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A Netflix como catalisadora da Era Pós-Televisão: como a Rede Globo se reinventou após a febre dos streamings no Brasil 1

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A Netflix como catalisadora da Era Pós-Televisão: como a Rede Globo se reinventou após a febre dos streamings no Brasil1

Camila Cristina Lucindo HIRTH2 Alexandre Tadeu dos SANTOS3 Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO

RESUMO

Este trabalho analisa cronologicamente os fatores que corroboraram para a evasão da audiência televisiva brasileira, com recorte na Rede Globo de Televisão, elucidando como principal fator na atualidade a febre dos streamings iniciada pela plataforma Netflix. O estudo teve como objetivo compreender as consequências do sucesso da plataforma para a televisão tradicional brasileira e, como objetivo secundário, verificar como o mercado dos streamings se estabeleceu no Brasil. Como metodologia, realizou-se um estudo bibliográfico acerca das teorias de Jenkins (2008), Kotler (2017) e Debord (1997); Foram recolhidos dados acerca da audiência da Rede Globo via IBOPE e, por fim, fez-se necessário um estudo de caso da Netflix, por meio da tabulação de seus conteúdos, para investigar quais fatores a tornam diferente de uma emissora tradicional.

PALAVRAS-CHAVE: Streaming; Televisão; Netflix; Rede Globo.

INTRODUÇÃO

Durante algumas décadas, a televisão se consagrou como mídia predominante para o entretenimento e informação da população. Entretanto, conforme as novas tecnologias apareceram, o confronto das mídias antigas e atuais gerou o que Henry Jenkins (2008) define como “Cultura da Convergência”, ou seja, uma cultura que “altera a relação entre as tecnologias existentes, a indústria, os mercados, os gêneros e o público” (JENKINS, 2008, p.26). Com a nova cultura instaurada, deu-se início a Era Pós Televisão, o momento em que a hegemonia da mídia tradicional televisiva foi contestada. As discussões acerca do que seria da televisão após o surgimento da internet motivaram a pesquisa “Tradições, Transformações e Perspectivas da Televisão na era da Cultura da

1 Trabalho apresentado no IJ04 – Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica

em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

2 Estudante de Graduação, 5º semestre do Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da FIC-UFG,

e-mail:camilahirth@discente.ufg.br

3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da FIC-UFG, e-mail:

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Convergência” realizada na Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás.

Neste cenário, uma nova modalidade de entretenimento pôde ter destaque: os

streamings. Proporcionados pelo advento da internet, os streamings são uma forma de

armazenamento e distribuição de dados utilizando a nuvem, sem que os arquivos sejam armazenados no computador ou no celular do usuário. Os streamings são os principais responsáveis pelas mudanças de hábito de consumo, pois deram autonomia ao usuário sobre o que, quando e onde consumir. Um dos pioneiros do formato é a Netflix, a plataforma é a de maior relevância para este estudo pois instaurou um novo modelo de se consumir produções audiovisuais com êxito, considerando os 167 milhões de assinantes em todo o planeta (TECMUNDO, 2019).

A vista disso, o presente trabalho tem como objetivo primário compreender quais as consequências do sucesso da Netflix para a televisão tradicional brasileira e, como objetivo secundário, verificar como o mercado dos streamings se estabeleceu. A hipótese é de que a Netflix tenha sido uma catalisadora das transformações da Era Pós Televisão, provocando mudanças nos hábitos do público e das indústrias de entretenimento televisivas. Na química, o “catalisador” é uma substância que altera a velocidade de uma reação sem ser consumido por ela (CHORKENDORFF; NIEMANTSVERDRIET, 2003). Este trabalho tem recorte nos acontecimentos que influenciaram as transformações no Brasil, por isso, o objeto de estudo escolhido é a Rede Globo, por esta ser considerada a maior emissora nacional (BECKER; GAMBARO; FILHO, 2015).

