• Nenhum resultado encontrado

Ensinando Palavrões na Aula de Português como Língua Adicional

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Ensinando Palavrões na Aula de Português como Língua Adicional"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

gi

n

a

95

Ensinando Palavrões na Aula de Português como Língua Adicional

Larissa Goulart

INTRODUÇÃO

Professores de língua adicional (LA) geralmente evitam abordar o tópico de palavrões em sala de aula, ou quando o fazem é de forma a coibir os alunos de usarem essas palavras ou expressões em sala de aula. No entanto, considerando que a aula de LA deve promover o letramento através de atividades que envolvam a participação dos alunos em diferentes práticas sociais (SCHLATTER, 2009), saber usar palavrões, ou pelo menos entender os seus usos em contextos apropriados, torna-se essencial. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é apresentar uma tarefa didática colocada em prática nas aulas de Português como Língua Adicional na Universidade do Nebraska - Lincoln que tratou explicitamente sobre o ensino de palavrões.

Em se tratando de palavrões, Sandmann (1993, p. 221) reflete que “o sufixo -ão não empresta a palavra ideia de aumento, mas de impropriedade ou inoportunidade, de ofensividade aos sentimentos do nosso interlocutor ou de nós mesmos” (grifo do original). Portanto, o uso de palavrões está associado a formas derrogatórias de endereçamento do interlocutor. Porém, parece haver uma crença entre os professores de LA de que seus alunos irão aprender essas formas em interações cotidianas fora da sala de aula, por conseguinte, tornando desnecessário o ensino explícito dessas formas linguísticas em sala de aula.

Como professora de Português como Língua Adicional (PLA), pude observar em diversos momentos o interesse dos meus alunos por palavrões, especialmente porque estes se interessavam por letras de funk. Em algumas ocasiões, eu mesma não sabia o significado de algumas expressões e recorria a brasileiros de outras regiões para entender o que significavam e então poder explicá-las aos meus alunos. Com isso, decidi dedicar uma aula para o ensino de palavrões. Afinal, a sala de aula é o espaço em que os alunos podem praticar a língua em um ambiente seguro em que o erro é utilizado como instrumento de aprendizagem (SHRUM & GLISON, 2010).

(2)

Pá gi n a

96

O CONTEXTO DE ENSINO

A atividade descrita abaixo foi desenvolvida em uma turma de PLA - Portuguese

- 102 na Universidade do Nebraska, Lincoln. Nesta universidade, não há um curso de

graduação em Português, contudo são oferecidas duas disciplinas de Língua Portuguesa:

Portuguese 101 e Portuguese 102. Portuguese 102, curso em que esta atividade foi posta

em prática, contava com três aulas semanais de 1h15 de duração. A tarefa descrita aqui transcorreu no período de uma aula. Portuguese 102 é um curso para alunos que já completaram Portuguese 101 ou para falantes de espanhol, dessa forma, quatro dos cinco alunos da turma eram falantes de espanhol, o que possibilitou que eles estabelecessem relações entre as duas línguas.

DESENVOLVIMENTO DO MATERIAL

O objetivo desta aula era criar uma tarefa que desse oportunidade aos alunos de usarem o conhecimento aprendido em situações reais (PINTER, 2007). Nunan (2004, p.02) define tarefas pedagógicas como “uma parte do trabalho em sala de aula que envolve o aprendiz em compreender, manipular, produzir ou interagir na língua alvo.” Portanto, a tarefa criada deveria dar oportunidade aos alunos não só de aprender as palavras e expressões que são consideradas palavrões em Português, mas também de interagirem com outros falantes de língua portuguesa usando essas formas linguísticas apropriadamente. Além disso, Saville-Troike e Barto (2017, p.62) argumentam que para a aquisição de uma nova língua é importante que os aprendizes a usem de forma criativa em sala de aula. Dessa forma era necessário que eu criasse uma tarefa que permitisse usar os palavrões em contexto real e de forma criativa. Saville-Troike e Barto (2017, p.100) também reforçam o ponto apresentado por Nunan, sugerindo que o desenvolvimento da competência comunicativa envolve mais do que somente saber o vocabulário ou a gramática de uma língua, mas também o contexto e o interlocutor apropriados.

