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Os caminhos para

a Cobertura

Universal de

Saúde

Ser especialista transforma negócios. kpmg.com.br

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2 | Saúde 2030

05

06

11

16

24

27

38

41

44

Carta da liderança

Panorama global

Como chegamos ao SUS e qual a sua estrutura?

Diferentes caminhos

Saúde universal: integralidade no centro da judicialização

Saúde privada: um dos pilares do sistema

Os anos à frente: quais são os principais desafios do SUS?

O que aprendemos até aqui

(3)

Saúde é o maior

presente que um

país pode dar ao

seu povo. Todos

nós temos uma

responsabilidade

de torná-la um

sucesso.

Anuschka Coovadia

Sócia-líder da Prática de Saúde da KPMG África do Sul

(4)

ímpeto por trás

da Cobertura

Universal de

Saúde como uma

prioridade global

não pode mais ser

detido. O objetivo

é claro, mas saber

como chegaremos

lá é um dos

maiores desafios

deste século em

termos de vontade

política e habilidade

técnica.

Mark Britnell Global Chairman de Healthcare da KPMG

(5)

Saúde 2030 é uma série de publicações que a KPMG no Brasil está produzindo, que objetiva explorar temas relevantes que circundam o universo da saúde em sua amplitude. Na edição inaugural, lançada em fevereiro, com o título Paciente como Consumidor?, abordamos temas como a experiência do paciente e como as organizações devem se adaptar para atender uma procura crescente por serviços de saúde que atendam novas e específicas demandas por serviços capazes de refletir a condição e a preferência dos usuários.

Nessa edição, intitulada Os caminhos para a Cobertura Universal de Saúde, exploramos as particularidades da jornada iniciada em 1948, com a constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) e a declaração da saúde como um direito humano fundamental. Lançamos foco principal no Brasil, um país que, desde a promulgação de Constituição de 1988, tem o compromisso de oferecer saúde para toda a população com base nos conceitos de universalidade, equidade e integralidade.

Baseado em um estudo conduzido pelo time

especializado no setor de Saúde da KPMG no Brasil, com apoio da KPMG Internacional e o centro de excelência em Saúde, nessa publicação buscamos entender aonde chegamos e os desafios que temos de enfrentar para continuarmos na jornada em busca de uma Cobertura Universal de Saúde.

Em um país que possui Cobertura Universal de Saúde todo cidadão tem acesso à assistência médica, independentemente de sua capacidade para pagar por esses serviços. Os padrões de atendimento usuais são definidos com consistência e transparência, e as populações são cuidadas de maneira holística, integrada e humanizada.

No Brasil, o acesso à saúde não é apenas um direito constitucional, essa prerrogativa faz parte de nosso caminho para a transformação econômica e a elevação social. Nossas ações – ou a omissão destas – irão determinar de que maneira estarão as condições de saúde e de bem-estar das futuras gerações, e também qual será o

Um desafio que vai além

do atendimento em Saúde

horizonte econômico e o desempenho de nosso país nos índices de qualidade de vida. Serão, ainda, determinantes para dimensionarmos até que ponto conseguimos superar os desafios e as desigualdades socioeconômicas atuais.

Alguns dos grandes desafios a serem endereçados e superados estão relacionados abaixo e são mais profundamente debatidos nesse estudo.

- Como financiar o investimento massivo; - A necessidade de reformar nosso mercado de fornecedores;

- A necessidade de estruturar um pacote de benefícios sustentáveis;

- Como alinhar os interesses de todos os participantes em um mercado polarizado;

- A necessidade de atualizar os serviços públicos de saúde existentes;

- A necessidade de implementar um modelo colaborativo com o setor privado;

- A importância de adotar boa governança, e de ter responsabilidade e protagonismo para implementar mudanças.

Embora as conquistas sejam inúmeras, honrar esse compromisso tem sido desafiador dada a limitação de recursos (de todas as naturezas e não unicamente financeira), grande extensão territorial, crescimento e envelhecimento populacional e prontidão para uma gestão eficiente.

Ainda, não temos como ignorar o momento singular de nossa história; o Sistema Único de Saúde (SUS) foi colocado à prova e talvez nunca tenha sido exposto de maneira tão profunda e por tanto tempo. A pandemia do novo coronavírus que assolou o País a partir de março de 2020 contaminou milhares de cidadãos, e tem desafiado a capacidade do sistema permanecer atuante e responsivo, demonstrando a excepcional resiliência de todos os seus agentes – principalmente os profissionais de saúde que, por estarem à frente no combate da pandemia, são os mais impactos.

Saúde Universal é o maior presente que um país pode dar aos seus cidadãos. Todos nós devemos ter o protagonismo de zelar por ele e a responsabilidade de torná-lo um sucesso. Boa leitura! Por Leonardo Giusti Sócio-líder de Healthcare & Life Sciences da KPMG Brasil

(6)

Panorama

Global

(7)

Um destino, diferentes

perspectivas

Há mais de sete décadas, nações de diferentes extensões, número de habitantes e condições socioeconômicas alimentam um sonho em comum: a Cobertura Universal de Saúde (CUS). Esse conceito tem como grande fundamento a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1948, que declara a saúde como um direito humano fundamental. Além disso, todos os estados-membros das Nações Unidas concordaram em tentar atingir a CUS até 2030, como parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de um sonho compartilhado, mas o caminho para conquistá-lo está longe de ser consenso.

Não existe uma receita única e infalível para a conquista deste que se firmou como um importante marco de desenvolvimento social e econômico. As formas de financiamento, cobertura e serviços oferecidos por um sistema de saúde universal variam de acordo com o país. Alguns deles aplicam sistemas com maior participação de agentes privados, sejam os cidadãos que exercem o papel de cofinanciadores diretos dos serviços, ou instituições de saúde particulares ou empregadores. O Brasil, por exemplo, possui o maior sistema de saúde universal do mundo e faz parte de um grupo que buscou inspiração no modelo do National Health Service (NHS), implementado no Reino Unido logo após a Segunda Guerra Mundial.

Seja qual for o modelo, existe algo que não muda: todos eles são pensados para atender o paciente, figura central em todos os sistemas de saúde planejados em escala nacional. Dessa forma, se mantido um pensamento e compromisso de longo prazo, é estruturado um modelo no qual todos ganham.

O paciente

As concepções a respeito de quem é o paciente de um sistema de cobertura universal têm alguns princípios em comum. A partir de uma perspectiva global, podemos dizer que, para que o sistema tenha êxito, alguns requisitos devem ser atendidos.

— O paciente integra uma comunidade, que deve ser conhecida em sua integralidade e particularidades — Sua residência conta com saneamento básico

— Serviços de atenção primária à saúde se localizam próximos da sua residência — Estão disponíveis bons serviços de educação e transporte

— Quando atendido por um profissional, suas necessidades são vistas em conjunto ao seu histórico pessoal e contexto local

— Seu bem-estar deve ser visto pelo Estado como investimento, e não custo

(8)

O país

O desenvolvimento socioeconômico e a cobertura universal de saúde andam juntos. A experiência internacional mostra que, conforme os países avançam em indicadores de riqueza e produtividade, o Estado investe mais em saúde universal. E que, quanto mais eficiente for o sistema, melhores se tornam os indicadores econômicos e sociais. Entre as melhorias que os investimentos em saúde podem trazer, destacam-se: — Menores taxas de pobreza

— Aumento da expectativa de vida

— Melhores índices de crescimento da produção nacional

— Maior produtividade do trabalho e massa salarial — Estabilidade social

— Incremento no mercado consumidor

O mundo

Ainda existe um longo caminho a trilhar. Segundo o relatório Primary Health Care on the Road to Universal Health Coverage, publicado pela OMS, em 2017, pouco mais de um terço da população mundial (entre 33% e 49%) contava com cobertura de serviços essenciais de saúde. Se essa tendência for mantida até 2030, a proporção de habitantes do globo com essa cobertura básica pode saltar para 63%. No entanto, o aumento da cobertura de sistemas universais tem como um de seus pressupostos a redução dos gastos particulares com saúde – o dinheiro que os cidadãos tiram do próprio bolso para pagar consultas, medicamentos e procedimentos (out-of-pocket). Nesse sentido, a OMS mostra um quadro preocupante, em que a proporção de famílias cujos gastos com saúde correspondem a 10% da renda total foi de 9,4% em 2000 para 12,7% em 2015, e daqueles cujos gastos equivalem a 25% da renda aumentou de 1,7% para 2,9% no mesmo período.