Como metodologia, inicialmente foram recolhidos dados da audiência da Rede Globo por meio das mensurações realizadas pelo IBOPE, divulgadas pela UOL, durante o período de 1997-2020. Os dados foram coletados em site de notícias, pois a Kantar IBOPE Media mantinha suas informações sob sigilo até 2015, divulgando-as apenas para as emissoras que poderiam torna-las públicas ou não. Os dados serão interpretados cronologicamente conforme as novas tecnologias voltadas para o entretenimento surgiram, como o VHS, DVD, TV por assinatura e, por fim, a febre dos streamings iniciada pela plataforma Netflix.

Após isso, foi feito um estudo sobre como a Netflix funciona quanto a sua estrutura em termos de conteúdo, tentando compreender o que a torna diferente de uma emissora tradicional. Para isso, realizamos uma coleta de dados sobre seus produtos, em

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séries, obtivemos informações acerca dos gêneros, ano de estreia, número de episódios, de temporadas, ações transmidiáticas, status e sua produtora de origem. Contudo, as informações utilizadas neste trabalho se limitarão as categorias “produtora de origem” e “país de origem”.

Também realizamos uma pesquisa bibliográfica objetivando compreender quais mudanças do público corroboraram para o sucesso da plataforma. Para isso, utilizamos teorias sobre a sociedade que nos encontramos hoje, baseada nos autores: Henry Jenkins (2008) para entender o que é a Cultura da Convergência; Philip Kotler (2017) para entender o novo consumidor e o que ele anseia; e Guy Debord (1997) para o entendimento da sociedade pautada no espetáculo. Para auxiliar na análise dos dados coletados sob o contexto da Era Pós Televisão, realizamos uma segunda pesquisa bibliográfica. Buscamos autores que falassem diretamente sobre o tema, tais como François Jost em “Do que as séries são sintoma” (2012) e as teorias de Toby Miller, John Ellis e Elihu Katz disponibilizadas na obra “O Fim da Televisão” (CARLÓN; FECHINE, 2014). Como leitura complementar, a pesquisa se estendeu para cinco artigos relacionados ao tema.

Por fim, as interpretações deste trabalho foram criadas a partir de uma análise indutiva, que parte “da observação de fatos ou fenômenos cujas causas deseja conhecer. A seguir, procura-se compará-los com a finalidade de descobrir as relações existentes entre eles” (GIL, 1989, p. 10). Dessa forma, dois fenômenos serão analisados: O primeiro, o comportamento da audiência da Rede Globo cronologicamente; o segundo, a ascensão da Netflix, considerando seu modo de produção e as ações promovidas pelos concorrentes após seu sucesso. O artigo justifica-se ao buscar compreender quais fenômenos criaram o mercado de entretenimento atual e apontar as tendências televisivas para os próximos anos.

DESENVOLVIMENTO

No início do século XX, a televisão foi criada e desde então acompanha os grandes marcos da humanidade - como o crash da bolsa de Nova Iorque em 1929, a segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria e a primeira viagem do homem à lua. Muito além de notificar esses fatos, a televisão surge como uma maneira da sociedade se reencantar com o mundo após eventos trágicos, criando uma ligação entre os indivíduos que se uniam para apreciar as mesmas imagens, independentemente de sua classe, gênero, cor ou credo (SANT’ANNA, 2013). Como os satélites permitiram que sua programação chegasse aos

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locais mais remotos, a ela também foi atribuída um aspecto democratizador da cultura e da informação, pois permitiu a troca de informação entre centros urbanos e rurais de uma maneira visual – as quais os jornais, por exemplo, limitavam-se por requisitar o letramento de seu público.

