• Nenhum resultado encontrado

Divisão Sexual do Trabalho e Segregação Feminina na Indústria de Linha Branca 3. A construção das diferenças de gênero no mundo do trabalho

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Divisão Sexual do Trabalho e Segregação Feminina na Indústria de Linha Branca 3. A construção das diferenças de gênero no mundo do trabalho"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

Gênero, Ciência e Tecnologia – ST 22 Nanci Stancki Silva1

UTFPR

Leda Maria Caira Gitahy2 UNICAMP

Palavras-chaves: trabalho feminino, divisão sexual do trabalho e segregação feminina

Divisão Sexual do Trabalho e Segregação Feminina na Indústria de Linha Branca3

A construção das diferenças de gênero no mundo do trabalho

A perspectiva de gênero tem permitido novas percepções sobre a realidade, possibilitando que as diferenças entre homens e mulheres deixam de ser vistas como resultado de um “destino biológico” e passem a ser percebidas como diferenças social, histórica e culturalmente construídas num processo que envolve as relações de poder vigentes na sociedade.

A divisão sexual do trabalho, uma das manifestações dessas relações de poder, também deixa de ser percebida como um processo natural e passa a ser percebida como parte de relações sociais baseadas em diferenças socialmente construídas entre homens e mulheres.

A construção das identidades masculina e feminina tem contribuído para a manutenção dessa divisão, sendo comum em nossa sociedade, de acordo com Bruschini (1994), que a mulher seja responsabilizada pelas atividades reprodutivas e o homem seja percebido como o provedor da família. O trabalho produtivo faz parte da identidade masculina. Já, a construção da identidade feminina condiciona e limita a participação da mulher no mercado de trabalho, principalmente devido à constante necessidade de articular atividades domésticas e profissionais.

Para Segnini (1998), a participação da mulher no mercado de trabalho se insere num contexto, de reestruturação, caracterizado pelo aumento do trabalho assalariado sem registro, dos contratos temporários e empregos terceirizados. Formas precarizadas de trabalho representam formas de "inserção excluída" no mercado de trabalho, modelo pelo qual a exclusão feminina ocorre mesmo quando a mulher se encontra empregada. A exclusão feminina dentro e fora do mercado de trabalho, segundo Posthuma (1998), aparece expressa em termos de segregação horizontal ─ ocupacional e setorial ─ e segregação vertical ─ trabalho desprotegido ou precário (incluindo o trabalho em tempo parcial e informal), remuneração menor por hora trabalhada e mobilidade de carreira restrita. A terceirização do trabalho no setor industrial exemplifica a concretização da “inserção excluída”, pois,

(2)

embora crie um número significativo de oportunidades de emprego para as mulheres, muitos desses empregos são desprotegidos ou precários.

Não podemos negar, no entanto, a existência de mudanças que, muitas vezes, têm ocorrido pari passu à reprodução de desigualdades de gênero. Os estudos de Hirata (1998) mostram que espaços que exigem maior qualificação e escolaridade têm sido ocupados pelas mulheres, incorporando-as em atividades antes consideradas masculinas. Mas, a autora (2002) observa a construção de um distanciamento profissional entre mulheres qualificadas e não qualificadas. Paralelamente à tendência de diversificação das funções femininas no mercado de trabalho, percebe-se a estruturação de uma situação bipolar ─ um pólo constituído por profissionais qualificadas/alto nível de escolarização e bem remuneradas (engenheiras, arquitetas, médicas, professoras universitárias, gerentes, etc.) e outro formado por trabalhadoras “não qualificadas” que ocupam empregos mal remunerados e não valorizados socialmente (trabalhadoras domésticas e do setor informal, por exemplo).

Divisão sexual do trabalho e segregação do trabalho feminino nas empresas pesquisadas

As mulheres das empresas pesquisadas estavam concentradas nos setores de montagem e pré-montagem (90% delas) e desenvolviam atividades consideradas adequadas ao feminino.

Embora as mulheres ocupassem 12% dos cargos de chefias, elas estavam concentradas em cargos intermediários, com poucas possibilidades de ascensão profissional e praticamente ausentes dos postos mais elevados de comando.