• Em 1948, a Constituição da OMS declara a saúde como um direito humano fundamental, mas esse direito ainda não é garantido para todos

• Segundo a OMS, entre 33% e 49% da população global conta com cobertura de serviços essenciais de saúde • O desafio é aumentar a cobertura universal e reduzir os gastos out-of-pocket com saúde

(9)

Reino Unido Anos 40 Anos 50 Suécia Chile Japão Dinamarca Anos 60 Anos 70 Coreia do Sul Itália México Espanha Austrália Anos 80 China Anos 2000 Anos 90 Israel Colômbia Brasil Anos 2010 Indonésia

Oferecer Cobertura Universal de Saúde não significa simplesmente aumentar os gastos em saúde. A experiência internacional mostra que, a longo prazo, o desenho, desempenho e a equidade do sistema têm um impacto muito maior no desenvolvimento do país do que nos gastos. O princípio de que gastar mais não se traduz em eficiência fica evidente na comparação entre dois tipos de experiência. De um lado, existem países como Israel e Cingapura, cujos níveis de investimento em saúde não são considerados altos e que, mesmo assim, atingiram a cobertura universal; e de outro, nações como os Estados Unidos e a Rússia, que a despeito dos gastos altos com saúde não possuem um sistema consolidado.

O objetivo de número três da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para 2030 da

Organização das Nações Unidas (ONU) propõe uma série de metas a serem atingidas no sentido de “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades”, entre elas, o oferecimento da Cobertura Universal de Saúde. Embora muitos países estejam trabalhando de forma intensa para estruturar seus sistemas até 2030, globalmente essa é uma tendência com décadas de história.

Movimento e compromisso global

“Alcançar Cobertura Universal de Saúde, incluindo proteção contra riscos financeiros, acesso a serviços essenciais de saúde de qualidade e acesso a medicamentos e vacinas essenciais seguros, eficazes, de qualidade e acessíveis para todos” (Item 3.8 da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para 2030, formulada pela Organização das Nações Unidas)

Cobertura Universal no mundo

Obs.: período em que teve início a criação dos sistemas de Cobertura Universal de Saúde em cada um dos países.

(10)

Comparativo de indicadores em saúde

1. 80 anos 2. 5.4 3. 100% 4. US$ 1.382 5. 70 1. 81 anos 2. 3.2 3. 99% 4. US$ 4.755 5. 89 6. SNS 100% 7. PHI 67% 1. 81 anos 2. 2.5 3. 98% 4. US$ 4.911 5. 86 6. SNS 100% 7. PHI 80%

Holanda Japão 1. 84 anos

2. 0.9 3. 100% 4. X 5. 83 6. SNS 100% 7. PHI 0% China 1. 75 anos 2. 5.1 3. 85% 4. US$ 441 5. 79 6. SNS 95% 7. PHI 30% 1. 79 anos 2. 3.7 3. 100% 4. US$ 10.246 5. 84 6. SNS 31,8% 7. PHI 53,1% EUA Alemanha 1. 81 anos 2. 2.3 3. 99% 4. US$ 5.033 5. 83 6. SNS 88,9% 7. PHI 11% Austrália 1. 82 anos 2. 2.2 3. 100% 4. US$ 5.332 5. 87 6. SNS 100% 7. PHI 0%

Reino Unido 1. 81 anos 2. 2.6 3. 99% 4. US$ 3.859 5. 87 6. SNS 100% 7. PHI 10% Israel 1. 82 anos 2. 2.0 3. 100% 4. US$ 3.145 5. 82 6. SNS 100% 7. PHI 75%

África do Sul1. 63 anos 2. 12.4 3. 76% 4. US$ 499 5. 69 6. SNS 84% 7. PHI 16% Brasil 1. 75 anos 2. 7.8 3. 88% 4. US$ 1.472 5. 79 Nova Zelândia 1. 82 anos 2. 3.0 3. 100% 4. US$ 3.937 5. 87 6. SNS 100% 7. PHI 33% Uruguai 1. 77 anos 2. 5.0 3. 97% 4. US$ 1.592 5. 80 Argentina 1. 76 anos 2. 6.2 3. 96% 4. US$ 1.325 5. 76 México 1. 76 anos 2. 7.8 3. 91% 4. US$ 495 5. 76 Colômbia 1. X 2. 8.5 3. 90% 4. US$ 459 5. 76 Chile Legenda

1. Expectativa média de vida

2. Mortalidade infantil (a cada mil nascidos vivos) (Fonte: UNICEF/2018) 3. População vivendo com condições sanitárias adequadas (Fonte: OMS/2017) 4. Despesa média em saúde per capita (Fonte: OMS/2017)

Existem muitos indicadores que ajudam a compor o panorama da saúde pública e as condições de vida em determinado país ou região. Aqui, destacamos alguns que consideramos especialmente relevantes: expectativa de vida, mortalidade infantil, condições sanitárias, despesa média em saúde por habitante e o índice CUS (Cobertura Universal de Saúde ou índice UHC, do original em inglês Universal Health Coverage), formulado pela OMS a partir de diferentes indicadores. Quanto mais próximo do 100 estiver o número, maior e mais abrangente é a rede de serviços e procedimentos à disposição dos cidadãos. A contraposição de diferentes indicadores dentro de um

mesmo país pode oferecer algumas pistas a respeito da maneira como eles se articulam e em que medida respondem às políticas públicas implementadas. De modo geral, destacamos que, dentro de cada país, baixas taxas de mortalidade infantil e expectativa de vida alta costumam vir acompanhadas de altos índices CUS. Embora não seja nosso objetivo determinar a existência de uma função direta entre esses indicadores, os números apontam a existência de uma relação entre investimentos, acesso à saúde e boas expectativas de vida. A disponibilidade de condições sanitárias adequadas também figura como uma importante variável no panorama apresentado.

5. Índice de CUS (Base 100) (Fonte: OMS/2017) 6. Cobertura de Seguro Nacional de Saúde (SNS) 7. Cobertura de Seguro de Saúde Privado (SSP)

Fonte: https://apps.who.int/gho/data/view.main.UHCSANITATIONv

Canadá

(11)

Como

chegamos ao

SUS e qual

a sua

(12)

O Brasil começou a implementar seu modelo de Cobertura Universal de Saúde no final da década de 1980, no bojo das transformações políticas e sociais que sucederam à

redemocratização do País. A Constituição Federal, promulgada em 1988 e um dos principais símbolos desse processo, traz no seu artigo de número 196 o fundamento da saúde universal. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, estabelece o texto. Estava lançada a raiz do Sistema Único de Saúde (SUS).

Saúde para a carteira assinada: o Brasil antes do SUS

O Estado brasileiro começou a atuar como promotor da saúde coletiva durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945. O Estado Novo, como ficou conhecido, foi marcado pelo fortalecimento da figura estatal e por suas intervenções no mundo do trabalho. No início da década de 1930, o Ministério do Trabalho incorporou as antigas Caixas de Aposentadoria e Pensões, criadas em 1923, e as transformou nos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP). Diferentes categorias profissionais possuíam seus próprios IAP, a exemplo dos industriários, bancários e comerciários. Os Institutos possuíam uma série de atribuições, e, entre elas, a oferta de assistência à saúde aos contribuintes e suas famílias.

