• Nenhum resultado encontrado

É certo escrever assim?: avaliações normativas de professores e professoras de Língua Portuguesa do Ensino Médio

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "É certo escrever assim?: avaliações normativas de professores e professoras de Língua Portuguesa do Ensino Médio"

Copied!
108
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

BIANCA SALVADOR GRISOLIA

É CERTO ESCREVER ASSIM?: AVALIAÇÕES NORMATIVAS DE PROFESSORES E PROFESSORAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO

MÉDIO

NITERÓI

2019

(2)

BIANCA SALVADOR GRISOLIA

É CERTO ESCREVER ASSIM?: AVALIAÇÕES NORMATIVAS DE PROFESSORES E PROFESSORAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO

MÉDIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: História, política e contato linguístico.

Orientador: Prof. Dr. Xoán Carlos Lagares Diez

Niterói 2019

(3)

G869? Grisolia, Bianca Salvador

É certo escrever assim? : Avaliações normativas de professores e professoras de Língua Portuguesa do ensino médio / Bianca Salvador Grisolia ; Xoán Carlos Lagares Diez, orientador. Niterói, 2019.

106 f. : il.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/POSLING.2019.m.11486395783 1. Linguística. 2. Norma-padrão do português brasileiro. 3. Avaliações normativas. 4. Produção intelectual. I. Lagares Diez, Xoán Carlos, orientador. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Letras. III. Título.

CDD - Ficha catalográfica automática - SDC/BCG Gerada

com informações fornecidas pelo autor

(4)

BIANCA SALVADOR GRISOLIA

É CERTO ESCREVER ASSIM?: AVALIAÇÕES NORMATIVAS DE PROFESSORES E PROFESSORAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO

MÉDIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: História, política e contato linguístico.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________________________ Professora Doutora Telma Cristina de Almeida Silva Pereira – UFF

___________________________________________________________________ Professora Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ

Suplentes:

___________________________________________________________________ Professora Doutora Mônica Maria Guimarães Savedra – UFF

___________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio – UFRJ

Niterói 2018

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço à aleatoriedade do universo, que me colocou num contexto familiar e geográfico que me proporcionou altos ganhos, como fazer uma pós-graduação de qualidade em uma universidade pública nessa situação sócio-histórica tão crítica na qual vivemos.

Agradeço à minha mãe, meus irmãos, Felipe e Gabriel, e ao meu pai, que me incentivaram a percorrer esse caminho, me deram amor durante toda minha vida, e me aguentaram durante as crises existenciais que aconteceram durante toda minha vida e principalmente durante a pós-graduação. Agradeço também à família estendida, meus avós, minhas tias e meus tios, que deram uma grande contribuição para me tornar a pessoa que eu sou hoje – e decidir fazer o que fiz.

Agradeço às amigas/irmãs Pillar Paladini, Vanessa Soares, Janine Magalhães, Stella Barbosa, que me acompanharam durante o processo, ajudaram na minha produção, e principalmente por me darem afago e amor.

Agradeço às amigas feitas na UFF, Flávia, Camila e Letícia. Em especial, agradeço à Fernanda Mello, que é minha companheira de graduação, e de discussões sobre linguística, que me acompanhou durante muitas disciplinas e que me incentivou a continuar no caminho do mestrado mesmo só por estar ali.

Agradeço ao Xoán Lagares, pela orientação, às professoras que fizeram parte da banca, Telma e Beatriz, pelo incentivo, disponibilidade e apoio no auxílio das mudanças ocorridas. Agradeço à agência de fomento CAPES pelo incentivo ao estudo na pós-graduação por meio das bolsas do programa.

Por fim, aos amigos da yes, Moacir, Denise, Fabi, Claudinha, Carlos e Levi, que entenderam as ausências, incentivaram meus estudos e, sempre que puderam, discutiam junto comigo sobre alguma questão linguística.

(6)

Pronominais

Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro.

(7)

RESUMO

A língua portuguesa é a língua primeira da maioria dos falantes de Portugal e do Brasil. Essas duas variedades têm diferenças em todos os níveis gramaticais (fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático), e, por isso, se faz necessário diferenciar essas variedades, chamando a que se fala na Europa de português europeu, e a que se fala na América de português brasileiro. Existem discursos de unificação linguística que afirmam que se trata da mesma língua falada em dois continentes diferentes, o que causa confusões normativas quando se trata do português brasileiro. Isso se dá porque a norma culta (usos reais de falantes “cultos”) brasileira não se assemelha à norma culta europeia e à norma-padrão (regras estabelecidas por gramáticas e dicionários normativos). Temos, por exemplo, o uso recorrente da próclise em início de frase no português brasileiro e quase raro no português europeu. Diante desse cenário, a proposta da presente pesquisa está em estudar como o ensino de norma-padrão se dá em sala de aula, mais precisamente no ensino médio. Assim, o objetivo principal desta pesquisa é identificar representações de professores e professoras sobre norma-padrão, associadas ao ensino de Língua Portuguesa como L1. Para fundamentação teórica, recorremos aos conceitos de norma culta e norma-padrão elaborados por Bagno (2003) e Faraco (2008). A metodologia para a pesquisa consistiu em encontros com os professores – que contou com a correção de um texto escrito e perguntas feitas pela pesquisadora. Com o resultado das entrevistas, avaliamos quais as produções do português brasileiro que, apesar de ainda não serem consideradas na tradição normativa, já estão sendo aceitas em sala de aula.

Palavras-chave: Português Brasileiro; Norma-padrão; Norma Culta; Ensino Médio; Tradição Normativa

(8)

ABSTRACT

The Portuguese language is the first language of most speakers in Portugal and Brazil. These two varieties have differences in all grammatical levels (phonetic, phonological, morphologic, syntactic, semantical and pragmatical). Therefore, it is necessary to differentiate them, by naming European Portuguese the one spoken in Europe, and Brazilian Portuguese the one spoken in Brazil. It is argued that such varieties are in fact only one language spoken in two different continents. Therefore, both should be a single standard. It causes normative conflicts when it comes to Brazilian Portuguese. It happens because the Brazilian “norma culta” (language spoken by educated people) does not coincide to the Portuguese “norma culta” or standard Portuguese. For example, in Brazilian Portuguese, people tend to prioritize the usage of “próclise” (the option of placing the object pronoun before the verb), a phenomenon that hardly ever happens in European Portuguese. Such facts motivate this research proposal, which is to study how the teaching of the standard language occurs in the classroom, especially in secondary school. Thus, the main aim of this research is to identify teachers’ linguistic representation about standard language, combined with the teaching of Portuguese as L1. To develop such theory, we used the concepts of “norma culta” and Brazilian Portuguese standard by Bagno (2003) and Faraco (2008). The methodology was based on encounters – whose agenda was the edition and correction of a text, as well as a few questions made by the researcher – with teachers who are experienced at this school level. The results have allowed us to evaluate the productions of Brazilian Portuguese that, although they are not included in the standard language, they have already been accepted in the classroom.

Keywords: Brazilian Portuguese; Standard; “Norma Culta”; Secondary School; Standardization

(9)

SUMÁRIO

1. Introdução ... 9 1.1 Delimitação do tema... 10 1.2 Justificativa ... 11 1.3 Objetivos ... 12 2. Pressupostos teóricos: ... 13 2.1 Norma linguística ... 13

2.1.1 Conceito de norma segundo o estruturalismo e sua apropriação pela sociolinguística ... 13

2.1.2 Uma breve visão histórica... 16

2.1.3 A questão da norma para linguistas brasileiros ... 18

2.2 Glotopolítica e agentes glotopolíticos ... 26

3. Os documentos oficiais de orientação do ensino médio ... 28

3.1 Orientações Curriculares Nacionais (OCN) ... 29

3.2 Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ... 31

3.3 Edital do ENEM ... 34

4. Metodologia ... 36

4.1 Ficha de perfil social e acadêmico ... 36

4.2 Entrevista ... 38

4.3 O texto a ser corrigido ... 40

4.3.1 A crítica cinematográfica ... 41

4.3.2 Descrições dos usos linguísticos de acordo com as gramáticas ... 44

5. Resultados obtidos ... 71 5.1 Os professores ... 71 5.2 As entrevistas... 74 5.3 As correções ... 84 6. Aprofundamento de análise ... 89 7. Considerações finais ... 94 Bibliografia: ... 98

Apêndice 1 – Ficha de perfil social e acadêmico ... 101

Apêndice 2 – Texto a ser corrigido ... 103

(10)

1.

