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O aval cambiário dos sócios em título em branco. A paradoxa solução do AUJ n.º 4/2013

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A paradoxa solução do AUJ n.º 4/2013

DR.ª SARA ALEIXO

Sumário: Introdução. I. Títulos de Crédito: 1. Origem histórica; 2. Conceito.

Carac-terísticas. Finalidades. II. O aval: 1. Noções gerais; 2. A natureza jurídica do aval. III. Acórdão de Uniformização da Jurisprudência n.º 4/2013 – Análise crítica. IV. O aval em branco – Conceito, Tipicidade Social, Finalidades e (Des)vantagens: 1. As diferenças entre o aval aposto em título completo e aval em branco em título em branco; 2. A “suposta” obrigação cambiária do aval em branco antes do preenchimento do título. V. A desvinculação unilateral do avalista: 1. Formas de desvinculação unilateral do sócio-avalista: a) A denún-cia; b) A resolução. VI. A indeterminabilidade do pacto de preenchimento. VII. Da tutela do credor. Conclusão.

Introdução

A origem do aval está intrinsecamente associada à circulação de títulos de crédito no plano nacional e internacional.

Sendo uma matéria com especial relevo no plano comercial, os portadores de títulos de crédito, a quem os subscritores exararam uma ordem de paga-mento em seu benefício, sentiram que era necessário reforçá-los mediante a prestação de garantias de cumprimento.

Ora, através da prestação de aval, há a adição de um património de um ter-ceiro relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, reforçando-se, assim, a posição do credor.

Fazendo uma delimitação prévia do nosso estudo, dentro da temática do aval, iremos abordar a questão controvertida da prestação de aval aposto numa livrança em branco, pelos sócios da sociedade avalizada, sendo este o caso

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sub-jacente ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2013, de 21 de janeiro de 20131.

Citando Januário da Costa Gomes “É aquilo a que se chama uma livrança-cau-ção ou livrança-garantia”2.

De facto, embora estruturalmente não estejamos perante uma caução ou garantia, a sua existência reforça a posição do banco credor, sobretudo, se à sociedade como “subscritor em branco” se juntarem sócios e/ou gerentes e administradores como “avalistas em branco3”.

A prestação destas garantias pelos sócios, sobretudo no seio da praxis ban-cária, são, na maioria das vezes,“conditio sine qua non”, para a celebração de contratos de fi nanciamento com estas entidades 4.

Aliás, se atendermos ao contexto das sociedades por quotas, em que assume particular relevo o elemento pessoal, esta prática é muito frequente.

À prestação de aval em branco é possível identifi car um interesse objetivo dos sócios, garantir o recurso ao crédito da sociedade e, deste modo, prosperar na sua atividade social.

Não obstante, através desta prática estaremos a contornar o regime que a lei prevê a certos tipos societários – passamos a ter uma responsabilidade ilimitada dos sócios.

Mais grave a situação se torna se um avalista em branco supervenientemente deixa de ter a qualidade de sócio mas continua vinculado ao cumprimento das obrigações decorrentes da prestação de aval.

É perante a demonstração desta realidade dramática em que atualmente se encontram os ex-sócios avalistas, que trazemos à colação a jurisprudência fi xada no AUJ n.º 4/2013:“tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”, com o qual referimos, desde já, que não podemos concordar.

Nestes termos, é nosso propósito não só encontrar vias de solução para a desvinculação do ex-sócio avalista mas também demonstrar que é extrema-1 Publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 14, de 21.01.2013, tendo como relator Gabriel Catarino.

2 Costa Gomes, “O insustentável peso do aval em livrança em branco por sócio de sociedade para garantia

do crédito revolving” – Temas de Direito Bancário II – Cadernos O Direito, nº 9, 2014, cit., p. 26

3 Cf. Evaristo Mendes, Aval e fi anças Gerais, in DJ, XIV, nº 1, 2000, p.156.

4 Sobre a utilização socialmente típica na praxis bancária da utilização da letra e livrança, incor-poradas com o aval prestado pelos sócios v.g. Evaristo Mendes, Aval e fi anças Gerais, pp. 155-161, também Carolina Cunha, Letras e Livranças: Paradigmas atuais e recompreensão de um regime, Coimbra, Almedina, 2012, p. 553 e segs.

