• Nenhum resultado encontrado

Marcelo FAGUNDES 1 Janderson Rubens TAMEIRÃO 2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Marcelo FAGUNDES 1 Janderson Rubens TAMEIRÃO 2"

Copied!
24
0
0

Texto

(1)

Conjuntos líticos do Sítio Arqueológico Mendes II,

Diamantina, MG: um estudo de cadeia operatória dos

artefatos unifaciais em quartzito da face meridional da

Serra do Espinhaço

Marcelo FAGUNDES

1

Janderson Rubens TAMEIRÃO

2

1 Doutor em Arqueologia. Docente da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades da UFVJM. Coordenador do

Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem (LAEP). marcelo.fagundes@ufvjm.edu.br

(2)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

CONJUNTOS LÍTICOS DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO MENDES II,

DIAMANTINA, MG: UM ESTUDO DE CADEIA OPERATÓRIA DOS

ARTEFATOS

UNIFACIAIS

EM

QUARTZITO

DA

FACE

MERIDIONAL DA SERRA DO ESPINHAÇO

RESUMO

Este artigo apresenta o estudo tecnológico de parte do conjunto lítico do sítio arqueológico Mendes II, localizado as margens do rio Pardo Pequeno na bacia do São Francisco. Trata-se de um abrigo sob rocha quartzítica onde foram evidenciados e recolhidos mais de 20 mil vestígios líticos. O estudo teve como objetivo principal analisar as cadeias operatórias líticas por meio dos estigmas de lascamento presentes em 55 artefatos unifaciais em quartzito. Como referencial teórico metodológico foi utilizado o conceito de cadeia operatória e sistema tecnológico sob os pressupostos da Escola Francesa, que considera a tecnologia como parte do fato social total. Ao final foi possível reconstruir os processos operatórios dos artefatos estudados o que contribui de forma significativa para compreensão do modo de vida e cultura das populações pré-contato que ocuparam a Serra do Espinhaço Meridional.

PALAVRAS-CHAVE

: Arqueologia – Tecnologia Lítica – Cadeias Operatórias – Serra do

Espinhaço Meridional – Diamantina, MG.

ABSTRACT

This article presents a technological study about the lithic industry of the Mendes II archaeological site, located next to Pardo Pequeno river in the São Francisco River Basin. The Mendes II is a sheltered site in quartizite rock where were seen and collected over 20 thousand lithic artifacts. This study aimed to analyze the lithic operational sequences through the stigmata of chipping of the unifacial artifacts. As a theoretical framework we used the french concept of the chaîne operatoire and technological system under the assumptions of French Structuralist School, which considers technology as part of the Total Social Fact. At the end it was possible to reconstruct the operative processes of artifacts, fact which contributed significantly to understanding the lifestyle and culture of prehistoric peoples who occupied the southern Espinhaço Hills.

KEYWORDS

: Archaeology – Lithic Technology – Operational Sequences – Southern

(3)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3 INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta os resultados finais da monografia de Janderson Rubens Tameirão intitulada “Além das pedras: uma abordagem tecnológica do conjunto artefatual do sítio arqueológico Mendes II, Diamantina, MG”, orientada pelo Prof. Marcelo Fagundes, para obtenção do título de bacharel em Humanidades pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

O sítio arqueológico Mendes II está assentado na margem direita do rio Pardo Pequeno, na bacia do São Francisco, em terras do município de Diamantina, MG. Está localizado bem próximo à comunidade de Quartéis, distrito do município de Diamantina, fato que permite, pelo menos parcialmente, a compreensão do uso contínuo até os dias de hoje pelos denominados novos caçadores coletores – garimpeiros, caçadores fortuitos e coletores de sempre-vivas3 que utilizam os abrigos temporariamente para suas práticas sociais (ISNARDIS, 2009). Logo, o sítio Mendes II apresenta uma estratigrafia que segue de tempos anteriores ao contato com europeus até a atualidade.

O assentamento pertence ao Complexo Arqueológico Mendes que atualmente conta com onze sítios. Acredita-se que o Complexo Mendes é extremamente importante para se entender a Arqueologia regional, uma vez que conta com a presença, além dos vestígios líticos, de sítios com pinturas rupestres associadas à tradição estilística denominada de Planalto (LINKE, 2008; ISNARDIS, 2009; FERREIRA, 2011; OLIVEIRA, 2012; LEITE, 2012; FAGUNDES

et al, 2012a, 2012b).

Assim, o Complexo Mendes apresenta sítios com grande presença de material lítico lascado em superfície, como é o caso do sítio Mendes II que somente em sua superfície foram evidenciadas 2117 vestígios provenientes do processo de manufatura e/ou manutenção de artefatos líticos. Pode-se ainda citar os sítios Lapa do Chumbinho e Lapa da Onça, sendo o último com datação de 8.950 anos A.P. (FAGUNDES, 2012).

No caso específico do sítio Mendes II, os artefatos tiveram como matérias-primas principais o quartzito (da formação Galho do Miguel) e o quartzo hialino, sendo que ambos apresentam excelentes propriedades ao lascamento e obtenção de suportes.

As análises laboratoriais indicam a associação do quartzito à técnica unifacial para obtenção de suportes à produção de ferramentas e o quartzo hialino sendo apropriado para

(4)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

obtenção de artefatos tanto unifaciais como bifaciais, porém com predominância deste último (FAGUNDES, 2012).

No que se referem às técnicas observadas em laboratório, pode-se afirmar que há uma conjunção de diferentes técnicas no conjunto lítico em estudo. Observa-se claramente a sequência “debitagem – façonagem – retoques”, porém executadas com uso de diferentes técnicas (unipolar e/ou bipolar; percussão direta e/ou indireta; uso de percutor duro e/ou macio; entre outras). Tais características fundamentam a importância deste assentamento no quadro regional.

Assim, o conjunto artefatual está constituído por artefatos plano-convexos, além de outros raspadores unifaciais de diferentes formas, tanto em quartzo hialino quanto quartzito; plaquetas retocadas, pontas projéteis; furadores triédricos, além de todos os demais componentes da indústria: suportes não utilizados (com ou sem morfologia completa); lascas de façonagem e/ou retoques; núcleos; percutores e outros diferentes resíduos provenientes dos diferenciados estágios de lascamento. Há ferramentas que apresentam marcas claras de uso e reaproveitamento e àquelas onde não foi possível evidenciar qualquer sinal de utilização.

