SESSÃO SOLENE DE ABERTURA DOS 110 ANOS DA FACULDADE DE DIREITO DISCURSO PROFERIDO
PROFESSOR CÂNDIDO BITTENCOURT DE ALBUQUERQUE ILUSTRÍSSIMO DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DO CEARÁ
Estamos vivendo, em 2013, a concretização de um sonho que
teve início em 1903. No alvorecer da República, homens que acreditavam na cultura e no conhecimento como mecanismos para promover o bem comum, resolveram pôr em prática o sonho de criar, no então pobre Estado do Ceará, um curso superior. Naquela época e nas circunstâncias então vigentes, parecia um delírio. Mas o que seria da realidade, se não fossem os sonhos? Apesar de todas as adversidades, mas com a bravura dos que fazem a história, Nogueira Acioli, Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, Antônio Augusto de Vasconcelos, Thomaz Accioly, Eduardo Studart, Virgílio de Moraes, Francisco de Assis Bezerra de Menezes e tantos outros, sonhando juntos, iniciaram os trabalhos, e a cada dificuldade as forças e a esperança eram reforçadas.
A Capital da República era muito longe, os meios de
comunicação precários, mas o compromisso de resgatar o Ceará e o Nordeste era maior. Sabiam aqueles Bandeirantes da cultura que além de açudes, estradas e indústrias o nosso Estado precisava de cultura, e para tanto, naqueles tempos, nada melhor do que criar um curso de Direito,
como laboratório do pensamento. Afinal, como ensinou Paulo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” Sim, era preciso combater o arbítrio, a prepotência e a ilegalidade, tão vigorosos no início do século XX, apesar das conquistas do século XVIII, e para tanto não havia, como não há, caminho mais curto e eficiente do que a ampliação e a difusão do saber como forma de consolidar na consciência humana a noção de legalidade. As desigualdades sociais, já existentes, e então mais profundas, sabiam os nossos criadores de 1903, somente seriam combatidas pela via do conhecimento e da educação formal.
A matéria-‐prima para o funcionamento da Escola Livre de
Direito do Ceará era então abundante e já conhecida. Homens como Farias Brito, Clóvis Beviláqua e tantos outros já mostravam ao Brasil que o Cearense, além de forte, é inteligente e de fácil preparo intelectual. Assim, o recrutamento de bons professores e excelentes alunos não seria problema, o que, registro com orgulho, ainda é uma realidade nos dias de hoje.
E certamente sabiam os nossos fundadores que a
uma Escola de Direito, o que já não era pouco. Criar o primeiro Curso Superior do Ceará, e sendo ele uma escola de Direito, representaria, na verdade, o início de uma revolução. E aqui uso o vocábulo revolução no seu sentido próprio. A função da então Escola Livre de Direito do Ceará era, e foi, a de inaugurar e sedimentar uma cultura jurídico-‐social no nosso Estado. Com efeito, tínhamos saído havia bem pouco da monarquia, e a nossa república ainda era frágil. Estabelecer as bases para uma verdadeira república democrática, segundo as regras de um estado de direito, significava quebrar paradigmas, expulsar práticas ilegais e abusivas, enfim, era preciso assegurar o império da lei. Afinal, como nos ensinou Platão, se a monarquia é o governo de homens, na república deve prevalecer a vontade da lei. Estudá-‐las, de modo a permitir a correta interpretação das normas, era, dentre outras, a missão da nossa Escola.
E o Ceará tornou-‐se autossuficiente em bacharéis em direito
e, mais que isso, passou a ajudar na formação e sedimentação do pensamento jurídico do Brasil, dando à Nação Brasileira nomes como Olavo Oliveira, Clodoaldo Pinto e o grande Paulo Bonavides, cujo saber jurídico é reverenciado além das nossas fronteiras. Falar em Paulo Bonavides na Alemanha, Espanha ou Portugal, é falar da nossa Faculdade
de Direito, e lá na Europa Faculdade de Direito e Paulo Bonavides são conhecidos e admirados.