Em 1966, os antigos institutos foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A lógica do acesso à saúde continuava a mesma: era preciso ser um trabalhador formal e contribuinte da previdência social para utilizar o atendimento médico oferecido pelo INPS. Do desmembramento do INPS, em 1974, nasceu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). O órgão era subordinado ao Ministério do Trabalho e possuía alguns estabelecimentos próprios, além de oferecer tratamento em agentes particulares por meio de convênios. Por décadas vigorou o cenário em que o acesso à saúde era vetado aos cidadãos sem carteira assinada – grupo em que estavam desempregados, trabalhadores informais das cidades e do campo, por exemplo. Como estes tampouco podiam pagar por consultas e procedimentos particulares, seus membros recorriam às Santas Casas de Misericórdia e outras instituições de filantropia.

Novos direitos em 1988

A Constituição de 1988 e seu artigo sobre a saúde foram o resultado de um movimento pela ampliação da saúde pública, que se articulava desde o final dos anos 1970. O Movimento pela Reforma Sanitária e a realização do I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, em 1979, marcaram o início das discussões sobre o modelo de saúde pública existente no Brasil. A universalidade, a gratuidade e a descentralização da gestão de saúde entravam em pauta. A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi a primeira a ser aberta à sociedade, e resultou na criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), um convênio entre o INAMPS e os governos estaduais.

Nos quatro anos seguintes, começaria a jornada de construção do SUS. Após a criação do SUDS, veio a incorporação do INAMPS ao Ministério da Saúde (Decreto nº 99.060, de 7 de março de 1990); e, por fim, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990), que lançou as regras de funcionamento do SUS. Em dezembro de 1990 foi promulgada a Lei nº 8.142, que estabeleceu o princípio do controle social na gestão do serviço. O INAMPS seria extinto em julho de 1993, pela Lei nº 8.689. Nas três décadas seguintes, novos serviços e responsabilidades seriam integrados ao SUS.

(13)

1988: A Constituição estabelece que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”.

1990: A aprovação da Lei Orgânica da Saúde estabelece as regras para o funcionamento do SUS.

1992: A Portaria/SNAS nº 224 oficializa a figura dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e dos Núcleos de Assistência Psicossocial (NAPS), referências em atendimento de saúde mental; implantação do Plano Nacional de Eliminação do Sarampo, com a realização de campanha nacional de vacinação em menores de 15 anos.

1994: É lançado o programa Saúde da Família. Nele, cada equipe (formada por médicos,

enfermeiros e agentes de saúde) atende famílias de determinada área, em visitas mensais.

1996: Começa a distribuição gratuita de medicamentos para tratamento do HIV, conhecido como “coquetel da AIDS”.

1997: É instituído o Sistema Nacional de Transplantes.

1999: Cria-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

2000: É aprovada a Emenda Constitucional 29, com valores mínimos dos recursos a serem aplicados na saúde pela União, estados e prefeituras.

2001: Com a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216), os pacientes de doenças mentais passam a ser tratados fora de manicômios, que começam a ser fechados; criação da NOAS (Norma Operacional de Assistência à Saúde), que define que o município é responsável pela Atenção Básica.

2002: Aprovação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas; criação do Programa Nacional de Controle da Dengue; instituição do Cartão Nacional de Saúde - Cartão SUS.

2003: É lançado o Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (SAMU), com ambulâncias acionadas pelo 192.

2006: O programa Farmácia Popular passa a distribuir remédios gratuitamente, ou oferecer descontos para a compra em farmácias privadas; Criação do Pacto pela Saúde, composto por

três esferas: Pacto em Defesa do SUS, Pacto pela Saúde e Pacto de Gestão.

2007: É criado o programa Saúde na Escola, como resultado da integração entre os ministérios da Saúde e da Educação.

2009: Instituição da Política Nacional da Saúde do Homem.

2011: Criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec).

2012: Ministério da Saúde institui obrigatoriedade do Cartão do SUS para todos os cidadãos brasileiros.

2013: Criado o Portal de Saúde do Cidadão e o e-SUS Atenção Básica.

2014: Lançado pelo Ministério da Saúde o aplicativo e-SUS-SAMU, que permite acionar atendimento por meio de smartphones.

2015: Ampliadas as diretrizes do SUS para atendimento a vítimas de violência sexual, e oferta de cirurgia plástica reparadora em situações de violência doméstica.

2016: SUS passa a disponibilizar gratuitamente órteses, próteses e materiais especiais (OPME).

2017: Ministério da Saúde incorpora ao SUS

tratamento que previne a infecção pelo vírus HIV.

2018: Incorporadas ao SUS novas práticas integrativas, totalizando 29 terapias.

2019: Aprovado o novo modelo de

financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS).

2020: Aprovado o novo Marco Legal do Saneamento Básico.

O SUS tem como princípios o acesso universal e a atenção integral à saúde, que passa pelo tratamento, prevenção de doenças e promoção da saúde. A rede de atendimento do sistema engloba a atenção primária, atendimentos de média e alta complexidades, serviços de urgência e emergência, assistência farmacêutica, atenção hospitalar, e ações e serviços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental.

(14)

O SUS é um dos maiores

sistemas de cobertura de

saúde do Planeta. Desenhado

à imagem e semelhança do

modelo britânico, mas em um

país muito grande

e com falta de recursos

financeiros.

Edson Rogatti, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp) e e ex-presidente da

Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB)

Direito universal e outros princípios do sistema

O SUS se fundamenta em três princípios: universalização, equidade e integralidade. A universalização preconiza que a saúde é um direito assegurado pelo Estado a todos os cidadãos,

independentemente de características como sexo, raça ou ocupação. A equidade estabelece que o SUS trabalha para diminuir as desigualdades entre os cidadãos, oferecendo atenção especial a indivíduos com maior carência. E a integralidade considera que atender as pessoas de maneira plena passa pela promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabilitação. Além disso, esse princípio pressupõe a articulação da saúde a outras políticas públicas, que juntas têm o poder de aumentar a qualidade de vida dos indivíduos – como o acesso à educação, mobilidade urbana, saneamento básico e a prática de atividades físicas, por exemplo. Além desses, existem os princípios organizativos. São eles regionalização e hierarquização (segundo o qual os serviços são organizados em níveis crescentes de complexidade, planejados de acordo com a população a ser atendida), descentralização e comando único (que distribui as responsabilidades entre os três níveis de governo), e participação popular (que estabelece a criação de Conselhos e Conferências de Saúde, com a atribuição de formular estratégias e avaliar a execução de políticas de saúde).

(15)

O SUS tem recursos e gestão descentralizados, divididos entre União, estados e municípios. Os percentuais de investimento de cada uma dessas instâncias são definidos pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, que regulamenta o §3º do art. 198 da CF para dispor sobre valores mínimos, critérios de rateio, normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas. Segundo o texto, os municípios e o Distrito Federal devem aplicar anualmente pelo menos 15% da arrecadação de impostos, e os estados, no mínimo 12%. Para a União, o valor aplicado na saúde precisa corresponder ao valor do exercício financeiro anterior, acrescido do percentual relativo à variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano antecedente ao da lei orçamentária anual. O texto estabelece também a obrigatoriedade, para União, estados, Distrito Federal e municípios, de declarar e homologar bimestralmente os recursos aplicados em saúde, por meio do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops).

O modelo de financiamento do SUS é objeto de constantes revisões e discussões. Considerado um dos pontos nevrálgicos do sistema, ele se vincula a questões estruturais e conjunturais. É consenso dizer que municípios pequenos e com pouca arrecadação investem menos em serviços básicos de saúde, o que aprofunda diferenças regionais. Em relação ao governo federal, durante muito tempo foi colocada para debate a possibilidade de se definir um percentual para a contribuição da União, acompanhando as regras dos estados e municípios.