No Brasil, a vida social passou a ser guiada pela programação, sendo referência para marcar compromissos (AZEVEDO; ROCHA, 2018). Mesmo na ditadura militar, onde a liberdade de expressão fora limitada, a televisão conseguiu dar voz à população ao criticar o regime, de forma indireta, utilizando-se das narrativas ficcionais das telenovelas. Nesse cenário, a Rede Globo se destacou com suas ficções, programas cômicos e jornais, se tornando líder de audiência nos anos 70 e iniciou um processo de expansão, chegando à 122 filiais espalhadas pelo país, e hoje é considerada a maior emissora nacional. (BECKER; GAMBARO; FILHO, 2015). À vista disso, o telespectador brasileiro aos poucos foi assimilando a televisão como parte fundamental da sua rotina. Sendo a Rede Globo uma das principais responsáveis por tal feito.

Entretanto, com a criação da internet, a cultura da convergência (JENKINS, 2008) se tornou uma realidade. Se antes a televisão era a principal forma de emergir em histórias diferentes (reais ou não) ou de colocar uma lupa em questões sociais, a internet surge com essas características exponencialmente ampliadas, criando um potencial de substituição real com o papel que a televisão detinha perante a sociedade. Nesse novo cenário, a cultura da convergência pode ser entendida como o local em que as mídias tradicionais e as novas se cruzam. Jenkins a define como “mais que uma mera mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre as tecnologias existentes, as indústrias, os mercados, os gêneros e o público” (2008, p. 26).

Já Philip Kotler (2017) entende que as mudanças tecnológicas criaram um novo consumidor, em fase de emersão globalmente, que é definido pela mobilidade. Se o telespectador estava acostumado a sentar-se na sala e esperar o seu programa favorito ser transmitido e até mesmo mudar o horário de seus compromissos para poder acompanhar determinado produto, o novo consumidor vive em um ritmo acelerado, em que tudo deve ser instantâneo e poupar tempo – são os chamados nativos digitais, as pessoas que nasceram após 1980 e cresceram em meio as inovações digitais. Uma das interpretações possíveis é que, apesar da televisão não conquistar os nativos digitais, ela ainda deterá seu público tradicional. Porém, ainda que os nativos sejam os primeiros a viver no frenesi

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da tecnologia, eles inspiram os mais velhos a fazerem o mesmo e em breve serão a maioria do público, conforme a população tradicional envelhece (KOTLER, 2017, p. 37).

Tentando rastrear os fatores que transformariam a audiência, Denis McQuail (1997) elucidou as mudanças de consumo a partir de quatro acontecimentos: o primeiro, o surgimento da televisão por satélite; o segundo, as novas formas de gravação e armazenamento de áudio e vídeo – videocassetes e DVDs; o terceiro, o crescimento das emissoras via satélite que alcançariam públicos mundiais; o último, sendo uma hipótese assertiva, McQuail previu a possibilidade das capacidades interativas de várias mídias, com sistemas de comunicação bidirecionais baseados em computadores, transferindo para o público o controle sobre a exibição de conteúdo – os chamados streamings.

Como a Rede Globo é a emissora nacional de recorte para este trabalho, tendo em vista sua influência no meio televisivo brasileiro, o gráfico abaixo demonstra sua audiência após os acontecimentos que se sucederam:

Figura 1 – Tabela da Audiência detalhada da Globo

Fonte: IBOPE via Canais de Notícia, tabela produzida pela pesquisa (2020)

Antes de interpretarmos a audiência conforme as inovações digitais, é importante explicar como o IBOPE mede seus dados. A audiência é feita por amostragem, a partir de 15 grandes cidades no país ou “15 mercados”, cada ponto, em 2019, correspondia a 254.892 mil casas (MEIO & MENSAGEM, 2019). Entretanto, no início do recorte temporal, um ponto equivalia a cerca de 60 mil domicílios e os dados eram recolhidos na cidade de São Paulo. O interessante a ser ressaltado é que, ainda que a amostragem tenha aumentado, a audiência permaneceu caindo. Não houve uma estabilidade advinda de uma possível substituição dos telespectadores tradicionais.