Introdução

A língua portuguesa é língua oficial de sete países no mundo, no entanto, ela só é língua primeira (L1) da maioria dos falantes em Portugal e no Brasil. As variedades existentes no Brasil e em Portugal têm diferenças em todos os níveis gramaticais, como fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático. A diferença é tamanha que há necessidade de divisão terminológica para cada variedade, sendo atribuído o adjetivo “europeu” para a variedade europeia (português europeu) e o adjetivo “brasileiro” para a variedade americana (português brasileiro).

No português brasileiro, contudo, há conflitos a respeito da definição normativa em relação à definição da norma-padrão da língua. Isso acontece porque há tradição normativa lusitana, que se manifesta em manuais de correção, gramáticas e dicionários normativos, que nem sempre contemplam os usos correntes de falantes brasileiros. Um exemplo claro é o uso da próclise no início de sentenças, muito comum no português brasileiro, mas que não é aceito em alguns discursos normatizadores.

Dessa forma, os falantes tendem a dividir usos da língua como “certos” ou “errados”, dizendo que determinados usos são de acordo com a “norma culta”, “norma-padrão”, “língua padrão”, “língua culta”, e até mesmo, “português padrão”. Fica a pergunta então: o que é o português padrão/língua padrão/norma-padrão? Os usos comuns do português brasileiro são considerados por essa norma ou não? Qual é o modelo de língua proposto?

A educação básica obrigatória do Brasil é dividida em três segmentos: ensino fundamental I e II e ensino médio. O ensino médio é o último segmento da educação básica, e consolida todo o conteúdo ensinado durante os segmentos anteriores – fundamental I e II. Após o ensino médio, o aluno estará pronto para ingressar no mercado de trabalho e/ou no ensino superior. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, no Artigo 35, determina que as finalidades do ensino médio são:

(11)

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (LDB, 1996)

Como os professores de língua portuguesa são os principais agentes responsáveis por difundir a norma-padrão do português – ou seja, as regras gramaticais normativas dessa língua – na escola, é necessário estudar qual(is) é (são) a(s) noção(ões) de norma-padrão aplicada(s) em sala de aula. Esta pesquisa foca neste segmento, pois é na fase na final de desenvolvimento escolar que os textos-alvo dessa pesquisa são produzidos. Dessa forma, é nessa fase que os estudantes já devem ser capazes de escrever textos complexos, com linguagem mais monitorada e refletir sobre as práticas linguísticas.

Diante disso, esta pesquisa tem por objetivo estudar as avaliações normativas de professores e professoras de Língua Portuguesa do ensino médio. Ou seja, estudar como são feitas a aplicação e a correção da norma-padrão por professores de Língua Portuguesa – se há obrigatoriedade de uso da norma-padrão (vista em gramáticas normativas) pelos alunos ou se os professores aceitam escritas de acordo com a norma culta do português brasileiro. Os sujeitos de pesquisa estudados são professores e professoras de Língua Portuguesa do ensino médio. Cabe aqui mencionar que o presente estudo se insere na linha de pesquisa 3: história, política e contato linguístico do programa de pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense (UFF).

1.1 Delimitação do tema

A presente dissertação de mestrado se encontra no âmbito da sociolinguística; fundamentado nos estudos de norma linguísticas (BAGNO, 2003; FARACO, 2008); o

(12)

seu objeto é o estudo das avaliações normativas dos professores e professoras de Língua Portuguesa do ensino médio.

1.2 Justificativa

É muito comum ouvirmos as frases “Português é muito difícil” e “Não sei português” de diversos falantes nativos de português do Brasil. Como professores e/ou estudantes da linguagem, ouvimos estas frases em relação à disciplina Língua Portuguesa, mas os questionamentos acerca de como se deve dizer algo também chegam a surgir no momento de interação entre falantes.

Esses enunciados são fruto do preconceito linguístico (BAGNO, 2001), referidos a algumas variedades do português do Brasil. O pensamento de que falar de modo x é melhor, mais bonito, mais correto do que de modo y faz com que determinados falantes não se sintam seguros para afirmar que sabem tal (ou alguma) língua. Se pensarmos no conceito de capital simbólico de Bourdieu (1996), podemos afirmar que esses falantes sentem que sua variedade linguística não tem valor simbólico no mercado linguístico, pois sua variedade linguística é constantemente desqualificada.

A presente pesquisa contribui no estudo de práticas normativas e nas políticas linguísticas adotadas para o ensino de língua ao buscar a compreensão acerca dos frequentes enunciados citados acima, e sua relação com os posicionamentos glotopolíticos adotados por professores e professoras durante o ensino.

Ademais, o estudo sobre a ideologia normativa de professores de língua portuguesa no ensino médio coloca em primeiro plano o papel do ensino na difusão da norma-padrão e o papel fundamental dos professores de língua nesse processo.

(13)

1.3 Objetivos

O objetivo principal desta pesquisa é identificar as avaliações normativas de professores e professoras de Língua Portuguesa do ensino médio, e contribuir para futuras reflexões sobre o ensino.

Os objetivos específicos da pesquisa são:

1. identificar quais são as noções de norma-padrão que os professores de ensino médio têm acerca da Língua Portuguesa e de seu ensino;

2. coletar e analisar avaliações normativas de professores e professoras de Língua Portuguesa;

3. identificar indícios do estágio em que se encontra a elaboração e difusão de uma norma-padrão brasileira do ensino;

4. descrever as ideologias linguísticas de professoras e professores enquanto agentes glotopolíticos no sistema de ensino.

(14)

2.

Pressupostos teóricos:

2.1 Norma linguística

Para aprofundarmos o estudo da norma-padrão do português brasileiro, primeiro precisamos discorrer sobre o conceito de norma. Existe uma polêmica motivada pelas diferentes maneiras como a norma é entendida socialmente. Essas diversas abordagens do conceito estão presentes na própria definição da palavra, que no Dicionário Caldas Aulete online aparece como:

norma (nor.ma) sf.

1. Aquilo que está determinado como regra, regulamento, ou lei: as normas da escola.

2. Forma normal ou usual de se fazer alguma coisa: Minha família tem como norma jantar cedo.

3. Ling. Conjunto de regras que determinam o uso de uma língua. (Caldas Aulete online)

Assim, a norma pode ser entendida tanto como forma usual, quanto como regra, lei. No que diz respeito à língua, a literatura sociolinguística costuma diferenciar entre as práticas habituais (normais) e as regras estabelecidas (normativas).

Neste capítulo, delimitamos o conceito de norma, passando pelos seguintes passos: como o conceito de norma foi abordado pelo estruturalismo e depois pela sociolinguística; como a construção e a difusão de padrões linguísticos são empreendidas pelos Estados nacionais, e como as polêmicas normativas são abordadas pela linguística brasileira.

