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Palavras chave: Feminismo negro, Teoria feminista, Interseccionalidade;

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Academic year: 2021

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O DESEMBRANQUECIMENTO DA TEORIA FEMINISTA

Valéria Oliveira Lopes UFG

Resumo:

O artigo discute a necessidade de desembranquecer a teoria feminista. Analisa a importância da teoria pós-colonial e a interseccionalidade no papel do desembranquecimento da teoria feminista. Além disso, destaca a relevância da mulher como ator principal da produção acadêmica e científica a partir da atribuição do papel de narradora, para que, através de novas narrativas as mulheres consigam tornar o movimento feminista cada vez mais inclusivo. Para a autora, uma produção teórica mais diversa, de uma perspectiva geográfica, cultural e pessoal pode contribuir para uma maior diminuição das desigualdades de gênero e etnia.

Palavras chave: Feminismo negro, Teoria feminista, Interseccionalidade;

Introdução:

O feminismo como movimento teve sua origem nas mulheres norte-americanas de classe média alta, as quais foram responsáveis pelo início de toda a produção teórica. Todavia, as mulheres negras foram excluídas desse processo e silenciadas na luta pelos direitos femininos. Por conseguinte, a teoria feminista foi produzida pelas mulheres brancas e para as mulheres brancas.

O tratamento da mulher negra na sociedade é historicamente diferente, quando escravizadas eram vistas como força de trabalho e quando o tráfico de negros foi proibido, o seu valor reprodutivo foi valorizado. Enquanto isso, a mulher branca se encontrava na casa grande, não menos subjugada pelo machismo e sexismo, todavia, apesar de subjugada pelo sexismo e o patriarcalismo, a mulher branca ainda era vista como indivíduo que possuía em si a sua humanidade, diferente da população negra.

Nesse sentido, devemos levar essa intersecção em consideração, uma vez que, todas as mulheres sofrem com o machismo e sexismo da sociedade, enquanto a mulher negra deve enfrentar a sociedade através do seu gênero e da sua cor. Seu valor dentro da sociedade é diferente, Crenshaw propõe um estudo a partir da interseccionalidade, a autora afirma que,

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“A questão é reconhecer que as experiências das mulheres negras não podem ser enquadradas separadamente nas categorias da discriminação racial ou da discriminação de gênero. Ambas as categorias precisam ser ampliadas para que possamos abordar as questões de intersecionalidade que as mulheres negras enfrentam”(2004, p. 8).

A partir do uso da interseccionalidade como ferramenta, seria possível atender à necessidade de um movimento feminista mais inclusivo, o que é essencial para que as mulheres pelo mundo se sintam mais acolhidas. Nessa perspectina, Bell Hooks argue que

“o discurso feminista atual raramente questionam se sua perspectiva sobre a realidade da mulher se aplica às experiências de vida das mulheres como coletivo. Também não estão cientes de até que ponto suas perspectivas refletem preconceitos de raça e classe, embora tenha havido uma consciência maior sobre esses preconceitos nos últimos anos”(2015, p.195).

Tendo-se consciência da coletividade, disparidades sociais, bem como a pluralidade cultural, se faz um pouco mais fácil pensar em uma teoria que atenda melhor às necessidades das mulheres em geral.

1. A teoria pós-colonialista e a teoria feminista como complementares

A crescente produção acadêmica feminista fora da Europa e dos Estados Unidos tem auxiliado na busca por forjar uma cara para o movimento fora do centro. O feminismo como ferramenta de análise teórica demorou a dialogar com outras teorias e não tem tido uma força expressiva nos debates teóricos nas Relações Internacionais. Acharya afirma que

“Algumas teorias são mais sensíveis à contextos e experiências não- ocidentais. Algumas teorias como pós-colonialismo e o feminismo estão na vanguarda dos esforços para reconhecer eventos, questões, agentes, interações fora do mundo ocidental e desenhar pensamentos teóricos em prol do enriquecimento do estudo das relações internacionais”. ( 2014, p.650, tradução nossa).1

Essa discussão ainda está ofuscada ainda hoje, mesmo que tenha aumentado significativamente, todavia, a produção não central ainda reacende discussões teóricas não superadas como a escolha de uma teoria geral ou de uma teoria geral como ferramenta de análise.

