ESTADAO
06dez15
Entrevista. José Roberto Afonso
Para economista, ferramenta abalou a geração de recursos do
governo, deixando a política fiscal atada
‘Excesso de incentivos contribuiu com a
recessão’
Alexa Salomão
Para Afonso, é preciso vontade política para fazer cortes
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia do Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), tem produzido uma série de estudos sobre os benefícios fiscais. Como explicou em sua entrevista ao Estado, a meta é desvendar quanto, afinal, eles custam ao País.
O que motivou o estudo?
Conhecer e estudar uma forma de gasto público sobre o qual pouco se sabe, pois os benefícios fiscais são uma forma disfarçada de gasto público. No agregado, chegam a superar o orçamento da maioria dos ministérios da União.
O levantamento mostra que houve um aumento na concessão desses benefícios...
Sim. No passado recente, o governo concedeu desonerações e renúncias, que tanto pecaram pelo excesso, quanto, sobretudo, pela seletividade na escolha dos beneficiados. Em ambos os casos, não produziu o então prometido esforço de fomentar a economia. Paradoxalmente, o excesso de incentivos ajudou a empurrar o País para o abismo da pior recessão do pós-guerra.
Como assim: ajudou a empurrar para a recessão?
O excesso de benefícios abalou a geração de recursos pelo governo. Hoje, a política fiscal está atada. Perdeu o seu potencial de combater a crise.
Que isenções, na sua opinião, criaram as maiores distorções, em vez de benefícios?
Aqueles que foram concedidos de forma seletiva e sem um critério ou racionalidade técnica para se justificar porque ora se escolhia este ou aquele setor e, às vezes, até mesmo um contribuinte para ser beneficiado. A desoneração da folha é certamente o maior erro de política fiscal e econômica. Partia de um diagnóstico correto – que é o excessivo custo tributário de contratar mão de obra no Brasil comparado ao resto do mundo, mas não se limitou a beneficiar os setores mais expostos à concorrência internacional. Os setores beneficiados foram arbitrados por decisão do governo, sem a menor lógica, nem proximidade entre si. O pecado capital foi criar o benefício quando se estava próximo do pleno emprego e não se comprovou que alguém contratou mais por causa dele. Pior foi quando o cenário mudou radicalmente, o governo manteve o benefício, que ainda existe até hoje. Mas isso não impediu uma disparada do
desemprego. Ou seja, o governo continua pagando para os empregadores continuarem a demitir seus empregados.
Por outro lado, benefícios têm um papel: como condenar um programa que beneficia a moradia para a baixa renda, por exemplo? Quais são as alternativas?
Fazer uma correlação entre custos e oportunidades. Não houve um programa consistente, envolvendo outros governos, para criar moradia e, ao mesmo tempo, infraestrutura urbana e social, com creches, escolas, postos de saúde, transportes. A distribuição das moradias parece ter tido muito mais uma finalidade eleitoral imediata. Pode ter beneficiado mais os proprietários de terras e construtores do que as famílias mais pobres.
Os benefícios fiscais contornam o sistema de cobrança de impostos. A reforma tributária seria uma alternativa melhor?
Sim. Mas o sistema atual tem tantas distorções que nem dá mais para ser reformado. É preciso construir, ainda que aos poucos, um novo e moderno sistema tributário. É melhor reduzir o imposto para todos do que fazer concessões absurdamente caras que beneficiam muitos poucos.
Como se reverte tantos benefícios, que agora já comprometem mais de 6% do PIB?
Com vontade política. A mesma vontade que se teve para fazer as concessões de benefícios dispararem, deveria se ter para cortar. Também é preciso ter capacidade técnica, para dar total transparência sobre quanto custa, quem beneficia, trazer à luz o resultado e, a partir daí, avaliar quais são os bons e maus benefícios.
Benefícios fiscais são uma caixa preta
Alexa Salomão - O Estado de S.Paulo
Não se sabe ao certo o valor total, nem os resultados das benesses
públicas
Na avaliação de especialistas em gestão pública, o estudo “Benefícios Fiscais, tão requisitados e tão desconhecidos” tem um grande mérito: destrinchar o que pode ser chamado de “caixa preta” das benesses públicas. Os valores dos benefícios dados no País não são consolidados.
Para complicar, existem muitas benesses paralelas que funcionam como incentivos, mas oficialmente não são consideradas como tais. “Os incentivos totais são uma caixa preta”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper. Seus exemplos: o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) banca o fundo FI-FGTS, que dá crédito subsidiado e compra participações em empresas. Não há clareza sobre a gestão dos recursos do Sistema S, que bancam entidades como Senai e Sesc, nem tão pouco sobre contribuições sindicais de federações e confederações.
Questionamento. Os especialistas destacam a importância dos benefícios fiscais. São instrumentos essenciais de política pública no mundo inteiro. O que questionam é sua disseminação no Brasil sem uma avaliação de desempenho. No levantamento é possível ver que o gasto tributário (renúncias) do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), muito usado para contornar a crise de 2008, ainda é alto. Serão R$ 21 bilhões neste ano. O setor automotivo, que está superestocado e demitindo, tem R$ 1,6 bilhão.
