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Uma análise da ascensão da China na política internacional no século XXI sob a ótica do realismo ofensivo, da Tianxia (tudo sob o paraíso) e do institucionalismo liberal

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Academic year: 2021

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GABRIEL ALFREDO ALVES ZIMMER

UMA ANÁLISE DA ASCENSÃO DA CHINA NA POLÍTICA INTERNACIONAL NO SÉCULO XXI SOB A ÓTICA DO REALISMO OFENSIVO, DA TIANXIA (TUDO

SOB O PARAÍSO) E DO INSTITUCIONALISMO LIBERAL

Florianópolis 2017

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GABRIELALFREDOALVESZIMMER

UMAANÁLISEDAASCENSÃODACHINANAPOLÍTICAINTERNACIONALNO SÉCULOXXISOBAÓTICADOREALISMOOFENSIVO,DA TIANXIA (TUDOSOB

OPARAÍSO)EDOINSTITUCIONALISMOLIBERAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Paulo Roberto Ferreira Me. Coorientador: Issa Ibrahim Berchin, Me.

Florianópolis 2017

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus pais, Simone e Laércio, pelo amor, pela educação e oportunidade de estudar, colocando incansavelmente as necessidades dos filhos antes das suas. Aos meus avós, Marilene e Ari, por um amor inexplicável. Ao meu irmão, Vitor, pelo interesse em minhas explicações e por nossos debates, essenciais para alimentar minha motivação de ensinar. Agradeço minha namorada, Letícia, pelo suporte emocional e moral em todos os semestres, uma parceria imensurável, meu combustível diário, e seus pais, Dinair e Osvaldo, por um suporte extra generoso e imerecido.

Agradeço aos meus professores, Paulo, Baltazar, Luciano, João Batista, Issa e Graciella. Vocês me inspiraram durante meus anos de curso. Obrigado por lecionarem com esperança de um futuro melhor, com vontade de ver algo mudar, com amor pela profissão. Mudaram a minha vida e espero retribuir o carinho de alguma forma.

Amigos que encontrei na reta final do meu curso, o meu Pequeno grande Grupo. Obrigado por uma amizade genuína e por ensinamentos que jamais teria em uma universidade. Cada um de vocês me motiva de uma forma muito especial.

Agradeço ao GREENS por amizades especiais, pelo conhecimento adquirido e pela incrível motivação diária de busca por um mundo melhor.

Aos meus alunos, desde os pequeninos à terceira idade, que me ensinaram mais a mim do que o contrário. As tão diferentes motivações para atingir um objetivo pessoal me ajudaram nesse trajeto.

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“Observe calmly; secure our position; cope with affairs calmly; hide our capacities and bide our time; be good at maintaining a low profile; and never claim leadership” (XIAOPING, 1990).

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo compreender as possíveis implicações da ascensão da China na Política Internacional no século XXI sob a ótica do Realismo Ofensivo, da Tianxia e do Institucionalismo Liberal. Para isso, justificou-se a importância do uso das teorias nas ciências humanas e foram estabelecidos conceitos-base na Política Internacional, como a Anarquia Internacional e a Ordem Mundial. Um recuo histórico da inserção chinesa na Política Internacional desde a Primeira Guerra do Ópio foi realizado, passando por Segunda Guerra do Ópio, a Primeira Guerra Japonesa, a Revolta dos Boxers, a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a ascensão da República Popular da China, período que inicia em 1839 e encerra em 1949 e é conhecido por “Século da Humilhação”, termo relativamente pouco estudado no Ocidente. Em seguida, foram caracterizadas as três teorias de forma comparativa com a finalidade de expor de que forma elas explicam a ascensão chinesa na Política Internacional. Por fim, a capacidade preditiva dessas teorias foi discutida. Esta foi uma pesquisa explicativa e bibliográfica. Valorizaram-se as contribuições das teorias para o entendimento do Sistema Internacional, bem como para perspectivas da ascensão chinesa, pacificamente ou por meio de conflito bélico, reconhecendo que a própria existência de teorias não só explica o presente mas alertam para o futuro.

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ABSTRACT

This study aimed to understand the possible implications of China's rise in International Politics in the 21st century from the perspective of Offensive Realism, Tianxia and Liberal Institutionalism. In order to do that, the importance of the use of theories in human sciences was justified, and basic concepts in International Politics were established, such as International Anarchy and the World Order. A historical background of the Chinese insertion in International Politics since the First Opium War was made, going through the Second Opium War, the First Sino-Japanese War, the Boxer Rebellion, the Second Sino-Japanese War, and the rise of the People's Republic of China, a period that began in 1839 and ended in 1949 and is known as the "Century of Humiliation", a term relatively not studied in the West. After, the three theories of this study were defined in a comparative way with the purpose of exposing how they explain the Chinese rise in International Politics. Finally, the predictive capacity of these theories was discussed. This was an explicative and bibliographical research. The contributions of theories to the understanding of the International System, as well as to the perspectives of the Chinese rise, either peacefully or through war, recognized that the very existence of theories not only explains the present but warns for the future.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E PROBLEMA ... 12

1.2 JUSTIFICATIVA ... 16

1.3 OBJETIVOS ... 18

1.3.1 Objetivo geral ... 18

1.3.2 Objetivos Específicos... 18

1.4 METODOLOGIA ... 19

2 CONCEITOS OPERACIONAIS PARA UMA ABORDAGEM TEÓRICA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ... 20

2.1 CIÊNCIA E TEORIA CIENTÍFICA ... 20

2.2 ANARQUIA INTERNACIONAL E ORDEM MUNDIAL ... 26

2.2.1 Anarquia Internacional ... 26

2.2.2 Ordem Mundial ... 28

3 UMA BREVE DESCRIÇÃO SOBRE A INSERÇÃO CHINESA NA POLÍTICA INTERNACIONAL DOS SÉCULOS XIX AO XXI ... 31

3.1 A PRIMEIRA GUERRA DO ÓPIO (1839 – 1842) ... 33

3.2 A SEGUNDA GUERRA DO ÓPIO (1856 – 1860) ... 35

3.3 A PRIMEIRA GUERRA SINO-JAPONESA (1894 – 1895) ... 36

3.4 A REVOLTA DOS BOXERS (1899 – 1901) ... 38

3.5 A SEGUNDA GUERRA SINO-JAPONESA (1937 – 1945) ... 40

3.6 ASCENSÃO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA (1949) ... 41

4 AS TEORIAS PARA ANÁLISE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS CHINESAS: O REALISMO OFENSIVO, A TIANXIA E O INSTITUCIONALISMO LIBERAL ... 46

4.1 REALISMO OFENSIVO ... 46

4.1.1 Possível ascensão da China sob a perspectiva do Realismo Ofensivo ... 49

4.2 TIANXIA 天下 (TUDO SOB O PARAÍSO) ... 56

4.2.1 Possível ascensão da China sob a perspectiva da Tianxia ... 59

4.3 INSTITUCIONALISMO LIBERAL – INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA ... 60

4.3.1 Possível ascensão da China sob a perspectiva do Institucionalismo Liberal ... 63

4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAPACIDADE PREDITIVA DAS TEORIAS ANALISADAS ... 65

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 72 REFERÊNCIAS... 74

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1 INTRODUÇÃO

É notória a importância da China nas discussões de Política Internacional e Economia nas últimas décadas. Faz-se necessário o estudo de sua história, suas ações em âmbito internacional, as reações e implicações das demais potências ao perceberem sua ascensão, visto que o país é parte cada vez maior do cotidiano de cidadãos do mundo todo. Nesse contexto, o modo como uma potência ascende ao poder não é decidido de forma unilateral, pois possíveis ambições chinesas podem colidir com o interesse de outros. A ascensão pacífica ou conflituosa da China dependerá de múltiplos fatores. As teorias, dessa forma, servem de base para que se interprete o que é visto, a fim de que haja amplitude suficiente para entender o que a ascensão do país asiático implica para a Política Internacional.