2.1.1 Conceito de norma segundo o estruturalismo e sua apropriação pela sociolinguística

Em 1916, foi lançada a obra póstuma de Ferdinand de Saussure, Curso de

(15)

linguística estruturalista – chamada por Saussure apenas de “Linguística”. Saussure estuda a linguagem dividindo-a em uma série de dicotomias, como língua e fala (langue/parole), diacronia e sincronia, significado e significante, sintagma e paradigma, entre outras. A mais pertinente, para este estudo, é a dicotomia língua/fala, ou langue/parole.

Nesta dicotomia, Saussure distingue o sistema linguístico – a língua, ou a

langue – da produção linguística – a fala, ou parole. De acordo com a visão

saussuriana, a língua é um sistema “social em sua essência e independe do indivíduo” (SAUSSURE, [1916] 2006, p. 27), parte psíquica, como define Saussure

Trata-se de um tesouro, depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum e só na massa ela existe de modo completo. (SAUSSURE, [1916] 2006:21) A fala, por outro lado, é a“parte individual da linguagem” (SAUSSURE, [1916] 2006, p. 27), parte psicofísica; a “utilização prática e concreta de um código de língua por um determinado falante num momento preciso de comunicação” (COSTA, 2015, p. 116). Dito isso, o autor propõe que os linguistas devem se ater ao estudo da língua, entendida, na concepção saussuriana, como um molde fechado, homogêneo, que se auto-organiza perfeitamente em um sistema estável.

No entanto, para a sociolinguística, as línguas não são moldes fechados, mas fatos sociais, que variam de acordo com a classe social, idade, gênero, âmbito de uso, local geográfico, entre outros aspectos do sujeito (CALVET, 2002:13-26). A noção de língua proposta por Saussure, portanto, não contempla a variação. Mais adiante, sobre a formulação de Saussure, Eugenio Coseriu, ao refletir sobre a variação linguística, insere um novo conceito na dicotomia langue/parole, e a transforma em uma tricotomia: língua/norma/fala.

De acordo com Coseriu, há mais de uma norma, e cada uma delas atualiza o sistema linguístico abstrato no uso social. Assim, as normas dizem respeito às possíveis formas de falar, que refletem o sistema linguístico em prática. Isso explica variações comuns existentes na língua. Por exemplo, na língua portuguesa do

(16)

Brasil, há duas variantes na realização fonética do /t/ no lexema/palavra “tia”, pronunciado [tia] em zonas da região Nordeste (entre outras) e [t

ʃ

ia] na região Sudeste (entre outras).

Sobre a norma linguística, Coseriu esclarece que:

[...] no se trata de la norma en el sentido corriente, establecida o impuesta según criterios de corrección y de valoración subjetiva de lo expresado, sino de la norma objetivamente comprobable en una lengua, la norma que seguimos necesariamente por ser miembros de una comunidad lingüística y no aquella según la cual se reconoce que “hablamos bien” o de manera ejemplar, en la misma comunidad. Al comprobar la norma a que nos referimos, se comprueba cómo se dice y no se indica cómo se debe decir: los conceptos que, con respecto a ella, se oponen son normal y anormal, y no correcto e incorrecto. (COSERIU, 1967, p. 53 – 54)1

Dessa forma, Coseriu não pretende distinguir formas “certas” de “erradas”, mas formas “comuns” (normais), e “não comuns” (anormais). O estruturalismo coseriano, então, distingue sistema normal (norma) de sistema funcional (langue saussuriana), pois diz que as diferentes normas são abarcadas no sistema funcional linguístico. Apesar dessa divisão, a proposta de estudo estruturalista continua sendo a langue saussuriana, sistema homogêneo e invariável.

Lucchesi, em “Norma linguística e realidade social” (2002:69-73), levanta o argumento da indissociabilidade entre os sistemas normais e funcionais na língua, visto que os sistemas normais alteram o sistema linguístico, comprovado pela mudança linguística. Assim, Lucchesi apresenta a posição da sociolinguística, que é a de fusão dos sistemas propostos por Coseriu, em que a língua é tida como sistema heterogêneo e variável, assim como as normas.

Em “Variação e norma linguística: subsídios para uma (re)visão” (2011:40), Henrique Monteagudo explicita uma divisão de norma feita pelos estudos sociolinguísticos: norma objetiva e norma prescritiva. Isto acontece porque dois

1

Não se trata da norma no sentido corrente, estabelecida ou imposta segundo critérios de correção e de valorização subjetiva do que foi expressado, mas da norma objetivamente comprovável em uma língua, a norma que seguimos necessariamente por sermos membros de uma comunidade linguística e não aquela segundo a qual se reconhece que “falamos bem” ou de maneira exemplar, na mesma comunidade. Ao comprovar a norma a qual nos referimos, se comprova como se diz e não se indica como se deve dizer: os conceitos que, de acordo com ela, se opõem são normal (comum) e anormal (incomum), e não correto ou incorreto. (tradução nossa)

(17)

adjetivos distintos derivam do substantivo norma: normal, de sentido comum, recorrente; e normativo, de sentido prescritivo, regras a serem seguidas. A norma objetiva diz respeito ao adjetivo normal, ou seja, é a produção linguística observável de um determinado grupo social ou situação comunicativa. A norma prescritiva, ao contrário, é relacionada ao adjetivo normativo e tem por função estabelecer determinados usos como “certos” ou “preferenciais”. Diferentemente do sentido de

normal, essa norma não exige que algum grupo a produza nos dias atuais. Ou seja,

a norma prescritiva propõe regras de acordo com usos de prestígio atuais ou tradicionais.

Alain Rey ([1972] 2001) propõe mais uma acepção de norma: a norma subjetiva, que diz respeito à avaliação que os falantes fazem acerca de uma determinada variante. A norma prescritiva geralmente é feita a partir de norma subjetiva de um grupo social, mas não necessariamente é referente à norma objetiva desse mesmo grupo. Ou seja, a norma prescritiva é uma idealização de língua, um modelo de língua virtual e não real.

A norma prescritiva, portanto, é a norma-padrão existente em todas as línguas que têm status de língua oficial e que, para tanto, passaram pelo processo de normatização. Para discorrer sobre a realidade linguística brasileira, vamos tratar de como ocorreu o processo de padronização na Europa e, depois, no Brasil.

2.1.2 Uma breve visão histórica

O estabelecimento do conceito de norma-padrão como língua oficial surge na Europa, na formação de Estados unificados política e territorialmente. A norma-padrão é um dos processos resultantes da unificação do Estado, no qual se elenca um dialeto como referencial – base, padrão – para os outros. Assim, a língua da capital, e do governo, prevalece como molde da língua que deve ser falada por todo o território. Salientamos que o modelo do padrão, portanto, se baseia num dialeto falado por um grupo social de maior status do Estado.

(18)

A normatização/padronização da língua não acontece da mesma forma nas colônias e em suas respectivas metrópoles. No caso do Brasil, é preciso fazer um panorama histórico da formação linguística presente neste território, antes de fazer a discussão sobre as normas estabelecidas.

Antes da invasão europeia, o continente americano era povoado por inúmeras etnias indígenas, e existiam milhares de línguas autóctones no local. De acordo com Lucchesi (2009:43), as línguas presentes na costa faziam parte da família tupi e os falantes eram capazes de se comunicarem entre si, numa espécie de língua koiné2. Com a chegada dos jesuítas, houve um processo de normatização dessa língua, que foi chamada de língua geral. Neste momento, a língua portuguesa coexistia com a língua geral, mas só o português era a língua da administração – e do poder. A língua geral era usada pelos jesuítas na catequização dos indígenas e na comunicação para obter sua força de trabalho. O tráfico negreiro, que trouxe inúmeros africanos escravizados que falavam diferentes línguas, também aumentou o quadro multilíngue no Brasil durante a colonização.