Ainda não é possível afirmar com exatidão o total de vestígios identificados e recolhidos em campo (parte do conjunto artefatual ainda está em curadoria), mas incluindo as peças que foram exumadas na escavação de 30 m2, realizada na entrada do abrigo no ano de 2011, seguramente se pode afirmar que existem mais de 20 mil peças, incluindo mais de uma centena de artefatos inteiros ou fragmentados.

O recorte temporal em todo trabalho arqueológico de certo é uma das características mais importantes. No sítio Mendes II este recorte refletiu ainda mais a complexidade das pesquisas, uma vez que as datações realizadas apontam uma data recente, entre os séculos XIV e XVII, a saber: (A) Datação 01: 330 ± 85 anos AP(14C –CENA/USP), calibrada entre 286 e 560 anos A.P. (B) Datação 02: 240 ± 20 anos AP (AMS –UGAM/CANADÁ), calibrada entre 282 e 308 anos A.P.

Dada à estratigrafia complexa do sítio, implantado em uma rampa de colúvio, não se descarta a possibilidade de esta estratigrafia estar perturbada.

No tocante ao referencial teórico, optou-se por adotar preferencialmente como referencial o conceito etnográfico de cadeia operatória de André Leroi-Gourhan (1984), que busca entender os gestos técnicos envolvidos na produção artefatual. Assim, apesar das análises dos artefatos terem sido realizadas individualmente, este trabalho não perdeu o viés etnográfico, uma vez que se acredita que o artefato é uma entidade mista (FAGUNDES, 2004,

(5)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

2007a, 2007b, 2010; VIANA, 2005) feito de acordo com a memória operatória do artesão, apreendida durante os processos cognitivos, sendo, portanto, únicos, e por mais que esteja condicionado a uma matriz cultural, podem guardar atributos individuais (KARLIN & JULIEN, 1995; FOGAÇA, 2001, 2003; FAGUNDES, 2004, 2007b).

O objetivo deste artigo é apresentar a análise de cadeia operatória de 55 artefatos líticos produzidos em quartzito do sítio arqueológico Mendes II, inferindo acerca das técnicas empregadas em seu fabrico e seu emprego social, mesmo que dedutivamente, à posterior formação do registro arqueológico.

ASPECTOS GEOAMBIENTAIS

A área de estudo localiza-se a cerca de 25 km em direção sudoeste de Diamantina, posicionada entre as latitudes 18º00’ e 18º30’S e longitudes 43º30’ e 44º00’W e encontra-se inserida na Folha Diamantina (SE-23-Z-A-III, Carta do Brasil, escala 1:100.000). O acesso se dá pela rodovia que liga Diamantina a Conselheiro Mata (rodovia MG 220) paralela a Estrada de Ferro Centro-Norte, hoje desativada.

Está inserida geologicamente no domínio das rochas metassedimentares do Supergrupo Espinhaço, mais especificamente, Formação Galho do Miguel. As rochas do Supergrupo Espinhaço recobrem discordantemente os terrenos arqueanos e possuem idade paleoproterozóica tardia a mesoproterozóica. Esta sequência de rochas de baixo grau metamórfico, com espessura em torno de 3000 metros, é dividida em dois grupos (Guinda e Conselheiro Mata) e oito formações (PIUZANA, 2010).

A Formação Galho do Miguel, a unidade superior do Grupo Guinda, apresenta a maior distribuição em área entre todas as demais sequências presentes na Folha Diamantina, bem como é também responsável pelas maiores espessuras de rochas quartzíticas (1000 a 1500 m, ou quase a metade da espessura total do Supergrupo Espinhaço). Aflora na parte central da Folha Diamantina e ostenta um caráter litológico extremamente homogêneo: quartzitos finos, puros, com abundantes estratificações cruzadas de grande porte.

O clima da região, segundo a classificação de Köppen, comum ao Planalto Meridional do Espinhaço como um todo - é caracteristicamente mesotérmico brando, tipo Cwb (ou intertropical). Devido às altitudes elevadas, as temperaturas nos meses de verão são agradáveis (22-28°C) e o inverno apresenta-se pouco rigoroso (10-15°C). A pluviosidade máxima é registrada em Novembro, Dezembro e Janeiro e, embora as chuvas sejam escassas nos

(6)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

meses compreendidos entre maio e setembro, as precipitações sempre alcançam índices medianos anuais superiores a 1000 mm.

No âmbito da região de Diamantina, no qual o Complexo Arqueológico dos Mendes está inserido, o grande destaque é o divisor de águas das bacias do Rio São Francisco a oeste e do Rio Jequitinhonha a leste. Na área de estudo a compartimentação hidrográfica pertence à Bacia do Rio São Francisco, cujos afluentes da formam três subsistemas principais: o Riacho das Varas (área de Conselheiro Mata); o Rio Pardo Grande, a noroeste, e o Rio Pardo Pequeno, na Serra das Agulhas.

Do ponto de vista econômico, em função dos aluviões potencialmente portadores de diamante e ouro, os rios e córregos que concentram a maior quantidade de garimpos são os afluentes do Jequitinhonha, pelo fato de seccionarem extensivamente as camadas de

Figura 01 – Localização do Complexo

Arqueológico dos Mendes, Diamantina, MG. Fonte: LAEP/2012.

(7)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

quartzitos e metaconglomerados diamantíferos da Formação Sopa-Brumadinho, uma das formações basais do Supergrupo Espinhaço. A área de estudo localiza-se próximo às margens do Rio Pardo Pequeno, área intensamente utilizada no passado pelo garimpo em seus aluviões de idade quaternária (PIUZANA, 2010).

De acordo com Lohmann & Pirani (1996), o Planalto Meridional do Espinhaço constitui o centro de diversidade florísticas de numerosos gêneros de muitas famílias, como Asteraceae, Melastomataceae, Ericaceae, Leguminosae, Velloziaceae (a família inteira), Eriocaulaceae e Xyridaceae, sendo estas duas últimas incomuns ou mesmo ausentes em outras formações brasileiras.

Afirmam ainda que sua flora é muito rica, especialmente a campestre, que contém elevado grau de endemismos. A região dos Mendes apresenta diferentes fisionomias vegetais, incluindo as formações campestres e savânicas. Predominam as formações campestres, representadas por Campo Limpo e Campo Rupestre.

