PROGRAMA DE PESQUISA DA FUNASA: OCORRÊNCIA DE CIANOBACTÉRIAS EM DOIS RESERVATÓRIOS BRASILEIROS
NOS ESTADOS DO ES E RJ, DUAS BOCAS-ES E FUNIL-RJ.
Filomena Kotaka
Cibele Medeiros Brito Leite Romeu Francisco Gadotti
Filomena Kotaka
Arquiteta. Doutora e Mestre em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Coordenadora de Desenvolvimento Tecnológico em Engenharia Sanitária do Departamento de Engenharia de Saúde Pública da Fundação Nacional de Saúde-Funasa. Secretária Executiva do Comitê Científico das Pesquisas da Engenharia de Saúde Pública da Funasa.
OBJETIVO
A Fundação Nacional de Saúde – Funasa desenvolve ações de saneamento ambiental e atendimento à saúde dos povos indígenas, prestando apoio técnico e financeiro. Com o fim de encontrar soluções para melhorar suas ações e ampliar a sua capacidade de intervenção, em 2000, foi criado o Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Em 2001, dentre as áreas temáticas do programa de pesquisa, contou na área de abastecimento de água a linha de pesquisa “Estudo da relação entre a
proliferação de cianobactérias e as características físico-química da água do manancial”.
Tal temática é de grande relevância para a saúde pública, pois segundo Azevedo et al. (2005) vários gêneros e espécies de cianobactérias que formam florações produzem toxinas (cianotoxinas) que causam intoxicações em populações humanas quando no consumo oral de águas contaminadas por cepas tóxicas. Problemas hepáticos, respiratórios, neurológicos e morte já foram constatados, sendo esse último ocorrido com pacientes hemodialisados da cidade de Caruaru-PE, em 1996.
As duas principais classes de cianotoxinas caracterizadas são neurotoxinas e hepatotoxinas. As neurotoxinas (ex: saxitoxina) produzidas a partir de espécies como as do gênero Anabaena e Cylindrospermopsis podem causar, no caso de intoxicação humana, tonturas, adormecimento, fraqueza muscular, náusea e taquicardia, onde os sintomas podem começar 5 minutos após a ingestão e a morte entre 2 a 12 horas. O tipo mais comum de intoxicação por cianobactérias, é causado por hepatotoxinas que apresentam uma ação mais lenta, podendo causar morte num intervalo de poucas horas a poucos dias. Essas cianotoxinas podem ser observadas também nas espécies dos gêneros Microsystis, Anabaena e Cylindropermopsis (AZEVEDO ET AL., 2005). Aliado a isso, a incidência de florações de cianobactérias, tem se tornado um problema ambiental e onerado custos para tratamento da água, devido à deterioração da qualidade.
Segundo Reynolds (1984; Chorus e Bartram, 1999 apud Fernandes, 2005) a ocorrência de florações de cianobactérias em mananciais tem sido associada à coincidência de quatro fatores principais: concentrações de fósforo maiores que 10ug/l, temperaturas acima de 20ºC, estabilidade da coluna d’água e populações preexistentes que
contenham vesículas que permitem a flutuação das células. As elevadas concentrações de fósforo são oriundas, principalmente, das descargas de esgotos domésticos e industriais e regiões agricultáveis. No Brasil já foram registradas inúmeras ocorrências de florações de cianobactérias em mananciais de abastecimento nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul (FERNANDES ET AL., 2005).
Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo apresentar parte de dois estudos desenvolvidos com recursos do programa de pesquisa da Funasa que tratam da influência dos fatores físico-químicos e biológicos na ocorrência da comunidade de cianobactérias em dois reservatórios brasileiros, Duas Bocas-ES e Funil-RJ. A primeira pesquisa foi executada pela UFES e coordenada pela pesquisadora Valéria de Oliveira Fernandes e a segunda pela UFRJ e coordenada pela pesquisadora Sandra M. F. O. Azevedo.
METODOLOGIA
• Caracterização da área em estudo
O reservatório Duas Bocas é destinado ao abastecimento doméstico de 25% do município de Cariacica-ES e localiza-se na Reserva Biológica de Duas Bocas, a qual apresenta área coberta por floresta ombrófila densa submontana, com ampla diversidade biológica. Tem apresentado consideráveis concentrações de nutrientes, anoxia nas camadas inferiores da coluna d´água (próximo à torre de captação) e elevada densidade de cianobactérias no verão (DELAZARI-BARROSO, 2000 APUD FERNANDES ET AL., 2005).
O reservatório do Funil é destinado a produção de energia, mas deságua no Rio Gandu, de onde são captadas águas para abastecimento dos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro. Apresenta características de ambiente eutrófico altamente impactado e com ocorrência constante de florações de cianobactérias tóxicas (AZEVEDO ET AL., 2005).
