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O CIRCUITO INFERIOR DE CONFECÇÕES E A NOVA IMIGRAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO

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Academic year: 2021

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Silvana Cristina da Silva Doutoranda do Departamento de Geografia Instituto de Geociências - Unicamp

Silvana.silva@ige.unicamp.br

O CIRCUITO INFERIOR DE CONFECÇÕES E A NOVA IMIGRAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO

INTRODUÇÃO

A urbanização nos países da periferia do mundo, como o Brasil, apresenta características específicas. Dessa maneira, surgiram teorias explicativas dessa urbanização. A teoria dos dois circuitos da economia urbana: circuito superior e inferior, proposta por Milton Santos (2004 [1978]) tem dado significativas respostas à análise das grandes metrópoles. A cidade de São Paulo, por exemplo, apresenta um circuito produtivo moderno, carregado de um sistema informacional de ponta e, ao mesmo tempo, apresenta uma economia de sobrevivência baseada em uso de mão-de-obra intensiva, preços baixos e pouca tecnologia. Esse processo é visível no circuito produtivo de confecções, pois São Paulo além ser um subcentro da moda internacional, possui também o bairro do Brás, Bom Retiro, Pari e Sé, lugares especializados em produção e venda de roupas e/ou artigos populares. Esses lugares possuem um cotidiano carregado de solidariedade orgânica (SANTOS, 2002 [1996]). A importância das pequenas oficinas de confecções nestes lugares ganhou tal dimensão a ponto de passar a absorver mão-de-obra imigrante proveniente de países da América do Sul, destacadamente da Bolívia. O circuito produtivo de confecções ativou uma rede imigratória para atender a etapa da produção em que a demanda por mão-de-obra é mais significativa, a etapa da costura. Assim, alguns bairros da metrópole paulistana vêm ganhando uma nova cara e uma nova dinâmica, sendo a imigração boliviana expressão concreta do novo uso da cidade, agora com novos atores.

Assim, objetivamos com esse trabalho mostrar como na cidade de São Paulo, o circuito superior de produção de roupas ampliou de tamanho; em complementaridade a esse processo, houve o aumento do circuito inferior que hoje é responsável pela promoção de uma nova fase da imigração nesta cidade.

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CIRCUITO SUPERIOR E INFERIOR DA PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES

Dada as características da urbanização nos países da periferia do sistema-mundo, verifica-se que há a existência, e mesmo a ampliação de atividades econômicas vinculadas aos micro-circuitos da economia urbana, do qual denominamos circuito inferior (SANTOS, 2004 [1979]).

No caso das atividades de confecções, há claramente uma divisão entre as fases de concepção e marketing e as fases de produção propriamente dita das peças. Nas fases de concepção e marketing, em sua maioria, encontram-se as grandes empresas que fazem parte do circuito superior ou mesmo superior marginal (SANTOS, 2004 [1978]. A fase de costura das peças, em geral, é realizada por pequenas e médias empresas, ou mesmo por trabalhadores domésticos. A forte necessidade de mão-de-obra dessa etapa da produção faz com que um fenômeno recente venha ocorrendo na cidade de São Paulo: a imigração indocumentada, destacadamente de bolivianos, para servir como mão-de-obra ao circuito inferior de confecções. Evidenciando que as grandes cidades não são apenas lugares da realização dos circuitos de produção das grandes corporações, mas são também lugares, cuja densidade de fixos e fluxos cria possibilidades de existência de circuitos inferiores, como o de confecções.

Quando aplicamos analiticamente a divisão dos dois circuitos da economia urbana para as atividades de confecção, constatamos que há uma repartição entre a produção, a cargo do circuito espacial inferior e a produção imaterial, a cargo do circuito superior. Esse responsável pelas atividades que envolvem alta tecnologia e profissionais da publicidade que incitam o consumo. Assim, verifica-se que a urbanização da sociedade passa a ser outro ingrediente da repartição do trabalho no mundo e dentro das cidades.

