RELAÇÕES ENTRE POSIÇÕES DE TIRO E IMPACTOS NO RECUO DO
TIRO COM PISTOLA CURTA
Audrey Cristine Esteves1, Rogério Mattos Caldeira2, André da Silva Nascimento2, Diogo Cunha dos Reis2
1Laboratório de Instrumentação em Biomecânica – CEFID – Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC – Florianópolis/SC
2Laboratório de Biomecânica – CDS – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Florianópolis/SC.
Resumo: O objetivo desta pesquisa preliminar foi relacionar três posições de tiro com pistola curta e os impactos no recuo produzidos por elas, verificando a estabilidade que cada uma proporciona no atirador. O sujeito de pesquisa foi um instrutor de tiro com 22 anos de experiência e a arma foi uma pistola Imbel® calibre 380 ACP. O instrumento utilizado para mensuração do impacto foi um acelerômetro triaxial acoplado a um sistema de aquisição de dados. Os valores dos impactos nos três eixos oscilaram entre as posições Weaver e Isósceles, já a posição Weaver Chapman apresentou valores intermediários. A partir desses resultados é possível inferir que a posição Weaver Chapman é mais estável para esse atirador, mostrando-se mais eficiente na recuperação da arma.
Palavras-chave: Tiro, Posições de tiro, Impactos no recuo.
Abstract: The aim of this preliminary research was to relate three shooting position with short pistol and the recoil impacts produced by them, verifying the stability that each one provides in the shooter. The research was to realize an shooting instructor with 22 years of experience and the firearm was a ImbelTM pistol 380 gauge ACP. For measurement
of the impact a connected triaxial accelerometer to a system of acquisition of data was used as instrument. The values of the impacts in the three axles had oscillated between the positions Weaver and Isosceles already the position Weaver Chapman presented intermediate values. Come from these results it is possible to infer that the position Weaver Chapman is steadier for this shooter, revealing more efficient in the recovery of the firearm.
Keywords: Shooting, Shooting positions, Recoil impact.
INTRODUÇÃO
Na formação das sociedades modernas, o aparelhamento e treinamento das instituições legais que tem a finalidade de preservar e cumprir a ordem social é de vital importância, para a manutenção das condições da estabilidade do convívio humano. A arma de fogo faz parte dos equipamentos necessários para que instituições possam executar as suas funções estabelecidas em lei [1].
Dentre os diversos tipos de armamentos utilizados pelas forças policiais, as armas curtas consistem na principal ferramenta de trabalho nesse setor, onde nessas características as armas estão divididas em pistolas e revólveres. Em
termos gerais, as pistolas são consideradas mais eficientes e mais fáceis de utilizar, além de seu mecanismo de gatilho ser mais rápido que os revólveres, sendo assim a arma de preferência de muitos policiais [1].
Um fator importante no bom manuseio de uma arma de fogo é a posição de tiro adotada. Várias posições foram criadas com a finalidade de se obter vantagens mecânicas na execução dos tiros, sendo as mais difundidas a Weaver e suas variações e a Isósceles e suas variações [2].
Entretanto a falta de estudos acerca da descrição dessas posições e dos benefícios de cada uma delas ainda é um fator limitante no processo ensino-aprendizagem das técnicas de tiro. No Brasil, devido ao intercâmbio com escolas de tiro
norte-americanas, as posições mais difundidas são: Isósceles e Weaver, sendo citadas nas apostilas de treinamento da Academia Nacional de Polícia.
Um dos aspectos que pode exercer influência direta em uma boa execução de tiro em relação às posições é a minimização dos efeitos do recuo provocado pelo deslocamento da arma, promovendo uma rápida recuperação do controle.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo a identificação dos valores das acelerações produzidas no tiro com pistola curta (recuo) relacionando-as com as três posições adotadas para execução do tiro e os três eixos ortogonais, verificando as situações onde pode ser possível uma retomada do controle da arma mais rapidamente. Um aspecto importante da pesquisa é tratar-se de um estudo de caso, limitando-se a uma análise prévia dos efeitos e técnicas.
MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa foi realizada em parceria dos Laboratórios de Biomecânica do CDS/UFSC, Laboratório de Instrumentação em Biomecânica CEFID/UDESC e Polícia Federal. A coleta foi realizada no stand de tiro da Polícia Federal (sede de Florianópolis/SC).
O sujeito de pesquisa foi um atirador de 43 anos, com estatura de 1,86m, massa de 140kg, com 22 anos de experiência em tiro (soldado do Exército, Policial Militar, Policial Civil e atuando como instrutor de tiro a 22 anos). Embora a posição preferencial do atirador é Weaver Chapman, entretanto este trabalha com tiros utilizando as técnicas corretas nas três posições indicadas no estudo, pois se tratando de um instrutor, cada instituição adota uma posição de tiro e este tem a função de repassar a forma mais precisa de execução dos tiros em cada uma delas.