Já por isso a nossa Escola teria cumprido a sua missão. Mas
não ficamos aqui. Além de representar a semente da qual germinou a nossa tão querida Universidade Federal do Ceará, foi também aqui que se formou o nosso eterno Reitor Antonio Martins Filho. Homem vocacionado ao saber, o Professor Martins Filho, depois de se formar nesta Faculdade e de aqui lecionar, resolveu ampliar o sonho de 1903, e também, enfrentando muitas dificuldades, criou, com a ajuda de muitos, é verdade, a primeira Universidade do Ceará, a nossa UFC.
Eis a trajetória de uma revolução do bem. Seguindo o
caminho iniciado em 1903, vieram as Faculdades de Farmácia, Enfermagem, Odontologia, Agronomia, Medicina e tantas outras.
Precisamos comemorar os 110 anos da Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Ceará.
Não se comemora aqui a simples criação de um curso
superior há 110 anos. Louva-‐se, na verdade, o início de um novo ciclo na vida do Estado do Ceará e dos Estados vizinhos, dentre eles do meu querido Estado do Piauí. Com efeito, muitos foram os governantes aqui
formados. Durante muitos anos, e quando isso era necessário, foi a nossa Escola a principal ou quase exclusiva formadora dos advogados, magistrados, promotores e delegados que atuavam no Ceará. Era a nossa escola, enfim, até a década de 70, a responsável pela formação do pensamento jurídico no nosso Estado. E não é exagero afirmar que os primeiros cursos de Direito criados após o nosso, dentre eles os das nossas também queridas Universidade de Fortaleza-‐UNIFOR e UVA, encontraram nos nossos ex-‐alunos e professores os seus primeiros mestres.
A Escola de Direito da Universidade Federal do Ceará cumpriu
de forma exemplar a sua missão. Hoje, para ser honesto com a história, é preciso que se reconheça que a nossa centenária Salamanca transformou-‐ se em um patrimônio do povo cearense. E eles se confundem: a Faculdade transforma o homem em cidadão, e este mantém e renova a Faculdade, deixando-‐a sempre pronta e comprometida com a sua missão maior: cultivar o saber e promover a Justiça, inclusive a social.
Não se pode pensar no Estado do Ceará sem a Faculdade de
Direito, e sem ele ela não existiria. Formam uma ideia única e indissociável. Não há setor da vida pública ou privada da nossa gente que
de alguma forma não tenha participado ou recebido a contribuição da nossa Escola. Foi aqui, peço licença para afirmar, que se formatou parte da consciência cívica do Estado do Ceará.
Coube-‐me a honra de dirigi-‐la neste momento ao lado do
Vice-‐Diretor Regnoberto Melo, dos Coordenadores da Graduação e Pós, respectivamente Professores Regis Frota e Hugo Machado Segundo, e dos Chefes de Departamento, Professores Maurício Benevides Filho, Fernanda Cláudia e Paulo Aragão. Honra-‐nos dirigir um dos melhores Cursos de Direito do Brasil, dentre mais de 1.200 existentes. Somos reconhecidos pela excelência dos nossos cursos de bacharelado, especialização, mestrado e doutorado. O nosso corpo docente, vocacionado para o ensino, pesquisa e extensão, encontra nos nossos alunos a parceria ideal para materializar o tripé indispensável para a vida universitária. Com efeito, aqui na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, além do ensino de qualidade, desenvolve-‐se, com talento, vasto programa de pesquisa e extensão.
A consciência do dever cumprido, entretanto, nos impõe
permanente vigilância. Precisamos ter a exata noção de que estamos a serviço da população, e construir um dos melhores cursos de Direito do
Brasil é apenas mais uma das nossas obrigações. Se de um lado é uma honra pertencer ao quadro docente de um curso tão aclamado, de outro precisamos manter atenta a vigilância para não permitir privilégios nem privilegiados.
A tarefa de manter o nosso curso nos trilhos da legalidade,
focado no interesse público, com base em regras gerais e impessoais, é um dever de todos. Combater privilégios, sabemos, é tarefa espinhosa. Aqui na Faculdade de Direito, entretanto, não aceitamos o casuísmo que resulta na diferença desmotivada. A nossa prática tem como objetivo o interesse comum e a igualdade de condições para alunos, servidores e professores. Nessa luta tenho contado, para minha felicidade, com o apoio integral dos meus colegas, bem como dos alunos e servidores. E a Faculdade de Direito é abençoada pela qualidade dos seus professores, alunos e servidores.