Financiamento do SUS: regras e conjuntura

O debate sobre o financiamento do SUS ganhou novas nuances em 2016, com a Emenda Constitucional (EC) 95. A “PEC do teto” estabeleceu um limite para os gastos públicos, determinando que, nos 20 anos seguintes, as despesas primárias do orçamento público ficassem restritas à variação inflacionária, sem aumento real. Em 2018, a medida começou a vigorar para a saúde. Carlos Octávio Ocké-Reis, economista e doutor em Saúde Coletiva, resumiu em entrevista ao site da Fundação Oswaldo Cruz a conjuntura do financiamento do SUS após a emenda. “Em 2014, a União destinou R$ 595 para cada habitante do País, em valores corrigidos pelo IPCA

de 2019. Foi o ápice desse investimento”1. No último

trimestre de 2014, o País entrou em recessão, e teve início uma trajetória de queda do valor de investimento per capita, que foi a R$ 581 no ano seguinte. No primeiro ano de vigência da EC 95 para a saúde, o gasto por habitante ficou em R$ 559. E, em 2019, esse valor caiu para para R$ 558.

1 Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/a-adaps-pode-reforcar-a-tendencia-de-privatizacao-da-gestao>

Temos que rever o gasto, as fontes

de financiamento e a maneira

como se distribui o gasto público

e o privado em saúde.

Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

O Brasil gasta 9,5% do PIB

com saúde, e alguns países

entre 10% e 12%. Lá fora,

em muitos casos, 80% das

despesas com saúde são

pagas pelo Estado, enquanto

que no Brasil a parcela é de

apenas 45%.

Francisco Balestrin, presidente da International Hospital Federation (IHF)

(16)

Diferentes

caminhos

(17)

contribuintes privados. A tabela abaixo resume as principais características, vantagens e desvantagens que cada abordagem mostrou até o momento.

Sistema Principais

características Vantagens Desvantagens

Contribuinte único (público)

Por exemplo: Reino Unido, Itália, Cuba, Tailândia — Um único fundo do setor público com associação obrigatória — Geralmente financiado por impostos — Equidade

— Grande escopo para captação de recursos

— Eficiência administrativa potencial — Oportunidades de compras

estratégicas

— Coordenação de cuidados

— Sem necessidade de equalização de riscos

— Poder do contribuinte ajuda a controlar os custos

— Sensibilidade à pressão política — Ineficiências potenciais por falta de

concorrência

— O financiamento pode ser instável se as finanças do governo se deteriorarem — Falta de resposta às necessidades dos

membros

— Falta de escolha e inovação — A pressão de queda no preço pode

causar insatisfação dos provedores

Contribuinte múltiplo (misto) Por exemplo: Austrália, Israel, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, México — Fundos únicos ou múltiplos (públicos e/ ou privados) — Seguro obrigatório,

mas com uma escolha de fundos públicos, quase públicos e/ou privados — Geralmente financiado por impostos e pelo empregador/ empregado

— Um fluxo de receita adicional (dos empregadores)

— Menos dependente de finanças públicas saudáveis

— Altamente redistributivo (do rico para o pobre)

— Escolha individual

— Responsivo às necessidades dos membros

— Eficiência da administração — Opção pública minimiza possíveis

falhas de mercado

— Concorrência estimula o desempenho

— Possível exclusão dos pobres (caso não houver regulamentação contra o chamado cream skimming)

— Tende a aumentar os custos — Fragmentação dos cuidados — Complexo (especialmente se houver

muitas seguradoras)

— Necessidade de equalização dos riscos — Necessidade de uma sólida estrutura

de governança Contribuinte múltiplo (privado) Por exemplo: França, Alemanha, Holanda, Suíça, Colômbia — Seguro obrigatório, mas sem opção pública — Geralmente

financiado por meio de contribuições individuais e do empregador, bem como de algum financiamento tributário — Incentiva a inovação

— Ajuda a financiar serviços de saúde não cobertos publicamente — Geralmente mais responsivo às

necessidades dos membros

— Provedor consegue negociar as tarifas

— Necessidade de equalização dos riscos

— Falta de atendimento integrado — Altos custos administrativos — As pessoas jovens e saudáveis

tendem a optar por não participar, prejudicando os subsídios cruzados — Algumas evidências desse cenário

criam um caminho mais lento/menos equitativo para a CUS e associação com custos mais altos do sistema de saúde

financiar seus sistemas de saúde. De modo geral, os modelos podem ser divididos em três grupos: contribuinte único e público; múltiplos contribuintes,

• Equalização do modelo de financiamento do SUS entre as diferentes fontes de contribuição • Busca pelo aumento do investimento por habitante

• Redesenho da regionalização dos serviços de saúde entre as diferentes escalas de atendimento, priorizando o fortalecimento da atenção primária

• Busca por novos arranjos e fontes de receita por meio da integração com o setor privado

(18)

30 anos de SUS: o que conquistamos até aqui?

Nos últimos 30 anos, o Brasil teve êxito em uma série

de políticas e ações de saúde pública, elaboradas e postas em prática no âmbito do SUS. É possível

traçar um consenso acerca dos maiores acertos do sistema até hoje. Entre eles, estão desde o combate

a males que historicamente flagelavam a população brasileira, como Doença de Chagas e hanseníase, até a oferta gratuita de tratamentos e cirurgias

de ponta, como transplantes de alta complexidade

e tratamento antirretroviral, que combate o vírus do HIV. O sucesso de políticas gratuitas e abrangentes, que contribuíram de maneira decisiva para a redução da incidência de diversas patologias, está apoiado no princípio da universalidade e na capilarização do sistema.

“O SUS é inclusivo. Toda a população tem direito e acesso ao sistema de saúde integral, diferente de países onde o acesso não existe ou é limitado”, aponta Giovanni Cerri, livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e ex-secretário de Estado da Saúde de São Paulo (2011 a 2013).

No entanto, a universalidade é uma faca de dois gumes: uma conquista que, ao mesmo tempo, se mostra como um resistente desafio de gestão. “O primeiro mérito do SUS é, em um País continental, se propor universal e preservar a perspectiva da

saúde como um direito de todos. Esse desafio

obrigou uma organização de todo o sistema, com a definição do papel da União, dos estados e dos municípios. Até então, essa divisão não era caracterizada de forma que a sociedade como um todo compreendesse”, recorda Dirceu Barbano, consultor e ex-presidente da Anvisa (2011 a 2014). O SUS foi uma criação coletiva engendrada para o Estado. Para José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Complementar (IESS) e ex-ministro da Previdência Social (2002 a 2003), é a natureza estatal do SUS quem dá legitimidade às suas atribuições. “O SUS beneficia a todos. A vacinação traz imensos ganhos sociais, e o governo oferece transplante de coração, por exemplo. Sem isso, como se organizaria uma fila de transplantes? Ela precisa ser única, e o único agente que pode fazer isso de maneira isenta é o Estado”, exemplifica.

Além dos programas desenvolvidos pelo SUS, nas últimas três décadas o Brasil viu uma série de indicadores sociais melhorarem. Realizações que não são, necessariamente, resultado direto de políticas de saúde isoladas, mas que contribuem positivamente para o balanço que se faz do SUS. “Tivemos uma melhora evidente das condições

(19)

aumentou e a taxa de natalidade decresceu. Há um conjunto de melhorias que não está só na saúde, e sim, em diversas determinantes sociais”, observa Gonzalo Vecina, professor da FMUSP, ex-presidente da Anvisa (1999 a 2003), ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo (2003 a 2004) e CEO do Hospital Sírio-Libanês entre 2007 e 2016.