Foram adotadas as três posições de tiro praticadas pelos atiradores de elite, sendo estas: Weaver, Weaver Chapman e Isósceles, descritas na Figura 1 abaixo, com execução de dez tiros seqüenciais em cada posição, não permitindo baixar a arma em cada execução, de forma a não influenciar no objetivo de verificação da retomada de controle da arma para execução do próximo tiro.
(a) Ambos os braços
flexionados. (b) empunhadura estendido Braço de e o de apoio flexionado.
(c) Ambos os braços estendidos.
Figura 1 – (a) Weaver, (b) Weaver Chapman, (c) Isósceles.
Os eixos ortogonais para avaliação dos impactos foram definidos segundo a Figura 2 (x – lateral; y - ântero-posterior e z -vertical).
Figura 2 – Eixos para avaliação de impactos.
Por se tratar de um estudo preliminar, o procedimento de coleta envolveu apenas o registro dos impactos.
A arma utilizada foi uma pistola Imbel de ação simples, calibre 380ACP, cano de quatro polegadas e a munição foi em calibre 380ACP recarregada, ponta de 95 grains, pólvora de 3,5
grains PV2P, com espoleta small pistol CBC. A
escolha do conjunto arma/munição foi devida à sua utilização em treinamento de tiro de policiais e seguranças no Estado de Santa Catarina.
O instrumento utilizado foi um acelerômetro piezoelétrico triaxial, do tipo 4321 da Bruel &
Kjaer®, com dimensões de 28,6 x 28,6 x 17,0mm,
massa de 56,1g, com capacidade máxima de choque de 10000m/s2 ou 1000g e freqüência
natural de 40kHz.
A fixação do instrumento foi realizada utilizando esparadrapo e extensores de modo a evitar deslocamento entre o acelerômetro e a pele, bem como não interferir nos movimentos de pega e execução do tiro por parte do atirador. Os pontos de fixação foram punho e cotovelo, sendo os pontos anatômicos:
Punho: processo estilóide da ulna direita; Cotovelo: epicôndilo lateral do úmero direito.
As coletas foram realizadas seqüencialmente, devido à disponibilidade de apenas um acelerômetro.
Os sinais foram captados via pré-amplificadores, onde foram corrigidos pelos fatores de amplificação (Tabela 1), enviados a uma placa de aquisição de dados multicanal CIO-DAS 16/1600 da Computer Board, com conversor analógico digital de 12 bits e um limite de tensão de entrada de ±10V. A taxa de aquisição adotada
foi de 5000Hz com duração de 10s. Para aquisição e processamento dos dados foi utilizado o programa SAD32®. Os sinais foram normalizados
pelo valor de referência (g=9,81 m/s2).
Tabela 1: Fatores de correção dos pré-amplificadores de acordo com os eixos cartesianos.
x (lateral) y (ântero-posterior)
z (vertical)
punho 31,6 mV 3,16 mV 3,16 mV cotovelo 31,6 mV 31,6 mV 31,6 mV
O critério para consideração de sucesso do tiro foi a marcação de um círculo no alvo correspondente à região do coração.
A análise das relações entre os impactos em cada eixo nas diferentes posições e as comparações entre os eixos nos segmentos foi feita através de ANOVA (p<0,05) com post-hoc de Tukey.
RESULTADOS
As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam os valores de impactos (nos eixos x, y e z) provocados pela arma na ação do tiro, nos dois segmentos (punho e cotovelo) adotando diferentes posições de execução (Weaver, Weaver Chapman e Isósceles).
Tabela 2: Resultados dos impactos (g) nos eixos x, y e z nos dois segmentos corporais na posição
Weaver.
WEAVER
LOCAL EIXO média dp mín máx Un
x 0,68 0,03 0,65 0,72 g y 13,50 0,39 12,80 14,18 g punho z 5,30 0,27 4,90 5,64 g x 1,39 0,08 1,28 1,52 g y 17,30 0,07 17,21 17,40 g cotovelo z 9,80 0,36 8,99 10,18 g
Tabela 3: Resultados dos impactos (g) nos eixos x, y e z, nos dois segmentos corporais na posição
Weaver Chapman.