Estamos felizes e temos que comemorar a trajetória da nossa
Faculdade. Da minha parte, como seu Diretor, sinto-‐me honrado. Aqui cheguei em 1977, como aluno, e da minha Faculdade recebi, literalmente, tudo: casa, alimentação e escola. Vindo do vizinho Estado do Piauí, não teria sido possível aqui estudar se não fosse o nosso maravilhoso
Restaurante Universitário. E sem essas oportunidades, não teria conseguido o tão sonhado título de bacharel em Direito, e com ele a realização pessoal e profissional. A minha história pessoal se confunde com a de tantos outros que hoje, graças aos ensinamentos aqui recebidos, dão ao Ceará e ao Brasil indelével contribuição intelectual. Somos todos, alunos, professores, ex-‐alunos, servidores, e a comunidade em geral, devedores desta casa. Dirigi-‐la com amor e dedicação, para mim, não é mais do que uma obrigação. Sem essa Casa, minha querida casa, minha vida não teria sido como é, e certamente não teria como me sentir tão produtivo e realizado. Com efeito, nas palavras de Immanuel Kant, “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.”
Muito ainda temos que fazer. A trajetória da nossa Escola de
Direito ainda reclama, e sempre reclamará, de todos nós, especial atenção e cuidado. Manter a Faculdade de Direito como uma referência do saber jurídico no Brasil é hoje uma responsabilidade dos atuais alunos, servidores e professores. Amanhã, certamente, essa responsabilidade será transferida aos atuais alunos, e estou certo de que continuará em boas mãos.
Hoje, com o apoio da Administração Superior da Universidade, notadamente com o apoio inestimável do Reitor Jesualdo Pereira Farias, e com o esforço comum da comunidade universitária, temos procurado manter a nossa Escola dentro dos padrões de excelência. E esse esforço tem sido recompensado. Temos hoje o reconhecimento do trabalho de cada um, traduzido nas conquistas dos nossos alunos e na
reverência intelectual devotada ao nosso corpo docente,
reconhecidamente um grupo vocacionado ao ensino, pesquisa e extensão.
Senhor Reitor, esse é o Curso de Direito que comemora hoje
110 anos de existência. E o faz, bem sabe Vossa Magnificência, de cabeça erguida, com a certeza de que tem realizado de maneira exemplar a sua vocação, e com a convicção do dever cumprido.
Temos, todos nós, Faculdade de Direito, Universidade Federal
do Ceará, Professores, alunos, servidores, e mais que isso, a sociedade cearense, motivos para celebrar essa data. Com efeito, a trajetória da Faculdade de Direito faz parte, em particular, da vida da sociedade cearense e nordestina. Não há como se falar em avanços sociais e jurídicos, faces de uma mesma moeda, sem que se credite à nossa Escola uma grande contribuição. Aqui se formatou, ao lado das Faculdades de
Direito de Olinda e da Bahia, as bases do aprimoramento do pensamento jurídico que floresceu no Nordeste e no Brasil no decorrer do século XX.
É sim uma grande trajetória. Temos motivos para celebrar e o
fazemos com orgulho e com o compromisso de manter a nossa querida Faculdade sempre entre os melhores Cursos de Direito do nosso País. A nossa missão não chegará jamais ao final. Haverá sempre alguém com a responsabilidade de continuar essa história, mantendo firme o lema de que AQUI SE ENSINA E SE APRENDE.
Para finalizar, gostaria de agradecer a DEUS a oportunidade
ímpar de dirigir esta escola nesse momento tão significativo. De igual modo, agradeço a todos quantos participaram da preparação deste momento, e para não cometer injustiça, o faço em nome do nosso operoso Reitor Jesualdo Pereira Farias, em nome de quem agradeço aos servidores, desta e de outras unidades, assim como aos alunos e professores.
Agora, convido o Magnífico Reitor para assinar a ata de
criação do Memorial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
Muito obrigado.