As formações savânicas são representadas pelo Cerrado Típico, Cerrado Ralo e por poucas áreas com Cerrado Rupestre. Algumas manchas de Cerrado Típico são encontradas na porção Central e ao Norte. Áreas de Cerrado Rupestre são observadas nas encostas das serras, enquanto o Cerrado Ralo está sempre associado às áreas campestres.

O SÍTIO ARQUEOLÓGICO MENDES II E INTERVENÇÕES ARQUEOLÓGICAS

O sítio Mendes II está localizado na UTM 7.972.562/ 624.603, na margem direita do rio Pardo Pequeno, ao sul do sítio Mendes I (cerca de 360 m). Está implantado em um abrigo rochoso (quartzito da Formação Galho do Miguel), possuindo 8,35 m de comprimento por 3,90 de profundidade. A entrada do abrigo tem 2,00 m decaindo para 0,40 m na parte final.

O sítio, assim como todo o Complexo Arqueológico Mendes, está inserido geologicamente no domínio das rochas metassedimentares do Supergrupo Espinhaço, encontrando-se na cota altimétrica de 1160 metros. A área externa do abrigo é composta por afloramentos in situ do quartzito e por blocos rolados e solo é predominantemente neossolo quartzarênico (PIUZANA, 2010). Foi continuamente ocupado sendo possível observar repertório cultural pré-histórico (remanescentes líticos, negativos de retiradas nas paredes mais bem cristalizadas do abrigo e painéis rupestres), como histórico, esse último representado por ocupações do garimpo e de catadores de sempre-vivas.

(8)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

Garimpeiros devem ter ocupado a região em longa duração, uma vez que seus remanescentes são contínuos, esse fato, por sua vez, acarretou na destruição dos grafismos rupestres. Hoje só é possível identificar grandes manchas.

Entre as diversas campanhas para o Complexo Arqueológico dos Mendes, duas em especial focaram ações interventivas.

A primeira, em março de 2010, teve como foco a coleta sistemática de remanescentes culturais líticos em superfície, sobretudo artefatos plano-convexos. Na campanha de fevereiro de 2010, a equipe observou uma quantidade significativa de material em superfície, os mais significativos em termos tecnológicos foram recolhidos, mas despertou a necessidade de realização de uma metodologia mais sistemática de coleta. Até então, não havia atentado para um pacote sedimentar na entrada do abrigo que, a priori, considerado fruto do processo de acúmulo de sedimento. Nesse sentido, uma escavação não seria necessária.

Em gabinete resolveu-se tratar os remanescentes em superfície como estando em estratigrafia e, portanto, se estabeleceu o denominado subquadriculamento 01 (SUB1). Uma área de 25m2 foi demarcada sob a superfície, nomeada por sistema alfanumérico (quadrículas A1, B2, D5, etc.), de forma que possibilitasse uma coleta total sistemática (Figura 02).

Além do SUB1 foram demarcadas dezoito áreas de concentração de material lítico, todos devidamente recolhidos e etiquetados ainda em campo. Ao todo nessa campanha foram resgatados de campo 2117 (duas mil cento e dezessete) vestígios líticos, entre artefatos stricto

sensu, lascas, núcleos, batedores e outros resíduos.

(9)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

A segunda intervenção ocorreu no mês de maio de 2011, tratando-se de uma escavação na área da frente do abrigo, no denominado subquadriculamento 02 (SUB2). Tal iniciativa foi alicerçada nos pressupostos teóricos de Isnardis (2009), que tem trabalhado intensivamente em uma área muito próxima. Na oportunidade, a equipe contou com auxílio dos alunos de graduação de Universidade Federal do Piauí, Universidade que mantém convênio de cooperação com o LAEP/NUGEO/UFVJM. O sítio Mendes II, ou pelo menos parte de sua intervenção, pode ser considerada como um sítio-escola, onde métodos e técnicas de campo foram discutidos com alunos da UFVJM e UFPI.

Inicialmente foi delimitada uma área de 30m2 na entrada do abrigo que apresentava pacote sedimentar favorável para uma escavação que, a priori, seria pequena – não se acreditava que passaria de 10 cm de profundidade, como é comum na região como um todo. Foram, assim, delimitadas 30 quadrículas de 1m2 cada, nomeadas em sistema alfanumérico, sendo, entretanto, escavadas 20 delas, mantendo as demais como muro testemunho. Também se havia delimitado 5m2 (SUB3), para escavação dentro do abrigo, mas pela quantidade de material resgatado em campo no SUB2, preferiu-se manter a área sem intervenção e não há planejamento para escavação em curto prazo. Logo, cerca de 20 mil remanescentes foram coletados em campo de diferentes tipologias.

Com o início das decapagens, realizadas em níveis naturais, pairou a dúvida se não se tratava de um depósito decorrente do acúmulo de sedimento de chuva. Mesmo com essa hipótese levantada, foi dada continuidade, partindo do pressuposto de que os sítios regionais têm solos rasos e muito perturbados pela ação de garimpeiros e, mais recentemente, de caçadores furtivos e catadores de sempre-vivas.

Nesse sentido, o objetivo inicial foi estabelecer uma coleta sistemática do material arqueológico, notoriamente rico e com características fundamentais para a compreensão da tecnologia lítica regionalmente, bem como propiciar a formação de novos arqueólogos. Com o decorrer da escavação (finalizada no dia 28 de maio), observou-se uma quantidade imensa de material lítico que se distribuía estratigraficamente por camadas diferenciadas. Análises de sedimento foram feitas pelo Prof. Alexandre Christófaro que resultaram em uma quantidade imensa de fósforo e potássio, comprovando ser um antropossolo com ocupação contínua em longa duração (FAGUNDES, 2012).

(10)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

Figura 03 – Escavação do subquadriculamento 02. Fonte: LAEP/2011.

A análise do perfil estratigráfico do Mendes II é de suma importância para a compreensão dos processos formativos desse sítio e, consequentemente, da própria categorização do repertório cultural nele evidenciado (Figura 04).

Figura 04 – Perfil estratigráfico sítio Mendes II. Fonte: LAEP/2011.

Assim, o sítio arqueológico apresentou quatro horizontes arqueológicos, um deles em superfície (representado pelas ocupações recentes do abrig o) e os demais representados por um depósito em neossolo litólico quartzarênico compacto de alguns 10 a 35 cm, no máximo, onde ocorre em um patamar de quebra a norte do abrigo, formando uma pequena rampa de colúvio que se acumula de diferentes deposições pedológicas na entrada do abrigo, orientada e estruturada pela clivagem do quartzito estrutural interno e externo ao abrigo.