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E PROBLEMA

A Política Externa dos países é cada vez mais importante para análise da Política Internacional. Entender as motivações e a forma que atores globais atuam no cenário internacional faz que o sistema anárquico se torne minimamente previsível, sobretudo por meio de teorias das Relações Internacionais (GALLO, 2007). Sem essas teorias, a compreensão da ocupação de tropas norte-americanas no Oriente Médio a partir do fim do século XX, a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e a Guerra das Malvinas entre Argentina e Inglaterra, por exemplo, seriam difíceis, se não impossíveis de explicar de forma ampla e conexa; por isso, o estudo da possível ascensão da China frente ao restante do mundo apresentado neste estudo dispôs-se a compreender as ações e posicionamentos chineses no decorrer dos anos por meio da teoria, bem como suas consequências para o resto do mundo.

A China possui uma das civilizações mais antigas do mundo, com cerca de cinco mil anos (CIDADE, 2016). Além de representar mais de um quinto da população mundial, com 1,37 bilhão de pessoas, atualmente o país está na posição número um do mundo em paridade de poder de compra, é o segundo PIB (Produto Interno Bruto) mundial (onze trilhões de dólares em 2015) e um dos países que mais cresceu nos últimos 50 anos (THE WORLD BANK GROUP, 2017).

Desde 1949, com a revolução chinesa liderada por Mao Tsé-Tung, o país recebeu o nome oficial de República Popular da China, com representação centralizada pelo partido comunista chinês, no qual tomam-se decisões econômicas, políticas e estratégicas

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centralizadas. Sua população, no entanto, é diversificada e multiétnica (mais de cinquenta etnias) e, com ela, diversas religiões acompanham, sendo as principais o confucionismo, o taoísmo e o budismo (COSTA, 2014).

A presença da China no cenário internacional é inegável, sobretudo no século XXI. A China é membro da ONU (Organização das Nações Unidas), um dos permanentes do Conselho de Segurança da organização, além de ser membro da OMC (Organização Mundial do Comércio) desde 2001 e um dos principais contribuintes do FMI (Fundo Monetário Internacional). Além disso, as relações multilaterais chinesas são diversificadas e plurais, o que faz sua economia dinâmica e presente nos cinco continentes (THE ECONOMIST, 2004).

Quatorze países fazem fronteira com a China, o que faz com que a geopolítica e a resolução de conflitos fronteiriços sejam um dos setores atuantes da diplomacia chinesa como, por exemplo, a segurança territorial na fronteira com o Paquistão, com a Índia e com a Coreia do Norte, todos países detentores de armas nucleares (SQUASSONI, 2006).

Vê-se que, no cenário internacional, a disputa pelo controle de regiões possuidoras de recursos naturais estratégicos é essencial (RODRIGUES, 2015). Territórios que possuem recursos naturais escassos como água potável, carvão, solos férteis, metais, gases naturais e petróleo são vistos como pontos de interesse, além de proporcionarem desvantagens significativas aos que não os possuem. O petróleo, em especial, leva a disputas intensas por controle de territórios no Oriente Médio e chama a atenção de grandes potências bélicas, lê-se China, Estados Unidos e Rússia. A China, apesar de investir fortemente em energia sustentável, tem como matriz energética primária o carvão (cerca de 70%), e está entre os maiores importadores de petróleo do mundo (GOVINDARAJU; FOONTANG, 2012). Deve-se, por isso, destacar a atuação chinesa no âmbito internacional no aspecto de controle de recursos naturais para desenvolvimento próprio.

O crescimento chinês constante, a partir da década de 1970, faz da China Estado de ascendente relevância nos estudos das relações internacionais. O país cresce economicamente, demograficamente e, cada vez mais, politicamente. A população chinesa mais que dobrou desde a década de 1960 (cerca de 600 milhões de habitantes para 1,37 bilhão) e hoje possui um exército disponível de 750 milhões de pessoas (cidadãos chineses entre dezenove e quarenta e nove anos), 2,2 milhões de militares ativos, o maior do mundo, além de aproximadamente vinte milhões de chineses alcançando a idade militar a cada ano (GLOBAL FIREPOWER, 2017).

O Estado, nesse contexto, sobretudo sob a visão de teorias realistas, é o principal atuante e objeto de análise nas relações internacionais (MORGENTHAU, 2003). Desde o fim

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da Guerra dos Trinta Anos (1618 – 1648) à atualidade, ele pôde ser o maior responsável por organizar ou desorganizar o Sistema Internacional (VU, 2017). Em política doméstica e externa, torna-se responsável mister das estratégias e dos resultados. No cenário internacional, no qual se depara com a ausência de um governo sobre os todos os Estados, faz-se necessário sua presença para manter razoável ordem ou completo caos. Durante a Guerra Fria, por exemplo, duas superpotências estabilizavam o sistema no qual o mundo como um todo se transformara em um grande e complexo tabuleiro de xadrez, onde a Política Internacional foi copiosamente a mesma por décadas.

Por um lado, foram os Estados responsáveis por abrir espaços para diálogo, com criação de Organizações Internacionais (OI’s) e foros para debate. Por outro, responsabilizam-se igualmente pela má interpretação das intenções alemãs na década de 1930, utilizando-responsabilizam-se da política de apaziguamento para impedir, em vão, um avanço da Alemanha nazista, do qual a Segunda Guerra Mundial foi resultado. Conclui-se que não se pode compreender o Sistema Internacional sem devida análise, teoria e estudos sobre os Estados. Torna-se justificável, desse modo, estudar o comportamento do Estado chinês e a influência que ele obtém, principalmente no âmbito externo, por ser um país de decisões estatais centralizadas.

A possibilidade real de guerra também é fator relevante neste trabalho. Quando potências emergem, a competição por Hegemonia Regional ou global torna-se mais intensa, visto que os Estados conflitantes buscam influenciar, da forma que melhor lhes servir, tanto as relações econômicas quanto as políticas. Devido à sua história milenar, por possuir a maior população mundial, pela sua economia crescente e pela forte influência política em sua região, a China destaca-se nessa busca por Hegemonia Regional e global frente a países com população menor. A eminente presença chinesa na Ásia e no mundo cria ensejos para futuros conflitos. Entre os teóricos de Relações Internacionais, Mearsheimer buscou avaliações referentes à hipótese da guerra envolvendo a China por meio da teoria do Realismo Ofensivo, enquanto as teorias da Tianxia e do Institucionalismo Liberal convergem para a ascensão chinesa pacífica, embora utilizando-se de processos distintos.

Desse modo, este estudo pretendeu verificar, sob a perspectiva de três teorias das Relações Internacionais, a ver: o Realismo ofensivo, a Tianxia (Tudo sob o Paraíso) e o Institucionalismo Liberal (Interdependência Complexa), a ascensão da China no cenário internacional no século XXI, explorando possíveis direcionamentos que a ascensão pode tomar – se de forma pacífica ou não – bem como suas consequências para a Política Internacional.

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O Realismo Ofensivo aborda os conflitos como parte irrefutável da busca por Hegemonia Regional, resultado do ambiente de imprevisibilidade nos quais os Estados atuam. Cabe aqui o conceito de Anarquia Internacional, responsável pela incerteza, e definido pela ausência de instituição ou liderança que atua de forma hierárquica sobre os Estados (MEARSHEIMER, 2001). O constante medo, presente na anarquia do Sistema Internacional faz que todos busquem o maior ganho de poder possível, impossibilitando a ascensão pacífica dos Estados (TOFT, 2005). A Tianxia afirma a possível existência de um Império no qual todas as nações podem fazer parte. O caráter universal se dá com a liderança de um novo conceito de Império, que se expande na área social, política e psicológica. Não há, nessa teoria, expansionismo geográfico, mas sim maior abrangência de aceitação, baseada no respeito mútuo das culturas e na escolha de um líder em comum, legitimado por todas as nações partes do “Império Sob o Paraíso”. É de acordo com esses valores que a ascensão de uma potência pode ser pacífica (ZHAO, 2006).

Já o Institucionalismo Liberal (Interdependência Complexa), por sua vez, refuta a ideia de conflitos bélicos serem inevitáveis, uma vez que os Estados, presentes em um cenário de interdependência mútua, são transportados da área militar para a política ou econômica. O prejuízo recíproco dos conflitos bélicos e a dependência econômica dos Estados habilitariam, dessa forma, a ascensão de uma potência de forma pacífica (RATHBUN, 2010).