O processo de homogeneização linguística começa no final do século XVII, com o ciclo econômico do ouro, e o afluxo de grandes contingentes de portugueses vindos da metrópole para exploração do ouro, e se potencializa no século XIX, com a vinda da família real portuguesa e o fim do tráfico negreiro (LUCCHESI, 2017, no prelo). Foi a partir de então que a língua portuguesa se tornou língua mais falada do Brasil: a escravidão deu conta de extinguir as línguas africanas, devido a sua extrema violência física, cultural, psicológica e simbólica; e a extinção da maioria das línguas autóctones foi devida ao massacre de vários povos indígenas, e à aculturação dos indígenas sobreviventes, primeiro por conta da catequização, e depois pela imposição do uso da língua portuguesa.

O aprendizado da língua portuguesa pelos africanos escravizados e indígenas aculturados, portanto, não foi feito a partir da educação formal, ou seja, não houve políticas linguísticas para a implantação do português neste espaço. A partir disso, surgem diferentes hipóteses para explicar a realidade linguística observada no

2

Língua koiné, de acordo com Jeff Siegel (1985:375-376), é o produto de mistura de línguas inteligíveis entre si, ou que fazem parte de um mesmo subgrupo de uma família linguística.

(19)

Brasil. Gregory Guy, na década de 1980, compara a realidade vista aqui com outras colônias, que foram locais adequados para o desenvolvimento de línguas crioulas, e sustenta a hipótese de uma crioulização da língua, e, por conta do alto contato com a língua-alvo – a língua portuguesa – houve uma descrioulização. Lucchesi e Baxter defendem a hipótese da transmissão linguística irregular de tipo leve, que diz respeito a um aprendizado defectivo de língua, no sentido de que não há contato suficiente com o modelo da língua-alvo pelos africanos escravizados e indígenas aculturados, ou seja, falantes de outras línguas que foram forçados a usar o português como língua primeira. Na colonização, apenas um terço da população que vivia no Brasil era falante nativo de português. As condições precárias de transmissão da língua causaram transformações (a mais comum é a simplificação) na língua-alvo (LUCCHESI, 2012; LUCCHESI, s/d). Esse processo é resultado do contato de línguas existente no país, e justifica algumas ocorrências comuns no português do Brasil que não acontecem na variedade europeia.

No Brasil, foi imposta uma tradição padronizadora de raiz europeia. Portanto, a norma prescritiva da língua no Brasil foi a mesma do continente europeu. Como esta norma era baseada em uma norma objetiva de Portugal, as normas objetivas observadas no Brasil não serviram de base para o ensino de língua. Mesmo a norma objetiva do colonizador não estava de acordo com a norma prescritiva de Portugal.

2.1.3 A questão da norma para linguistas brasileiros

No Brasil, a norma-padrão imposta fora elaborada sobre a base da norma culta (de uso normal, habitual por parte dos falantes cultos) portuguesa. A distância entre a norma culta brasileira e o padrão imposto, portanto, é muito maior do que em Portugal. O processo de padronização autônomo brasileiro, tomando as variedades que constituem a norma culta do Brasil como base para a construção do modelo de língua, ainda é muito incipiente e conflitivo. Convém estabelecer o que cada conceito significa, e aqui colocamos a posição de Marcos Bagno e Carlos Alberto Faraco.

(20)

Marcos Bagno, em A norma oculta (2003), discute sobre as normas linguísticas observadas no Brasil e propõe uma distinção conceitual entre norma-padrão, variedades de prestígio e variedades estigmatizadas.

O primeiro problema do termo norma culta, segundo o autor, é como ele é usado de forma confusa, pois pode significar a língua literária da língua portuguesa do romantismo até a atualidade, vistos em instrumentos normativos, que não se assemelha à língua falada (e escrita) no português brasileiro.O segundo problema é a atribuição do adjetivo “culto” em questão. Apesar de esse adjetivo se referir a pessoas inseridas em uma cultura letrada, ele acaba por reconhecer um grupo social como “superior” a outros, visto que um grupo teria “cultura” e outro não. Sendo assim, Bagno não trabalha com o conceito de norma culta, mas sim com

norma-padrão e variedades de prestígio ou variedades estigmatizadas.

A norma-padrão (2003:64-65) se refere à norma prescritiva, “fora e acima da atividade linguística do falante” (BAGNO, 2003:64), é a norma registrada nas gramáticas e dicionários normativos, que têm base na literatura de língua portuguesa desde o romantismo.

As variedades de prestígio estão relacionadas aos usos correntes, habituais do grupo dominante urbano, prestigiado, com alto nível de letramento. Bagno destaca que essa classificação é inteiramente sociopolítica, associada ao prestígio e à posição social do falante ou grupo linguístico em que ele se insere.

As variedades estigmatizadas seriam o oposto das variedades privilegiadas, ou seja, dizem respeito à fala das pessoas de classe social baixa, mais próximo ao espaço rural, e baixo nível de escolaridade. Para ilustrar os conceitos, Bagno lança mão do seguinte esquema:

(21)

Figura 1 Esquema de normas linguísticas do português brasileiro por Marcos Bagno

Assim, vemos que a norma-padrão é uma idealização, uma norma almejada pelos falantes, e existe uma zona intermediária entre as variedades de prestígio e estigmatizadas, em que há mútua influência. O estigma e o prestígio sociais envolvem relações políticas e econômicas. Sendo assim, são categorizações aplicadas de acordo com a posição socioeconômica do sujeito, o que torna realizável a mobilidade de status de uma determinada variante.

Carlos Alberto Faraco, em seu livro Norma culta brasileira: desatando alguns

nós (2008), trata da descrição do conflito normativo brasileiro, e distingue três

normas: norma culta/comum/standard, norma-padrão, e norma curta.

Faraco (2008:43-70), para definir o conceito de norma culta, o situa dentro dos três continua, estabelecidos por Stella Maris Bortoni-Ricardo (2005 apud FARACO, 2008), que são: 1) continuum rural-urbano; 2) continuum de oralidade-letramento e; 3) continuum de monitoração linguística. A norma culta, portanto, seria a variedade presente na interseção destes três continua, estando em seus pontos mais próximos do urbano, do letramento, e dos estilos mais monitorados.

Além do posicionamento da norma culta observado dentro dos contínua proposto por Bortoni-Ricardo, Faraco também cita a proposta do projeto Norma

(22)

Urbana Culta, segundo a qual a norma culta é aquela falada por falantes com alto nível de escolaridade.

O projeto NURC fez uma análise comparando usos de falantes com alto nível de escolaridade (denominados “cultos”) com a linguagem urbana comum, que diz respeito aos usos realizados nos grandes centros urbanos, por indivíduos com escolaridade média. Essa comparação constatou que a norma culta brasileira falada pouco se distingue da linguagem urbana comum. Dessa forma, a norma objetiva de falantes com terceiro grau completo não se aproxima da idealização de língua proposta pela norma prescritiva da tradição gramatical normativa. Esse resultado não cumpriu as expectativas do projeto NURC, que tinha suposto essa aproximação entre a norma culta com a norma prescritiva (FARACO, 2008:46).

A urbanização é o fator principal que equipara a produção oral dos falantes cultos e a falada em grandes centros urbanos. Primeiro, o nível de escolaridade dos indivíduos provenientes das áreas rurais aumentou junto com o êxodo rural, ou seja, quando uma grande quantidade de cidadãos nascidos no meio rural se moveu para o meio urbano, onde há mais oferta escolar. Segundo, o contato linguístico influencia os usos linguísticos. A alta difusão da linguagem urbana comum pelos instrumentos da comunicação social (televisão, rádio, internet, etc.) funciona como uma grande força centrípeta, que tem efeito homogeneizante na língua. Este processo não acontece necessariamente em uma única geração, mas a interação dos indivíduos num determinado centro urbano gera produção e divulgação da norma específica nesse centro, como é o caso do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre, entre outras grandes cidades, que possuem suas normas objetivas próprias, de prestígio. Na medida em que a cidade se mostra como um centro cultural do país, como é o caso do Rio de Janeiro no Brasil, sua norma objetiva é mais divulgada por meios de comunicação, que expandem essa força homogeneizante para todo o país.

