercado após a solicitação de inclusão de fazendas próprias no sistema SISBOV. As estruturas de governança encontradas no estudo corroboram a teoria da economia dos custos de transação.

Os resultados aqui encontrados não podem ser generalizados por se tratar de apenas um estudo de caso em uma região produtora do Brasil. A realidade da pecuária e das relações existentes na cadeia de suprimentos da carne bovina em outras regiões brasileiras possivelmente são distintas e merecem estudos.

Referências

BANTERLE, A. & STRANIERI, S. The consequences of voluntary traceability system for supply chain

relationships: an application of transaction cost economics. Food Policy. 33, 560–569, 2008.

BARZEL, Y. Measurement cost and the organization of markets. Journal of Law & Economics. 25, 27-48,

1982.

COUGHLAN, A.T.; ANDERSON, E.; STERN, L.W. & A.I.EL-ANSARY. Canais de marketing e distribuição. Porto Alegre: Bookman, 461 pp., 2002.

PIGATTO, G. Determinantes da competitividade da indústria frigorifica de carne bovina do Estado de São

Paulo. Dissertação. São Carlos: UFSCar, 207 pp., 2001.

RAYNAUD, E.; SAUVEE, L. & VALCESCHINI, E. Aligning branding strategies and governance of vertical

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RODRIGUES, L. & MORAES, M.A.F.D. Análise das formas de governança utilizadas nos processos de

carregamento e transporte de cana-de-açúcar. In: XLIII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial. Brasília: Sober. CD-Rom, 2005.

VINHOLIS, M.M.B. O desafio da rastreabilidade no mercado brasileiro de carne bovina: um estudo multicaso

de frigoríficos exportadores. Dissertação. São Carlos: UFSCar, 134 pp., 2001.

WILLIAMSON, O.E. Transaction cost economics. In: Schmalensee, R. and R. Willig. Handbook of Industrial

Organization, 1, 136-82 pp., 1989.

Referências

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