“As pessoas ficam envolvidas em grandes debates, se são contra ou a favor de
Por que recebe? Atingem os objetivos? Todo esse debate não existe. Não se faz gestão clara. Por isso, a qualidade dos resultados é muito ruim”, diz Lisboa.
Segundo o economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, outro ponto que perturba é a dificuldade de mudar o rumo quando fica claro que a iniciativa tem problemas.
O maior concentrador de benefícios fiscais é o Simples Nacional, que descomplica a cobrança e reduz tributos para pequenas e médias empresas. Neste ano, soma uma renúncia de R$ 72 bilhões, 25% do total.
“Faz sentido dar incentivo para pequenos negócios, mas o modelo do Simples traz uma série de distorções”, diz Appy. A pior delas é inibir o crescimento e a sofisticação dos negócios porque não há uma regra de transição para a cobrança tradicional de impostos, que onera demais as empresas. Um estudo mostrou que pequenas e médias empresas proliferam. Já representam quase 30% do PIB e mais de 70% são comércios e
prestadores de serviços, que preferem não crescer. “Se Steve Jobs, fundador da Apple, fosse brasileiro, não teria saído da garagem”, diz Appy. “Eu tenho convicção de que o Simples como está atrapalha o crescimento do País e puxa a produtividade para baixo.”
Entrevista. José Roberto Afonso
Para economista, ferramenta abalou a geração de
recursos do governo, deixando a política fiscal atada
‘Excesso de incentivos contribuiu com a
recessão’
Alexa Salomão
Para Afonso, é preciso vontade política para fazer cortes
O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia do Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), tem produzido uma série de estudos sobre os
benefícios fiscais. Como explicou em sua entrevista ao Estado, a meta é desvendar quanto, afinal, eles custam ao País.
O que motivou o estudo?
Conhecer e estudar uma forma de gasto público sobre o qual pouco se sabe, pois os benefícios fiscais são uma forma disfarçada de gasto público. No agregado, chegam a superar o orçamento da maioria dos ministérios da União.
O levantamento mostra que houve um aumento na concessão desses benefícios...
Sim. No passado recente, o governo concedeu desonerações e renúncias, que tanto pecaram pelo excesso, quanto, sobretudo, pela seletividade na escolha dos beneficiados. Em ambos os casos, não produziu o então prometido esforço de fomentar a economia. Paradoxalmente, o excesso de incentivos ajudou a empurrar o País para o abismo da pior recessão do pós-guerra.
Como assim: ajudou a empurrar para a recessão?
O excesso de benefícios abalou a geração de recursos pelo governo. Hoje, a política fiscal está atada. Perdeu o seu potencial de combater a crise.
Que isenções, na sua opinião, criaram as maiores distorções, em vez de benefícios?
Aqueles que foram concedidos de forma seletiva e sem um critério ou racionalidade técnica para se justificar porque ora se escolhia este ou aquele setor e, às vezes, até mesmo um contribuinte para ser beneficiado. A desoneração da folha é certamente o maior erro de política fiscal e econômica. Partia de um diagnóstico correto – que é o excessivo custo tributário de contratar mão de obra no Brasil comparado ao resto do mundo, mas não se limitou a beneficiar os setores mais expostos à concorrência internacional. Os setores beneficiados foram arbitrados por decisão do governo, sem a menor lógica, nem proximidade entre si. O pecado capital foi criar o benefício quando se estava próximo do pleno emprego e não se comprovou que alguém contratou mais por causa dele. Pior foi quando o cenário mudou radicalmente, o governo manteve o benefício, que ainda existe até hoje. Mas isso não impediu uma disparada do
desemprego. Ou seja, o governo continua pagando para os empregadores continuarem a demitir seus empregados.
Por outro lado, benefícios têm um papel: como condenar um programa que beneficia a moradia para a baixa renda, por exemplo? Quais são as alternativas?
Fazer uma correlação entre custos e oportunidades. Não houve um programa consistente, envolvendo outros governos, para criar moradia e, ao mesmo tempo, infraestrutura urbana e social, com creches, escolas, postos de saúde, transportes. A distribuição das moradias parece ter tido muito mais uma finalidade eleitoral imediata. Pode ter beneficiado mais os proprietários de terras e construtores do que as famílias mais pobres.
Os benefícios fiscais contornam o sistema de cobrança de impostos. A reforma tributária seria uma alternativa melhor?
Sim. Mas o sistema atual tem tantas distorções que nem dá mais para ser reformado. É preciso construir, ainda que aos poucos, um novo e moderno sistema tributário. É melhor reduzir o imposto para todos do que fazer concessões absurdamente caras que beneficiam muitos poucos.
Como se reverte tantos benefícios, que agora já comprometem mais de 6% do PIB?
Com vontade política. A mesma vontade que se teve para fazer as concessões de benefícios dispararem, deveria se ter para cortar. Também é preciso ter capacidade técnica, para dar total transparência sobre quanto custa, quem beneficia, trazer à luz o resultado e, a partir daí, avaliar quais são os bons e maus benefícios.
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