As consequências das relações entre Estados para a Política Internacional variam de acordo com a teoria utilizada para interpretação. Ainda assim, a ascensão de uma nova potência pode trazer certo revisionismo de conceitos considerados fundamentais, se esses foram impostos pela antiga hegemonia, como explicado no próximo capítulo. Se ascendida de forma pacífica, incentiva-se o fluxo de comércio de forma global, aumenta-se a transparência no âmbito internacional e há maior projeção de cooperação, uma vez que a nova liderança, pacífica, servirá de exemplo e, possivelmente, imporá o mesmo comportamento às outras nações. Se, por outro lado, ascendida de forma não-pacífica, as consequências podem incluir alianças anti-hegemônicas, maior incerteza quanto ao multilateralismo para resolução de conflitos, protecionismo, nacionalismos exacerbados e guerra.

Em suma, com destaque às teorias das Relações Internacionais em relação a Política Externa chinesa, a presente pesquisa pretendeu responder à pergunta: Quais as implicações da ascensão da China na Política Internacional no século XXI sob a ótica do Realismo Ofensivo, da Tianxia e do Institucionalismo Liberal?

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1.2 JUSTIFICATIVA

A história milenar chinesa é uma das mais densas do mundo. Enquanto ao longo de cinco mil anos um grande número de nações deixou de existir, a China permaneceu, resistiu a invasões, crises econômicas, crises dinásticas e a revolução maoísta. Entre muitas razões, uma das fundamentais foi o estabelecimento de uma hegemonia cultural (APEL, 2017). A sobrevivência do Estado chinês, hoje, é fato consolidado, marco que muitos Estados almejam alcançar, pois entende-se como objetivo primordial de qualquer nação sobreviver às outras (CIDADE, 2016).

A China é potência em ascensão. Seu território é o terceiro maior do mundo, tem a maior população e importante influência sobre os países que fazem fronteira (LYRIO, 2010). A economia chinesa, desde o fim da política de Open Doors (Portas Abertas) e sobretudo na segunda metade do século XX, teve notável crescimento, fazendo que o papel desempenhado pelo país fosse cada vez mais determinante globalmente, de forma que continuamente busca crescimento interno, desenvolvimento tecnológico e investimentos em países na América Latina, África e Ásia (BERTELSEN; GALLUCCI, 2016). Desse modo, faz-se necessário o entendimento do Sistema Internacional, sobretudo devido à interdependência entre Estados (FREY, 2008). Crises mundiais econômicas como as de 1929 e de 2008 não poderiam ser compreendidas sem a premissa de que os Estados possuem conexões importantes e dependentes entre si. Dessa forma, analisar a segunda maior economia do mundo traz maior entendimento sobre seu efetivo impacto sobre os demais Estados.

A anarquia internacional faz que países com grande poder bélico sejam foco de estudos nas Relações Internacionais; assim, o Estado próspero é aquele que tem preocupação com a sua sobrevivência e segurança acima de outras necessidades, mesmo que por vezes ações com esse fim pareçam imorais (APEL, 2017). Como ator desse sistema anárquico, a China, por segurança própria, possui armas nucleares desde 1964 (ANTHONY H. CORDESMAN, 2016). Mesmo fazendo parte do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares) o fato de possuir um dos armamentos bélicos mais impactantes do mundo, ainda que para fins pacíficos, faz da China um país relevante e instigante ao estudo do acadêmico de Relações Internacionais.

As teorias orientais de Relações Internacionais são pouco estudadas no mundo ocidental. As visões de estudiosos da área, sobretudo de europeus e norte-americanos, predominam nos debates das Relações Internacionais no Ocidente. A teoria Chinesa “Tianxia” (Tudo sob o Paraíso), por exemplo, não se mostra presente como possível teoria

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relevante, sendo pouco citada em obras de autores Ocidentais, apesar de ter a capacidade de explicar de forma diferenciada, talvez mais clara, as ações do próprio país do qual a teoria é originária (CERVO, 2003). A perspectiva chinesa de visão de mundo deve ser mais profundamente analisada e compreendida, a fim de entendermos de forma prática um dos muitos pensamentos provenientes do Oriente. Com isso, torna-se válida a análise da ascensão do país por meio da perspectiva de autores chineses, além do próprio governo chinês, pela maior proximidade geográfica e cultural com o objeto de estudo: a China.

Os noticiários brasileiros, ao abordarem temas internacionais, não raramente mencionam ações chinesas, sejam elas econômicas ou políticas. Além disso, as relações sino-brasileiras são parte da tentativa de estabilização mundial, desenvolvimento econômico e promoção da paz (FUNAG, 2016). A China é parceiro estratégico brasileiro desde 1993, sendo o principal parceiro econômico brasileiro desde 2009, além de fazer parte de OI’s como o BRICS, o BASIC e do G20 da OMC com o Brasil (FUNAG, 2016). Desde o início do século XXI, empresas como Petrobras, Votorantim, Odebrecht, Embraer, Marcopolo, Vale e Weg começaram a fazer parte das empresas brasileiras em território chinês (PIMENTEL, 2009). Esforços como o CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China) e o COSBAN (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível) fazem que suas relações sejam relevantes no cenário internacional. Como cidadãos brasileiros, é de grande importância que entendamos a presença crescente chinesa, tanto no território latino-americano quanto nas relações econômicas com o Brasil.

A guerra, ademais, acontecimento recorrente na história da humanidade, deve ser intensamente estudada, sobretudo nas Relações Internacionais. A academia a estuda a fim de compreendê-la, analisá-la e, ainda, prevê-la ou evitá-la. Os futuros conflitos do cenário internacional têm possibilidade de envolver a China, visto que o resultado da guerra, bem como suas consequências, muito interessa às potências mundiais. Dito isso, é necessário deixar claro que o foco desse estudo não foi a Geopolítica, porém não por falta de fundamento teórico dessa área, mas sim porque a Política Internacional traz determinante perspectiva do Sistema Internacional e explica de forma mais abrangente as Relações Internacionais e de forma mais completa. Ainda assim, termos como “geoestratégia”, “geoeconomia” e a própria “geopolítica” foram citados, não desvinculando as aspirações políticas do território. Neste trabalho, além de destacar as relações entre Estados e a importância dos territórios, atributos da Geopolítica, deu-se preferência ao resultado de todas as conexões relevantes, segundo as teorias abordadas, para interpretação em âmbito internacional. A teoria como protagonista,

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portanto, foca o estudo na Política Internacional, proporciona ao teórico lente necessária para análise mais acurada, obtendo afastamento adequado dos específicos para buscar a amplitude. Desse modo, as teorias do Realismo Ofensivo, do Institucionalismo Liberal e da Tianxia, abordadas no decorrer do trabalho, destacaram-se por serem parcialmente responsáveis pela análise de Política Internacional atualmente nas Relações Internacionais. As análises Ocidentais são também intituladas tradicionais, visto que, após o estabelecimento do Estado moderno, são as teorias que dão base ao pensamento sobre o Sistema Internacional, o Realismo, o Liberalismo, e suas vertentes. Além disso, pretendeu-se expor tanto a visão Ocidental quanto a Oriental do protagonismo dos Estados e de como é interpretada, sob a ótica dessas teorias, a possível ascensão da China.

1.3 OBJETIVOS

A seguir estão o objetivo geral e os objetivos específicos deste estudo. Os objetivos específicos são pequenas metas do estudo, essenciais para atingir o objetivo geral.

1.3.1 Objetivo geral

Este estudo tem por objetivo compreender as possíveis implicações da ascensão da China na Política Internacional no século XXI sob a ótica do Realismo Ofensivo, da Tianxia e do Institucionalismo Liberal.

1.3.2 Objetivos Específicos

a) Dissertar historicamente desde o início do século XIX (Primeira Guerra do Ópio) até primórdios do séc. XXI sobre a China enquanto potência ascendente, buscando possíveis causas para sua ascensão.

b) Descrever os principais elementos do Realismo Ofensivo, da Tianxia e do Institucionalismo Liberal que expliquem os possíveis desdobramentos da ascensão da China como potência no Sistema Internacional.

c) Analisar comparativamente de que forma o Realismo Ofensivo, a Tianxia e o Institucionalismo Liberal abordam a ascensão Chinesa no Sistema Internacional.