Por fim, Faraco disserta sobre o falante denominado “culto”. Apesar de o projeto NURC considerar os falantes com terceiro grau completo, Faraco tende a não concordar com essa definição, visto que a realidade brasileira mostra que toda a população está longe de adquirir esse nível escolar, e a norma culta é quase

(23)

equivalente à linguagem urbana comum. Por isso, o autor usa a expressão norma culta/comum/standard. Sua explicação segue:

Por tudo que afirmamos no texto, talvez melhor faríamos se abandonássemos a denominação norma culta. De um lado, nos livraríamos de sua carga de injustificável elitismo. Por outro lado, estaríamos nos aproximando de uma análise mais precisa da realidade linguística brasileira, na medida em que não há, pelo menos no plano da fala, diferenças substanciais entre o que se poderia chamar de norma culta e a linguagem urbana comum. Por tudo isso, ganharíamos se adotássemos uma designação como norma comum ou norma standard, qualificações que parecem carregar menos impregnações axiológicas do que o adjetivo culta. (FARACO, 2008, p.42 – grifo do autor)

Sobre a norma-padrão brasileira, Faraco explica que, na segunda metade do século XIX, iniciou-se o movimento de padronização do português do Brasil, e que este “projeto de norma-padrão no Brasil teve como objetivo fundamental (...) combater as variedades do português popular” (FARACO, 2008:80). Dessa forma, esse projeto visava suprimir as variedades faladas no Brasil, com influência da língua geral e das línguas advindas da África. A tradição da norma-padrão brasileira se baseia no modelo de língua estabilizado em Portugal na formação do Estado, e, por conseguinte a mesma idealização que tratamos no final do subcapítulo anterior.

A norma-padrão brasileira é observada nas gramáticas e dicionários normativos, chamada de norma gramatical por Faraco (2008:80-83). O autor esclarece que esta norma se localiza no entremeio da tradição da norma-padrão brasileira e da norma culta/comum/standard. Isso porque os grandes instrumentos normativos de referência da língua já inserem exemplos com usos cristalizados na norma culta brasileira, além dos usos do português europeu vistos em obras literárias do romantismo. Assim, as boas gramáticas e dicionários quebram o teor extremamente conservador observado na tradição padronizadora, e inserem usos presentes somente na variedade brasileira, alargando o limite do que é imposto como uso apropriado.

O que Faraco chama de “norma curta” (2008:91-94) é um modelo de correção muito difundido no Brasil. Essa norma diz respeito à categorização arbitrária de determinados usos como “certos” ou “errados”, divulgado pela mídia brasileira e por pseudopuristas. O uso considerado “errado”, portanto, é demonizado, condenado;

(24)

enquanto o uso “correto” é respeitado e enaltecido. Além desse tipo de categorização estabelecer um grande problema por si só, outra questão é a sua arbitrariedade, visto que muitos usos da norma culta/comum/standard brasileira são julgados como “errados”.

Marcos Bagno também identifica a difusão de um modelo de língua restrito e arbitrário, mas o chama de “comandos paragramaticais” (2004:141-150). Os comandos paragramaticais têm o intuito de mostrar ao indivíduo qual é a forma “certa” de usar a língua, de forma autoritária e agressiva e estão presentes em manuais linguísticos, jornais, revistas, rádio, internet, televisão, etc. Enquanto as gramáticas normativas estabelecem usos “aconselháveis”, os comandos paragramaticais determinam a proibição de determinado uso, mesmo sendo bastante frequente na língua em registros formais ou informais.

Um exemplo simples desta questão é a regência do verbo assistir, em que se o verbo for transitivo direto, “assistir algo”, tem sentido de dar assistência e, se for transitivo indireto, “assistir a alguma coisa”, ele tem sentido de estar presente. Ora, no português brasileiro, usa-se o verbo assistir, com sentido de “ver”, como transitivo direto. Usa-se, portanto, “assisti o filme”, “assisti um show”, “assisti uma apresentação ontem”, sem sentido ambíguo – além do mais, quase não se usa

assistir com sentido de “dar assistência”. Assim, a norma curta (e/ou os comandos

paragramaticais) abomina, impede, proíbe alguns usos por meio de discursos elitistas e preconceituosos de pessoas que se julgam “especialistas” na área, mas que na verdade nunca se dedicaram ao estudo científico da língua. A grande ironia é que estes pseudopuristas não conseguem dominar a norma que tanto prezam, usando formas tidas como “erradas”.

É importante salientar que não há uma instituição de autoridade em língua portuguesa. A Academia Brasileira de Letras (ABL), apesar de seu caráter conservador, não estabelece nenhuma regra linguística, ela somente regula o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), que diz se o item lexical é reconhecido pela ABL e qual é sua grafia.

(25)

A norma-padrão, junto com a norma curta e os comandos paragramaticais, fomentam variados pontos negativos no imaginário linguístico. O primeiro diz respeito ao preconceito linguístico (BAGNO, 1999). Este preconceito tende a inferiorizar e diminuir pessoas que falam uma variedade estigmatizada, ou seja, assim que um falante produz uma construção fora do padrão, ele já é julgado negativamente.

Marcos Bagno (2003) chega à conclusão de que, na verdade, o preconceito linguístico não existe, ele é apenas um reflexo do preconceito social da nossa sociedade. Porque vemos que as variedades prestigiadas são aquelas faladas pelas classes sociais mais altas, enquanto as variedades estigmatizadas são relacionadas às falas da classe mais pobre. Então, o argumento de que determinada pessoa “não sabe falar português” só incrementa o preconceito intrínseco da nossa sociedade.

Consequência desses processos é a insegurança linguística (CALVET, 2004:167-170), que diz respeito ao sentimento que o falante experimenta em relação à língua. Por conta dos contínuos julgamentos sobre os usos linguísticos, e a cobrança do uso da língua “correta”, o falante vê sua variedade de língua como inferior às outras. Essa insegurança gera outros fenômenos, como por exemplo, a hipercorreção.

A ideologia da língua-padrão (MILROY, 2011) diz respeito à uniformidade e invariância da língua entendidas pelo senso comum, que gera o sentimento de insegurança linguística, o preconceito linguístico e a norma curta, defendida por Faraco, ou comandos paragramaticais, por Bagno. Dessa forma, é um efeito da padronização, que provoca a identificação entre “língua” e “padrão”. E se a língua é uniforme e invariante – justamente o contrário do que ela é –, algumas formas de falar são consideradas erradas e outras, corretas. Dentro do senso comum, não há discussão sobre o que é postulado pelos comandos paragramaticais (ou norma curta), e, assim, os falantes reafirmam que certos usos são tidos como “incorretos”, ou “não existentes”, sem questionar. Cameron, em seu texto intitulado Higiene

verbal (1995), faz uma comparação pertinente sobre códigos de vestimenta e

normas linguísticas. A autora diz que qualquer indivíduo, ao ser impossibilitado de entrar em um lugar de bermuda ou chinelos, por exemplo, se sente no direito de

(26)

indagar e discutir a respeito da regra. No entanto, esse mesmo indivíduo, ao ser advertido que tal uso convencional na língua não é correto, não questiona o assunto, simplesmente aceita a forma correta e tenta não mais repetir a forma dita como incorreta. De acordo com Milroy (2011),