Os circuitos da produção configuram-se em circuitos da acumulação e estruturam-se a partir de uma atividade produtiva inicial e compreendem uma série de etapas do processo de transformação por que passa um produto até chegar ao consumo final (SANTOS, 1986). O circuito superior da economia envolve as grandes empresas de atuação continental e mundial e refere-se às atividades modernas, ligadas às grandes empresas, ao sistema

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vinculados a esse circuito são as pessoas das classes sociais mais elevadas. No circuito inferior da economia encontramos os objetos produzidos com grande volume de mão-de-obra, com pouca ou nenhuma qualificação, com reduzidos salários e sem carteira de trabalho assinada (em geral). Grosso modo, os consumidores do circuito inferior são os pobres das cidades, que não conseguem consumir tudo de que necessitam no circuito superior. Dessa forma, os pobres das cidades encontram no circuito inferior uma maneira de sobrevivência, pois ele oferece trabalho, ainda que precário, e possibilidade de consumo de produtos com baixos preços.

A análise do circuito espacial da produção de confecções em São Paulo permite a distinção de dois processos que, apesar de complementares, orientam de forma diferente a vida de relações (GEORGE, 1968) na cidade de São Paulo. De um lado, observa-se a relevância da cidade de São Paulo ao circuito espacial superior da produção de confecções em função de sua centralidade informacional, o que a torna um centro receptor e difusor de tendências e, eventualmente, produtor dessas tendências. Por outro lado, a concentração de pessoas, a formação de áreas de grande circulação e de um imenso mercado de necessidades forja a ampliação do mercado de confecções vinculado ao circuito inferior, e esse, no entanto, possui existência associada às densidades comunicacionais e à solidariedade orgânica.

A concentração de pessoas, a confluência de redes (ônibus e metrô), a obsolescência provocada em determinados lugares pelas atividades hegemônicas (Foto 01, 02 e 03), e a grande massa de pessoas necessitando de trabalho, foram responsáveis por alguns lugares de São Paulo abrigar os circuitos de produção inferiores. No caso do setor de confecções na cidade de São Paulo, os bairros do Bom Retiro, Brás e Sé concentram parte da produção e do comércio, sendo capaz de atrair consumidores de todo o Brasil e até mesmo de outros países. O uso das variáveis hegemônicas (novas tecnologias da informação, novas tendências, creditização, etc.) por esse circuito e as densidades comunicacionais, dada, sobretudo pela contigüidade espacial, são responsáveis pela sobrevivência de milhares de pessoas na cidade de São Paulo.

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Foto 01: Acúmulo de resíduos de tecidos das oficinas de confecções na rua Bresser no Brás

Fonte: Silvana Cristina da Silva, 22/05/2009

Foto 02: Concentração de lojas de roupas na rua Xavantes no Brás

Fonte: Silvana Cristina da Silva, 21/06/2010

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Fonte: Silvana Cristina da Silva, 21/06/2010

Segundo a Alobrás (Associação de Lojistas do Brás em entrevista, 2010), algumas lojas no bairro do Brás já modificaram seu perfil de vender artigos mais populares. Há algumas que modernizaram suas fachadas e contrataram estilistas próprios, pois passaram a criar seus próprios produtos. A conseqüência disso é o aumento dos preços, tornando-os inviáveis para uma parcela de consumidores do local. Entretanto, a intensa movimentação de pessoas na região do Brás, tornou o bairro concentrador das oficinas de costuras, estas, apesar da modernização de parte das lojas, elas passaram, muitas vezes, a receber encomendas das lojas. A terceirização da fase da costura pelas lojas vem tornando mais precário ainda a condição do oficineiro (dono da oficina de costura) e do trabalhador (costureiro), pois com esse processo o comerciante fica com a maior parte dos lucros, sem arcar com o ônus da produção, ou seja, os encargos trabalhistas. Assim a precarização é instituída. Mesmo as grandes varejistas de confecções como as Lojas Marisas e a C&A já foram autuadas pelo uso da subcontratação e de mão-de-obra semi-escrava, sobretudo de indocumentados bolivianos em São Paulo.