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1.4 METODOLOGIA

Por trabalhar com o mundo real de formas objetiva e subjetiva, quanto à forma de abordagem do problema, tratou-se de uma pesquisa qualitativa. A China será objeto deste estudo; no entanto, não coube simplesmente descrevê-la, mas sim interpretar o “fenômeno China”. Por isso, quanto aos objetivos, optou-se por uma pesquisa explicativa. A pesquisa foi realizada, em seu cerne, por meio de livros e artigos publicados. Por isso, quanto aos procedimentos, tratou-se de pesquisa bibliográfica (GIL, 2002).

Para atingir o objetivo específico (a) foram utilizados artigos científicos sobre as Guerras do Ópio, as relações China-Japão, o Século da Humilhação, a História da China, a revolução chinesa de 1949, a história do regime comunista chinês, os planos econômicos chineses de 1949 até o século XXI. Como base de dados destacam-se IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais), ScienceDirect e SciELO (Scientific Eletronic Library Online).

Para atingir os objetivos específicos (b) e (c) foram utilizadas obras dos autores principais das teorias analisadas, John Mearsheimer para o Realismo Ofensivo, Tingyang Zhao para a Tianxia e Robert O. Keohane e Joseph S. Nye para o Institucionalismo Liberal, bem como artigos científicos que visavam analisá-las, compará-las ou criticá-las. Além disso, homepages com assuntos relacionados à Política Internacional, Política Externa foram utilizados, relatórios de OI’s como a ONU e a OMC com o objetivo de amparar as afirmações teóricas.

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2 CONCEITOS OPERACIONAIS PARA UMA ABORDAGEM TEÓRICA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Neste capítulo serão abordados conceitos-chave para a escolha de um trabalho teórico, em vez de conhecimento empírico ou de estudo de casos. Decidiu-se por separar o capítulo em dois subtópicos: um sobre ciência e teoria científica e outro sobre Anarquia Internacional e Ordem mundial. O primeiro subtópico teve por objetivo justificar as bases escolhidas para toda a pesquisa e, para isso, foi justificado o uso da teoria na ciência e nas Relações Internacionais, ao mesmo tempo em que foi mostrado o motivo de não utilizar o método indutivo. O segundo subtópico focou-se em definições que são tradicionais tanto na Escola Realista quando na Liberal de Relações internacionais, a fim de proporcionar informações suficientes para, nos próximos capítulos, aprofundar as propostas.

2.1 CIÊNCIA E TEORIA CIENTÍFICA

Observa-se que a ciência é bem recebida e apreciada por grande parte da sociedade. Estudos científicos de variadas formas fundamentam explicações sobre nosso quotidiano, fenômenos naturais e conclusões abstratas na academia. Descrever uma área acadêmica como ciência é justamente buscar essa aprovação pública de que o objeto estudado obteve resultados relevantes. Ainda assim, apesar da busca incessante pela provação individual e egoísta, a ciência moderna pode ser, em suma, o melhoramento da vida do homem na terra (CHALMERS, 1993).

Por ser constantemente questionada, no entanto, as ciências, bem como seus métodos, tendem a ser redefinidos constantemente, a fim de buscarem resultados satisfatoriamente sólidos. Teve seu início por meio da coleta de dados de certo objeto ou fenômeno por meio da observação imparcial e do experimento. Mesmo se fosse possível alcançar a imparcialidade científica, todavia, um método descritivo de um objeto, neste estudo, a China, com seus cinco milênios de história política, econômica e cultural, necessitaria de recursos ilimitados, além de uma teoria capaz de sintetizá-los. A imparcialidade e a descrição isolada são ambas inviáveis (MENDES, 2013).

O método descrito acima é o indutivo, que busca, por meio de repetidas experiências e observação, afirmações universais capazes de generalizar fenômenos específicos. Para legitimar essas afirmações, devem-se fazer diversas proposições, observadas sob um variado número de condições, de modo que nenhuma delas contradiga a afirmação

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universal posteriormente criada. Para completar esse método científico, é feita uma dedução a partir da ação observada, fazendo que haja uma premissa generalizada sobre determinado assunto (CHALMERS, 1993).

Uma das instabilidades da dedução se deve à uma de suas justificativas, uma vez que ela se autoconsidera ciência bem-sucedida. A dedução pressupõe uma indução, isto é, premissas previamente criadas. Dessa forma, para concluir o método indutivo como perfeito, segundo os próprios indutivistas, somente por meio de experimentos (WORSTER, 2013). A contradição se estabelece quando a única forma válida para justificar a indução é a própria indução, uma vez que devem ser realizadas várias pesquisas de método indutivo, fazer a afirmação universal positiva em relação à indução para chegar à dedutiva: “a indução funciona”. Apesar de limitada, observa-se, no entanto, que a aplicação do método dedutivo, pelo menos de forma parcial como a coleta de dados, é presente e relevante no que tange o progresso histórico do pensamento científico (MENDES, 2013).

Vê-se, em suma, que a teoria deve preceder a observação e a experiência. A imparcialidade, além de inatingível é não-eficaz. O país de origem do pesquisador, suas crenças, educação proporcionada e gostos pessoais podem e irão interferir (ou contribuir) para suas conclusões, visto que suas experiências gerarão expectativas ao leitor sobre o que deve ser visto (WORSTER, 2013). A teoria, desse modo, tem como função o adestramento dos olhos do leitor, a fim de que a leitura tenha a aplicabilidade dessa teoria como objetivo elementar. O falsificacionismo é o método em que se utiliza da teoria como base primária do conhecimento científico.

Para que o falsificacionismo funcione da maneira definida, uma série de teorias devem ser pressupostas, com o objetivo de serem sustentadas mesmo após a observação e as experiências (POPPER, 2005). As que não forem provadas, deverão ser eliminadas e darão espaço a novas. Dessa forma, a ciência se mostra mutável e mutante, procurando a melhor teoria disponível para a explicação do objeto de estudo. Essa melhor teoria disponível se dá ao passo que, quando proposta, não seja contrariada por observações ou experiências (MENDES, 2013).

Importante delimitar que, para a ciência, as teorias propostas devem ter característica falsificável. Afirmar neste estudo, por exemplo, que a China “pode ser ou não ser uma potência em ascensão” não serve como objeto da ciência. Buscam-se afirmações claras e gerais quando alguma teoria for proposta. É por esse motivo que o presente estudo observou um fenômeno precedido de teorias das Relações Internacionais, a fim de estabelecer

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um debate entre elas e prosseguir no incessante trabalho da academia em refutar teorias, se essas não forem constantemente confirmadas (CHALMERS, 1993).

A ciência falsificacionista, assim como qualquer ramo da ciência, é contestável em alguns aspectos (POPPER, 2005). Uma teoria pré-estabelecida pode ser combatida por experiências e observações e, ainda assim, permanecer confirmada. Deve haver mútuo acordo sobre a validade da observação para que essa tenha poder o suficiente para falsificar uma teoria. Se não houvesse a necessidade de credibilidade do método usado para refutar a teoria, qualquer uma, por mais defensável que pareça ser, pode ser falsificada indevidamente. Por erro humano coletivo pode-se, dessa forma, falsificar uma teoria e somente depois de vários anos, retomá-la como confirmada (POPPER, 2005).

Para melhorar tanto o método indutivo quando o método falsificacionista, Lakatos propôs o estabelecimento de um programa para cada estudo como elemento primordial à sua existência. Isso se consegue quando posto um “cinturão protetor”, formado por hipóteses e suposições, a fim de buscar confirmações que auxiliem no estabelecimento de novos estudos posteriormente, fomentando a pesquisa sob o mesmo cinturão protetor (LAKATOS, 1980). A metodologia de qualquer trabalho que visa a ser científico, deve ser feita de forma clara, para que seja aplicada novamente em busca de outros resultados (CHALMERS, 1993).

Ao fazer parte de uma comunidade científica específica, é complacente confirmar que o trabalho condiz com o que Kuhn denomina “ciência normal”, visto que não se busca neste a quebra de um paradigma científico, mas sim a sua utilização, com o pressuposto de que as respostas buscadas se encontram sob ele (LAKATOS, 1980).