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1 Some theories are more sensitive to non-Western contexts and experiences. Some critical theories, especially postcolonialism and feminism, have been at the forefront of efforts to recognize events, issues, agents, and interactions outside the West and to draw theoretical insights from them to enrich the study of IR.

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Teorias clássicas de Relações Internacionais, em geral lidam com o macro em vez de micro, considerando por muitas vezes o poder dos países durante negociações internacionais, o chamado poder de barganha. Todavia, as teorias que influenciam os tomadores de decisão muitas vezes não levam em consideração as implicações internas, a população desses países e como elas podem ser afetadas, e especificamente as mulheres como população vulnerável. Nesse contexto, podemos traçar três paralelos acerca da necessidade de novas lentes teóricas que auxiliem no entendimento e melhoria das desigualdades e sexismo através do mundo. Primeiramente o diálogo com a teoria feminista, o diálogo com a teoria pós- colonialista e o diálogo entre as duas.

A teoria pós-colonial tem acrescentado bastante nos seus mais de 40 anos no meio acadêmico através da descentralização da produção teórica, auxiliando na formação de novas perspectivas, uma vez que, através de uma mudança de narrador ocorre uma mudança na narrativa.

A história humana, em seu mainstream acadêmico, foi narrada por homens europeus e norte-americanos, homens cujas nações foram colonizadoras do mundo, e homens de nações imperialistas. Quando em seu artigo “Aprendendo com a outsider within*: a significação sociológica do pensamento feminista negro**” Patricia hill collins cita Scott “ ao ler a literatura, pode-se facilmente desenvolver a impressão de que as mulheres negras nunca desempenharam nenhum papel na sociedade” (p.119 apud Scott, 1982: 85)”, a autora retrata o apagamento e limitação da presença negra na historiografia mundial.

A presença do negro foi limitada por séculos às narrativas de escravização. Portanto, a narrativa se deu dessa perspectiva, do ângulo do colonizador, com descrições desumanas do negro, e povos nativos de civilizações antigas. A proposta da criação das chamadas teorias de médio alcance, formada regionalmente para análises regionais, desconstroem o longo percurso de histórias contadas pelo norte para que o sul conte suas próprias narrativas.

A teoria feminista, visto seu objetivo de colocar a mulher também como protagonista na formação do conhecimento, compreende e baseia a sua produção acadêmica na busca pela igualdade de gênero, os direitos femininos e luta contra as perspectivas de neutralidade de gênero de maneira a evitar as discussões sobre gênero. Tickner (1997), afirma que

“Embora os estudiosos das relações internacionais, conscientes da necessidade de prestar atenção à linguagem sensível ao gênero, provavelmente desejassem se distanciar dessa afirmação, ela indica como, com demasiada frequência, as alegações de neutralidade de gênero mascaram suposições masculinizadas profundamente

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enraizadas que podem naturalizar ou esconder diferenças de gênero e desigualdades de gênero”(p.614 ,tradução nossa)2

As teorias pós-colonialistas, as quais visam possibilitar uma nova visão de conhecimento, promovendo a capacidade de lugares considerados periféricos de gerar conhecimento, também se fazem necessárias para análise, posto que, refuta as teorias ocidentais que por muitas vezes não são capazes de proporcionar.

Dentro dessa perspectiva, podemos inserir a teoria clássica feminista, a qual apesar de ter demorado a fazer parte do mainstream, foi uma teoria escrita pelas mulheres do norte e para as mulheres do norte, e inicialmente foi uma teoria feita pelas mulheres brancas de classe média alta de países do norte.