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mente injusto, excessivo e arbitrário, não permitir a desvinculação do mesmo relativamente ao aval.

Note-se que, o ex-sócio deixa de ter qualquer controlo ou conhecimento sobre a gestão económica e fi nanceira da mesma, não podendo prever os riscos inerentes ao cumprimento de tais obrigações.

I. Títulos de Crédito 1. Origem histórica

A origem do aval aparece ligada ao desenvolvimento dos títulos de crédito, tendo surgido no séc. XVI, a partir do momento em que se tornou necessário reforçar a solvabilidade dos títulos mediante a prestação de garantias.

Os títulos de crédito surgiram historicamente para dar resposta efi ciente às exigências da circulação célere e segura de direitos no comércio.

Na verdade, são um instituto clássico de Direito Comercial. Embora pos-sam ter na relação subjacente direitos, tanto de natureza civil como comercial, não devem, por isso, ser tidos como um instituto de Direito Civil.

Inicialmente, a existência em cada ordenamento jurídico de leis sobre a matéria5, em vez de cumprir as fi nalidades para os quais surgiram, isto é,

sim-plifi car e assegurar de forma célere a circulação de riqueza, acabava por criar entraves aos pagamentos.

Nestes sentido, na tentativa de uniformizar a matéria respeitante aos títulos de crédito, foram realizadas sucessivas conferências.

O primeiro grande passo deu-se em 1909, aquando da elaboração de um projeto de Lei Uniforme6.

Porventura, foi a 7 de junho de 1930, em Genebra, que foram assinadas três convenções relativas a letras e livranças: a primeira, com uma lei uniforme sobre letras e livranças; a segunda, destinada a regular certos confl itos de leis em matéria de letras e livranças; a terceira relativa aos impostos de selo sobre esses títulos de crédito.

5 Em Portugal, a matéria cambiária, foi pela primeira vez inserida no primeiro Código Comercial Português, em 1833 pelo ilustre autor Ferreira Borges, correspondendo ao aval os artigos 351.º a 353.º, relativos às letras, sendo aplicáveis às livranças (343.º).

Também o Código de Veiga Beirão, de 1888, regeu o aval nas letras (304.º a 308.º) em preceitos aplicáveis às livranças (343.º).

6 Sobre a evolução histórica dos títulos de crédito, veja-se, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito

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Estas convenções foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 23:721, de 29 de março de 1934 e confi rmadas por Carta de 10 de maio de 19347.

2. Conceito. Características. Finalidades

Pais de Vasconcelos8 defi ne o título de crédito como “um documento que

incorpora um direito literal e autónomo, que legitima o seu titular a exercê-lo e serve de suporte à sua circulação e mobilização. Tem como função titular e incorporar direitos de modo a permitir e facilitar a sua circulação e mobilização”.

O avalista não participa na circulação do título, limitando-se a reforçá-lo, através de uma declaração destinada a garantir o pagamento, pelo que estamos perante a assunção de uma nova obrigação cambiária.

Em relação às suas características, desde logo, temos a literalidade do título, que faz prevalecer o sentido objetivo sobre a vontade subjetiva dos seus intervenientes.

De facto, sendo um documento escrito, o título vale precisamente com o seu preciso conteúdo e extensão, permitindo ao seu legítimo portador ter um conhecimento completo e preciso do direito incorporado.

A referência a “legítimo portador” e a “direito incorporado” remete-nos a duas outras características de que comungam os títulos de crédito.

Em relação à primeira, referimo-nos à legitimidade do seu portador, por-quanto o portador que exerce o direito atual não tem de ser necessariamente o verdadeiro titular, uma vez que, destinando-se os títulos de crédito a circular, poderá ser um outro possuidor.

Em relação à segunda expressão, estamos perante a característica da incor-poração de um direito de crédito exarada no título, que tem como objeto uma prestação pecuniária nas letras, livranças, cheques, extratos ou faturas e obrigações.