(11)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3 F

Figura 05 – Fogueira quadrícula Aa3, profundidade máxima de 20 cm, datada em 330±85 anos A.P.

Fonte: LAEP/2011.

A Camada 01(ou Horizonte A) é constituída por um solo arenoso, muito orgânico, comprovado pela com grande concentração de K e P, fator incomum nos solos regionais, notoriamente um solo pouco rico em material orgânico, representado pelos neossolos quartzarênicos, resultantes do intemperismo do quartzito. Em termos arqueológicos está altamente perturbado pelas diferentes ocupações humanas, bem como sofre interferência constante de ações de ordem natural. Há baixa densidade de material arqueológico pré-histórico e foi possível, em algumas ocasiões, encontrar plásticos, tecidos e metais misturados – comprovando ser um estrato altamente perturbado. Trata da única camada com presença de estrutura de combustão com carvão para datação.

A camada 02 (ou Horizonte AC) trata-se de uma camada intermediária, com densidade média de cultura material lítica, representada, principalmente, por resíduos do processo de lascamento (geralmente material mais leve).

A camada 03 (ou Horizonte C) é a que apresenta a maior quantidade de material lítico, sobretudo artefatos (pontas de projétil, raspadores plano-convexos em quartzito fino e pequenos raspadores circulares em quartzo hialino). A concentração de material é tão grande que, em alguns lugares não há sedimento a ser escavado e a equipe se concentrou em triar (ainda em campo), o que era material arqueológico e o que era de origem natural. Essa característica

(12)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

levantou a possibilidade de o material ser carreado, formando-se um depósito ao longo do tempo. A análise estratigráfica, juntamente com o as análises da pedologia e datações indicaram outra realidade.

METODOLOGIA DE ANÁLISE

Em laboratório, as peças passaram e estão passando por um processo de limpeza e higienização até o registro de identificação, onde recebem a sigla do sítio (MII) e um número sequencial. Nos estudos específicos do material estudado foi adotado como referência o conceito de cadeia operatória Leroi-Gourhan (FAGUNDES, 2004, 2007a) e também os estudos da escola francesa, focado principalmente em análises da tecnologia empregadas na fabricação de artefatos líticos.

No Brasil este conceito vem sendo aplicado nos estudos líticos por diversos pesquisadores como: Fogaça (2001, 2003), Viana (2005), Lourdeau (2006, 2010), Fagundes (2004, 2007b), Xavier (2007), Isnardis (2009), Galhardo (2010), Paiva (2011), Bassi (2012), entre outros.

Portanto, assim como eles, valeu-se da prerrogativa de que por meio da reconstrução dos processos operatórios, pode-se inferir de forma assertiva sobre os gestos praticados pelo artesão na produção dos artefatos estudados.

Este conceito, por sua vez, foi utilizado como importante instrumento de observação, discussão e análise, abrindo a oportunidade de um estudo diacrônico destes remanescentes. Sua aplicação tem como objetivo primordial a reconstrução de toda cadeia operatória, ou seja, desde o planejamento estratégico, procura e aquisição da matéria prima, preparo do suporte, confecção, utilização, uso social, reciclagem, reutilização e descarte (ou perda).

Nesta pesquisa a metodologia focou o artefato, assim a análise da cadeia operatória só pode ser realizada por meio dos estudos das técnicas (debitagem, façonagem, retoque) presentes nos estigmas de lascamento registrados nos artefatos. Além disso, faz-se necessário alertar o leitor que, muitas vezes, foi feito uso do método dedutivo, uma vez que nem em todo o momento se dispôs de dados empíricos para comprovação das hipóteses elencadas.

Também se optou pela aplicação do conceito de curadoria e expediência. Consideraram-se artefatos curados aqueles que seus estigmas permitem a inferência que houve maior investimento técnico e, portanto, se enquadram na categoria dos fabricados em antecipação ao uso. Nesta categoria vale a pena destacar a intensa manutenção dos bordos

(13)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

ou mesmo a reutilização. Já os expeditos foram considerados àqueles que ocorreram poucas modificações (forma e volume), com baixo investimento técnico e provavelmente, utilizado momentaneamente, para uso imediato. Neles quase não há marcas de reutilização ou reaproveitamento.

Como método de análise individual e diacrônica dos artefatos, foi utilizada a ficha de atributos técnicos e morfológicos elaborada para as pesquisas em tecnologia do LAEP/UFVJM. Adaptada a esta ficha geral, criou-se uma mais específica, denominada currículo tecnológico, por se acreditar que os artefatos carregam consigo uma história técnica e cultural que são partes inerentes do grupo que o construiu.

Esta ficha teve como base os trabalhos de Morais (2007), Viana (2005), Fagundes (2004; 2007b), Isnardis (2009), Rodet & Alonso (2004, 2007), entre outros, e buscou contemplar a individualidade e as semelhanças dentro deste conjunto lítico. Assim, foi possível criar, em

software Excel, planilhas que possibilitaram não somente uma análise comparativa dos atributos

elencados, mas, sobretudo, uma análise quantitativa e uma visão qualitativa do todo.

Nesta ficha foram levados em consideração: a tipologia, a morfologia e o suporte utilizado e também o grau de integridade da peça, uma vez que se observou que alguns não se encontravam inteiros. Também foi registrada a localização das peças em níveis estratigráficos, o que possibilitou a criação de croquis que elucidassem sua distribuição espaço-temporal dos vestígios no sítio.

As dimensões foram adquiridas utilizando o paquímetro digital, sendo as medições realizadas a partir do eixo morfológico e/ou debitagem da peça, indo da porção proximal a distal para o comprimento e do bordo direito ao esquerdo na porção mesial para a largura, a espessura foi mensurada a partir da porção mesial.

Todos os artefatos passaram por processo de pesagem, realizados com balança de precisão e classificados como leves até 50 gramas, pesados entre 51 e 150 gramas e muito pesados acima de 151 gramas. Esta analise é importante, pois infere diretamente na questão da economia e transportabilidade dos artefatos.

Na análise do ângulo de ataque (melhor eficiência), neste trabalho utilizou-se medidor de ângulo, onde foi considerado as medidas acima de 70º para ângulos abruptos e valor 1 no currículo lítico. Para o ângulo semi-abrupto considerou-se entre 39º a 69º e valor 2. E, finalmente, para ângulos rasantes, medidas inferiores a 30º e valor 3.