É interessante observar que as justificativas para a divisão sexual do trabalho nas empresas pesquisadas não apresentam diferenças significativas quando se compara os discursos de gerentes e trabalhadores ou de homens e mulheres. As entrevistas revelaram dois tipos de argumento: o primeiro associou a divisão sexual do trabalho a atributos inerentes a cada sexo e, o segundo, relaciona-se à educação de homens e mulheres.

O primeiro argumento foi mais freqüente no conjunto dos depoimentos. Nele, a força física aparece como elemento central e é considerada como característica essencialmente masculina. Nessa perspectiva as mulheres deveriam realizar atividades que não exigem esforço físico, ficando para os homens os trabalhos considerados pesados:

“O setor de produção tem mulher na montagem, injetora, pré-montagem. Por causa da força. Só a força é o motivo para isso, pois tem trabalho pesado que não tem como colocar mulher, é para homem mesmo (Claudia, operadora de produção, Empresa B).

O trabalho da mulher na linha de montagem não foi considerado como pesado, embora cansativo e corrido. O trabalho feminino foi associado à delicadeza e fragilidade, aproximando as

(3)

mulheres de atividades consideradas leves e fáceis de serem realizadas. A percepção de que a mulher seria frágil, contribuiu para associá-la às doenças ocupacionais:

“Apesar das mulheres serem mais dóceis para trabalhar e terem mais facilidade para se adaptar às mudanças, elas não são contratadas para a produção porque as atividades são mais pesadas e agressivas e, em função dos movimentos na linha de montagem, a probabilidade de pegar doenças de DORT é muito maior nas mulheres devido à sua estrutura ósseo-muscular.” (Padilha, gerente de produção, Empresa A).

Os entrevistados avaliaram que as mulheres são comprometidas com o trabalho, detalhistas, atenciosas, organizadas e têm facilidade com rotinas, identificando-as com atividades que demandem perfeição, atenção, rotina, limpeza e organização:

“Eu acho a mulher mais comprometida. Ela é mais perfeccionista do que o homem. O homem faz e tá bom. A mulher quer sempre entregar um pouco mais do que pedem a ela.” (Assis, gerente, Empresa B) “Eu acho que quando uma mulher trabalha o serviço é mais organizado, mais limpo e com mais carinho. Acho que a mulher, ela sempre tem um cuidado a mais. Parece que ela faz aquilo com mais amor do que a maioria dos homens.” (Torquato, supervisor, Empresa B)

O trabalho feminino foi associado ao cuidado, amor, carinho, limpeza e organização – aspectos que podem ser associados às esferas familiar e de reprodução. Se por um lado, esses atributos avaliam de forma positiva o trabalho feminino, por outro, trazem consigo a sua contraparte que é o fato de que as atividades familiares, consideradas femininas, aparecem como um impedimento ao trabalho produtivo.

A identificação do homem como provedor familiar influenciava na preferência pela contratação masculina:

“Eu acho que o desemprego é muito grande, entre um pai de família, o próprio homem se sente melhor estar empregado do que a mulher, porque o homem geralmente não gosta de ser sustentado por uma mulher. O cara desempregado não é nada, ele não tem voz ativa nem dentro de casa, porque se o homem não leva nada para sua casa, ele não pode nem dizer, eu sou homem, fica insustentável.” (Félix, montador, Empresa A)

“Não existe preconceito, mas existe um volume tão grande de desempregados... O dia que eles abrem vaga é só homem na fila. Se tem um casal, é preferível que ele venha e ela fique com os filhos.” (Mirna, coordenadora, Empresa A)

No que se refere à questão educacional de homens e mulheres, os entrevistados justificaram a predominância masculina, tanto entre os trabalhadores quanto entre as chefias, pela formação masculina que é mais técnica:

“A fabrica, ela é geralmente formada por gente que tem conhecimento técnico, engenheiro. A quantidade de mulheres que têm formação técnica é menor e como a gente é uma fabrica e não um banco...” (Assis, gerente, Empresa B)

Percebemos que a visão que permeou as respostas dos entrevistados se estende para além da fábrica, faz parte de uma visão compartilhada pela sociedade e que abrange tanto a percepção de características naturais para

(4)

aliadas às condições objetivas de trabalho contribuem para a construção de uma realidade de fábrica que reproduz a divisão sexual do trabalho, além de contribuir para a justificá-la e naturalizá-la. Tais concepções refletem na política de contratação das empresas. Empresa A, por exemplo, há vários anos vinha dando preferência para a contratação de trabalhadores masculinos para o setor de produção:

“Parece que a política hoje é não contratar mulher.” (Gabriel, planejador, Empresa A).