Um estudo como este trabalha com teoria de caráter atemporal e universal. Levando em consideração esse critério, o racionalismo, em detrimento do relativismo, é cerne deste estudo. É necessário, por isso, estabelecer que os estudos de Relações Internacionais têm importância intrínseca, os valores de seus resultados científicos independem de comunidades específicas e é invariável em qualquer outro quesito. Além disso, o objetivismo, em detrimento do individualismo, é igualmente importante aqui, uma vez que estabelece o conhecimento como transcendente a crenças ou indivíduos (CHALMERS, 1993).

O debate científico é benéfico, na medida em que estimula a própria existência da ciência. Indutivistas e falsificacionistas, apesar de discordarem, alimentam positivamente maior número de tentativas do ser humano de alcançar progresso. A medida que estudiosos de diferentes países pesquisam sobre o mesmo assunto, sem se conhecerem, recolhendo resultados distintos, a sociedade científica desenvolve-se e reestrutura-se em busca de

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respostas. O esforço social na ciência, em suma, é característica indispensável para que não nos prendamos aos limites do passado (LAKATOS, 1980).

A teoria deve ser utilizada como guia de quaisquer estudos, incluídos os de Relações Internacionais. O uso da teoria simplifica o estudo de uma área complexa, fazendo que apenas variáveis relevantes sejam consideradas em um ambiente repleto delas (POPPER, 2005). O objetivo principal é estabelecer conexão entre informações que a teoria julga importante para explicar a realidade da melhor forma possível, uma vez que não se sabe o que é, de fato, realidade (WALTZ, 1997).

Além disso, o surgimento de uma nova teoria no campo científico, por exemplo, pode significar uma nova corrente de pensamento e, consequentemente, um novo modo de analisar Política Internacional. Com novas premissas, o uso de uma teoria bem estruturada e diferente das demais pode encontrar diferentes variáveis, estimular o debate científico e novas pesquisas para confirmar a validade do novo pensamento ou refutar a teoria que surge (MEARSHEIMER; WALT, 2013). Independentemente de como a teoria será testada, deve ser ela o centro dos estudos. As informações coletadas pelo cientista político devem ter como finalidade aprofundar o estudo de determinada teoria, e só assim terá base confiável. A coleta de dados sem premissas teóricas pode chegar a conclusões que não condizem com a realidade, sendo inúteis para o pensamento epistemológico realista (MEARSHEIMER; WALT, 2013).

Mesmo quando uma teoria apresenta falhas, só poderá ser invalidada por meio de substituição por uma outra teoria que melhor atende às demandas científicas. Além de reforçar a importância de fatos sob perspectiva teórica, faz que haja rigidez quanto ao campo político explorado. Se uma premissa de certa teoria não condiz com um fato, não faz com que essa teoria seja descartada e seja considerada inadequada. Se assim acontecesse, cientistas dedicariam todo o seu tempo equipando sua teoria com detalhes e modificações ad hoc, invalidando completamente o elemento simplificador, cerne de sua existência (CHALMERS, 1993).

A teoria é, ademais, necessária para prever ações dos Estados. Apesar de alguns tomadores de decisão não considerarem as teorias como explicações da realidade, ela é a que melhor analisa o cenário internacional, além de poder prever, de acordo com suas premissas, como o Sistema Internacional reagirá a certas ações. Se tivermos como exemplo que uma premissa da teoria “x” é que “uma vez que um Estado aumenta significativamente seu poder bélico certamente fará uma manobra ofensiva contra outro Estado”, no momento que algum país aumentar seu armamento, os tomadores de decisão poderão agir, seja com o aumento suas defesas, seja investigando fortemente o outro país. Toda a avaliação política de um

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governo muda se este considera teorias como objetos relevantes (MEARSHEIMER; WALT, 2013).

É imprudente, no entanto, a utilização da teoria sem que ela seja constantemente testada. Testes têm como objetivo validar as premissas na qual o pensamento teórico se baseia. O refinamento da teoria é dado dessa forma. Da mesma maneira, ademais, não se pode dar credibilidade ao teste incessante de premissas isoladas sem uma teoria em análise (GILENS; PAGE, 2014). É somente com premissas compiladas em fundamento teórico que as conclusões tomarão direção científica apropriada.

Quanto a sua definição, é importante a distinção clara entre lei e teoria. Uma conexão encontrada repetidamente ao longo do tempo e do espaço formará uma lei. A lei da gravidade, por exemplo, se dá incansavelmente ao redor do globo, o que atribui a ela essa denominação. A teoria, por sua vez, será criada com a compilação de um grupo de leis que isoladamente podem não oferecer explicação, mas a conexão feita entre elas poderá explicar um fenômeno mais abrangente (CHALMERS, 1993). Ainda assim, no entanto, a procura por leis e dados que se relacionam entre si não deve ser minuciosa a ponto de ser o foco da análise de Política Internacional. Ainda que se meça o grau de correlação entre as variáveis escolhidas e as leis, isso não atribuirá valor ao campo científico sem uma explicação dos motivos de essas leis se correlacionarem. Quando são realizadas coletas de dados sobre um conflito, por exemplo, não haverá resposta do motivo que o conflito aconteceu ou, de forma ainda mais abrangente, quais as razões de conflitos acontecerem. Por esse motivo, a teoria abordará não somente informações induzidas, mas também buscará uma resposta que por um lado reduz sua especificidade, mas por outro aumenta seu poder explicativo (MENDES, 2013).

Um grupo acadêmico, ao obter certa informação, seja por experiência seja por dados estatísticos, não descobre algo relevante necessariamente. A informação obtida não o deixa mais perto nem mais longe de uma descoberta, porque as informações não se explicam de forma independente. O problema disso é justamente a ilusão criada para a academia de estar chegando mais próxima à uma resposta de seu campo científico, mesmo que essa informação contenha somente caráter descritivo. Da mesma forma, a sensação de estar progredindo interfere em sua credibilidade, uma vez que cessa a busca por uma explicação para o objeto estudado. A ciência, portanto, não pode se contentar simplesmente com compilar mais informações sem uma teoria de embasamento pois, sem esta, não saberemos quanto de informação é necessária e nem se estamos mais próximos ou mais distantes do que procuramos (WALTZ, 1979).

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O que é visível ou mais perto da realidade ocular pode muitas vezes induzir o acadêmico ao erro. A teoria, desse modo, insere-se no campo científico com um conjunto de leis julgadas importantes para a explicação de um fenômeno, com características geralmente que se afastam do que se pode somente ver. Podem-se citar teorias espaciais e quânticas para verificar que quanto mais afastado da realidade visível mais precisa e corajosa a teoria é. Em suma, a criatividade tem função importante na criação de uma teoria, para que ela atinja dois objetivos importantes: primeiramente, trazer algo que se projeta para além de leis compiladas e, em segundo lugar, para que a teoria não tenha caráter meramente descritivo da realidade (WACKER, 1998).

As leis, dessa forma, ao se comportarem como ações constantes e repetidas tendem a perdurar, ao passo que as teorias são substituídas com o tempo por outras com maior poder explicativo. O que dirigiria o campo científico a buscar modelos substitutos para as teorias vigentes seria justamente a necessidade do ser humano de ter controle, além da possibilidade de prever certos comportamentos. O rechaço de aplicações indutivas, no entanto, não fará que os estudos sejam efetivos. Elas ainda se mantêm como importantes, mas o grau de importância atribuído a elas supera suas verdadeiras utilidades.

Transcender a característica de realidade é também, de certa forma, propósito para criação de um embasamento teórico. Para que não tenha caráter descritivo, a teoria deve, em parte ou em sua totalidade, afastar-se do que entendemos por real. Se nos preocupássemos apenas com fatos da realidade, o principal objetivo seria a busca por leis, que podem ser encontradas (embora sem uma finalidade esclarecida) pelo método indutivo (WACKER, 1998). O desafio encontra-se, pois, em manter-se afastado da realidade e de correlações aparentemente interdependentes para elaborar uma explicação causal, capaz de fazer com que a teoria não possa ser contestada com fatos da realidade, somente com uma outra teoria.