A necessidade da produção de uma teoria feminista de uma perspectiva pós-colonial é necessária para uma mudança de narrativa como foi descrito acima, uma vez que por muito tempo as mulheres dos chamados países desenvolvidos sentiam a necessidade de advogar pelas mulheres dos países do terceiro mundo -ou subdesenvolvidos/em desenvolvimento como são designados atualmente-. Transferindo a narrativa para as mãos das mulheres negras e para as mulheres desses países.

Os estudos pós-colonialistas têm muito a acrescentar nessa análise e para a teoria feminista. As teorias são lupas para análises mais profundas de casos, todavia, a lupa precisa estar ajustada para o caso. Nesse sentido, não é pertinente o uso de uma teoria do norte, em uma análise da vida das mulheres negras e/ou mulheres do sul.

“Para os historiadores, o objetivo é ter a melhor explicação possível para um conjunto particular de eventos. Para os teóricos, o objetivo é encontrar as explicações mais poderosas: aquelas em que um pequeno número de fatores pode explicar um grande número de casos.” (ACHARYA, Amitav. BUZAN, Barry. 2007. p. 4. Tradução nossa”)3

Nesse sentido, entramos no debate teórico entre a necessidade de teorias gerais versus teorias regionais, e qual das duas podem oferecer um melhor apoio e gerar uma pesquisa melhor.

Mulheres como sujeito

2 While scholars of international relations, aware of the need to pay attention to gender-sensitive language, would probably want to claim some distance from this statement, it does indicate how, all too often, claims of gender neutrality mask deeply embedded masculinist assumptions which can naturalize or hide gender differences and gender inequalities.

3 For historians, the goal is to have the best possible explanation for a particular set of events. For theorists, the goal is to fmd the most powerful explanations: those where a small number of factors can explain a large number of cases.

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No movimento feminista norte-americano, em seu início, além da exclusão das mulheres negras, a discussão de raça era desconsiderada uma vez que como hooks afirma

“Um preceito central do pensamento feminista moderno tem sido a afirmação de que “todas as mulheres são oprimidas”. Essa afirmação sugere que as mulheres compartilham a mesma sina, que fatores como classe, raça, religião, preferência sexual etc. não criam uma diversidade de experiências que determina até que ponto o sexismo será uma força opressiva na vida de cada mulher” (2015, p.5).

Nesse sentido, partindo-se da ideia de que a força opressora que age sob todas as mulheres seja a mesma, não existia a necessidade -ou forjava-se que não em prol da manutenção do protagonismo no movimento- de que, determinados recortes sociais e raciais fossem feitos. Todavia, a falta de recortes raciais e sociais, desconsideram as forças da sociedade opressora e racista bem como a força do capitalismo. Não somente, podemos, a partir da expansão do contexto, entender como o recorte religioso e regional pode suscitar a necessidade de um feminismo menos ocidental e que leve em consideração a pluralidade cultural.

A necessidade de enegrecer e desemnbranquecer o feminismo, bem como o entendimento do feminismo interseccional como empoderador e ampliador da pauta feminista lida diretamente co a finalidade de se criar uma teoria abrangente para as outras mulheres cuja realidade se distancia da realidade branca suburbana e se encontra em intersecções marginalizantes.

A busca por uma ressignificação e desembranquecimento do feminismo, é necessária para sair da retórica salvacionista, de que as mulheres ocidentais, e especialmente as mulheres brancas do primeiro mundo precisam salvar as mulheres de outras regiões, precisam salvar as mulheres de seus costumes desconsiderando as suas diferenças. Abu- lughod argue que,

“Quando se salva alguém, assume-se que a pessoa está sendo salva de alguma coisa. Você também a está salvando para alguma coisa. Que violências estão associadas a essa transformação e quais presunções estão sendo feitas sobre a superioridade daquilo para o qual você a está salvando? Projetos de salvar outras mulheres dependem de, e reforçam, um senso de superioridade por parte dos ocidentais, uma forma de arrogância que merece ser desafiada (2012, pag.465.)

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Nesse sentido, as mulheres submetidas a esses discursos salvacionistas, estão sendo mais uma vez colocadas em um contexto de opressão, além de desconsiderar a capacidade individual de advogarem por si próprias e submeter a uma posição de subalternidade.