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Os dados da figura 1 e 2 foram retirados de dados da Kantar IBOPE Media, via o portal de notícias UOL. Isso porque o IBOPE só tornou suas informações de pontuação públicas em 2015, até então, as informações eram sigilosas e divulgadas somente às emissoras, que poderiam ou não as repassar para o público (BEM PARANÁ, 2015). Para entender o que ocorreu em anos anteriores, foi feita uma coleta de notícias sobre os pontos da emissora na média-dia de cada ano – a média dia é feita calculando-se a média dos pontos de todas as programações transmitidas entre 7h e 0h. Os dados foram retirados do site UOL, por este ter a guia “Observatório da TV”, em que as informações foram divulgadas durante o período de recorte, além de ser um portal de notícias de credibilidade. Na tabela 1, alguns anos não foram considerados por não terem sido encontradas informações a respeito de suas pontuações, por isso, a análise será feita a partir da tendência demonstrada nos quinquênios.

Figura 2 – Audiência da Globo em Quinquênios (1995-2020)

Fonte: IBOPE via UOL, tabela produzida pela pesquisa (2020)

Entre 1995 e 2000, há uma primeira tendência de queda da audiência. Entretanto, a emissora se recuperou e manteve certa estabilidade até 2005, ano em que a TV por assinatura conquistou os telespectadores, chegando a 500% de crescimento (BECKER; GAMBARO; FILHO, 2015, p. 364). Também neste período o uso de VHS, depois substituído pelo DVD, se tornou habitual, o que contribuiu para evasão de telespectadores. A partir de 2010, a queda se demonstrou ainda mais vertiginosa, é o mesmo período em que a internet e a TV por assinatura aceleraram o crescimento (BECKER; GAMBARO; FILHO, 2015, p. 367). Em 2011, a queda pode ser atribuída a

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soma de um novo concorrente que chegou ao mercado nacional: a plataforma de

streaming Netflix, estreada em 5 de setembro de 2011.

Outro fator que influenciou o aumento da audiência em 2020 é a pandemia de COVID-19, três possibilidades o justificam: a sociedade dedicou mais tempo aos noticiários nacionais - para estarem informadas quanto ao avanço da doença, medidas de prevenção e novidades no tratamento; o isolamento social fez com que a audiência noturna ficasse ociosa durante o dia, e então elas sintonizaram na emissora; Por último, as Lives e programas de entretenimento especiais, como a reexibição de novelas, podem ter agregado novos públicos.

O período em que a transmissão por satélite começa o seu processo de decaimento é chamado de Era da Pós Televisão, é o momento em que os autores criaram teorias quase opostas para entender o que estava acontecendo e qual seria o futuro da televisão. Se por um lado, Elihu Katz (2008) defende que a televisão dos anos 70/80 está no fim, pois o poder de agregação dela ruiu, já que as famílias não assistem mais a mesma programação e sim tem como seus canais favoritos às emissoras que transmitem para nichos – infantil, cinéfilos, esportes, etc. Do outro, John Ellis (2000) define as fases da televisão: escassez, abundância e infinitas opções. Não entendendo-a como uma mídia morrendo, mas em constante transformação. Por sua vez, Toby Miller, em uma abordagem parecida a de John Ellis, considera que “a capacidade de influenciar e incorporar mídias mais antigas e mais novas é indiscutível. A TV não está morta, ela está mudando” (MILLER, 2009, pág. 24).