Atenção Primária:

elo fundamental

Cuidar da saúde para evitar tratar doenças. Esse conceito, que sustenta a estrutura organizacional do SUS, é tributário ao princípio da integralidade.

“Dentro de suas limitações, acredito que o SUS oferece uma visão de atenção integral à saúde, que outros sistemas não oferecem. O que é a atenção integral? É uma visão onde existe prevenção e cura, sendo a Atenção Primária responsável por ações de promoção e proteção à saúde”, esclarece Vecina. A Atenção Primária é a porta de entrada

para o SUS. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) e as equipes de Saúde da Família (SF)

foram planejadas para ser o vínculo primário entre sistema de saúde e cidadãos. Espalhadas por porções específicas de territórios e responsáveis por acompanhar a saúde dos moradores da região, as UBS e as equipes de SF são responsáveis, por exemplo, pelo acompanhamento de bebês e

crianças pequenas, gestantes, doentes crônicos e idosos. Embora persista a dificuldade de fixar o médico em determinados locais, graças a uma bem

estruturada rede de Atenção Primária, que está

capilarizada por todo o Brasil, a população consegue usufruir do sistema. Programas que dependem

dessa capilarização agora funcionam muito bem.

Além de consultas e realização de exames simples, é nessa primeira esfera do sistema que tem lugar ações de profilaxia, prevenção e orientação.

O SUS tem entre seus principais

méritos o fato de se apoiar na

epidemiologia e nas soluções

tradicionais e modernas da

saúde pública.

Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

o paciente acessa as esferas seguintes da saúde: as atenções Secundária e Terciária, seguindo o encaminhamento do médico de Atenção Primária. A Atenção Secundária consiste em clínicas, hospitais e ambulatórios, e médicos de especialidades diversas, como ginecologia, cardiologia, ortopedia e dermatologia. Também estão inclusos exames médicos e procedimentos de média complexidade. Já o nível terciário abrange por serviços de alta complexidade, realizados em clínicas e grandes hospitais. O nível terciário é responsável também pela reabilitação do paciente após uma cirurgia ou tratamento. Com isso, o ciclo da saúde se fecha.

Escala nacional:

algumas políticas acertadas

Vigilância, prevenção e controle do HIV/AIDS

O Brasil tem um dos programas de HIV/AIDS mais eficientes do mundo, reconhecido por prêmios

internacionais, como o fornecido pela Fundação Bill & Melinda Gates em 2003. Em 1996, o SUS adotou a política de distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais, fundamentais no controle do vírus entre indivíduos infectados. Graças ao “coquetel”, como ficou conhecido o conjunto de medicamentos,

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infectados pelo HIV podem viver sem manifestar a síndrome de imunodeficiência. A medicação também é fundamental na prevenção do contágio. Estima-se que, sem a política do SUS, mantido o padrão de contágio existente até metade da década de 1990, o País teria em torno de 18 milhões de infectados. O acesso gratuito aos medicamentos retrovirais teve como resultados o aumento de sobrevida, a redução da transmissão vertical (da mãe infectada para o bebê, que pode nascer sem o vírus), da letalidade e da taxa de mortalidade. Atualmente, existem cerca de

850 mil pacientes, 300 mil estão com a doença ativa. O restante, graças ao tratamento, tem carga viral indetectável, o que significa que não podem transmitir o vírus e estão com o sistema imunológico saudável. Todos têm acesso a exames de carga viral e ao coquetel de antirretrovirais.

Programa Nacional de Imunizações

O Programa Nacional de Imunizações é anterior ao SUS: foi criado em 1973. Graças a ele, o Brasil erradicou o tétano neonatal e a poliomielite, e

controlou doenças como difteria, coqueluche e tétano acidental, hepatite B, meningite, formas graves da tuberculose, rubéola e caxumba.

O calendário nacional de vacinação prevê a aplicação de 300 milhões de doses das vacinas por ano em todo o País, gratuitamente. O programa estabelece as vacinas e doses a serem tomadas anualmente por crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e indígenas. Além de obedecer ao calendário anual, as secretarias de Saúde realizam campanhas de vacinação contra a gripe, o sarampo, entre outras.

Controle da raiva humana e hanseníase

A raiva humana é uma doença de alta letalidade, cujo controle se dá pela vacinação de animais e pelo tratamento antirrábico em humanos após a exposição ao vírus. Como resultado da política, a média de casos por ano foi de 76,4 entre 1981 e 1990, para 14 entre 2001 e 2010.

A hanseníase, historicamente um dos maiores desafios à saúde pública no Brasil, também tem sido alvo de ações específicas. Entre 1994 e 2016 houve 300% de redução nos casos de detecção da doença e de 94,3% na prevalência, indo de 19,5 casos por 10 mil habitantes para 1,1 caso por 10 mil habitantes. Patologias como doença de Chagas, leishmaniose e poliomielite também foram reduzidas e controladas por meio de diferentes programas nos últimos 30 anos.

Sistema Nacional de Transplantes

O Brasil é o segundo maior transplantador do

mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O SUS

realiza cerca de 96% dos transplantes no Brasil, sobretudo os de alta complexidade, como de coração e medula óssea. A área é gerida nacionalmente por meio do Sistema Nacional de Transplantes, que organiza a captação de órgãos, a fila de pessoas à espera de um transplante e a realização das cirurgias. O sistema conta com 27 Centrais Estaduais de Transplantes, 619 estabelecimentos e 1.157 equipes de transplantes. Segundo o último Registro Brasileiro de Transplantes, entre janeiro e setembro de 2019 foram realizados no País 6.722 transplantes de

órgãos, 10.995 de córnea e 2.575 de medula óssea. A

abordagem da questão foi reforçada com a instituição do Dia Nacional da Doação de Órgãos e campanhas de conscientização e incentivo à doação.

O SUS se consolidou: além da

expansão da Atenção Primária,

o Brasil tem grande expertise na

área de transplantes.

Giovanni Cerri, livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e ex-secretário de Estado da Saúde de São Paulo (2011 a 2013)

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A KPMG conversou com as secretarias de Saúde de três municípios brasileiros que apresentam excelentes indicadores de saúde pública segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) de 2018: Ilópolis (RS), Cianorte (PR) e Curitiba (PR). Essas cidades têm portes diferentes. Segundo o Censo de 2010, a primeira possui 4.025 habitantes, a segunda, 82.620, e a terceira 1,765 milhão. Em comum, está o bom desempenho atingido pelos três municípios. O índice desenvolvido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) varia de 0 (mínimo) a 1 ponto (máximo); com isso, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade. Ilópolis tem, na saúde, a maior nota do Brasil segundo o índice: 0,9997. Cianorte possui o maior índice entre as cidades brasileiras de médio porte (0,9718), e Curitiba a melhor nota entre os municípios com mais de 1 milhão de habitantes (0,9685).

O panorama composto por municípios de pequeno, médio e grande porte, sendo este último a capital de um estado, oferece uma perspectiva valiosa das

características que o SUS apresenta na prática, do ponto de vista da gestão municipal. O que

essas cidades têm em comum e, por extensão, são comuns também a outros municípios brasileiros? É o que investigamos. Buscamos ainda, o exemplo prático de municípios de excelência para descobrir o que eles podem ensinar, guardadas as proporções

de tamanho e recursos.

Gestão municipal integrada resulta em eficiência

Segundo Michelly Pricinotto, secretária municipal de Saúde do município de Cianorte, os bons resultados da área são atribuídos a dois grandes fatores: parceria com outras secretarias, como a de Educação, e ações de prevenção. No âmbito administrativo, o município criou um Departamento

de Regulação, Controle, Avaliação e Auditoria. “O

departamento permitiu um atendimento com melhor qualidade e otimização de recursos públicos”, conta a secretária. O município também teve sucesso ao descentralizar o agendamento de especialidades, que passou a ser feito pelas Unidades Básicas de Saúde. “A mudança trouxe mais facilidade no acesso às informações sobre serviços de especialidades, que são repassadas ao paciente já no agendamento”, comemora.