• Desenvolvimento
As águas do reservatório Duas Bocas foram estudadas em 4 pontos amostrais, no entanto, serão apresentados os resultados do ponto próximo à torre de captação de água. Foram coletadas amostras mensais no período de agosto/2003 a junho/2004 e analisadas quanto a: transparência, perfil térmico, oxigênio dissolvido, condutividade elétrica, pH, turbidez, alcalinidade total, nitrato, nitrito, N-total, P-total e P-orto e sólidos totais em suspensão. A comunidade fitoplanctônica foi avaliada quali-quantitativamente. Foram calculados coeficientes biológicos de Nygaard para estimativa do estado trófico. No reservatório do Funil foram estudadas águas em 8 pontos amostrais. Serão apresentados os resultados do ponto próximo a barragem. As amostras foram coletadas mensalmente de maio/2002 a junho/2003 e analisadas quanto a: transparência, temperatura, oxigênio dissolvido, condutividade elétrica, pH, nitrato, nitrito, N-total, P-total, P-orto, silicato solúvel reativo. A comunidade fitoplanctônica foi avaliada quali-quantitativamente.
Foram analisados diversos parâmetros, sendo os mesmos investigados em diversas profundidades no período aproximado de um ano, visando maior detalhamento e conhecimento das relações entre as variáveis físico-química da água e a ocorrência e/ou dominância de cianobactérias nesses mananciais, bem como as variações temporais da diversidade.
RESULTADOS E CONCLUSÕES
Observa-se, Tabela 1, alguns dos parâmetros, considerados nas duas pesquisas, para caracterização das águas dos reservatórios. Nota-se que de forma geral houve uniformidade dos parâmetros estudados para os dois reservatórios.
Tabela 1 – Resultados de algumas variáveis limnológicas estudadas no Reservatório Duas Bocas e no Reservatório do Funil
RESERVATÓRIO DUAS BOCAS * RESERVATÓRIO DO FUNIL#
Profundidades Profundidades
VARIÁVEIS
Superfície Meio fundo Mín méd Máx
Temperatura do ar 22,8-33,0 (oC) 22,8-33,0 (oC) 22,8-33,0 (oC) - - - Temperatura da água 22,6-29,8 (oC) 22,5-29,3 (oC) 21,7-27,5 (oC) 22,1 (oC) 26,6 (oC) 31,2 (oC)
Condutividade elétrica 34,3-41,8 (µS/cm) 36,1-41,1 (µS/cm) 35,2-39,86 (µS/cm) 69,3 (µS/cm) 83,7 (µS/cm) 99,3 (µS/cm) OD 6,2-10,1 (mg/L) 0,04-8,9 (mg/L) 0-3,7 (mg/L) 0,8 (mg/L) 7,7 (mg/L) 13,0 (mg/L) PH 5,1-8,3 5,2-8,4 5,2-8,0 6,1 7,9 9,9 Transparência 0,75-1,9 m 0,8-1,9 m 0,75-1,9 m 0,5 m 1,7 m 3,0 m Nitrato <0,02-0,13 (mg/L) <0,02-0,15 (mg/L) <0,02-0,17 (mg/L) 13,88 µM 49,66 µM 68,09 µM Nitrito ND-0,01 (mg/L) <0,01-0,01 (mg/L) <0,01-0,07 (mg/L) 0,1 µM 0,6 µM 1,3 µM P-total ND-0,08 (mg/L) ND-0,21 (mg/L) ND-0,11 (mg/L) 33,0 µg/L 66,2 µg/L 105,0 µg/L
ND = valores abaixo do limite de detecção do método Fonte: *Fernandes et al., 2005.
#Azevedo et al., 2005.
No reservatório Duas Bocas as águas apresentaram características de ácidas a alcalina com baixa turbidez, consequentemente transparência elevada. Baixa condutividade e baixa concentração de nutrientes, exceto fósforo. Foram identificadas estratificações térmicas e perfis do tipo clionogrado com redução acentuada a partir de três metros. A temperatura do ar mostrou-se elevada (FERNANDES ET AL., 2005).