No que se refere à segregação vertical do trabalho feminino, a entrevista de Augusto, coloca bem a complexidade da questão: “vai se saber o quanto é a situação que a empresa empurra a mulher para não crescer aqui dentro ou quanto ela está preparada para crescer aqui dentro, isso é um pouco obscuro” (Augusto, supervisor, Empresa B). As entrevistas revelaram tanto fatores que contribuíam para o acesso das mulheres aos cargos de comando quanto fator que contribuíam para barrar esse acesso.

Entre os primeiros fatores, observamos a percepção de que a mulher tem mais facilidade para contato com o público e para lidar com problemas. Além disso, a perseverança e a sensibilidade percebidas como qualidades femininas que ajudam num cargo de comando:

“Eu acho que o trabalho das mulheres nas funções de responsabilidade é melhor, pois as mulheres são mais perseverantes, correm atrás do que querem, têm maior poder de decisão.” (Pedroso, 37 anos, supervisor, Empresa B)

No que se refere aos fatores que contribuíam para dificultar o acesso feminino a postos de comando, destacamos as dimensões extra-profissionais. A percepção de que a mulher prioriza o espaço doméstico em detrimento do trabalho profissional é um desses fatores:

“Por mais que se tente mudar, é difícil imaginar uma mulher, como ela vai conseguir se ela tem horário, aquela coisa dela estar numa reunião e aquela coisa de dizer, são seis e meia e tenho que ir para casa fazer janta. Então ainda existe aquela coisa de perguntar - como ela quer ser gerente, quer vender, se ela tem horário e precisa ir para casa fazer janta..” (Mirna, coordenadora, Empresa A)

A construção da identidade feminina associada à família e a identidade masculina vinculada ao espaço produtivo, contribuía para que se percebesse o homem como sendo mais disponível para o trabalho do que a mulher:

“O homem é visto como mais sério que se envolve mais e a mulher para se envolver tem que ser solteira ou não ter filho. Ela tem filho, pronto, complicou. Engravidou pronto. Segundo filho, então coitada não tem chance. Infelizmente ainda é assim.” (Ísis, analista de exportação, Empresa A)

Alguns entrevistados consideraram ainda que a mulher teria dificuldade de liderar e impor respeito:

Eu acho que aqui tem bastante homem e os homens vão respeitar mais os homens do que as mulheres. Eu acho que se uma mulher chegar a ser encarregada, eles não vão obedecer tanto quanto um homem. Não vai impor tanto respeito.” (Claudia, operadora de produção, Empresa B)

(5)

Interessante observar que, apesar de tudo isso, verificamos um elevado percentual (12%) de mulheres ocupando cargos de comando nas empresas estudadas, indicando que os fatores que favorecem o acesso feminino às gerências concorrem e em diversas situações “vencem” aqueles que dificultam esse acesso. Vale destacar que o perfil das mulheres que ocupavam cargos de chefia era bastante específico (elevado nível de escolaridade e sem filhos) e contribuía para favorecer à ascensão profissional feminina.

Considerações finais

Ao analisar a visão dos entrevistados sobre o que seria adequado ao trabalho feminino ou masculino, observamos uma visão partilhada entre homens e mulheres, independente se sua posição hierárquica que legitima e reproduz a divisão sexual do trabalho.

Essas percepções permanecem associando a mulher ao espaço familiar e os homens ao espaço da produção. Observamos que a força física e a técnica foram associadas ao masculino, justificando a maior presença de homens entre trabalhadores e gerentes. Já os atributos relacionados à esfera familiar como a delicadeza, o cuidado, o amor, o carinho, a limpeza e a organização foram associados ao feminino, justificando a segregação das mulheres em atividades e setores que supostamente demandariam tais características.