O planejamento urbano integrado também está

na raiz do sucesso do SUS curitibano. “A cidade de Curitiba tem, sob a gestão da secretaria municipal de Saúde, 111 unidades básicas, que estão muito bem distribuídas. Curitiba tem um histórico de planejamento, temos um instituto de planejamento urbano que desde a década de 1970 planeja a

cidade como um todo. Não só saúde, é estrutura urbana, transporte, mobiliário urbano, creche”, afirma a secretária de Saúde do município, Márcia Huçulak. A cidade é dividida em dez distritos sanitários, acompanhando a distribuição regional de outras secretarias, com núcleos regionais de saúde, educação, meio ambiente. Há uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em cada um desses distritos, além de 13 CAPS e um laboratório municipal, que realiza 400 mil exames por mês para toda a rede. A secretaria administra ainda dois hospitais municipais, uma maternidade e um hospital do idoso, além de trabalhar em parceria com instituições privadas. “Temos 18 contratos com Santas Casas e hospitais filantrópicos, que dão retaguarda à rede municipal para internações, cirurgias, procedimentos e atendimentos especializados”, contabiliza.

Prevenção e Atenção Primária tecnológica

As prefeituras com bons índices de sucesso também têm em comum o fato de darem ênfase à Atenção Primária e programas de conscientização e promoção da saúde. Em Cianorte, os projetos do gênero contemplam diversas frentes, entre odontologia,

obstetrícia e controle de diabetes. “Os projetos

Crescer Sorrindo, Cuidando da Mãe Cianortense e Consulta Farmacêutica do Paciente Insulinodependente foram desenvolvidos com grande envolvimento

dos servidores”, afirma Pricinotto. “Temos bons indicadores de cuidado da saúde, e não só da doença. Temos trabalhado a importância de promover a vida saudável, com incentivo à perda de peso, combate ao tabagismo, prática de atividade física e orientação alimentar”, conta a secretária de Curitiba. Na capital paranaense, programas como o Escute Seu Coração e Mãe Curitibana são responsáveis por uma série de melhorias. O primeiro, que alerta para as diferentes facetas da saúde cardíaca, fez a proporção de fumantes da cidade cair de 14% para 11% em quatro anos. O segundo opera há 21 anos, e é responsável pela

Os planos de saúde podem

realizar transplantes

simples: córnea, rim e medula

autóctone. O restante é realizado

pelo setor público.

José Cechin, superintendente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS)

(22)

redução da taxa de mortalidade infantil e materna. Hoje, Curitiba é a segunda capital brasileira com menor taxa de óbitos entre crianças com até um ano de idade (8,3 a cada mil nascidos). Ela também é a primeira cidade a ter eliminado a transmissão de HIV durante a gestação. Curitiba também conta, há 20 anos, com a existência do prontuário eletrônico. Assim, informações sobre os pacientes do SUS são compartilhadas em toda a rede, da UBS aos hospitais. “Se a pessoa passou por uma UPA, hospital ou UBS, a gente sabe. Se o paciente chega na UPA com crise hipertensiva, o médico sabe se ele faz tratamento, se está com os exames em dia, quais os resultados, se pegou os medicamentos”, exemplifica. O prontuário eletrônico também é uma importante ferramenta de gestão. “No núcleo gerencial da secretaria acompanhamos pelo painel cada distrito e unidade. Vemos que unidades estão com baixa cobertura vacinal, onde tem bebê de menos de um ano e gestantes que não têm feito acompanhamento”, esclarece. Articulado ao planejamento anual com as equipes locais, onde são estabelecidos as metas e desafios para cada região, são realizadas capacitações e reuniões para acompanhar os indicadores e capacitar as equipes da ponta. “A vinculação é muito importante no sistema de saúde, se quisermos uma sociedade saudável. Senão, é uma política de enxugar gelo”, acredita a secretária.

Como atender rapidamente?

A gaúcha Ilópolis celebra a quantidade de atendimentos efetuados. "Em 2019 realizamos 10.104 consultas médicas, além de 909 em

especialidades. Procuramos atender a população

por igual, capacitamos as equipes e buscamos encaminhamento para hospitais de referência, tudo com muito controle do orçamento”, resume Ana Capra, secretária municipal. O Hospital Municipal é o grande centro de articulação do sistema local, oferece uma série de exames e está equipado com laboratório próprio. “Graças a isso, não temos espera em cirurgias eletivas. Nas UBS, trabalhamos com prontuário eletrônico e controle de produção, além de contarmos com agentes de saúde que fazem visitas mensais às residências”, complementa.

A tecnologia também é uma aliada para dar mais agilidade ao sistema. É o que ensina a experiência curitibana. O aplicativo Saúde Já permite que o próprio usuário agende consultas com especialistas, o que extinguiu as chamadas "filas da madrugada" – quando o usuário chega no local de agendamento horas antes da abertura para garantir uma consulta. “Estamos trabalhando mecanismos para entregar

a agilidade que a população nos cobra. Hoje

agendamos especialidades em até 60 dias”, afirma a secretária.

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• Garantia de atendimento primário a toda a população, incluindo áreas remotas

• Aumento da integração regional e melhorias no referenciamento para a Atenção Secundária e Terciária • Busca pela sustentabilidade de recursos financeiros nas escalas municipal e estadual

• Aperfeiçoamento constante e valorização dos recursos humanos

• Atenção ao envelhecimento populacional por meio de políticas de saúde permanentes e de longo prazo

Quadro 1: Números do SUS (nacionais)

• 888.359 procedimentos hospitalares realizados entre junho e dezembro de 2019 (Fonte: DATASUS) • 106.774.875 doses de vacina aplicadas em 2019 (Fonte: DATASUS)

• 274.963.975 procedimentos ambulatoriais realizados em 2019 (Fonte: DATASUS) • 2,77 consultas médicas por habitante/ano em 2012 (Fonte: DATASUS)

• O Brasil conta com 538 UPA e cerca de 40 mil UBS2; o SAMU está presente em 3.618 municípios, com 3.274 ambulâncias3

Na experiência de Ilópolis, município de pequeno porte no norte do Rio Grande do Sul, o grande desafio em cidades sem ampla oferta de especialidades ocorre no momento de encaminhar o paciente para o atendimento referenciado. “Temos grande dificuldade quanto aos encaminhamentos de ortopedia e traumatologia. Nossa referência regional é Canoas (RS), e o processo deixa a desejar. Se tivéssemos mais recursos, poderíamos firmar um convênio para eliminar essa fila de espera”, afirma a secretária de Saúde do município, Ana Capra.

De fato, nenhuma cidade é uma ilha. Se os municípios pequenos veem seu sistema de saúde municipal entrar em um gargalo ao precisar recorrer à estrutura de cidades maiores, para os centros regionais essa relação também pode ser um desafio. Segundo a secretária de Saúde de Curitiba, o planejamento leva em conta não apenas os habitantes da capital paranaense, mas também a demanda de outros 28 municípios nas proximidades.

“Nós lidamos, na verdade, com quase 3,5 milhões de habitantes. Muitas pessoas que moram nas cidades ao redor e trabalham aqui acabam se ‘curitibanizando’ em algum momento da vida para tratar da saúde”, conta a secretária Márcia Huçulak. A integração regional, prevista no princípio da gestão descentralizada, é um desafio permanente.