No reservatório do Funil as águas apresentaram características levemente ácidas a alcalina, condutividade elétrica e concentração de nutrientes elevadas. Foi observada grande flutuação nos valores de OD (AZEVEDO ET AL., 2005)
No que se refere à avaliação quali-quantitativa da comunidade fitoplanctônica no reservatório Duas Bocas, segundo Fernandes et al. (2005), foi observada elevada biodiversidade, 82 espécies, sendo as classes Chlorophyceae (34%), Cyanophycea (24%) e Zygnemaphyceae (21%) as que mais contribuíram para a riqueza da comunidade. O ponto de Secchi foi o que apresentou o maior número de espécies, 68. No ponto amostrado, os resultados apresentaram valores próximos. A densidade total de organismos fitoplanctônicos variou de 5.604ind/ml (Secchi/abril) a 223.410ind/mL(Secchi/dezembro). Houve predominância da classe Cyanophyceae, seguida da Zygnemaphyceae e Chlorophyceae. Foram registradas 22 espécies abundantes na comunidade fitoplanctônica e a cianobactéria Cylindrospermopsis
raciborskii foi dominante. Cabe salientar que a mesma, apresenta extremo potencial
na superfície 64.630cél/mL (janeiro) e no fundo 74.820cél/mL (dezembro). Durante a maior parte do período estudado foram abundantes as espécies Pseudoanabaena
moniliformis e Cylindrospermopsis raciborskii, sendo a última constante. No ponto
Secchi em dezembro foi quantificado o maior número de cianobactérias, 251.338cél/mL. Pelos coeficientes de Nygaard, o reservatório apresentou característica de mesotrófica a eutrófica, explicada principalmente pela riqueza das Classes Cyanophyceae e Chlorophyceae.
Na avaliação quali-quantitativa da comunidade fitoplanctônica no reservatório do Funil, segundo Azevedo et al. (2005), as classes que contribuíram para riqueza da comunidade foram Cianobactérias, seguida das Criptofíceas, Clorofíceas, Diatomáceas e Crisofíceas. Dentre as cianobactérias, predominaram duas espécies de Anabaena,
Cylindrospermopsis raciborskii e três espécies de Microcystis, sendo estas
freqüentemente citadas na literatura como potencialmente produtoras de cianotoxinas. Foi observada baixa diversidade de espécies e dominância de cianobactérias em nove dos 12 meses do estudo, alcançando percentuais de até 99%. O número de células de cianobactérias variou entre 0 e 175.032cel/mL, sendo as maiores densidades observadas na superfície nos meses de novembro e dezembro.
Considerando a identificação de espécies tóxicas de cianobactérias nos dois reservatórios brasileiros e os riscos á saúde pública que as mesmas possam ocasionar, faz-se necessário a utilização de mecanismos para prevenção e controle das florações em reservatórios, principalmente os destinados ao abastecimento doméstico.
Ações de gerenciamento e manejo ao longo das bacias hidrográficas visando reduzir o aporte das descargas urbanas e industriais podem possibilitar a redução ou eliminação das florações em reservatórios. Aliado a isso, faz-se necessário o monitoramento constante da acorrência de florações de cianobactérias, bem como das cianotoxinas de forma a assegurar o não comprometimento da saúde da população quando da utilização destas águas para abastecimento (AZEVEDO ET AL., 2005).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Azevedo, S. M. F. O; Brandão, C. C. S.; Azevedo, L. O., Marinho, M. M.; Magalhães, V.F.; Huszar, V. L. de M.; Oliveira A. C. P. de O.; Gomes, A. M. da A. Efeitos de fatores físicos e químicos no crescimento de cianobactérias e proposição de técnicas de tratamento de água para remoção de cianobactérias e cianotoxinas. Relatório apresentado à Funasa. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2005. 2. Chorus, I. e Bartram, J. Toxic cyanobactéria in water: a guide to their public health
consequences, monitoring and management. London: E e FN Spon, 1999.
3. Delazari, A. e Barroso, G. F. Variáveis físico-químicas do reservatório da Reserva Biológica de Duas Bocas: estudo preliminar. Cadernos de Pesquisa da Universidade Federal do espírito santo, 8: 81-92, 1998.
4. Fernandes, V. de O.; Dias Junior, C.; Souza, B. D´Â.; Oliveira, E. C. M. A.; Silva, J. P. dos A.; Pereira, T. de A.; Kale, E.; Gorza, N.; Ceresino, A.; Oliveira, A. R. Potencial de florações de cianobactérias em um reservatório de abastecimento doméstico no estado do Espírito Santo (reservatório Duas Bocas-Cariacica-ES). Relatório apresentado à Funasa. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2005. 5. MINISTÉRIO DA SAÚDE. FUNASA. Programa de desenvolvimento científico e
tecnológico 2000-2001. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2000.
6. MINISTÉRIO DA SAÚDE. FUNASA. Edital de convocação n.º001/2001. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2001
7. Reynolds, C. S. The ecology of freshwater phytoplankton. (Cambridge studies in ecology). Cambridge. Cambridige University Press, 1984.