Para análise dos gumes foi utilizada uma nomenclatura tipológica com base na geometria de cada artefato, uma vez que eles podem ter formas diferentes, sendo relacionadas

(14)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

diretamente com uma finalidade específica (cortar, serrar, raspar, etc.). Assim os gumes foram classificados como retilíneos ou curvilíneos ainda podendo ser serrilhados ou denticulados.

Já a relação bordo ativo (corte, raspagem, perfuro-cortante, etc.) x bordo passivo (de preensão), possibilitou a realização de inferência, mesmo de forma dedutiva, sobre as funcionalidades do artefato e também, sobre o possível gesto realizado para sua utilização. O CONJUNTO ARTEFATUAL

De todo o conjunto artefatual do sítio Mendes II, foram selecionados cinquenta e cinco (55) vestígios de quartzito para que se pudesse realizar uma análise minuciosa de seus atributos técnicos e formais. No que tange a matéria-prima, mesmo trabalhando com vestígios exclusivamente de quartzito da formação Galho do Miguel, foi observada uma variabilidade na granulometria e coloração dos suportes. Estas diferenças foram analisadas e seus resultados foram: a coloração foi definida (visualmente) em esbranquiçado (2.5Y8/1 white), amarelado (7.5YR7/6 reddish yellow) e avermelhado (10R6/8 light red). Os resultados foram: 38 peças apresentaram coloração esbranquiçada, a coloração amarelada foi caraterizada em 07 das peças e em 10 peças foram identificadas a coloração avermelhada.

No quesito granulometria foi inferido três tipos: fina, média e grossa. Os resultados foram: 34 peças apresentaram granulometria fina, 17 médias e apenas 04 peças apresentaram uma granulometria mais grossa.

Os ângulos dos gumes foram medidos e considerados: (A) Abruptos: ângulos com medidas acima de 70º, 53% do conjunto; (B) Semi-abruptos: ângulos com medidas entre 40º e 69º, 41% do conjunto; (C) Rasantes: ângulos abaixo de 39º, 6% do conjunto.

No que tange à tipologia, os artefatos foram classificados da seguinte forma: artefato sobre lasca 13 peças, artefato sobre plaqueta 29 peças e 13 peças plano-convexos. Esses artefatos, por sua vez, foram confeccionados utilizando-se dois tipos distintos de suporte (característica singular nos conjuntos líticos regionais): (A) utilização de plaquetas, (B) lascas, adquiridas por meio de debitagem, inclusive para a produção de planos convexos. Dos conjuntos artefatuais estudados regionalmente, é o único sítio que apresentou artefatos plano-convexos produzidos a partir de lascas de debitagem.

No quesito integridade do conjunto estudado, os resultados foram: (A) Peças onde não foram evidenciados acidentes e apresentam tamanho original da manufatura (íntegras), 47 peças. (B) Fragmentos, vestígios que sofreram algum tipo de acidente: 08 peças.

(15)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

No item morfologia, que fora considerada a forma geométrica aproximada da peça, foram identificadas cinco formas distintas, sendo 28 peças no formato retangular, 15 no formato triangular, 05 no formato trapezoidal, 05 no formato circular e 04 em formato losangular.

Finalmente, das 55 peças em análise, 16 apresentaram retiradas no proximal que, dedutivamente, permite a hipótese que foram utilizadas presas a um cabo; e 42 peças não apresentaram tais retiradas. No conjunto ainda foi observada a presença de 23 peças com algum tipo de ponta ativa que pudesse ser utilizada como ferramenta perfuro-cortante. Do montante, 32 peças não apresentaram tais características.

Nas análises dos 55 vestígios líticos, pode-se observar certa variabilidade na matéria-prima, esta variabilidade se reflete principalmente na coloração e na granulometria, mas se tratando do quartzito, as diferenciações podem ser explicadas pelas condições deposicionais dos grãos de areia durante o processo de sedimentação e também pelo grau de metamorfismo que sofreram (ISNARDIS, 2009).

Sabe-se também que os processos que deram origem ao quartzito esta ligado diretamente com o seu grau de dureza. Assim, quartzitos mais finos seriam melhores para lascar, entretanto não se vê relação entre coloração e granulometria, ou seja, há quartzitos de granulometria fina em todas as categorias de coloração. Por mais que a maioria das peças aqui estudada foi caracterizada pela coloração esbranquiçada, não se pode afirmar que esta maioria reflete uma escolha (intencional) pelo artesão pré-histórico.

Entretanto, é possível perceber uma escolha pela granulometria mais fina que tem presença relevante (62%) no conjunto aqui estudado. Estas variações granulométricas, no caso da indústria lítica do Mendes II, não indica que a matéria-prima utilizada seja alóctone, dado que no próprio afloramento onde o sítio esta localizado é possível em encontrar tais variações.

Assim, acredita-se que todo o quartzito utilizado para produção destes remanescentes seja autóctones provenientes tanto das paredes como também do teto do abrigo. Outro local de captação seria, portanto, os blocos rolados do próprio afloramento, confirmando, portanto a hipótese que o sítio Mendes II é um local para a captação de matéria-prima, pelo menos no que tange o material de quartzito.

No que tange ao processo de debitagem no conjunto lítico analisado, ela aparece de forma constante, tanto na indústria de quartzo hialino, como também na indústria de quartzito. No total do sítio (ainda em processo de higienização e registro), as lascas de debitagem aparecem com grande frequência.

(16)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

de lascas de debitagem de variados tamanhos. Uma característica interessante que se deve destacar e a utilização de lascas em posição horizontal ao eixo de debitagem (lascas mais largas), assim os suportes assumem larguras maiores que o comprimento, sendo que algumas lascas parecem ter sido adquiridas por meio de um fatiamento horizontal de uma lasca maior.

Figura 06 – Artefato sobre lasca em quartzito. Fonte: LAEP/2013.

Outro ponto importante a ser apontado acerca das técnicas empregadas, diz respeito à baixa variabilidade, ou padronização das técnicas de façonagem e retoques, principalmente no que diz respeito ao suporte utilizado para a obtenção das ferramentas. As técnicas de façonagem e retoques foram utilizadas indiscriminadamente em ambos os suportes (lascas ou plaquetas). Contudo, vale ressaltar que nem todos os artefatos produzidos sobre plaquetas apresentaram presença de retiradas por façonagem.