Além disso, os títulos de crédito têm origem num negócio ou numa deter-minada situação jurídica, para cuja documentação, circulação, mobilização ou cobrança são emitidos, os respetivos títulos.

Porventura, o direito emergente do título, denominado de direito cartular é autónomo em relação ao direito subjacente que lhe deu origem.

7 A Lei Uniforme sobre o Cheque foi estalecida pela Convenção de Genebra de 19 de março de 1931,sendo aprovada pelos diplomas relativos à Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.

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Quando se fala de autonomia, podemos ter em vista: a autonomia do direito cartular e a autonomia do portador.

No que respeita à autonomia do direito cartular, estar-se-á a relacionar e autonomizar o direito emergente do título e nele incorporado do direito subja-cente, que funcionalmente originou a emissão, o endosso ou outro ato cartular.

Quando se trata da autonomia do portador, o que se está a relacionar e autonomizar é a titularidade do título do seu portador atual em relação a outros portadores anteriores, que eventualmente tenham sido desapossados do título.

Já no que concerne, às fi nalidades dos títulos de crédito, podemos identifi -car duas funções que estabelecem uma conexão entre si.

No plano jurídico, eles asseguram o transporte de valores, a legitimação no exercício dos direitos subjacentes, a liberação de deveres, a tutela da boa-fé e a garantia dos créditos.

No plano económico, eles facultam os pagamentos, o crédito e a circulação da riqueza.

Além disso, no que respeita às livranças, eles funcionam como autênticas garantias, que permitam assegurar a satisfação dos credores quanto ao cumpri-mento das obrigações decorrentes do contrato.

Paralelamente, os títulos de crédito, nos termos e para os efeitos legais pre-vistos no n.º 1, alínea c), do artigo 703.º do CPC, podem ser títulos executivos. Deste modo, permitem ao portador do título após o incumprimento das obrigações pecuniárias, intentar ação executiva com vista à liquidação da dívida exequenda.

II. O aval 1. Noções gerais

Sobre os títulos de crédito, especialmente nas letras e nas livranças, é

usual sobre estes incidir o aval, considerado pela doutrina alemã como “fi ança cambiária”.

O aval é o ato ou o efeito de avalizar, através de uma declaração, na qual o avalista garante, pessoalmente, uma obrigação cartular.

A prestação do aval pode ter sido gratuita, onerosa ou uma mera liberalidade. Neste último caso, tratando-se de uma liberalidade do avalista, este suporta o pagamento sem exercer direito de regresso contra o avalizado.

A prestação do aval pode ser obrigatória para o avalista quando assim seja convencionado extracambiariamente.

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Pelo exposto, o aval consiste numa garantia pessoal das obrigações cartulares9.

A matéria respeitante ao aval encontra-se expressamente regulada na Lei Uniforme em matéria de Letras e Livranças (LULL), nos artigos 30.º a 32.º e na Lei Uniforme relativa ao Cheque (LUC), nos artigos 25.º a 27.º

Vejamos, portanto, os preceitos do capítulo IV da LULL, relativos ao aval. Artigo 30.º

O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.

Artigo 31.º O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.

Exprime-se pelas palavras “bom para aval” ou por qualquer fórmula equivalente; e assinado pelo dador do aval.

O aval considera-se como resultado da simples assinatura do dador aposto na face ante-rior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.

O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação entender-se-á ser pelo sacador.

Artigo 32.º

O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afi ançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qual-quer razão que não seja um vício de forma.

Se o dador do aval pagar a letra, fi ca sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra. Estes preceitos aplicam-se, com as necessárias adaptações, às livranças, por via do artigo 77.º, da LULL.

Face ao exposto, o aval é um negócio jurídico unilateral e abstrato que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento.

Nos termos do artigo 32.º, primeira parte, da referida lei, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afi ançada.

Além disso, o aval subsiste mesmo que o ato do avalizado seja nulo por qualquer razão” que não seja “vício de forma”, conforme dispõe o artigo 32.º, segunda parte, do respetivo diploma legal.

9 Fala-se também de aval para referir outra garantia pessoal das obrigações, não cartulares, cuja especifi cidade é ser prestada pelo Estado ou por outras pessoas coletivas de Direito Público, atual-mente regulada pela Lei 112/97 de 16 de setembro.