O campo teórico, portanto, criará um espaço onde outras teorias serão discutidas e comparadas, a fim de fortalecer conceitos das Relações Internacionais que serão usados pela academia como base para análises posteriores. A divergência, nesse aspecto, é benéfica, pois amplia o debate ao mesmo tempo em que testa o modo de conexão entre as induções e deduções de diferentes autores, que por sua vez podem criar teorias que divergem em sua essência, mas com igual força teórica (MEARSHEIMER; WALT, 2013).

O início da fundamentação teórica deste trabalho serviu, primeiramente, como justificativa ao uso essencial de teorias das Relações Internacionais como cerne desse campo científico, e não somente um aspecto dele. A teoria precederá qualquer análise de dados. Na ausência de teoria satisfatória será necessária a criação de uma nova antes de iniciar estudos

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empíricos. Além de ser impossível a previsão das ações dos atores internacionais, jamais seria possível o entendimento do comportamento dos Estados sem conceitos pré-estabelecidos como os de Anarquia Internacional, Equilíbrio de Poder, Hegemonia, criados a partir de teorias. Por fim, este estudo não tem como ambição a substituição das teorias vigentes, mas sim enfatizá-las em relevância de poder explicativo e capacidade preditiva, relacionando-as à China, visto que um trabalho somente com induções não levaria a lugar algum. A teoria precede tudo.

2.2 ANARQUIA INTERNACIONAL E ORDEM MUNDIAL

Como bases conceituais das Relações Internacionais, são necessárias as definições e contraposições entre dois termos recorrentes: Anarquia Internacional e Ordem Mundial. Ambos carregam consigo interpretações difusas para diferentes correntes teóricas. Focaremos na ótica da escola Realista para as definições de Anarquia Internacional e interpretações Realistas e Neoliberais1 para definir Ordem Mundial.

2.2.1 Anarquia Internacional

Anarquia Internacional, Sistema de Autoajuda, Maximização de Poder e Dilemas de Segurança são conceitos recorrentes desde os primórdios da Escola Realista e, por isso, também das Relações Internacionais (CASTRO, 2016). Nesse contexto, a Anarquia Internacional caracteriza-se pela ausência de governo sobre os Estados, garantindo-lhes soberania. O Sistema de Autoajuda define que os Estados buscam ganhos individuais constantes para aumento relativo de sua segurança (GLASER, 1995), e o Dilema de Segurança define-se quando, na tentativa de aumentar sua segurança (mesmo com motivações pacíficas) um Estado ameaça indiretamente outros, que reagem com o aumento de suas respectivas seguranças (GUNITSKIY, 2011). Em um mundo composto por Estados-Nação desde a Paz de Westfália, ao término da Guerra dos 30 anos na Europa (1618-1648), o cenário internacional carece de instituição que se sobrepõe aos poderes estatais. A falta de supranacionalidade, dessa forma, é acompanhada pela falta de subordinação dos Estados. O

1 Neoliberalismo e Institucionalismo Liberal são sinônimos nas teorias de Relações Internacionais (NOGUEIRA;

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resultado não é o completo caos e discórdia, mas sim um ambiente de incerteza e ausência de garantias para sobrevivência, dominado pelo Estatocentrismo (CASTRO, 2016).

A moralidade não tem espaço efetivo nesse ambiente, visto que a existência do Estado é objetivo último e o único defensor de sua soberania é ele próprio. Guiar-se por objetivos moralistas, portanto, acarretará no fracasso (MORGENTHAU, 2003). No contexto de Westfália o termo Raison d’État, cunhado por Richelieu, cardeal francês durante a Guerra de 1618, inaugura esse pensamento de Estado-Nação soberano, que legitima quaisquer ações que mantenham os seus status quo (KISSINGER, 1999).

O contexto de Anarquia Internacional justificará outro conceito realista, a Lógica da Autoajuda (CASTRO, 2016). Em ambiente inseguro, as relações estabelecidas e decisões tomadas jamais terão origem altruísta. Todas as decisões tomadas por um Estado, desse modo, estarão em congruência com a manutenção de sua existência e acúmulo de poder, objetivos considerados inerentes à Política Internacional (MORGENTHAU, 2003). Alianças internacionais, portanto, não são consideradas pelo Realismo como estabelecimento da ordem, mas sim como tentativa de fortalecimento face ao ambiente inseguro, o cenário internacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).

Importante enfatizar a afirmação de alguns autores realistas de que o Sistema Internacional jamais deixará de ser anárquico, a incerteza é constante e sólida e a sobrevivência tem como base-estratégica a Política Externa. Segundo essa corrente de pensamento, a abdicação de soberania é impossível acontecer de forma pacífica entre todas as nações, justamente porque o objetivo primordial é o mantimento da soberania. Ter como premissa que o anarquismo é imutável faz que a vontade por soberania também o seja (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).

Garantir a soberania exige intrinsecamente o aumento do poder relativo do Estado. Entende-se por poder “a Essência e matéria do objeto do saber internacional” e capacidade de influenciar a decisão de outros Estados (MORGENTHAU, 2003). O poder, considerado de forma ampla, pode ser adquirido por aumento de poder bélico e investimentos estratégicos nos exércitos; no entanto, não é necessária exclusivamente a ênfase no poderio militar. O desenvolvimento econômico e o grau de investimento, bem como relações diplomáticas solidificadas com aliados implicam demonstração de poder (CASTRO, 2016). Sempre que um Estado desejar alcançar objetivos internos por meio de canal internacional, buscará, na realidade, acúmulo de poder. Ao influenciar a ação de outros atores, estará o exercendo (MORGENTHAU, 2003).

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Essa inflexão do conceito de Anarquia Internacional é constantemente desafiada por pensadores da Escola Liberal. Edward Carr expõe essa característica realista como insuficiente, uma vez que seria apenas justificativa confortável para não ser necessário justificar o uso da força com princípios morais. A tentativa de utilizar a moral nos princípios da Política Internacional, no entanto, por vezes tende a levar alguns debates para o utópico, o “dever ser”, que Carr observou principalmente no término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), devido aos debates desconexos da realidade criados na Liga das Nações (CARR, 2001).

2.2.2 Ordem Mundial

A Ordem Mundial tem diversas atribuições, variadas de acordo com a corrente de pensamento e os autores. Cabem aqui alguns conceitos importantes para o estudo das Relações Internacionais com ênfase na definição neoliberal desse termo.

As duas correntes clássicas de pensamento nas Relações Internacionais apresentam definições particularmente opostas, visto que uma Ordem Mundial como modelo imposto e o outro por modelo construído. A forma realista define o termo da seguinte forma:

Recorte temporal de longa duração com determinação da governança entre os Estados por meio da junção do exercício de poder (cratologia) hegemônico em parceria com seus valores, princípios e ideais exportados e aceitos pela grande maioria dos demais Estados (principiologia / axiologia). Ordem mundial é posta, de forma impositiva, sob a égide do status quo aos demais pelo(s) país(es) hegemônico(s). Só pode haver governança com o estabelecimento anterior de ordem. Portanto, OM é um sinônimo de governança mundial (GM). Em síntese, portanto, temos, OM = GM (CASTRO, 2016).

Os Estados Unidos são exemplo notório do exercício de imposição da Ordem Mundial no Ocidente. Estruturas como a forma de governo democrático, visando às liberdades política e econômica, bem como a disseminação de valores republicanos e a própria estrutura capitalista para a América Latina e para a Europa, estimuladas ao consumismo, revelam a impositiva dominação norte-americana (MATTOS, 2016). Não deve ser determinado se os valores escolhidos para auxiliarem o status quo da hegemonia são benéficos ou não para os dominados; o que deve haver é o reconhecimento de valores impostos por uma governança mais poderosa. A própria liberdade é contraditória se forçada às nações pela hegemonia (KISSINGER, 1994). A ONU, no contexto de fim da Segunda Guerra Mundial, pôde ser utilizada para controle da Ordem no Ocidente, sobretudo por meio

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do Conselho de Segurança que, apesar de ineficiente durante boa parte da Guerra Fria, engessou a posição dos Estados Unidos como membro permanente, bem como três outras nações sob sua Ordem: França, Reino Unido e Taiwan, à época.