Por fim, o Conselho Americano sobre o Ensino de Línguas Estrangeiras (ACTFL) sugere que os três modos de comunicação - interpessoal, apresentação e interpretativo

(3)

gi

n

a

97

- sejam abordados nas diferentes atividades desenvolvidas em uma tarefa de sala de aula. O modo interpessoal envolve a troca e negociação de significado, enquanto o modo de apresentação envolve apresentação de informação e o interpretativo sugere a decodificação de informação (SHRUM & GLISON, 2010). Logo, a tarefa descrita aqui utiliza os três modos de comunicação. Na seção seguinte são descritas as atividades que fizeram parte da tarefa.

A PRÁTICA

Essa seção tarefa utilizada é descrita, assim como, os detalhes sobre como a tarefa foi colocada em prática com os alunos. As atividades serão apresentadas divididas em quatro momentos: introdução do tópico, input, prática e extensão.

Introdução do tópico: de acordo com Shrum e Glison (2010, p.182), é preciso começar a tarefa com materiais que permitam conexões entre essas novas experiências e o conhecimento prévio dos aprendizes. Portanto, enquanto os alunos entravam a sala de aula e se acomodavam em seus lugares o videoclipe da música “Vai Tomar no Cu”1

de Cris Nicolotti era projetado. Em seguida, a lâmina abaixo foi projetada.

(4)

gi

n

a

98

A partir dessa lâmina, a professora pediu aos alunos que apontassem aqueles palavrões que já conheciam e que explicassem como e onde os tinham aprendido. Como alguns alunos já haviam visitado o Brasil, alguns dos palavrões projetados lhes eram familiares. Logo, os alunos que sabiam alguns palavrões também puderam explicar para os seus colegas o contexto em que esses palavrões eram usados.

Em seguida, os alunos tiveram que discutir as seguintes perguntas:

a. Quando você usa palavrões? Só quando você está bravo/brava? b. Tem como usar outras palavras para xingar sem ser um palavrão?

c. Quando foi a última vez que você usou um palavrão em inglês? Conte para o seu colega!

Assim, foi dada aos alunos a oportunidade de praticarem o modo interpessoal de comunicação. A partir dessa discussão, foi possível perceber que alguns alunos já conheciam palavrões como merda e foda-se.

Input: Shrum e Glison (2010, p.85) argumentam que o uso de material autêntico em sala de aula demonstra como a forma estudada é utilizada com naturalidade, adequação cultural e de contexto situacional. Apesar de ter iniciado a aula com um vídeoclipe- que pode ser considerado um material autêntico- de uma música em que a cantora usa um palavrão repetidamente, esse vídeoclipe não reflete o uso de palavrões no seu contexto normal. Por isso, o uso de outro vídeo foi necessário para servir como insumo aos alunos.

Dessa forma, foi usado um vídeo que está disponível no youtube2 em que um

neto assusta a sua avó e essa o xinga usando diversos palavrões. Após assistirem ao vídeo, os alunos discutiram as seguintes questões:

(5)

gi

n

a

99

a. Por que a senhora fica brava? b. Quais palavrões ela diz?

c. O que você diria em inglês na mesma situação?

Essa discussão almejava fazer com que os alunos pensassem no contexto de uso dos palavrões, já que não é natural usarmos certos palavrões quando somos assustados, por exemplo. Em seguida, a professora projetou alguns palavrões, perguntando aos alunos o que eles achavam que aquela palavra significava. Em alguns momentos a professora deu a tradução literal do português para o inglês para que os alunos construíssem o sentido da palavra. Como há poucas listas de palavrões em língua portuguesa disponíveis, os palavrões que foram ensinados provieram da própria intuição da professora e também da lista 12 imagens para colorir se você adora falar

palavrão3, do Buzzfeed. Essa lista foi importante, pois um dos objetivos era mostrar que

nem sempre palavras consideradas palavrões precisam ser ditas para que a expressão seja derrogatória. Por exemplo, vai cagar no mato não é composto por nenhum palavrão, mas ainda assim é uma expressão derrogatória.