Na Era Pós Televisão, a Netflix conquistou o gosto dos brasileiros e do mundo. Criou novos hábitos de consumo como as maratonas, também chamadas de

binge-watching, e deu o controle da programação ao espectador, tornando realidade as previsões

de McQuail. A mudança da audiência, que estava atribuída ao aumento da TV por assinatura, foi convergida para a plataforma que em nove anos de mercado atingiu 10 milhões de assinantes brasileiros (CANALTECH, 2020). No mundo, o número chega à 167 milhões (TECMUNDO, 2020). Certamente o alcance real deve ser ainda maior, considerando que as assinaturas tendem a ser compartilhadas entre famílias e amigos. Em contrapartida, a TV por assinatura no Brasil está em movimento de queda (UOL, 2020). No entanto, é interessante ressaltar que, nos primeiros anos da plataforma, ela funcionava basicamente como uma “locadora virtual que poderia ser acessada por meio de uma assinatura com taxa mensal” (AZEVEDO; ROCHA, 2018, p. 104). As

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plataformas de streaming não criaram seu sucesso com conteúdo original, elas atuavam como recicladoras das produções mais antigas, disponibilizando conteúdos produzidos pela televisão e pela indústria cinematográfica (AZEVEDO; ROCHA, 2018, p. 106). Em uma sociedade definida como “fundamentalmente espetaculista” (DEBORD, 1997, p. 18), em que o espetáculo é observado nos hábitos dos indivíduos desde a era greco-romana, a televisão só pôde ser substituída por um fruto de si mesma.

O sucesso da Netflix está na sua capacidade de resposta ao desejo dos novos consumidores que pôde ser expressado por Nicholas Negroponte, do Laboratório de Mídia do MIT: “Não quero quinhentos canais de televisão. Só quero aquele único canal que me oferece o que quero ver” (XAVIER, 2015, pág. 14). Conforme conquistou o mercado, a plataforma expandiu seu conteúdo e investiu em produtos originais para atender a expectativa de seus assinantes. Os novos produtos incluem realities show, filmes, desenhos infantis e, seu carro-chefe, as séries. As ficções seriadas conquistaram audiência desde o sistema tradicional de televisão, para François Jost, elas respondem à duas aspirações inatas do público:

O desejo de explorar o novo continente, ir ao rumo do desconhecido [...] e, ao mesmo tempo, encontrar nesses mundos construídos a familiaridade reconfortante de uma atualidade que também é nossa, as contradições humanas que conhecemos (JOST, 2012, p. 32).

Ao identificar a tendência, a Netflix anunciou séries originais em um número exorbitante para qualquer produtora tradicional. Isso motivou o plano de trabalho “Pós Televisão e Netflix: Inovações e transformações nos processos de produção, circulação e consumo de ficção seriada televisiva a acompanhar, durante dois anos, o catálogo da Netflix com o recorte nas séries. O objetivo era entender como ocorre a ampliação dos novos produtos a partir dos seus respectivos países de origem, gêneros, status, ano de estreia, produtoras e ações mercadológicas. Houve dificuldades em recolher dados em tempo real, pois diariamente a plataforma apresenta novos conteúdos e atualiza as séries – que podem ser originais Netflix ou não. A amostra coletada demonstrou que, até o mês de abril de 2020, estavam disponíveis mais de 340 séries. Destas, 99 estão renovadas, 37 canceladas, 77 em aberto e 127 finalizadas.

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FIGURA 3 – Gráfico Originais Netflix x Outras produtoras

Fonte: Produzido pela pesquisa (2020)

Ainda que a Netflix compre direitos de exibição dos conteúdos feitos por outras produtoras, o que garante o alto número de séries disponíveis, o gráfico demonstra que as séries originais ainda representam 55% da plataforma. A figura 4 apresenta em quais locais os materiais originais são produzidos:

FIGURA 4 – Originais Netflix: País de origem

Fonte: Produzido pela pesquisa (2020)

No gráfico acima foi evidenciado o país que produz predominantemente, a porcentagem brasileira e a porcentagem dos outros países na plataforma. Os Estados Unidos são responsáveis por 54,5% do conteúdo disponibilizado, o que pode ser justificado pela plataforma ter sido criada no país e o costume americano de investir em produções audiovisuais, tendo Hollywood como a cidade de referência mundial para o cinema. Já o investimento em países estrangeiros representa um somatório de 45,5%, dos quais o Brasil é responsável por 5,9% - tendo 11 séries nacionais disponibilizadas na plataforma. Outro dado importante é que 30 países compõem a parcela “Outros países” e

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estão em todos os continentes, o que faz da Netflix uma plataforma de streaming pluricultural em conteúdo e público.