Ao mesmo tempo em que se estabeleciam as alianças norte-americanas durante a Guerra-Fria, a dependência econômica formada com o Plano Marshall na Europa, por exemplo, não só solidificava politicamente a dominância da Ordem, como estimulava a interdependência entre as nações ao engrandecer o SFI (Sistema Financeiro Internacional). No fim do século, a globalização e o Consenso de Washington, impostos para que países latino americanos pudessem recuperar suas economias com o FMI demonstraram a organização da Ordem Mundial, por definição, aceita pela maior parte dos dominados. Novamente, é irrelevante analisar os benefícios produzidos com todo o processo. Importa aos estudos de Relações Internacionais a definição do objeto e as práticas utilizadas historicamente que agiram em prol da liderança da hegemonia (KISSINGER, 2015)

A definição neoliberal de Ordem Mundial diverge significativamente a do pensamento Realista. A análise chamada de Interdependência Complexa, apresentada por Keohane e Nye, é elaborada em três premissas-base. A primeira é que as sociedades estão interconectadas por diversos canais. Além das relações interestatais, podem-se incluir elites dos governos, organizações transnacionais (empresas que atuam além de seus países de origem), corporações e bancos. Essa primeira premissa enfrenta uma das premissas mais sólidas do Realismo Clássico, que afirma que Estados são os únicos atores internacionais relevantes (KEOHANE; NYE, 2001).

A segunda premissa afirma que as agendas dos Estados não são elaboradas com clara hierarquia de importância. Esse segundo tópico mostra que tanto a política doméstica quanto a externa podem interferir na tomada de decisões. Partidos conservadores e liberais darão importância diferenciada a assuntos de segurança internacional e política interna. A falta de coordenação faz que a prioridade por segurança não seja tão óbvia quanto os realistas afirmam (KEOHANE; NYE, 2001). Assim, é possível a análise de uma outra Ordem Internacional que transferiria a ordem e as decisões para um espaço de diálogo mútuo, notadamente com a Carta de São Francisco de 1945, criadora da ONU (MORGENTHAU, 2003). Se analisada como verdadeira essa transferência do eixo de importância política, a criação da ONU estaria de acordo com a segunda premissa desses autores.

A terceira e última premissa-base conclui que, quando há interdependência complexa entre as nações, a força militar não é utilizada. A ação bélica, dessa forma, é ineficiente, por exemplo, para resolver controvérsias econômicas entre dois Estados cujas

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economias estão fortemente interconectadas. A utilização de poderio militar é utilizada, portanto, quando a interdependência é fraca ou inexistente. Alianças políticas e militares ou a falta delas, ademais, são determinantes para decidir como os Estados reagirão (KEOHANE; NYE, 2001).

Ainda pode-se relacionar a Ordem Mundial com o termo balança de poder, visto que este se apresenta de duas formas: quando um Estado tem muito mais poder que os demais ou quando a igualdade relativa de forças faz que nenhum Estado atinja esse patamar. O caso da Europa é historicamente ilustrativo para articulação da Balança de Poder (KISSINGER, 1994).

A fundamentação teórica apresentada acima, além de demonstrar distintas interpretações sobre o funcionamento do Sistema Internacional, expõe possibilidade de conflito. Em maior ou menor grau, o conflito é uma das opções dos Estados soberanos, sobretudo escolhido quando o objetivo é o acúmulo de poder relativo. A teoria, ademais, será o método de estudo utilizado antes de qualquer outra análise de dados, por razões também já explicitadas neste capítulo. A China, hodiernamente relevante Estado no cenário internacional, ativo econômica e politicamente, será o objeto nos quais as teorias serão abordadas nos capítulos seguintes, com vistas a compreender de forma mais pontual a atuação do país na Política Internacional.

Foram discutidas abordagens clássicas das Relações Internacionais pela importância acadêmica e social que elas têm produzido para os estudos internacionais de forma geral. Apesar da existência de mais teorias e conceitos, a limitação apresentada pelo próprio objetivo do estudo fez que elas não fossem aprofundadas aqui. Dessa forma, o próximo capítulo utilizará um recorte histórico da China para abordar a presença desse país na Política Internacional no século XXI. Para uma análise mais profunda, um recuo histórico de aproximadamente dois séculos foi feito, com o objetivo de esclarecer o contexto de inserção chinesa, bem como ascensão a ator global.

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3 UMA BREVE DESCRIÇÃO SOBRE A INSERÇÃO CHINESA NA POLÍTICA INTERNACIONAL DOS SÉCULOS XIX AO XXI

O século XIX mostrou ser extremamente dinâmico no âmbito nacional e internacional. A França, com o fim de suas revoluções e a queda do imperador Napoleão, modificou a Ordem Mundial e permaneceu como Estado parte do equilíbrio de poder regional. O continente europeu, por sua vez, fortalecia alianças conservadoras, com o concerto de Viena de 1815 (KARNAL et al., 2007), ao mesmo tempo em que tentava fortalecer práticas liberais, a fim de conquistar o status quo pré-Napoleão. As colônias americanas tentavam se encaixar no Sistema Internacional com suas recentes independências, adaptando-se, ainda, com a forma de governo republicano no continente, enquanto se defendiam de interesses europeus e estadunidenses. O Brasil, durante o mesmo século, passou por colônia portuguesa, monarquia independente e república (CERVO; BUENO, 2015). Ademais, intensificaram-se a colonização e a exploração no continente africano e asiático pelos europeus, período conhecido como Neocolonialismo. Essa intensa movimentação do cenário internacional também inseriu, de forma forçosa, a China como ator importante para o Ocidente, em um período que teve início em 1839, estendeu-se até 1949 e é conhecido na historiografia e pelo povo chinês como “o Século da Humilhação”, pelo modo impositivo que o processo se desenvolveu (LI, 2014; WANG, 2008).

Houve uma significativa mudança no comportamento estatal chinês desde o início desse período. O país, por suas dimensões consideráveis e seu poder concentrado no imperador durante a dinastia Qing não exercia, de forma ativa, sua Política Internacional (LI, 2014). Quando o tópico a ser discutido eram os bárbaros, sendo eles quaisquer estrangeiros Ocidentais de cultura distinta, o Império do Meio preocupava-se apenas com trocas comerciais, utilizando-se da Rota da Seda e de um único porto, o de Cantão, para trocas comerciais com o Ocidente (SILVA, 2015). Não havia, até o momento, consideração da Política Externa de forma global pela China, mesmo porque a base de comportamento cultural chinês tinha característica defensiva, voltada para o interior e baseada na Tianxia chinesa (MURATA, 2015).

Importante destacar que nos cinco mil anos de história chinesa, o país não havia se sentido ameaçado constantemente por forças externas até aquele momento, com exceção de conflitos regionais. Não havia, portanto, preocupação com todo o globo. O Século da Humilhação, no entanto, é um momento determinante para o país, pois insere-o de forma abrupta no cenário internacional devido a países Ocidentais, sobretudo com o imperialismo

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liberal inglês, ao dar início a Primeira Guerra do Ópio, em 1839 (KAUFMAN, 2010). Além disso, humilhações durante esse período são assunto recorrente tanto na cultura popular chinesa quanto na propaganda do governo comunista chinês, apesar da relativa baixa valorização pelo Ocidente quanto ao tema ao relacioná-lo com a Política Externa chinesa (CALLAHAN, 2004; GRIES et al., 2011).

Neste capítulo, o Século da Humilhação chinesa foi exposto, categorizado por conflitos durante os períodos de 1839 a 1949, com características tanto descritiva quanto analítica. Às vezes, mais importantes que os conflitos em si, suas causas e consequências acarretaram em informações pertinentes para compreensão de como houve certas mudanças da China após esse século, tanto psicológicas quanto políticas, se comparados com os cinco mil anos de existência da civilização chinesa (LI, 2014).

Além disso, a análise em si busca dar sentido à história e aos comportamentos dos Estados daquele conflito em diante. Os tratados feitos com países do Ocidente e com o Japão durante esse período estabeleceram medidas punitivas, chamados de Tratados Desiguais, com resultados visíveis hodiernamente sobre o comportamento chinês no cenário internacional (WANG, 2008; KAUFMAN, 2010; ZHAO, 2013).