Em Cianorte, uma cidade de médio porte, os pontos a serem melhorados estão fortemente encadeados ao orçamento, indo da renovação da frota de ambulâncias ao fortalecimento de programas. No entanto, a secretária Michelly Pricinotto destaca as questões de recursos

humanos. “Precisamos ampliar a cobertura do programa

Saúde da Família e aumentar a qualidade dos serviços por meio de capacitação. Investimento na contratação de pessoal é fundamental para um bom desempenho da saúde pública, porém, por vezes esbarramos no índice da folha

de pagamento, ou ainda com o envio de recursos que não

podem ser utilizados em contratações de pessoal”, observa.

E quando tudo está dando certo? O desafio é garantir que o sistema se mantenha nos trilhos. É o caso de Curitiba, cujo trabalho se dá no sentido de preservar os bons índices conquistados nos últimos anos. “Para isso é preciso incentivar as equipes, capacitar, discutir e conversar”, observa a secretária. Esse esforço está intimamente ligado à necessidade de fortalecer uma cultura de cuidado com a saúde e estimular o cidadão a utilizar corretamente os serviços do SUS. “Reduzimos o tempo de espera na UPA, mas 80% do atendimento é verde e azul. Tem paciente que vai à UPA para fazer procedimentos de puericultura que poderiam ser feitos na UBS. É uma sociedade que quer tudo agora, e acaba usando mal o sistema de saúde”, observa Huçulak. “Infelizmente, muitas pessoas buscam o serviço apenas

quando estão doentes. Sabem que têm um problema de saúde, mas não seguem as recomendações do médico”, completa.

Em um município onde 30 mil habitantes têm mais de 80 anos de idade, o envelhecimento da população é uma espécie de síntese das dificuldades do SUS. “O desafio é melhorar a qualidade de vida do idoso. Envelhecer é o que todo mundo quer, mas precisa ser com qualidade”, observa a secretária. Em 2040, existirão no Brasil mais idosos do que crianças. A receita para que esse País tenha uma população saudável e ativa é clara, mas também complexa. É preciso investir na prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade. Para viver seu amanhã com qualidade e saúde, a população que está envelhecendo precisa se conscientizar sobre os riscos do tabagismo e do abuso do álcool, bem como sobre a importância da prática de atividades físicas e de uma dieta equilibrada. "Em um sistema financeiramente sustentável, profissionais de saúde deverão estar bem capacitados para atender a população, e esperamos que a pesquisa médica e a tecnologia avancem e ofereçam respostas que, atualmente, os jovens de amanhã consideram sem resposta", conclui Huçulak.

Desafios do SUS em diferentes escalas municipais

2 Dados do Ministério da Saúde (maio de 2017) 3 Dados do Ministério da Saúde (setembro de 2019)

POSSIBILIDADES

(24)

Saúde

Universal:

integralidade

no centro da

judicialização

(25)

judicialização em saúde é necessário tentar compreender o conceito de Integralidade, indo além do que está no texto do inciso II, do artigo 198 da Constituição Federal de 1988:

“Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.”

De fato, um dos princípios do SUS é o da integralidade, um objetivo que, consideradas as suas dimensões não tangíveis, torna-se muito mais uma “imagem” do que se pretende alcançar. Ou seja, se integralidade envolve não apenas a intenção de alcançar, entender e atender todas as necessidades humanas, é preciso ter em mente que, inserida no contexto de um sistema de saúde universal, fatalmente irá envolver aspectos administrativos, políticos e financeiros. Assim, talvez seja mais factível explicar – e aplicar – o conceito analisando-se o ponto de vista organizacional, ou seja, o modelo de funcionamento e atendimento, que está segmentado em Atenção Primária, Secundária e Terciária.

A outra forma de entender o significado de

integralidade seria a “obrigação” de o SUS oferecer todos os serviços médicos. A questão que fica é: existem recursos financeiros suficientes para bancar os direitos humanos básicos e a integralidade do SUS? A resposta é virtualmente “não”, pois nem a totalidade do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro seria suficiente para bancar essa integralidade em seu mais amplo significado. De onde se conclui que

soar controverso. Então, onde está o limite de atendimento integral? No Brasil, ele é estabelecido por um organismo auxiliar do Ministério da

Saúde, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que define o rol de procedimentos abrangido pelo sistema público de saúde. É a Conitec que realiza a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para fins de orientação na tomada de decisão sobre difusão e incorporação de tecnologias em saúde.

O princípio da integralidade não se aplica à saúde suplementar e o motivo é muito simples. Neste caso, trata-se de uma relação de prestação de serviços, regulamentada por legislações infraconstitucionais. Ou seja, diferentemente do sistema público, esta relação comercial é definida com base em um contrato de prestação de serviços, nos quais existem cláusulas firmadas entre as partes. Aqui, a responsabilidade de definir quais são os procedimentos que as operadoras de saúde suplementar devem oferecer está nas mãos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A cada dois anos, o órgão regulador das operadoras de plano de saúde atualiza esse rol de procedimentos e serviços. A questão é que nem sempre a mais nova tecnologia é a mais eficiente para o tratamento de uma determinada doença. Daí a necessidade que esse processo de ATS tem de analisar, por exemplo, o custo-efetividade.

Integralidade: este princípio

considera as pessoas como

um todo, atendendo a todas as

suas necessidades. Para isso, é

importante a integração de ações,

incluindo a promoção da saúde, a

prevenção de doenças, o tratamento

e a reabilitação. Juntamente, o

princípio de integralidade pressupõe

a articulação da saúde com outras

políticas públicas, para assegurar

uma atuação intersetorial entre

as diferentes áreas que tenham

repercussão na saúde e qualidade de

vida dos indivíduos.

(26)

• É possível definir um limite “factível” para que o conceito de integralidade seja melhor compreendido e assimilado?

• Mesmo com a clara definição, pela ANS, de quais procedimentos devem ser cobertos pelas operadoras de saúde, estas continuam a estar inseridas em um alto nível de judicialização

• Ainda que sejam melhor analisados os aspectos de custo-efetividade de determinados procedimentos, a tendência é que o paciente siga requisitando a mais inovadora tecnologia, ainda que esta não seja a mais eficiente para o seu caso

• Não parece haver equilíbrio em uma relação na qual as operadoras continuem a ser obrigadas judicialmente a fornecer medicamentos de alto custo para uma pequena parcela de seus clientes, considerando que os custos são compartilhados por todos os demais

Pode-se dizer que o princípio da integralidade está no cerne do aumento exponencial das demandas judiciais nos últimos 20 anos. A mais recente pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou 498.715 processos de primeira instância distribuídos entre os tribunais do País, o que representa um crescimento de aproximadamente 130% no número de demandas anuais relativas

à saúde no período entre 2008 e 2017. Entre os principais assuntos discutidos nos processos estão “Plano de Saúde”, “Seguro” e “Saúde”, seguidos de “Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento

de Medicamentos”.

Por meio de pesquisa por expressões regulares no conteúdo das decisões de antecipação de tutela, é possível identificar que há temas mais frequentes no sistema público, caso típico de fornecimento de medicamentos, e outros mais frequentes na saúde suplementar, como é o caso de dietas, insumos ou materiais, de leitos e de procedimentos. O caso de maior relevância é o de órteses e próteses que estão citados em mais de 108 mil decisões de tutela antecipada em uma amostra de 188 mil. As análises qualitativas dos casos selecionados permitem apresentar alguns aspectos sobre a judicialização da saúde no Brasil. No entanto, a questão que fica é que, tanto no sistema público como na saúde suplementar, os recursos são oriundos de cada um dos contribuintes. Ou seja, quem utiliza menos está pagando por aquele que utiliza mais – ou quem acessa os serviços de mais alto custo. E a conclusão não poderia ser mais óbvia: se a demanda por recursos superar continuamente os subsídios disponíveis, a conta não fechará jamais.

O SUS pretende ser universal e

integral, mas como não consegue

acaba gerando uma enorme

judicialização.