Prática: o propósito desta atividade era consolidar o que foi aprendido no momento anterior e também possibilitar aos alunos que se engajassem em uma discussão sobre a metalinguagem dos palavrões. Além disso, o exercício a seguir demandava dos alunos que soubessem o contexto apropriado para o uso de alguns palavrões, reforçando, assim, um dos propósitos da aula.

Um quiz foi criado usando a ferramenta Kahoot4 para testar os conhecimentos

dos alunos com relação a palavrões. A ferramenta Kahoot permite que o professor crie perguntas e insira até quatro opções de respostas. Após criar o quiz, o professor, então, projeta o mesmo em aula e os alunos devem respondê-lo usando os seus aparelhos de celular. Os alunos têm 20 segundos para responder cada pergunta. Com base nas

3

https://www.buzzfeed.com/florapaul/um-livro-de-colorir-do-caralho?utm_term=.haMRrbxp7#.hdMdXAxD6

(6)

Pá gi n a

10

0

respostas e no tempo de resposta, o Kahoot classifica os alunos em primeiro, segundo e terceiro lugares. Assim sendo, os alunos do Portuguese 102 tiveram que responder as perguntas corretamente e o mais rápido possível para ganharem o quiz. O quiz em questão continha 10 perguntas, tais como, o que você diz quando bate o dedo do pé no

sofá?, Quais expressões você não pode usar quando a impressora do trabalho trava e o seu chefe está na sua frente?.

É importante mencionar que, além de ser uma ferramenta interessante para promover um jogo em sala de aula, o Kahoot também ajuda o professor a perceber os pontos em que os alunos ainda têm dificuldades. Depois de sanadas as dúvidas dos alunos de português, os três ganhadores ficaram responsáveis pela próxima atividade enquanto os outros colegas os ajudaram a se preparar.

Extensão: o objetivo dessa atividade era promover a prática do conteúdo estudado em um contexto mais próximo da realidade e promover uma conversa em que os alunos usassem as formas estudadas com naturalidade (SHRUM & GLISON, 2010). Em vista disso, a professora projetou um trecho da novela “Paraíso Tropical”, em que uma das personagens encontra seu marido a traindo5. Contudo, a professora projetou os três

minutos dessa cena sem o áudio. Pelo contexto da cena, é possível perceber que todos os personagens estão muito irritados, o que fica evidente mesmo sem áudio. Dessa forma, a atividade solicitada aos alunos era de que estes escrevessem um roteiro para cena assistida e a interpretassem para o restante da turma. Os três alunos que haviam ganhado a atividade anterior seriam os atores em cena, ou seja, esposa, marido e amante. Os outros alunos, enquanto isso, os ajudariam na escrita dos diálogos.

Após alguns minutos de preparação, os alunos ensaiaram e depois gravaram a sua interpretação da cena. Esta atividade promoveu o uso de palavrões em um contexto apropriado. Por fim, os alunos reassistiram a cena original, dessa vez com áudio. A gravação dos alunos reinterpretando a cena de “Paraíso Tropical” foi divulgada na página Portuguese at UNL no Facebook para que outras pessoas pudessem comentar.

(7)

Pá gi n a

10

1

Nesta seção buscou-se descrever a tarefa e as atividades usadas em sala de aula para promover o ensino de palavrões. Na seção seguinte, trago algumas reflexões sobre essa prática e seu andamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi apresentar uma tarefa didática que promoveu o ensino de palavrões. Como argumentado anteriormente, não é comum que professores de Línguas Adicionais criem materiais didáticos que visem a ensinar palavrões especificamente. Portanto, foi necessário desenvolver um material próprio para ser usado com os alunos da turma Portuguese 102.