A ideologia exige que aceitemos que a linguagem (ou uma língua) não é

algo que os falantes nativos possuem: eles não são pré-programados com

uma faculdade da linguagem que lhes permite adquirir (ou desenvolver) “competência” na língua sem ser formalmente ensinados (se for admitido que eles estão equipados com tal faculdade, isso é tratado como algo desimportante). O que eles adquirem de modo informal antes da idade escolar não é confiável e não plenamente correto ainda. Nesse contexto geral, a “intuição do falante nativo” não significa nada, e as sequências gramaticais não são produtos da mente do falante nativo. Elas são definidas externamente – em competências gramaticais – e a escola é o lugar onde ocorre a verdadeira aprendizagem da língua. Faz parte do senso comum que é preciso ensinar às crianças as formas canônicas de sua própria língua nativa, sobretudo na escola [...], ensino feito por aqueles que sabem as regras da “gramática”, os significados corretos das palavras e a pronúncia correta, e todas essas regras e normas existem fora do falante. As autoridades (geralmente não nomeadas) das quais dependem os falantes (e seus professores) têm acesso privilegiado aos mistérios da língua e têm algo do status de sumo sacerdotes [...]. Se pusermos a coisa em termos de errado e certo, talvez possamos notar também, de passagem, que para muitos a questão não é apenas social, mas também moral. (MILROY, 2011, p.60 – grifo do autor)

Socialmente, a língua é identificada com a sua representação gráfica. É através da escrita que a língua se converte num objeto visível. E a ortografia é constituída por um corpo rígido e explícito de regras de uso. Por isso, o senso comum costuma confundir o que é língua e o que é ortografia. A ideologia da língua-padrão reafirma essa lógica: a língua é vista como uniforme e invariável, assim como é o registro das palavras. O aprendizado da língua, conforme essa ideologia, só é feito na escola, a partir do contato do aluno com o mundo letrado, ou seja, na alfabetização e letramento desse aluno e, consequentemente, no aprendizado da grafia das palavras.

(27)

2.2 Glotopolítica e agentes glotopolíticos

Para tratarmos sobre a glotopolítica, é necessário explicar primeiro o conceito de políticas linguísticas. Em Políticas linguísticas, de Louis-Jean Calvet (2007), o autor divide dois conceitos complementares, as políticas linguísticas e o planejamento linguístico. O primeiro conceito diz respeito à “determinação das grandes decisões referentes às relações entre línguas e sociedades”; e o segundo, à implementação das políticas linguísticas. Dessa forma, um exemplo de política linguística é a determinação por lei de uma língua como oficial de um Estado. O planejamento linguístico, portanto, são as práticas de aplicação dessa língua oficial, ou seja, implantação no currículo escolar, tradução de documentos oficiais nesta língua, tradutores oficiais nesta língua em tribunais e situações majoritariamente orais, tradução e divulgação de atividades culturais nesta língua, e outros.

O termo “glotopolítica” é proposto por Guespin e Marcellesi em contraponto ao conceito de “política linguística” e representa

as diversas abordagens que uma sociedade faz da ação sobre a linguagem, tenha ela ou não consciência disso: seja sobre a língua, quando a sociedade legisla sobre o status recíprocos do francês e das línguas minoritárias, por exemplo; seja sobre a fala, quando se reprime determinado uso por parte desta ou daquela pessoa; sobre o discurso, quando a escola torna matéria de exame produção de determinado tipo textual – glotopolítica é necessário para englobar todos os fatos de linguagem em que a ação da sociedade reveste a forma do político. (GUESPIN, MARCELLESI, 1986, p. 5)

Desta forma, o conceito de glotopolítica se mostra mais amplo do que o de política linguística, visto que qualquer forma política de discutir a língua, além das propostas pelo Estado, é englobada.

Os autores chamam atenção de uma linguística que se interessa com o momento de produção da língua, na interação. Essa linguística é explicitada pelos trabalhos sobre o discurso - a análise francesa do discurso, o interacionismo estadunidense, o trabalho de Volosinov – relacionado com a sociolinguística de W. Labov, trabalhos soviéticos de 1920 (Bakhtin, Volosinov, Vygostsky) e trabalhos franceses sobre categorização que tem por finalidade “levantar problemas de uma glotopolítica preocupada em agir, não mais apenas sobre o status da língua, mas

(28)

também sobre as práticas de linguagem e sobre as relações, no indivíduo social, entre pensamento e linguagem.” (GUESPIN; MARCELESI, 1986:9).

A glotopolítica, no entanto, não está somente relacionada às manifestações científicas da língua, expressas pelos linguistas, ou por determinações feitas por órgão público. Toda e qualquer correção de uma construção em relação à norma linguística é um ato glotopolítico, sendo proferido por qualquer falante da língua.

Guespin e Marcellesi distinguem os agentes das instâncias glotopolíticas. Os agentes glotopolíticos são os indivíduos propagadores da norma. Segundo os autores “diante dos difusores das novas normas, há indivíduos, grupos ou camadas tidos tacitamente por um consenso social como portadores de norma” (1986:24). As instâncias glotopolíticas, por outro lado, são as instituições que postulam o discurso normativo, como a mídia, a escola, as editoras, e outras.

Os professores e professoras de Língua Portuguesa, portanto, são agentes glotopolíticos, visto que sua atribuição profissional é justamente ensinar a língua, e, com isso, haverá situações de aprendizagem linguística, que envolvem exposição do conteúdo, correção e avaliação.

Como dito anteriormente, todo ato político para com a língua, de correção e avaliação, por exemplo, são atos glotopolíticos. No entanto, a incidência da ação glotopolítica é diferente dependendo de quem seja o agente e da instância de atuação. Logo, é muito mais significativo ouvir uma correção de um estudioso da língua (como professores de Língua Portuguesa) sobre a língua do que de outra pessoa.

Considerando os efeitos glotopolíticos do professor de língua com a ideologia da língua padrão, discutida no capítulo sobre normas linguísticas, há de se convir que o professor mantém um papel fundamental na difusão do modelo ideal de língua a ser usado, pois é a partir dele que, segundo a ideologia da língua-padrão, os falantes aprendem a língua legítima, e não pelas suas interações na vida fora da escola.

(29)

3. Os documentos oficiais de orientação do ensino médio

O Ministério da Educação (MEC) é o órgão do governo brasileiro com função de regulamentar todos os assuntos relativos ao ensino no país, incluindo os previstos na LDB, e os documentos de orientação curricular. Os referentes ao ensino médio, foco do presente trabalho, são: Orientações Curriculares Nacionais (OCN), publicadas em 2006 com validade de 10 anos; e Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é reconhecida pela LDB material que estabiliza os direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio (Lei 13.415, de 2017).

Como estamos em uma fase de entremeio de regulamentação dos documentos vigentes para orientação da educação (a pesquisa deu início antes da BNCC entrar em vigor), é fundamental expor o conteúdo desses dois documentos. As Orientações Curriculares Nacionais perderam validade em 2016, no entanto, ainda continuam como um documento de referência para os educadores. A Base Nacional Comum Curricular foi implementada há menos de um ano, portanto, não há certeza se os educadores se basearão neste documento no momento da implementação dessa pesquisa.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), vinculado ao MEC, regula o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), que é feito no final do ensino médio, com função de avaliar a qualidade desse segmento do país e, majoritariamente, para dar acesso à maioria das universidades públicas e privadas brasileiras. É divulgado um edital do ENEM, com uma lista dos conteúdos presentes na prova, que também aparecerão neste capítulo.

Todos estes documentos são relacionados à educação básica e sobre todas as matérias obrigatórias da grade curricular do ensino médio. Dessa forma, eles não só abordam o conteúdo de Língua Portuguesa, mas também Matemática, Geografia, História, Química, Física, Biologia, Línguas estrangeiras, Educação Física, Educação Artística. Nós nos basearemos no caderno destinado ao ensino de Língua Portuguesa.