Segundo reportagem da ONG Repórter Brasil (março de 2010), a Rede Marisas de Confecções seria beneficiária em uma rede de subcontratação. A 2ª. Superintendência Regional do Trabalho encontrou indícios de que as Marisas possuíam total controle da produção de algumas oficinas, caracterizando que ela tem responsabilidade sobre a fabricação, bem como, sobre a mão-de-obra usada.

Assim verificamos que há um circuito das grandes empresas de confecção e as pequenas oficinas, que vivem na dependência das encomendas dessas grandes lojas. As

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pequenas e precárias oficinas têm nos costureiros e nos oficineiros as principais vítimas da exploração.

Os imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo revelam mais uma face do processo de exploração da mão-de-obra, pois a condição de indocumentados desses imigrantes os torna ainda mais suscetíveis à exploração.

NOVA IMIGRAÇÃO: A PRESENÇA DOS BOLIVIANOS NA METRÓPOLE

O circuito inferior da produção de confecções na cidade de São Paulo vem se constituindo em um importante elemento de atração de mão-de-obra de países vizinhos. O caso dos bolivianos é ilustrativo, uma vez que eles são inseridos na economia brasileira via circuito inferior, especialmente de confecções, dada o uso intensivo de trabalhadores nesse setor.

Os dados oficiais da Polícia Federal apontam certa estabilidade da imigração dos países da América do Sul para o Brasil. No entanto, esses dados referem-se a um processo de entrada de imigrantes de forma registrada e legal. Há outro processo ocorrendo que é a entrada de pessoas de outros países de forma indocumentada. Essa indocumentação ocorre pelo não registro na entrada, pela entrada com visto de turismo (após o vencimento do prazo, os estrangeiros permanecem no país), pela permanência no país sem as renovações exigidas. A imigração indocumentada é que de fato vem ganhando vulto no Brasil, sobretudo em alguns lugares, como exemplo as grandes metrópoles. O fato desse processo não ser registrado oficialmente chegar a valores precisos sobre quantos são os estrangeiros vivendo no Brasil de forma indocumentada é impossível. Há algumas instituições e órgãos oficiais que sugerem alguns números sobre essa imigração. Segundo a Polícia Federal estão vivendo cerca de 18.000 bolivianos no Brasil. Outras fontes revelam dados que destoam desse valor . Segundo o Ministério Público podem chegar a 200 mil bolivianos indocumentados no Brasil. A falta de censos específicos e a própria natureza dessa imigração faz com que a quantidade precisa de bolivianos em vivendo em São Paulo torne-se inviável, porém, qualitativamente, esta a imigração boliviana torna-se cada vez mais significativa, sobretudo para o circuito inferior de confecções, ou seja, apesar da dificuldade de precisar em números, é fato que

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qualitativamente esse processo é visível. Um breve passeio na Praça Kantuta no bairro Pari em São Paulo pode dar a dimensão de tal fenômeno.

A imigração de bolivianos para a cidade de São Paulo inicia-se na década de 1980, mas eram inicialmente imigrantes com certo poder aquisitivo e com escolaridade elevada. A década de 1990 e os primeiros anos desse século houve um aumento significativo dessa migração. Alguns estudos como o de Freitas (2007), apontam que a imigração boliviana está conectada à imigração coreana. Quando estes últimos começaram a migrar para o Brasil, o faziam pela rota do Pacífico, aos poucos foram trazendo consigo os bolivianos. A situação de instabilidade política e econômica da Bolívia é um elemento explicativo da imigração. Segundo o próprio governo boliviano atualmente 30% da população estaria vivendo fora da Bolívia (Brasil, Argentina, Estados Unidos e Europa).