O sucesso gerou um movimento que pode ser chamado de febre dos streamings. Para a análise, focaremos no Brasil, mas o movimento pôde ser percebido em todo o mundo. Após 2011, ano de estreia da Netflix no Brasil, diversos canais de TV por assinatura e sites independentes surgiram no mercado nacional. Em 2012, Telecine Play e HBO GO inauguraram suas atividades em sites de streaming próprios. Em 2015, quando a Rede Globo teve a menor audiência na análise dos quinquênios (Figura 2), a Globoplay e o R7 Play estrearam, trazendo as emissoras tradicionais brasileiras para a concorrência. Em 2016, o FuturaPlay, também da Fundação Roberto Marinho da qual a Rede Globo participa, foi lançado. Em 2019 e 2020, a Amazon Prime e o Disney+ expandiram suas atividades para o mercado brasileiro respectivamente. Além dos mais conhecidos citados, outras plataformas também estrearam como: o MUBI, a SPCINE, Oldflix, Afroflix, Crackle, Philos e Looke.

Um conceito da química expressa o que a Netflix fez com o período pós televisivo, o “catalisador” – uma substância que altera a velocidade de uma reação sem ser consumido por ela (CHORKENDORFF; NIEMANTSVERDRIET, 2003). Metaforicamente, Netflix conseguiu acelerar as transformações da Era Pós Televisão sem ser esquecida pelo público, pois manteve sua crescente em número de assinantes apesar dos novos concorrentes. Ou seja, a Netflix pode ser entendida como o catalisador da Era Pós Televisão.

Todavia, apesar dos novos concorrentes, poucas plataformas competem diretamente com a Netflix. Por exemplo, o YouTube não foi citado por atuar mais como um distribuidor de vídeos curtos para os seus usuários e é uma plataforma de streaming. Já os sites MUBI, Oldflix, Philos e Looke não tem em sua atividade primária a produção própria de conteúdos audiovisuais, somente disponibilizam conteúdo de terceiros utilizando assinaturas ou de forma gratuita. Percebe-se, também, uma tendência de programação televisiva migrando para o streaming dos canais HBO, Telecine e Disney+. Entretanto, essas plataformas por vezes têm seu acesso incluso ao assinar determinado canal da TV paga. Com relação as emissoras tradicionais brasileiras, o R7 Play e o Futura Play apenas espelham a sua programação televisiva em suas plataformas, sem trazer novidades ao consumidor. Uma emissora, no entanto, agiu como pioneira no mercado

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nacional e compete com a Netflix igualitariamente, se tornando a plataforma brasileira de maior relevância para este artigo – a Globoplay.

Em 2015, o mesmo ano em que a Rede Globo teve um dos seus menores números de audiência chegando a 13,8 pontos no IBOPE (Figura 1), a emissora anunciava a sua plataforma de streaming própria. A experiência já adquirida com novelas e seriados (JOST, 2012, p.12) e a cidade cinematográfica, o Projac, à disposição deram as ferramentas necessárias para que a emissora adentrasse o mundo digital com produtos de qualidade. No período de 2015 a 2018, 26 séries originais foram veiculadas na Globo, dessas, 18 foram lançadas primeiro na plataforma de streaming (MUNGIOLI; IKEDA; PENNER, 2018, p. 7), entre outros conteúdos espelhados como novelas, realities, minisséries e seriados. A estratégia de lançamento das séries merece destaque pois, ao anunciar um conteúdo novo na Globoplay, a Rede Globo transmitia o episódio piloto na Tela Quente (MUNGIOLI, IKEDA, PENNER, 2018, p. 9). Outro movimento similar a este ocorreu em 2020, quando, após os paredões do Big Brother Brasil 20, a emissora transmitiu episódios de séries disponíveis na plataforma. Dessa forma, a Globoplay não é uma segunda tela da programação televisiva, como ocorre com o streaming das demais emissoras nacionais. Mas se configura como uma entidade independente, que pôde ter seus produtos exclusivos divulgados massivamente em uma mídia já consolidada.