Quanto às técnicas de retoques para confecção de gume ativo, foi possível identificar quatro tipos diferentes: curtos e contínuos, longos e contínuos, curtos, conchoidais e denticulados. Algumas peças apresentaram mais de um tipo de retoque, mas no geral, os curtos e contínuos foram os mais utilizados.

(17)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

A manutenção de gumes acontece quando o gume perde o fio (poder de corte), e assim necessita que seja reavivado. No caso do conjunto aqui estudado 75% das peças demonstram claramente o uso desta técnica.

No que concerne à caracterização do conjunto artefatual em ferramentas curadas ou expeditas, a maior parte das peças analisadas (78%) se enquadram na categoria expedita, ou de uso momentâneo, enquanto às curadas (onde houve maior investimento técnico), ocorrem em menor número (22%).

A técnica de percussão utilizada foi a unipolar com uso de percutor duro direto, provavelmente utilizando seixos, que são facilmente encontrados no rio Pardo Pequeno. Foram recolhidos inúmeros seixos com marcas de utilização (ou quebrados), durante a escavação do SUB2, bem como em superfície.

No conjunto artefatual em análise não foram identificados estigmas que reportassem o uso de percutores macios com percussão direta ou indireta. Entretanto, deve-se salientar que na indústria lítica do Mendes II, sobretudo suportes em quartzo hialino, é constante a presença de lascas de ultrapassagem e presença de lábios saltados em todos os níveis estratigráficos, característica que indica o uso de percutores macios estaria presente dentre das estratégias técnicas dos grupos que ocuparam a área.

Para o emprego social, fez-se uso do método dedutivo majoritariamente, Entretanto, alguns artefatos nos fazem refletir sobre seu uso social, como exemplo os artefatos com características puntiformes, representado por 42% das peças.

(18)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

Estas ferramentas podem estar ligadas as atividades perfuro-cortantes. Além disto, os artefatos apresentam em sua maioria gumes ativos com retoques contínuos em oposição a um gume passivo que, segundo Lourdeau (2006), serve de apoio anatômico para quem utiliza o artefato, podendo a peça ser utilizada com maior precisão e eficiência de corte.

Quanto à morfologia, percebe-se que está relacionada diretamente a função atribuída ao artefato (furar, cortar, plainar, etc.) sendo, portanto de caráter estratégico para o grupo. Entretanto, é possível visualizar mudanças morfológicas provenientes por quebras, possivelmente por utilização ou acidentes produtivos, além de mudanças morfológicas produzidas por reciclagem de gumes. Pode-se observar que as formas retangulares e triangulares se apresentam em maior quantidade principalmente nos artefatos sobre plaquetas.

Outros atributos nos remetem ao uso social como as dimensões, peso e medidas dos ângulos dos gumes. Estes atributos possibilitaram as seguintes reflexões:

 Os artefatos no geral foram considerados de pequeno porte com medidas em média 07 mm, mas com algumas exceções como as peças MII 2134 e MII2126, com comprimentos de 117 e 115 mm respectivamente, contrastando com a peça MII 2140 que mede 29mm de comprimento. O peso dos artefatos também foi considerado baixo, em média 50 gramas, o que possibilita que estes artefatos fossem transportados a longas distâncias.

 Os gumes estão relacionados principalmente ao tipo de objetos ao qual poderiam ser utilizados, os gumes com ângulos altos, em torno de 70°a 90º, poderiam ser utilizados para plainar objetos já que oferecem a maior resistência. Já os gumes abaixo destes valores podem ser utilizados tanto para cortar como para raspar.

Sendo assim, a variabilidade artefatual do sítio Arqueológico Mendes II parece estar relacionada diretamente com a morfologia dos artefatos. Pode-se afirmar que os motivos para as escolhas feitas pelo artesão pré-histórico na hora de produzir um ou outro artefato estão intimamente influenciados por caráter funcional, já que se observou uma homogeneização (debitagem-façonagem-retoques) nas técnicas de produção.

INDÚSTRIA REGIONAL E ANÁLISE COMPARATIVA

Ao decorrer deste trabalho foram apresentadas algumas características das indústrias líticas descrita até o momento por Isnardis (2009). Então, como proposto inicialmente, buscou-se apresentar como a indústria lítica do sítio Mendes II se insere neste cenário.

(19)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

Dentro dos grupos de artefatos e suas características apresentados por Isnardis (2009) pode-se perceber que as duas indústrias são formal e tecnicamente parecidas, obviamente que não é de se estranhar dada a proximidade geográfica dos sítios. Desta forma, a presença de artefatos plano-convexos utilizando como suporte as lascas de debitagem se configura como o diferencial entre as coleções.

Quadro 01 – Análise comparativa entre indústrias estudadas por Isnardis em Diamantina e o sítio

Mendes II. Fonte: Tameirão, 2013.

(20)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

Quanto à indústria lítica da Serra do Cabral, mesmo estando mais distante geograficamente podemos dizer as características gerais do conjunto tem sim semelhanças com a indústria do sítio Mendes II, principalmente no tange a sequência técnica debitagem-façonagem-retoques ressaltando aqui que o processo de debitagem ocorre em sobre seixos e não em blocos como no Mendes II.

Em se tratando da indústria lítica do Brasil Central definida como Tradição Itaparica, foi apropriado o quadro comparativo proposto por Isnardis (2009), onde as características da indústria Itaparica e a da região do Alto Jequitinhonha foram apresentadas.

Como proposto inicialmente, apropriou-se deste quadro comparativo e introduziu-se uma nova coluna com as características da indústria lítica do sítio arqueológico Mendes II. Assim, espera-se contribuir de forma assertiva para uma caracterização mais abrangente da indústria lítica da região do Alto Jequitinhonha, e criar, no futuro, subsídios suficientes para uma discussão profunda sobre a possibilidade ou não desta indústria estar filiada à tradição Itaparica. CADEIAS OPERATÓRIAS DO SÍTIO MENDES II

De modo geral foi possível identificar duas cadeias operatórias no sítio Mendes II, sendo uma relacionada à produção de artefatos curados, e outra vinculada à produção dos expeditos. Percebe-se que entre os artefatos curados, além do maior investimento técnico, muito apresentam reavivagem dos bordos, categoria que permite a inferência de que havia uma preocupação do artesão em manter sua vida útil por um maior tempo.