O aval do Estado consiste numa garantia, cuja especifi cidade reside na natureza da entidade garante, e que é sujeita a um regime especial.

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Sendo a responsabilidade do avalista determinada pela do avalizado e sendo afetada a validade da obrigação do avalizado por vício de forma, então poderá ser imputada ao avalista qualquer responsabilidade.

Nos termos do artigo 70.º da LULL, as ações contra o avalista do aceitante não têm um prazo autónomo de prescrição e prescrevem no mesmo prazo das ações contra o aceitante.

Do mesmo modo, o portador que não proteste a letra não perde o seu direito de ação contra o aceitante nem contra o avalista do aceitante, nos ter-mos do artigo 53.º da LULL.

O aval também tem uma relação jurídica subjacente, constituída pela rela-ção jurídica que funda a prestarela-ção do aval e que pode ser invocada nas relações entre avalista e o avalizado.

O avalista que seja chamado a pagar a letra fi ca sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta, em virtude da letra, nos termos e para os devidos efeitos legais do disposto no artigo 32.º, terceira parte, da LULL.

O avalista pode exigir o pagamento da letra, não só do avalizado como daqueles a quem o avalizado o poderia exigir.

Não obstante, na relação existente entre vários avalistas que tenham con-juntamente prestado aval por um mesmo avalizado, a LULL não prevê o direito de regresso contra os demais avalistas.

Porém, a jurisprudência tem entendido que, não obstante a inexistência de relações cambiárias, não deixa de haver relações de direito comum, possibili-tando àquele que pague a livrança acionar os demais, recorrendo-se às regras reguladoras desta10.

Ora, nestes termos, aplicar-se-á a regra prevista no artigo 650.º, n.º 1, do CC, que remete para as regras das obrigações solidárias (cf. artigos 512.º a 523.º do CC).

Esta tese tem tido acolhimento na doutrina11, considerando-se que as

van-tagens e os inconvenientes do aval, são essencialmente os mesmos da fi ança, com a particularidade de a autonomia desta garantia conferir melhor proteção ao credor.

10 Cf. Ac. do STJ de 05.06.2012, Processo n.º 2493/05.0TBBCL.G1.S1, relator Abrantes Geral-des, disponível em www.dgsi.pt.

11 Romano Martinez/P. Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5.ª Ed, Almedina, 2006, p.122. Porém, há quem entenda que não se aplica o regime da fi ança e só com base na alegação da relação subjacente aos avales e no que entre os avalistas tiver sido convencionado é que o avalista que pagou poderá exigir dos outros avalistas o pagamento de qualquer quantia.

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Pelo que, não raras são as vezes em que são aplicáveis as normas do regime da fi ança à fi gura do aval.

2. A natureza jurídica do aval

Concluída a análise da estrutura, características e função dos títulos de cré-dito e do aval, julgamos puder concluir que o aval é uma garantia da obrigação do avalizado, sendo este o fi m específi co da aposição de aval numa letra ou numa livrança.

A questão que agora se impõe é a seguinte: de que modo o fi m da garantia, para qual o aval é prestado, se refl ete no seu regime jurídico12?

Têm sido elaboradas várias teorias relativamente à qualifi cação da natureza jurídica do aval, entre elas:

a) Teoria do aval-fi ança;

b) Teoria do aval-garantia hibrida; c) Teoria do aval-garantia autónoma;

De acordo com a teoria do aval-fi ança, o aval tem a natureza de uma fi ança. Deste modo, estaríamos perante uma garantia pessoal acessória da obrigação do avalizado.

Ora, para ter a natureza de uma fi ança, teria de ter necessariamente a aces-soriedade forte de que dispõe a fi ança.

Os defensores desta teoria, radicam a acessoriedade do aval com base no disposto no artigo 32.º, primeira parte, da LULL, ao determinar que a sua res-ponsabilidade é “nos mesmos termos” do que a pessoa avalizada.

Acrescentam ainda que, tal como no aval, a fi ança também subiste em certos casos de invalidade da obrigação garantida, nos termos e para os efeitos legais do disposto no n.º 2 do artigo 632.º do CC.