Após a estreia da Globoplay, os anos que se sucederam apresentaram um crescimento de audiência (Figura 1) chegando a 18 pontos de audiência em 2020 – 4,2 pontos a mais do que 2015. Ao criar uma estratégia de convergência, a Rede Globo demonstrou a capacidade da televisão “de influenciar e incorporar mídias mais antigas e mais novas” (MILLER, 2009, p. 24). Dessa forma, a emissora permanece criando conteúdo para o seu público tradicional e avança na conquista dos nativos digitais, através de uma plataforma que atua pontualmente nos novos meios de consumo de entretenimento.

Por sua vez, o núcleo diretivo da plataforma anunciou que a meta é que a Globoplay seja a líder deste mercado no Brasil (TECNOBLOG, 2019), explicitando a concorrência direta com a atual líder, a Netflix. No entanto, a concorrência se faz diferente do que o público estava habituado com as emissoras tradicionais. Enquanto um canal de televisão é coibido de mencionar outro, o inverso ocorre com as plataformas de streaming, que dividem espaço. Isso foi visto durante a final do Big Brother Brasil 20, que atingiu 36 pontos de audiência e se consagrou o melhor encerramento do reality desde 2010

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(UOL, 2020), em que os telespectadores se depararam com as propagandas das duas plataformas em horário nobre. O reality show fez sucesso principalmente com o público de 18-25 anos, alvo de ambas as plataformas. Ao anunciarem juntas, a Netflix e a Globoplay comprovaram que:

No fim, não existirá uma empresa que domine totalmente as demais. Pelo contrário, uma empresa pode ser mais competitiva se conseguir se conectar com comunidades de consumidores e parceiros para a cocriação, e com concorrentes para a ‘coopetição’. (KOTLER, 2017, p. 24)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise do que aconteceu com a audiência da televisão e o que se esperar da Era Pós Televisão, conclui-se que não é coerente dizer que a televisão está morrendo. Pois, conforme as novas evidências nos mostram, e que não podiam ser previstas nas análises dos autores que discutiram o tema anteriormente, a televisão tem capacidade de se tornar um meio transmidiático e absorver a nova estrutura apresentada pela Netflix, sem que isso signifique um fim da sua origem tradicional.

Por sua vez, a Netflix pode ser considerada um catalisador das transformações na Era Pós Televisão, a tornando, além de um fenômeno emergente, uma realidade observável. Após a estreia da plataforma de streaming e seu sucesso mundial, várias corporações de entretenimento seguiram a estratégia e hoje são concorrentes indiretas ou diretas da plataforma, a depender do seu modo de atuação. Mesmo com a concorrência, a Netflix mantém vantagem em número de conteúdos e assinantes.

No Brasil, a Rede Globo, através da Globoplay, se consolidou pioneira no formato de streaming e uma concorrente desafiadora para a Netflix, considerando sua experiência com telenovelas e a estrutura disponível para produção, além da facilidade cultural dos produtores estarem pensando em conteúdo que agradem uma sociedade das qual eles também fazem parte. A Rede Globo conseguiu transformar uma audiência em evasão numa oportunidade de expansão da sua atuação. Contudo, o triunfo não será “vencer” a Netflix em território nacional, ainda que haja a competição mercadológica. Mas sim, se reconectar com a comunidade de consumidores que se distanciava dos meios tradicionais e, a partir deste feito, cocriarem a nova fase da televisão brasileira.

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REFERÊNCIAS

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