A presença majoritária de artefatos expeditos, por sua vez, permitiu a inferência de que outras atividades sociais estavam sendo realizadas no Mendes II (além do lascamento) e, dada às características morfológicas do abrigo, somadas às possibilidades oferecidas pelo meio circundantes (ambas utilizadas até os dias atuais), pode-se inferir do sítio ter sido utilizado como base entre os grupos que o habitaram.

O que se percebe ainda, é que os artefatos que apresentam com a possiblidade de encabamento estão mais presente nos artefatos classificados como expedientes, logo devemos ter em mente que sua cadeia operatória possivelmente atrelada a outras cadeias.

No que tange as características gerais do conjunto lítico em estudo, pode-se listar:

 Presença tanto de artefatos curados (com maior investimento técnico), como aqueles feitos para uso imediato e/ou de ocasião (expeditos).

(21)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

 Pode-se caracterizar como artefatos unifaciais produzidos sobre plaquetas e lascas de debitagem.

 Nos artefatos sobre plaqueta (maioria expeditos), fora utilizada o façonagem e retoque para dar forma, volume e criação da área ativa do instrumento.

 Os suportes (lascas) foram obtidos pela debitagem de blocos de quartzito, sendo forma, volume e criação do bordo ativo sendo realizados pelas técnicas de façonagem e retoques.

 No conjunto em foco apenas foi observada a percussão direta com uso de percutor duro. Tal fato se comprova pela observação dos estigmas existentes nos suportes, bem como pela existência de núcleos com estigmas e percutores com marcas evidentes de uso.

 Dos conjuntos estudados por Isnardis (2009), a diferença significativa foi à produção de artefatos plano-convexos sobre lascas (13 no total). Os suportes utilizados foram os bem largos (na relação comprimento versus largura), com modificação de volume em forma por meio da técnica de façonagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O problema delimitado para a análise dos 55 artefatos unifaciais de quartzito integrantes do conjunto artefatual do sítio Mendes II foi: “Como o estudo dos atributos

tecnológicos dos conjuntos líticos do sítio Mendes II podem indicar o seu uso social pelos grupos que ali ficaram assentados e, ao mesmo tempo, como pode ser explicada a variabilidade artefatual observada? Assim, trata-se de um acampamento utilizado, preferencialmente, como área de captação de matéria-prima e produção de ferramentas ou se trata de um sítio base, tendo como prerrogativa a quantidade de artefatos com marcas de uso e reutilização?”.

A partir dele que toda a análise foi direcionada, sendo que, ao final da pesquisa, pode-se caracterizar o sítio como um local utilizado em longa duração para atividades vinculadas à caça, coleta e, quiçá, pesca. Por meio de suas características físicas, aliadas ao conjunto artefatual, pode-se verificar que se trata de uma área de “mineração”, também em longa duração, anteriormente sendo utilizado como área de captação de matéria-prima para produção artefatual e, mais recentemente, como abrigo para centenas de garimpeiros que ocuparam intensamente as margens do Pardo Pequeno nas últimas décadas do século XX.

Dedutivamente, também foi caracterizado como sítio base, dada a quantidade de vestígios, associada às características do abrigo. Entretanto, novas escavações na área

(22)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

poderão fornecer dados mais assertivos, sobretudo no espaço interior do abrigo que, aparentemente, apresenta uma estratigrafia mais bem conservada.

No que tange as características do material em estudo, pode-se caracterizar como artefatos unifaciais produzidos sobre plaquetas e lascas. No caso dos primeiros, fora utilizada o façonagem e retoque para dar forma, volume e criação da área ativa do instrumento. Nos instrumentos sobre lascas a sequência debitagem –façonagem –retoques é a mais observada.

No conjunto em foco apenas foi observada a percussão direta com uso de percutor duro. Técnica observada por meio da análise dos estigmas de lascamento existentes nos suportes bem como pela existência de núcleos com estigmas e percutores com marcas evidentes de uso. No entanto, há uma quantidade de lascas, sobretudo de façonagem, com presença de lábios protuberantes (inclusive em quartzito), fato que sugere o uso do tendre (ou percussão macia).

Dos conjuntos estudados por Isnardis (2009), a diferença significativa foi à produção de artefatos plano-convexos sobre lascas (13 no total). Os suportes utilizados foram os bem largos (na relação comprimento versus largura), com modificação de volume em forma por meio da técnica de façonagem.

Cabe destacar que a presença destes artefatos obtidos pela debitagem de suportes foi observada pela presença do ponto de impacto, bulbo saliente (no bordo do artefato) e pelas de ondas de percussão da face interna. Os talões foram suprimidos pelo façonagem. Não se descarta a possibilidade de outros plano-convexos terem sido obtidos por essa técnica, uma vez que o façonagem e consequente processo de reavivagem dos bordos podem ter sido suprimidos.

Acredita-se que este estudo contribuiu para a Arqueologia regional, uma vez que introduz novas reflexões sobre a indústria lítica da Serra do Espinhaço, destacando os artefatos produzidos sobre suportes oriundos de debitagem e ainda a possibilidade de alguns artefatos terem sidos produzidos por fatiamento horizontal de lascas grandes.

REFERÊNCIAS

BASSI, L. F. Análise diacrônica dos níveis mais antigos do sítio arqueológico Bibocas II, Jequitaí, MG. Belo Horizonte: UFMG, Programa de Pós Graduação em Antropologia, Dissertação de Mestrado, 2012. FAGUNDES, Marcelo. Sítio Rezende: das cadeias operatórias ao estilo tecnológico - um estudo da dinâmica cultural no médio vale Paranaíba, Centralina, Minas Gerais. São Paulo: MAE/USP, Dissertação de Mestrado, 2004.

(23)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

Francisco: estudo da organização tecnológica para compreensão do sistema de assentamento regional em Xingó. Canindé – Revista do Museu De Arqueologia de Xingó, nº 9, 2007a.

________________ Sistema de assentamento e tecnologia lítica: organização tecnológica e variabilidade no registro arqueológico em Xingó, Baixo São Francisco, Brasil. São Paulo: MAE/USP, Tese de Doutoramento, 2007b.

_______________. Entendendo a dinâmica cultural em Xingó na perspectiva inter sítios: indústrias líticas e os lugares persistentes no Baixo Vale do São Francisco, Nordeste do Brasil. Revista Iberoamericana, v.06, pp. 3-23, 2010.