A divisão sexual do trabalho produtivo esteve relacionada diretamente com a forma de organização do trabalho na esfera reprodutiva e, dessa forma, o fim da segregação seja horizontal ou vertical do trabalho feminino passa por mudanças na distribuição, entre homens e mulheres, das atividades no âmbito doméstico. Assim como passa por mudanças na educação de homens e mulheres, exigindo que os processos de socialização sejam repensados no sentido de contribuir para desconstrução das desigualdades de gênero.

Referências

BRUSCHINI, Cristina. Trabalho Feminino: trajetória de um tema, perspectivas para o futuro. In

Revista Estudos Feministas. Volume 2, nº 3, Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais -

IFCS/UFRJ, 1994. pp. 17-32.

HIRATA, Helena. Reorganização da Produção e transformações do trabalho: uma nova divisão sexual? In BRUSCHINI , Cristina e UNDEHAUM, Sandra G. (orgs.) Genêro, democracia e sociedade

brasileira. São Paulo: FCC: Editora 34, 2002. pp 339-355.

HIRATA, Helena. Reestruturação produtiva, trabalho e relações de gênero. In Revista

Latino-americana de Estudos do trabalho: Gênero, Tecnologia e Trabalho. São Paulo; Rio de Janeiro:

(6)

In ABRAMO, Laís; ABREU, Alice R. de Paiva (orgs). Gênero e Trabalho na Sociologia

Latino-Americana. São Paulo; Rio de Janeiro: ALAST, 1998.

SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Educação, Trabalho e Desenvolvimento: uma complexa relação - trabalho apresentado no I Workshop do projeto de pesquisa “Conceitos empregados na educação profissional”-NETE-Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação –UFMG, 1998.

Notas

1 Doutora em Política Científica e Tecnológica (UNICAMP); Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Relações em Gênero e Tecnologia (GeTec); e-mail: nancist@terra.com.br.

2 Doutora em Sociologia – Universidade de Uppsala (Suécia); Professora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); e-mail: leda@ige.unicamp.br.

3 Este trabalho faz parte da tese de doutorado “Reestruturação Produtiva e Gênero: um estudo de caso em duas empresas de linha branca”, orientada pela Profa. Dra. Leda Maria Caira Gitahy, cuja pesquisa foi desenvolvida como parte integrante do projeto comparativo internacional sobre a indústria de linha branca (International White Goods Project) coordenado pelo Professor Theo Nichools da Universidade de Cardiff (Reino Unido) e realizado em seis países: Brasil, Grã-Bretanha, Turquia, Coréia do Sul, Taiwan e China. No Brasil, o projeto recebeu a denominação de “Globalização, estratégias gerenciais e respostas operárias: um estudo comparativo da indústria de linha branca”. O projeto no Brasil foi coordenado pelas professoras doutoras Ângela Maria Carneiro de Araújo, Leda Maria Caira Gitahy, Alessandra Rachid, Adriana Marques da Cunha e contou com a participação dos pesquisadores Nanci Stancki Silva, Ana Maria B. Pina, Daniel Perticarrari, Mariângela Martinez, Mariana Leite Figueiredo, Juliana Vieira Araújo e Rafael Gustavo de Souza. Essa pesquisa contou com o apoio financeiro do CNPq e FAPESP.

Referências

Documentos relacionados

ado a necessidade de modificar o pré- se manter o dorso do frango à 95C por 30 minutos, este procedimento desnaturava o colágeno, formando um gel scrito

The present study evaluated the potential effects on nutrient intake, when non- complying food products were replaced by Choices-compliant ones, in typical Daily Menus, based on

(2009), em estudo realizado com a madeira de Araucaria angustifolia, encontrou influência significativa da massa específica sobre a resistência ao impacto, tanto

Desta forma, a docência, inserida neste contexto, é apontada por Vasconcelos (1997) como uma das profissões de alto risco pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

Considerando a importância dos tratores agrícolas e características dos seus rodados pneumáticos em desenvolver força de tração e flutuação no solo, o presente trabalho

A simple experimental arrangement consisting of a mechanical system of colliding balls and an electrical circuit containing a crystal oscillator and an electronic counter is used

A seleção por meio da nota obtida no ENEM a partir de 2011 considera exclusivamente o desempenho obtido pelo candidato no Exame Nacional do Ensino Médio. Para