(30)

Assim, exporemos a posição vista em cada um desses documentos oficiais e como, ou se, a norma-padrão é abordada, ou seja, se há menção de norma-padrão, e qual seria o modelo de norma-padrão adotada.

3.1 Orientações Curriculares Nacionais (OCN)

O capítulo de Língua Portuguesa aparece no “Volume 1: Linguagens, códigos e suas tecnologias”, que envolve os conhecimentos de Língua Portuguesa, Literatura, Línguas estrangeiras, Espanhol, Arte e Educação Física.

Como orientação geral da disciplina de Língua Portuguesa, as OCN seguem o postulado da LDB, o propósito do ensino médio é preparar o aluno para o mercado de trabalho ou a continuidade dos estudos, podendo compreender de forma crítica os acontecimentos do seu tempo. Segundo as OCN:

a orientação segundo a qual cabe à escola fortalecer o compromisso de empreender uma educação que propicie ao aluno viver e compreender de forma crítica seu tempo, o que, em outros termos, pressupõe que o aluno possa preparar-se para a vida, qualificar-se para a cidadania e capacitar-se para uma formação permanente, seja no mundo do trabalho seja no mundo da educação formal. Este último aspecto, convém destacar, reporta-se diretamente aos propósitos do ensino médio. (OCN, 2006, p. 43 – 44) Sobre o aprendizado da linguagem, as OCN dizem que toda linguagem é produzida em situações de interação, portanto a escola deve propiciar essas situações, essas práticas de linguagem no ensino de Língua Portuguesa. Nesse sentido, as OCN postulam:

(...) essa concepção de língua(gem) traz para a escola e seus atores outros compromissos com relação ao que comumente se entende por aprendizagem da língua ou, para muitos, por domínio da língua. Por meio dela, assume-se que o aprendizado da língua implica a apreensão de práticas de linguagem, modos de usos da língua construídos e somente compreendidos nas interações, o que explica a estreita relação entre os participantes de uma dada interação, os objetivos comunicativos que co-constroem e as escolhas linguísticas a que procedem. Em outras palavras, a assunção desse ponto de vista determina que o trabalho com a língua(gem) na escola invista na reflexão sobre os vários conjuntos de normas – gramaticais e sociopragmáticas – sem os quais é impossível atuar, de forma bem-sucedida, nas práticas sociais de uso da língua de nossa sociedade. (OCN, 2006, p. 30)

(31)

É interessante ressaltar que a palavra “norma” só aparece nessa vez no caderno voltado ao ensino de língua materna. Assim, percebemos que as OCN confirmam a existência de normas, mas não se aprofundam no tema. Ou seja, as OCN não utilizam o conceito de norma-padrão ou norma culta do português brasileiro estabelecidos por Faraco (2009). A palavra “norma” aparece como sinônimo de “regras”, estas sendo gramaticais e sociopragmáticas.

No capítulo de “organização curricular e procedimentos metodológicos de abordagem dos conteúdos”, os professores e as escolas, com o planejamento de seu projeto político pedagógico, são os responsáveis por precisar os conteúdos e transformá-los em objetos de ensino e aprendizagem, assim como os procedimentos por meio dos quais será feita sua operacionalização. Dessa forma, não há um guia com os procedimentos a serem seguidos, visto que esse material é de referência, e não prescritivo. As OCN desenvolvem dois quadros de eixos organizadores das atividades de Língua Portuguesa no ensino médio, a serem aplicados em todas as séries do segmento. O Quadro 1 é relativo às práticas de linguagem que envolvem atividades de produção e recepção de textos. O Quadro 2 é referente à análise dos fatores de variabilidade das (e nas) práticas de língua(gem), e descrevem os focos das atividades de análise.

As atividades de produção e recepção de textos (Quadro 1) envolvem: a) produção escrita e de leitura de textos gerados em diferentes contextos sociais; b) produção de textos orais (palestras, debates, seminário, por exemplo); c) escuta de textos em situações de leitura em voz alta; d) retextualização, que diz respeito à reescrita de textos orais ou escritos produzidos pelos próprios alunos ou não; e) reflexão de textos orais ou escritos produzidos pelos próprios alunos ou não.

No quadro 2, as OCN explicitam quais são os focos das atividades de análise, que são: a) elementos pragmáticos vistos nos diferentes gêneros textuais trabalhados; b) estratégias para construção de texto; c) mecanismos enunciativos; d) intertextualidade; e) ações de escrita.

Dessa forma, as OCN focam na produção e compreensão linguística, com uso de diferentes gêneros textuais e refletindo sobre as características linguísticas

(32)

de cada um deles – linguagem formal ou informal, modalidade oral ou escrita, por exemplo. A definição de norma-padrão, no entanto, não é explicitada neste documento, mas a variação linguística, com as variedades de prestígio e as variedades estigmatizadas, é considerada e faz parte dos objetos de estudo propostos para esse segmento. O modelo de correção normativa, portanto, não é postulado por este documento, dadas as diferentes variações (e variedades prestigiadas) presentes em todo o Brasil.

3.2 Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

A Base Nacional Comum Curricular é o novo documento para substituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que regulamentavam o Ensino Infantil, Fundamental I e II, e as Orientações Curriculares Nacionais (OCN), que regulamentavam o ensino médio.

Na parte do documento que é destinada às áreas de linguagem, afirma-se que as práticas de linguagens estão presentes na interação de todo indivíduo com o mundo. As linguagens não dizem respeito apenas à linguagem verbal, mas também a musical, visual e corporal. Essas práticas de linguagens propiciam aos indivíduos uma dimensão de conhecimentos à qual não teriam acesso de outro modo. As áreas de linguagem incluem: Arte, Educação Física, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira Moderna.

A BNCC divide os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da Língua Portuguesa em quatro eixos, que estão presentes em todos os segmentos da educação básica: 1) leitura; 2) escrita; 3) oralidade; 4) conhecimento sobre a língua e sobre a norma-padrão. A BNCC, portanto, considera o ensino da norma-padrão no eixo número 4, que é definido como “aprendizagem dos conhecimentos gramaticais, em uma perspectiva funcional, regras e convenções de usos formais da língua que darão suporte aos eixos de leitura, escrita e oralidade” (BNCC, 2016:95). Dessa forma, esse eixo permeia os outros, e também outras disciplinas, visto que as práticas linguísticas estão presentes em todo tipo de comunicação.

(33)

A norma-padrão e a norma culta também estão presentes nos objetivos gerais da disciplina de Língua Portuguesa na Educação Básica. O primeiro fator é:

Dominar, progressivamente, a norma-padrão, sendo capaz de produzir análises sobre o funcionamento da Língua Portuguesa, com atenção para algumas especificidades do português usado no Brasil e reconhecendo o papel da norma culta para o uso da língua oral e escrita.

(BNCC, 2016, p. 97)

A ambiguidade conceitual e terminológica sobre norma se faz presente nesse documento. Como não é exposta a definição dos conceitos de norma culta e norma-padrão, não é claro se o documento trata dos dois conceitos como sinônimos, ou se há uma correlação com o que é proposto por Bagno e Faraco, sendo a norma-padrão uma idealização de língua, e a norma culta alguma variedade prestigiada.

A norma culta só aparece uma vez em todo o texto, que é nesse recorte. A norma-padrão, por outro lado, tem mais enfoque, pois há um eixo de aprendizagem destinado a ela, como já visto.