_______________. Relatório do Projeto Arqueológico Alto Jequitinhonha (2010-2012). Diamantina: LAEP/NUGEO/UFVJM, 2012.

FAGUNDES, Marcelo et al. Paisagem Cultural da área arqueológica de Serra Negra, Vale do Araçuaí: os sítios do complexo arqueológico Campo das Flores, municípios de Senador Modestino Gonçalves e Itamarandiba. TARAIRÚ- Revista Eletrônica do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UEPB, Campina Grande- PB, vol.1, n.5, p.41- 66, out.2012a.

_____________. Implicações Geológicas e Ecológicas para Assentamentos Humanos Pretéritos – Estudo de Caso no Complexo Arqueológico Campo das Flores, Área Arqueológica de Serra Negra, Vale do Araçuaí, Minas Gerais. Revista Espinhaço, v.01, pp. 41-58, 2012b.

FERREIRA, Eliane. Conjuntos estilísticos da Serra dos Índios: Estudo da arte Rupestre do Alto Jequitinhonha, Planalto de Minas, MG. Diamantina-MG: UFVJM, Faculdade Interdisciplinar em Humanidades, Bacharelado em Humanidades (UFVJM), Trabalho de Conclusão de Curso, 2011.

FOGAÇA, E. Mãos para o pensamento. A variabilidade tecnológica de indústrias líticas de caçadores-coletores holocênicos a partir de um estudo de caso: as camadas VIII e VII da Lapa do Boquete (Minas Gerais, Brasil - 12.000/10.500 B.P.). Porto Alegre: Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Tese de Doutoramento, 2001.

____________Instrumentos Líticos Unifaciais da Transição Pleistoceno-Holoceno no Planalto Central do Brasil: Individualidade e Especificidade dos Objetos Técnicos. Canindé – Revista do Museu De Arqueologia de Xingó, nº 3, Dezembro de 2003.

GALHARDO. Tecnologia lítica: Estudo da variabilidade em sítios líticos do nordeste do estado de São Paulo. Brasil. São Paulo: MAE/USP, Dissertação de Mestrado, 2010.

GIBAJA BAO, Juan F. Estudios de traceología y funcionalidade. Revista Praxis Archaeologica, 2007. ISNARDIS, Andrei. Entre as pedras: as ocupações pré-históricas recentes e os grafismosrupestre da região de Diamantina, Minas Gerais. São Paulo: MAE/USP, Tese de Doutoramento, 2009.

KARLIN, C. & JULIEN, M. Prehistoric technology: a cognitive science? IN: RENFREW & ZUBROW (orgs.)

The ancient mind – elements of cognitive archaeology. Cambridge: Cambridge University Press, pp.

152-164, 1995.

LEITE, Valdinêy Amaral. Estudo Diacrônico-Estilístico da Arte Rupestre do Sítio Itanguá 06, Complexo Arqueológico Campo Das Flores, Vale Do Araçuaí, Minas Gerais. Diamantina-MG: Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (UFVJM), Bacharelado em Humanidades, Monografia, 2012.

LEROI-GOURHAN, A. O Gesto e a Palavra, 1 – Técnica e linguagem. Lisboa: Edições 70, 1984. LOURDEAU, Antoine. A pertinência de uma abordagem tecnológica para o estudo do povoamento pré-histórico do Planalto Central do Brasil. Habitus, v. 4, p. 685-710, 2006.

LINKE, Vanessa. Paisagem dos sítios de arte rupestre da região de Diamantina. Belo Horizonte: UFMG, Dissertação de Mestrado, 2008.

MORAIS, J. L. Tecnotipologia lítica: a utilização dos afloramentos litológicos pelo homem pré-histórico brasileiro - análise do tratamento da matéria-prima. Erechim: Habilis, 2007.

OLIVEIRA, Erik A. Categorias estilísticas da arte rupestre do sítio Mendes I, Diamantina, MG. Diamantina-MG: Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (UFVJM), Bacharelado em Humanidades, Monografia, 2012.

PAIVA, Beatriz Costa. Tecnologia Lítica dos grupos Ceramistas da área Arqueológica de São Raimundo Nonato – PI: Um Estudo de caso aplicado ao Sítio Canabrava. Recife: UFPE, CFCH, Programa de Pós Graduação em Arqueologia, 2011.

PIUZANA. Danielle. Caracterização Ambiental da Região dos Mendes. Diamantina: Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem, Relatório Técnico, set. 2010.

(24)

C am pi na G ran de -P B , Ano IV – Vo l.1 - N úm er o 06 – J un ho d e 201 3

do M’bororé e suas possíveis interpretações. Santa Maria – RS: X Encontro Estadual de História, 2010. RODET, M. J. & ALONSO, M. Princípios de reconhecimento de duas técnicas de debitagem: percussão direta dura e percussão direta macia (tendre). Experimentação com material do norte de Minas Gerais.

Revista de Arqueologia, 17, pp. 63-74, 2004.

RODET, J.M.; ALONSO, M. Uma terminologia para a indústria lítica brasileira.IN: BUENO, L ISNARDIS,A.(orgs). Das pedras aos homens tecnologia lítica na arqueologia brasileira. Belo Horizonte: Fino Traço Editora/ FAPEMIG, pp. 141-154, 2007.

TAMEIRÃO, Janderson R. Além das pedras: uma abordagem tecnológica do conjunto artefatual do sítio arqueológico Mendes II, Diamantina – MG. Diamantina-MG: Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (UFVJM), Bacharelado em Humanidades, Monografia, 2012.

VIANA, S. Variabilidade tecnológica do sistema de debitagem e de confecção de instrumentos líticos lascados de sítios lito-cerâmicos da região do Rio Manso/MT. Porto Alegre: PUC-RS, Tese de doutoramento, 2005.

Referências

Documentos relacionados

Esta operação estatística tem como objetivo obter dados anuais para a caracterização dos Museus, Jardins Zoológicos, Botânicos e Aquários no que respeita ao

(tanto um sinal aleatório como um regular têm excesso de entropia nulo). É uma melhor medida do que vulgarmente se

[r]

As raparigas com mutação completa podem, ocasionalmente, apresentar alguns comportamentos similares aos encontrados nas crianças com autismo, mas mais tipicamente

A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se baseia no fato de que uma

This section describes the power-up of the inverter with HMI operation, using the minimum connections of Figure 3.1 on page 18 and without connections in the control

A segunda parte da dissertação foca-se no período em que Mies emigra para os Estados Unidos da América e na qual foi de grande relevância investigar o

3º - As academias, centros de treinamento, estúdios e demais estabelecimentos voltados à realização de atividades físicas poderão funcionar, respeitando todos os