Vera Valente, diretora-geral da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)

POSSIBILIDADES

Para fins de comparação, no Reino Unido é o National Institute for Clinical Excellence (Nice) o responsável por orientar sobre a utilização dos avanços tecnológicos e a eficácia clínica da maioria dos produtos farmacêuticos, incluindo informações sobre o impacto nos gastos públicos da prescrição de drogas e pedidos de exames em que a relação custo-benefício é desfavorável. O Nice reúne representantes de universidades e de centros de pesquisa voluntários que analisam periodicamente a validade científica de novas tecnologias e

medicamentos, bem como a relevância clínica e os gastos que serão impostos ao sistema de saúde, sendo que menos de 15% das tecnologias são rejeitadas de acordo com esses parâmetros.

De acordo com a regulação definida pelo Reino Unido, as decisões do Nice não podem ser contestadas judicialmente por usuários que busquem acesso fora das normas estabelecidas pelo corpo de especialistas.

(27)

Saúde privada:

um dos

pilares do

sistema

(28)

3 Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais

Beneficentes do Estado do Paraná

O que compreende o macro universo da saúde privada, que acabou se tornando uma das bases de apoio do Sistema Único de Saúde? Em um primeiro momento está a saúde complementar, que são as instituições da iniciativa privada, em geral laboratórios, clínicas e hospitais, que prestam serviços ao SUS, por meio de convênio ou contrato – e aqui também cabe o princípio da integralidade: se o Estado não dispõe das

condições próprias, de uma estrutura capaz de suportar

a universalização da assistência, deve recorrer aos parceiros privados para a consecução dos seus objetivos constitucionais. Para Eduardo Amaro, presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o setor privado possui maior flexibilidade na gestão, particularmente de recursos humanos e investimento em infraestrutura (instalações e equipamentos). “Por essas razões, a sua participação na prestação de serviços públicos de saúde é desejável, uma vez que pode agregar eficiência ao sistema e melhorar as condições de acesso da população”, opina.

No Brasil, são mais de 2.600 Santas Casas e/ou

hospitais filantrópicos, que somam dois terços dos leitos hospitalares no País, também funcionando para fins de ensino médico. Esta parceria público-privada, um dos sustentáculos do SUS, está ameaçada pelo acúmulo de dívidas, com fornecedores e bancos privados – e aqui entra a figura da Organização Social de Saúde (OSS), um

modelo de gestão de instituições filantrópicas. Estima-se

que em todo o País, essas dívidas ultrapassem os R$ 20 bilhões, uma consequência do modelo de remuneração dos serviços prestados ao SUS. Nesse cenário, santas casas e hospitais sem fins lucrativos contabilizaram a redução de cerca de onze mil leitos até 2015 e o fechamento de quase 40 mil postos de trabalho.3

Na outra face do atendimento privado esta a saúde suplementar, que é oferecida por meio dos planos e seguros de saúde disponibilizados por operadoras – e aí estava a principal diferença com a saúde privada, caracterizada pelo conceito out-of-pocket, quando o usuário paga do próprio bolso consultas, exames, internações e demais tratamentos médicos. Presentes no Brasil desde a década de 1950, as operadoras de saúde somente vieram a ser regulamentadas depois da CF de 1998 e, principalmente, com a estabilização da moeda após o Plano Real, em 1994.

No Brasil, o setor privado atende 25% da população, algo em torno de 50 milhões de pessoas, o que não é trivial – 50 milhões corresponde a cinco vezes a população de vários países da Europa. O setor também participa do sistema no modelo complementar, com a venda indireta de serviços especializados para as instituições públicas. Portanto, está presente com uma parcela em sua participação na filantropia, em muitos casos também de terceirização e venda de serviços, muitas UTIs, diferentes recursos de tecnologia, serviços de cardiologia especializados etc.

As Santas Casas são

responsáveis por 56% de todo

o atendimento do SUS no País

e, ainda, 63% das internações

de alta complexidade, 59%

dos transplantes e 69% das

cirurgias oncológicas.

Edson Rogatti, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de

São Paulo (Fehosp) e e ex-presidente da Confederação das Santas Casas e

(29)

4 Conta Satélite de Saúde, divulgada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE)

possuem planos de saúde, também estão ativos no SUS, seja para participar de campanhas de vacinação ou outros programas de prevenção à saúde. Portanto, pode ocorrer uma “mobilidade” de usuário que não é plenamente mensurável nem previsível. Nesse caso, o sistema está regulado para retomar o equilíbrio, uma vez que as operadoras fazem o ressarcimento dos serviços prestados pelo SUS que venham a ser utilizados por seus contratantes. Esses valores são encaminhados diretamente ao Fundo Nacional de Saúde, que gerencia os recursos do sistema público de saúde.

Este é um dos principais diferenciais em relação ao NHS do Reino Unido, no qual existe uma clara delimitação de atribuições e responsabilidades. Lá, o sistema privado cobre os serviços não oferecidos pelo público, ou que estão em uma categoria mais modesta de atendimento – neste caso, se desejar, o usuário pode optar por contratar um serviço de qualidade superior.

Assim mesmo, os gastos no consumo de bens e serviços de saúde privada no Brasil alcançaram, em 2017, o correspondente a 3,5% do PIB. Na comparação com outros países selecionados, o gasto público brasileiro (3,9% do PIB) é menor que a média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com 6,5%, enquanto os gastos privados (5,4%) superam em mais que o dobro a média

dos mesmos países (2,3%)4.

Em 2017, foram gastos R$ 608,3 bilhões com o consumo de produtos e serviços da saúde. Deste montante, R$ 354,6 bilhões foram desembolsados pelas famílias, enquanto o governo investiu R$ 253,7 bilhões. Dentro da saúde privada temos as chamadas clínicas populares, prestadores que perceberam uma lacunade oportunidade para oferecer serviços de consultas e pequenos exames. O que acontece é que 90% das pessoas que procuram essas clínicas tem seu problema resolvido em uma consulta, sendo o restante os casos de maior complexidade – que fatalmente obrigarão o paciente a buscar auxílio em outro sistema, seja ele público ou não.

Segundo Paula Mateus, co-fundadora da Vidia, qualquer solução ou oferta que vise atender a população do SUS dependente, só entrega seu máximo de valor se integrada com a saúde pública, compartilhando dados assistenciais.

Custos sob pressão

Em resumo, existe um grande desafio de

sustentabilidade, não só para o Brasil como para outros países também. A equação que precisa ser resolvida

O Brasil é extremamente

dependente das entidades

filantrópicas; mais da metade

das internações são feitas em

instituições privadas, mas que

não são remuneradas de modo

sustentável e o sistema acaba

entrando em crise.

Giovanni Cerri, livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e ex-secretário

de Estado da Saúde de São Paulo (2011 a 2013)

é: como tornar o financiamento da saúde sustentável.

Outras questões se impõem: em todo o mundo, assim

como no Brasil, a população está envelhecendo e isso se

reflete na utilização mais frequente dos sistemas; novas tecnologias estão surgindo e facilitar o acesso a elas implica em pressão de custos.

Com a crise econômica dos últimos anos, e o aumento das taxas de desemprego, milhões de brasileiros deixaram de ter plano de saúde privada, pressionando o sistema público. Em 2014, mais de 50 milhões de pessoas tinham plano de saúde no País. Em 2018, o número de usuários do sistema foi reduzido, quando aproximadamente 3 milhões de pessoas deixaram de fazer parte dele, uma vez que quase 70% dos planos de saúde vigentes no País são empresariais.

Com o desemprego

crescente, muita gente foi

para a informalidade ou para

empresas menores que não

oferecem planos de saúde.

Então você tem uma parcela

que já está no sistema, está

empregada e tem acesso. E na

outra ponta, as pessoas que

sequer têm renda.

Referências

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