WEAVER CHAPMAN
LOCAL EIXO média dp mín máx Un
x 0,61 0,08 0,52 0,75 g y 8,90 0,24 8,44 9,34 g punho z 5,10 0,20 4,82 5,42 g x 1,20 0,12 0,99 1,35 g y 12,80 0,32 12,26 13,10 g cotovelo z 7,80 0,23 7,49 8,09 g
Quanto à comparação do eixo com as posições no punho, os resultados indicaram diferenças significativas nos valores de impactos no eixo x (lateral) (p=0,002) e no eixo z (vertical) (p=0,000*) entre as posições Weaver e Isósceles, já no eixo y (antero-posterior) as três posições apresentaram diferenças. Observa-se que a posição
Isósceles apresentou valores inferiores nos eixos x
e y, entretanto apresentou valor superior no eixo z em relação as demais.
Tabela 4: Resultados dos impactos (g) nos eixos x, y e z, nos dois segmentos corporais na posição
Isósceles.
ISÓSCELES
LOCAL EIXO média dp mín máx Un x 0,55 0,10 0,39 0,69 g y 7,50 0,20 7,29 7,83 g punho z 6,33 0,19 6,09 6,63 g x 1,16 0,13 0,99 1,36 g y 12,60 0,23 12,29 12,96 g cotovelo z 9,12 0,12 8,94 9,30 g
No cotovelo, foram verificadas diferenças no eixo x (p=0,000*) e no eixo y (p=0,000*), entre a posição Weaver e as posições Weaver Chapman e Isósceles; já no eixo z todas as posições apresentaram diferenças entre si. Da mesma forma que no segmento do punho, a posição Isósceles, no cotovelo apresentou valores inferiores de impacto nos eixos x e y, e a posição Weaver apresentou valores superiores nos três eixos.
DISCUSSÃO
Com base nos resultados acima apresentados é possível tirar as seguintes conclusões: (a) a posição
Isósceles, no punho, apresenta os valores mais
baixos de impactos nos eixos x e y e valor alto no eixo z, no cotovelo os valores são inferiores nos três eixos; (b) a posição Weaver apresenta os maiores valores de impactos nos eixos e nos segmentos.
A posição Isósceles, do ponto de vista biomecânico, atua com ambos os braços estendidos, com empunhadura dupla da arma e pés paralelos, acarretando deslocamentos simultâneos na mesma direção e sentidos, por isso apresenta
valores mais baixos nos eixos x e y, enquanto que no eixo vertical, com os braços estendidos a arma tende a subir, uma vez que não há ajuda das demais articulações (cotovelo e ombro) no sentido de amortecimento desse impacto [3]. Já do ponto de vista prático, esta posição é, segundo Farnam [4], utilizada nos EUA a mais de 200 anos e provavelmente muito antes disto. Considera-se que esta posição tem como vantagem à posição que o sistema de pontaria da arma fica em relação à visão do atirador, mas a arma pode ser facilmente retirada da mão pelo inimigo, em confrontos a distâncias curtas [5].
Os valores mais altos de impacto apresentados pela posição Weaver caracterizam que esta, por atuar com empunhadura dupla, mas ambos cotovelos flexionados, tende a receber os recuo da arma distribuindo-o em todas as direções e por isso também provocando deslocamentos aleatórios durante o tiro. No caso do atirador da pesquisa, por este ter uma massa de 140kg, foi observado que os deslocamentos são relativamente pequenos, entretanto esses deslocamentos podem exercer influência em atiradores mais leves.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o atirador, a posição Weaver Chapman, foi considerada a mais estável em relação aos impactos, facilitando a retomada de controle da arma.
Entretanto a falta literatura especializada abordando as técnicas de tiro e as posições descritivamente, bem como estudos que quantifiquem variáveis relacionadas à precisão, rapidez e adaptação do atirador no ato de execução do tiro, dificultam a discussão mais aprofundada do assunto, limitando-a a análises puramente estatísticas a fim de inferir posições mais estáveis. Outro fator é a necessidade de buscar maiores relações entre as variáveis mecânicas do tiro como também em relação ao tipo de arma utilizada e biotipo de atiradores.
REFERÊNCIAS
[1] Caldeira RM. Curso Básico de Tiro. Porto Alegre, 2004. Apostila digital.
[2] Libourel J. Combat Handgunning Made Simple. Handguns (Los Angeles) 1994; 8(4): 30-35.
[3] Esteves AC, Caldeira RM, Szekut AR, Reis DC, Nascimento AS, Moro ARP. Impacto vertical decorrente do recuo com arma de fogo em diferentes posições de tiro. Rev Educ Fís 2006; 134: 5-9.
[4] Handguns: Weaver v.s Isósceles. Forum.
Disponível em: <http://www. thefiring line.com>. Acesso em: 11 jul. 2006
[5] Cortese J. Firearmas For Self-Defense. Disponível em: <http:/ / www.thefiringline.com>. Acesso em: 10 jul. 2006.