A modificação do perfil imigratório da cidade de São Paulo vem se consolidando, pois além dos bolivianos, há também paraguaios, peruanos, colombianos e população vinda da África (vários países). Já há pressões para ajustes dos sistemas públicos de saúde e educação na cidade no sentido de atender essas demandas. As atividades realizadas por estes nas oficinas de costura na cidade de São Paulo acabam acarretando problemas de saúde característicos. Segundo Elaine C. C. da Silva (2009), o aumento do número de casos de tuberculose entre os bolivianos exigiu que a Secretaria Municipal de Saúde, em parceria com a Pastoral do Migrante, adotasse medidas de contenção da doença como: produção de material em espanhol para o esclarecimento; em bairros de maior concentração de população boliviana como Brás, Bom Retiro e Pari, as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) passaram a não exigir a apresentação de documentos como pré-requisito para o atendimento; também foram medidas de saúde pública as visitas domiciliares pelos profissionais do Programa Saúde da Família (PSF) e contratação de profissionais bolivianos (para a aproximação dos serviços de saúde com a comunidade boliviana)

A cidade vem reforçando algumas especializações produtivas como a de confecções no Brás, Bom Retiro e Sé (expandindo para outras regiões), sendo a mão-de-obra boliviana funcional à manutenção e renovação da especialização no período atual.

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A metrópole paulistana na década de 1990 vem ganhando uma nova cara. A presença de imigrantes sul-americanos na cidade, destacadamente bolivianos, revela novos processos e a construção de novas ações a partir das materialidades já constituídas. Nos bairros do Brás, Bom Retiro, Pari e parte da Sé há o desenvolvimento de circuitos de sobrevivência. O circuito produtivo de confecções, por exemplo, completa os grandes circuitos produtivos modernos, sendo a mão-de-obra boliviana extremamente funcional a esse circuito, uma vez que estes exercem a função da costura a baixos custos, tornando a venda de confecções lucrativa para os detentores do conhecimento em design e da distribuição das roupas.

O circuito inferior da produção de confecções na cidade de São Paulo vem se constituindo em um importante elemento de atração de mão-de-obra de países vizinhos. O caso dos bolivianos é ilustrativo, uma vez que eles são inseridos na economia brasileira via circuito inferior, especialmente de confecções, dada o uso intensivo de trabalhadores nesse setor. Dessa forma, a cidade de São Paulo e o território brasileiro são recriados com novos elementos e novos usos. As materialidades do passado, especialmente as advindas da especialização na produção de roupas, recebem novas ações e são recriados os bairros do Brás, Bom Retiro e Pari, agora com um novo dado populacional.

BIBLIOGRAFIA

CYMBALISTA, R. & XAVIER I. R. A comunidade boliviana em São Paulo: definindo padrões de territorialidade. Cadernos metrópole. 17 pp. 119-133 1º. Semestre de 2007. FREITAS, P. T. de. Imigrantes em torno de um circuito de produção e distribuição de

roupas na cidade de São Paulo - histórias de territórios e deslocamentos . In: Boletín Del Observatorio experimental sobre las migraciones internacionales en las áreas urbanas de América Latina. No. 02, Diciembre de 2007.

Silva, Elaine C. da. Rompendo Barreiras: Os bolivianos e o acesso aos serviços de saúde na cidade de São Paulo. In: Travessia, no. 63, jan, 2009.

GEORGE P. A ação do homem. São Paulo: Difusão Européia do Livro,1968.

MONTENEGRO, Marina Regitz. O circuito inferior da economia urbana na cidade de São Paulo no período da globalização. Dissertação de mestrado do Depto. de Geografia, FFLCH-USP. 2006.

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2004 [1979].

________. Circuitos espaciais da produção: um comentário. In: A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986. 149 p.

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SILVA, Adriana Bernardes da. A contemporaneidade de São Paulo. Produção de Informações e reorganização do território brasileiro. 2001. 283f. Tese de Doutorado. Departamento de Geografia, FFLCH, USP. (s.d.d), 2001.

Documentário: “Nação Oculta – os bolivianos em São Paulo”, 2008

Entrevista à Associação dos Lojistas do Brás (ALOBRÀS) – Junho de 2010. Trabalhos de Campo realizados em 2009 e 2010.

Referências

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