Não somente, podemos explorar o conceito de subalternidade de Spivak, a autora afirma que “mulher como subalterna, não pode falar e quando tenta fazê-lo não encontra os meios para se fazer ouvir”(2010, p.15). Sendo assim, a marginalização da mulher que foi subalternizada tem capacidade de falar mas por muitas vezes não possui o meio para ser escutada, como exemplo a exclusão das mulheres negras no início do movimento feminista, as mulheres negras possuíam, de fato, capacidade de fazerem as suas próprias narrativas, todavia, existia uma grande dificuldade de acessarem o meio de serem ouvidas.

Mais adiante em seu livro “Pode o subalterno falar?”, Spivak (2010), trata da intermediação da fala do subalterno por um outro que se coloca em posição de reivindicar algo para um outro. Desta forma, tanto a necessidade da mulher branca de reivindicarem coisas pelas mulheres negras quanto as mulheres ocidentais o fazerem pelas mulheres do oriente, não significa a criação de um meio dessas mulheres falarem, mas, de novamente retomar uma retórica de incapacidade.

Considerações finais:

A teoria feminista, que está a cada dia mais trilhando o seu caminho para o

mainstream teórico, ainda possui grandes passos em prol de uma inclusão maior. Portanto,

a partir do desembranquecimento da teoria feminista, podemos, através da.produção teórica cujo foco é a mulher negra, latina, do oriente médio, dentre outras, atingir de maneira mais efetiva à igualdade de gênero. Através também do estudo a fundo das forças opressoras que agem perante essas mulheres, não levando em consideração apenas o gênero como parte da análise.

É de grande relevância que as mulheres estejam fazendo parte da produção acadêmica, e a produção acadêmica com o foco na teoria feminista, é uma maneira de haver maior protagonismo por parte das mulheres dentro da academia, um local tão marcado pela predominância masculina. A partir dessa produção, a névoa de uma subalternidade imposta vai se diluindo, uma vez que os meios de se fazer escutar podem ser atingidos, a falsa

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necessidade de ser representada, a falsa incapacidade de advogar por si própria pode ser superada.

As pautas do movimento feminista vêm se modificando, no Brasil, podemos ver a grande relevância de nomes da academia que trouxeram o movimento negro e ajudaram a gerar o feminismo negro no país. A produção acadêmica sobre feminismo na América Latina é vital para que haja a descentralização, mulheres de países que foram colonizados escrevendo de a partir de suas realidades que são decorrentes da história.

Não somente, a produção em outras regiões como a Àfrica e o Oriente médio, auxiliam com a disseminação de conhecimento da realidade das mulheres dessas regiões das suas próprias perspectivas. Tomando assim, protagonismo das narrativas que lhe concernem.

Bibliografia

HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015, pp. 193-210.

ABU-LUGHOD, Lila. As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? R Reflexões

antropológicas sobre o relativismo cultural e seus Outros. Estudos Feministas, Florianópolis, 20(2): 451-

470, maio-agosto/2012

ACHARYA, Amitav. Global International Relations (IR) and Regional Worlds: A New Agenda for

International Studies*. International Studies Quarterly (2014) Ed. 58, p. 647–659.

TICKNER, J. Ann. You Just Don’t Understand: Troubled Engagements Between Feminists and IR

Theorists. International Studies Quarterly (1997). Ed.41, pag. 611–632.

ACHARYA, Amitav. BUZAN, Barry. Why is there no non-Western international relations theory? An

introduction. International Relations of the Asia-Pacific Volume 7 (2007).

SPIVAK, Gayatri chakravorty. Pode o subalterno falar?. Editora UFMG. 2010.

COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within*: a significação sociológica do pensamento

feminista negro. Revista Sociedade e Estado – Volume 31 Número 1. Janeiro/Abril 2016.

CRENSHAW, Kimberle. A Intersecionalidade na Discriminação de Raça e Gênero. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem. 2004.

Referências

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