A tarefa apresentada acima buscou utilizar diferentes atividades para construir o conhecimento sobre palavrões com os alunos e também promover o entendimento do contexto apropriado para o uso desses palavrões. Algumas discussões interessantes surgiram a partir dessa aula, como a diferença no uso de palavrões entre Português e Inglês. O palavrão fuck, por exemplo, pode ser usado em muito mais contextos fraseológicos do que foda-se, em Português. Além disso, os alunos ficaram particularmente interessados em expressões derrogatórias que não utilizavam palavrões ou que construíam imagens muito complexas como “enfia um rojão no cu e sai voando”, pois isso não é algo possível de se concretizar, sendo usado apenas no sentido figurado. Finalmente, como alguns alunos haviam visitado o Brasil, eles próprios trouxeram para a discussão palavrões que a professora desconhecia e enriqueceram o ambiente de ensino e aprendizagem.

Por fim, acredito ser importante mencionar a maturidade dos alunos. Acredito que o sucesso dessa aula seja, em parte, devido ao comprometimento e maturidade dos aprendizes. Por ser um tópico de interesse para eles, os alunos aplicaram o conhecimento de palavrões a mesma forma que colocaram em prática outros conhecimentos linguísticos já abordados em sala de aula e não encararam a aula sobre palavrões como uma brincadeira.

(8)

Pá gi n a

10

2

REFERÊNCIAS

NUNAN, D. What is task-based language teaching?. In D. Nunan, Task-based language teaching. Cambridge: Cambridge University Press, p. 1 - 18, 2004.

PINTER, A. Some benefits of peer-interaction: 10-year-old children practising with a communication task. Language Teaching Research, 11 (2), 189 - 207, 2007

SANDMANN, A. J. O palavrão: formas de abrandamento. Revista Letras, 42, 1993.

SAVILLE-TROIKE, M. E BARTO, K. Introducing Second Language Acquisition, Third Edition. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2017

SCHLATTER, M. O ensino de leitura em língua estrangeira na escola: uma proposta de letramento. Calidoscópio, v. 7, n. 1, P. 11 - 23, 2009.

SHRUM, J. E GLISON, E. Teacher’s Handbook, Contextualized Language Instruction. Fifth Edition. New York: Cengage Learning, 2010.

(9)

Pá gi n a

10

3

Larissa Goulart

Doutoranda em Linguística Aplicada na Northern Arizona University, foi bolsista do programa Fulbright Language Teaching Assistant no ano acadêmico de 2017/18 na University of Nebraska - Lincoln, dando aulas de Português.

Referências

Documentos relacionados

Nos demais tempos, para a formulação 1, valores maiores e diferentes de SS foram en- contrados para os doces acondicionados na embalagem de polipropileno opaca, quando comparado

Por isso, este trabalho prop˜oe uma abordagem para teste de robustez no Archmeds e para isso, contou com o desenvolvimento de uma ferramenta de inje¸c˜ao de falhas chamada WSInject,

Objective: Report our institutional experience with the palliative Senning procedure in children diagnosed with TGA and double outlet right ventricle with severe pulmonary

meio fi'sico Placa Controladora de Rede Placa da INTERTACE DE COMUNICACAO INTEGRADA Ploca da CPU da Eslacdo Hospedeira..

Em seguida, foram fabricados os produtos tipo paçoca com o aproveitamento do resíduo do extrato de soja em substituições crescentes de RES ao fubá (0%, 25%, 50%, 75% e 100%)

Unidos, México, Argentina e no Brasil, no Estado do Espírito Santo. Micobactérias potencialmente patogênicas e algumas ambientais já foram isoladas destes animais. A identificação

Considerando esta situação e ainda que as séries pluviográficas observadas são curtas e/ou com grande ocorrência de falhas, e que seu conhecimento é fundamental para o

Em termos de quantidade de material emitido pelas diversas plantas da indústria siderúrgica como coqueria, sinterização, alto-forno e conversor LD temos, para o ano de