Sobre os objetivos próprios ao ensino médio, há um quadro na BNCC estabelecendo quais conhecimentos fazem parte de cada eixo. Sobre o eixo da norma-padrão, vemos:

Tabela 1 Quadro de conhecimentos sobre a língua e sobre a norma padrão extraído da Base Nacional Comum Curricular, BRASIL, p. 534

CONHECIMENTOS SOBRE A LÍNGUA E SOBRE A NORMA-PADRÃO

(EM14LI13) Perceber a distribuição dos verbos nos gêneros textuais (por exemplo, as formas de pretérito em gêneros narrativos e de relato; as formas de presente e futuro em gêneros argumentativos; as formas de imperativo em gêneros publicitários); analisar a morfologia do verbo, reconhecendo marcas de pessoa, número, tempo, modo.

(EM14LI14) Reconhecer e distinguir recursos gramaticais que operam a coesão referencial e a coesão sequencial: substantivos, pronomes, conjunções, advérbios etc.

(EM14LI15) Construir reflexões e análises sobre a sintaxe do português: a ordem dos constituintes da sentença; a noção de classe e função e de categorias prototípicas; a estrutura dos sintagmas (nominal, verbal, adjetival e adverbial.)

(34)

(EM14LI16) Analisar as categorias sintáticas “sujeito” e “complemento verbal” (objeto direto e indireto), refletindo sobre as classes gramaticais que preenchem essas funções (o substantivo, o pronome, uma oração substantiva, a elipse).

(EM14LI17) Refletir sobre a sintaxe de concordância verbal no português brasileiro, considerando ocorrências como o “sujeito posposto” e estruturas com a partícula “se”; comparar esse uso com as prescrições da norma-padrão, para fazer escolhas adequadas à situação comunicativa.

(EM14LI18) Compreender a noção de regência verbal e nominal, para realizar a regência de verbos mais utilizados no português brasileiro.

(EM14LI19) Compreender a função do acento grave, a partir de reflexões sobre o funcionamento sintático da língua, para empregá-lo.

(EM14LI20) Analisar o uso dos pronomes pessoais no português brasileiro (pronomes que ocupam a posição de sujeito e pronomes que ocupam a posição de complemento verbal), comparar esse uso com as prescrições da norma-padrão, para fazer escolhas adequadas à situação comunicativa.

Conhecimentos sobre a língua e a norma-padrão, portanto, se relacionam às análises da língua vistos em gramáticas e dicionários normativos. Não há definição exata do que significa norma-padrão. No entanto, há o reconhecimento de que certos usos próprios do português brasileiro, como o sujeito posposto ou estruturas com a partícula se, não são identificados como norma-padrão.

Neste documento, a norma-padrão se assemelha às definições vistas no presente trabalho, por Bagno e Faraco. Os usos das variedades privilegiadas brasileiras também são levados em consideração. Interessante notar o papel crítico que as normas passam a ter neste novo documento, fazendo os alunos questionarem e refletirem sobre elas.

(35)

3.3 Edital do ENEM

O Edital do ENEM contém um anexo com as matrizes de referência para o exame. Nos eixos cognitivos, comuns a todas as áreas de conhecimento, vemos “I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa.” (EDITAL DO ENEM, 2016, p.45)

Aqui, já vemos que, segundo esse documento, a norma culta está presente em todas as áreas de conhecimento, não só em Linguagens, códigos e suas tecnologias. Essa visão já difere da vista na BNCC, que diz que a norma-padrão é vista em todas as outras disciplinas. Novamente, encontramos confusão terminológica: cada documento usa uma terminologia diferente.

Mais especificamente, na matriz de referência de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, o documento faz distinção entre nove competências. Na subdivisão de “competência da língua como língua materna”, está:

H25 – Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro. H26 – Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.

H27 – Reconhecer os usos da norma-padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. (EDITAL DO ENEM, 2016. p.46) Nesta seção, o documento trata das variedades linguísticas – sociais, regionais, e de registro, ou seja, a distinção entre as variedades, a adequação da variedade a cada situação de uso. O último ponto abarca o uso da norma-padrão em variadas situações. Em contraste com o ponto H26, existem as variedades e a padrão, portanto, parece que, no documento, se faz distinção entre norma-padrão e variedades linguísticas.

No detalhamento dos “objetos de conhecimento associados às matrizes de referência”, há um item chamado “aspectos linguísticos da língua portuguesa: usos da língua: norma culta e variação linguística”, que dizem respeito ao

uso dos recursos linguísticos em relação ao contexto em que o texto é constituído: elementos de referência pessoal, temporal, espacial, registro linguístico, grau de formalidade, seleção lexical, tempos e modos verbais;

(36)

uso dos recursos linguísticos em processo de coesão textual: elementos de articulação das sequências dos textos ou a construção da microestrutura do texto. (EDITAL DO ENEM, 2016, p. 51)

As concepções de norma-padrão e norma culta, portanto, nesses instrumentos de referência para o professor do ensino básico, não têm unidade, mesmo sendo regulamentadas pelo mesmo órgão. Por isso, é tão necessário o estudo das normas e definição esclarecida de cada uma.

(37)

4.

Metodologia

A metodologia do presente trabalho consiste em analisar de que modo os professores e professoras de Língua Portuguesa se posicionam acerca da norma-padrão do português brasileiro, obtido através de correção de um texto e por meio de uma entrevista. Dez professores responderam a pesquisa, dos quais nove dão aulas na cidade do Rio de Janeiro, e um em Casimiro de Abreu. Não houve preferência por rede de ensino, cinco professores são da rede particular, e outros cinco são da rede pública. Nenhum professor entrevistado dá aula para o ensino médio nas duas redes.

No primeiro momento, pedimos para o professor ou professora preencher uma ficha de perfil social e acadêmico. Em seguida, pedimos para que o professor corrigisse um texto e depois fizemos uma entrevista, contendo 8 perguntas. Todo o material entregue aos professores se encontra nos Apêndices 1 ao 3. Os próximos subcapítulos são referentes à ficha de perfil social e acadêmico, a entrevista, e o texto. Depois, trataremos das respostas dos professores.

4.1 Ficha de perfil social e acadêmico

A ficha de perfil social e acadêmico se faz importante para entendermos o histórico da pessoa, e professor, com quem nós conversamos. Fizemos quinze perguntas no total. A ficha completa se encontra no Apêndice 1.

A primeira pergunta diz respeito à idade do professor. A idade pode ser um fator que influencia no grau de adesão a discursos normatizadores. Pensamos que é uma oportunidade de verificar se o professor mais velho pode se mostrar menos favorável a uma norma-padrão variável.

Depois, perguntamos o bairro em que o professor mora, se ele se mudou e se sim, o lugar que morava antes e com qual idade o professor se mudou. Essas perguntas têm função de entender se o professor fala a variedade linguística da mesma cidade dos seus alunos, em sua maioria, da cidade do Rio de Janeiro. Essa

Referências

Documentos relacionados

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, de 2007, e a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, instituída em 2009 foram a base

O “tempo necessário” para as atividades complementares foi definido no tópico “Objetivos e Metas”, no qual apresentou duas metas referentes ao eixo da jornada de

É importante destacar também que, a formação que se propõem deve ir além da capacitação dos professores para o uso dos LIs (ainda que essa etapa.. seja necessária),

Fonte: elaborado pelo autor. Como se pode ver no Quadro 7, acima, as fragilidades observadas após a coleta e a análise de dados da pesquisa nos levaram a elaborar

O caso de gestão estudado discutiu as dificuldades de implementação do Projeto Ensino Médio com Mediação Tecnológica (EMMT) nas escolas jurisdicionadas à Coordenadoria

[r]

(2008), o cuidado está intimamente ligado ao conforto e este não está apenas ligado ao ambiente externo, mas também ao interior das pessoas envolvidas, seus

O objetivo desse trabalho ´e a construc¸ ˜ao de um dispositivo embarcado que pode ser acoplado entre a fonte de alimentac¸ ˜ao e a carga de teste (monof ´asica) capaz de calcular