Utilizando-se do artifício da memória coletiva, somados à Campanha de Educação Patriótica realizada pelo Partido Comunista em 1991, o passado chinês de humilhação é relembrado para a juventude, usada tanto para renovar a desconfiança do Ocidente quanto para vangloriar o Partido Comunista (WANG, 2008). Apesar de se saber a importância histórica e política do período, não é definitiva qualquer interpretação que vise uniformizar a Política Externa chinesa, visto que não há recuo histórico nem consistência suficientes para isso.

Não teve por objetivo central detalhamento histórico desse período, mas sim os pontos fulcrais que interessa às Relações Internacionais para explicar nele possíveis desdobramentos para a ascensão chinesa no século XXI. Elaborou-se, assim, breve descrição histórica, contendo causas e consequências dos seguintes conflitos, organizados cronologicamente: Primeira Guerra do Ópio (1839 – 1842), Segunda Guerra do Ópio (1856 – 1860), Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894 – 1895), Revolta dos Boxers (1899 – 1901) e Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937 – 1945).

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3.1 A PRIMEIRA GUERRA DO ÓPIO (1839 – 1842)

A Primeira Guerra do Ópio foi uma disputa de poderes por razões comerciais entre China e Reino Unido, sobretudo na região do porto de Cantão. Diplomatas britânicos, àquela época, já exerciam ofício em território chinês, com o objetivo de maior abertura portuária, visando, principalmente, maior troca do chá chinês pelo ópio. O ópio inglês provinha, em sua maior parte, da Índia, na época sob controle britânico, e foi introduzido por contrabando nos portos chineses (CALLAHAN, 2004). Um dos problemas do comércio sino-inglês, no entanto, era o fato de não haver produto Ocidental que agradasse os chineses, em contraponto a grandes importações de chá pelos britânicos. O resultado era uma balança comercial desequilibrada, um fluxo de prata que esvaziava os cofres britânicos e superávits chineses; é sabido, contudo, que a introdução do ópio às trocas transfigurou essa situação (SU, 2008).

Figura 1 - Transporte marítimo de produtos entre Índia e China.

Fonte: Perdue (2011)

O contrabando de ópio tornou-se problemático, na medida em que a dinastia Qing optou pela eliminação do produto no país. A dependência química que a droga produzia afetava tanto a população quanto a corte chinesa, e, por isso, todas as cargas britânicas contendo a droga foram recolhidas e as mercadorias, queimadas (DUARTE, 2005; KARSH,

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2008). A região do porto de Cantão foi o cenário desses pontos de tensão por ser um dos únicos acessos a Ocidentais no país.

Além de área restrita, ademais, as leis chinesas eram as impostas naqueles portos, fato que não condizia com a vontade dos britânicos, por verem nos chineses certa barbaridade. Dessa forma, com a atuação do comissário Lin, responsável pela fiscalização da região de Cantão, foi estipulada pena de morte aos contrabandistas, tanto ingleses quanto chineses. Além do não reconhecimento dessa lei por parte dos residentes britânicos na China, o secretário do Exterior inglês, Palmerston, já havia estabelecido unilateralmente que os confiscos de ópio eram ilegais, por violarem propriedade de nacionais britânicos. A desconsideração das leis chinesas e, com isso, o não respeito à soberania do país, fez que a Inglaterra iniciasse a Primeira Guerra do Ópio em 1839, com o objetivo principal de abertura dos portos e a imposição das leis Ocidentais em território chinês (SILVA, 2015).

O conflito encerrou com a derrota chinesa e a assinatura do Tratado de Nanking (1842). Com ele, devido à alegação de violação à propriedade britânica, o governo chinês teve de pagar indenizações de 21 milhões de dólares pelas mercadorias destruídas (CHESNEAUX; BASTID; BERGERE, 1999). Além disso, abriram-se mais cinco portos para troca com os ingleses, todos com reduzidas taxas tarifárias, dando início aos tratados desiguais na China. A maior perda, no entanto, foi a concessão chinesa do território de Hong Kong junto com a permissão de aplicabilidade de leis Ocidentais nos portos de trocas (DUARTE, 2005).

É incorreto afirmar que esse tenha sido o primeiro encontro, ou desencontro, entre ocidentais e os chineses. A China já realizava trocas comerciais com outros países, sobretudo por meio da Rota da Seda e negociação previamente estipulada, respeitando princípios considerados tácitos à época, como o respeito à soberania. Era a primeira vez, no entanto, que a hegemonia mundial da época, lê-se o Reino Unido, adentra em território chinês de forma a impor o imperialismo liberal e suas vontades com tratados desiguais.

A superioridade cultural presumida pelos britânicos fez que a recusa de seu produto, o ópio, fosse inaceitável. As punições sofridas pela China ao fim do conflito, por sua vez, tiveram caráter intencional de punição, justamente por chineses não terem estado de acordo com a hegemonia atuante (CARTER, 1990). A indenização retornou o fluxo de prata aos britânicos e o território da atual Hong Kong, ao fim do conflito sob controle inglês, seria administrado por leis ocidentais. Cabe ressaltar, ainda, que a imposição do ópio em território chinês foi efetivada (LOWE, 1979). Com ela, os vícios enfraqueceram a nação tanto econômica quanto socialmente. O lucro inglês provinha indiretamente da morte dos chineses.

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3.2 A SEGUNDA GUERRA DO ÓPIO (1856 – 1860)

A segunda guerra do ópio teve início com resistência e aversão chinesa às concessões feitas ao fim da primeira. Ademais, as revoltas contra o cristianismo na região de Taiping começaram a interferir nas trocas comerciais chinesas com França e Inglaterra. Os navios britânicos de Hong Kong, bem como outros navios com carregamento de ópio, utilizavam a bandeira do Reino Unido para circular ininterruptamente (CALLAHAN, 2004). Após a captura do navio britânico Arrow, em 1856, interpretado pelos chineses da costa de Cantão como pirata, as tensões entre chineses e britânicos ressurgiram (FEIGE; MIRON, 2008). Com o acontecimento, os ingleses pediram a soltura de sua tripulação e um pedido de desculpas formal da China. Os prisioneiros foram soltos, porém sem as desculpas oficiais. Esse ponto de atrito serviu de estopim para uma nova série de conflitos em território chinês.

Desse segundo conflito também participaram Estados Unidos, França e Rússia. O primeiro, com a alegação de violação de suas embarcações pelos chineses; a França, pela morte de um de seus nacionais em território chinês, alegando casus belli, enquanto que a Rússia não teve razão clara para participação no conflito. Sabe-se, no entanto, que nenhuma razão era mais poderosa que as vontades americana e europeia de aumentarem sua influência sobre a China (CALLAHAN, 2004).

A resposta foi uma ofensiva anglo-francesa a Guangzhou, em 1857, ocupando a região até a assinatura do Tratado de Tianjin com o Reino Unido. O tratado abria mais onze portos chineses para o Ocidente e revisava tarifas de modo que ficassem mais vantajosas aos britânicos. As tarifas, por sua vez, resultaram em tratados similares com outras nações: França, Rússia e Estados Unidos. O não cumprimento do tratado, no entanto, estendeu a guerra até 1860 (FEIGE; MIRON, 2008).

O fim do conflito levava mais uma vez a China à humilhação. A soberania, completamente violada faz que as viagens e trocas internas de ópio sejam explicitamente descriminalizadas. Indenizações de 16 milhões de dólares foram estipuladas como pagamento aos vencedores e as defesas navais chinesas foram destruídas. Pela resistência inicial ao tratado de Tianjin, tropas franco-inglesas ocuparam Pequim e queimaram o Palácio de Verão Imperial, símbolo de derrota psicológica chinesa no conflito (CALLAHAN, 2004; KAUFMAN, 2010).

A queima do Palácio, mais do que simples destruição resultante de combate, simbolizou a humilhação imposta pelas tropas Ocidentais. O monumento continha artefatos históricos, além de valor significativo cultural da dinastia Qing. Sua destruição levou consigo

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