Assim sendo, também o fi ador quando conhecia da anulabilidade da obri-gação principal, por incapacidade, falta ou vício de vontade do devedor, no momento em que presta a fi ança, a fi ança permanece válida.

Já de acordo com a teoria do aval-garantia hibrida, o regime do artigo 32.º da LULL, o aval não pode ser qualifi cado como fi ança, uma vez que, a obri-gação do avalista não é acessória mas sim autónoma, embora, se aproxime da fi ança em certos aspetos de regime.

12 Cf. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial – Letras de Câmbio, vol. III, Universidade de Coimbra, 1975, p. 206.

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Finalmente, a jurisprudência mais recente e com algum apoio da doutrina, defendem a teoria do aval-garantia autónoma13.

De acordo o entendimento sustentado no Acórdão do STJ de 1 de julho de 200314, do qual passamos a citar algumas passagens: “(…) O aval é uma garantia

bancária que, embora com natureza jurídica semelhante à da fi ança, não pode confundir--se com esta(…)Como é sabido, a obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado (…)”.

Assim, o aval não constituiria garantia de uma obrigação, encontrando-se desprovido de acessoriedade face à obrigação principal.

Com base nesta teoria, o aval deverá ser qualifi cado como uma garantia autónoma do pagamento da letra.

Ao fazermos uma análise crítica, das teorias supra descritas, em primeiro lugar, no que respeita à teoria do aval-fi ança, podemos constatar que diante do artigo 32.º, primeira parte, da LULL, indica a “acessoriedade” do aval face à obrigação garantida.

Porém, a segunda parte do preceito indica a autonomia do aval, porque a obrigação do avalista se mantém apesar de tal não acontecer com a obrigação do garantido.

Além disso, o aval é uma declaração unilateral, que exprime a intenção de pagar uma determinada quantia, não carecendo de aceitação ao contrário da fi ança.

A este propósito, a doutrina tem vindo a pronunciar-se sobre a (im)pos-sibilidade de o avalista valer-se das exceções pessoais de que o avalizado pode recorrer.

Oliveira Ascensão15, negando tal possibilidade, entende que se o avalista

responde na medida em que caberia ao avalizado, ainda que a obrigação deste fosse nula, por maioria de razão ele responde se ela for válida e apenas houvesse que opor contra ela exceções pessoais.

Assim, o avalista pode ser diretamente demandado sem poder opor os

meios de defesa aplicáveis na fi ança.

Além desse ponto, há ainda que referir outros aspetos de regime que afas-tam claramente o aval da fi ança. Vejamos.

13 Cf. Oliveira Ascensão, Direito Comercial – Títulos de Crédito, vol. III, Lisboa, 1992, pp. 172-173 e Paulo Sendin/Evaristo Mendes, in Natureza do Aval e a questão da necessidade ou não de protesto

para acionar o avalista do aceitante, Almedina, Coimbra, 1991, p. 39 na qual fazem referência à

opi-nião de Paulo Cunha “responde-se objetivamente pelo pagamento da letra, não se responde subjetivamente,

ou seja, pelo pagamento dela por parte da pessoa do avalizada”.

14 Ac. do STJ de 1.07.2003, Processo n.º 03A1942, relator Azevedo Ramos, disponível em www. dgsi.pt

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O avalista não pode opor ao demandante o benefício da excussão prévia, prevista para a fi ança, conforme consta do artigo 638.º do CC.

Por outro lado, sua responsabilidade é solidária e não subsidiária, não estando sujeito a qualquer condição.

Além disso, é uma garantia unilateral que surge mediante declaração não receptícia, abstrata, independente e autónoma, prescindindo da causa na sua relação circulatória e subsistindo ainda que a obrigação do avalizado seja nulo, a menos que seja um vício formal. Por fi m, ao contrário da fi ança é irrevogável.

Pelo exposto, a obrigação do avalista não goza de acessoriedade forte e de subsidiariedade, não se reconduzindo à categoria da fi ança.

Também não podemos concordar com a qualifi cação do aval como tendo a natureza de uma garantia autónoma para pagamento de uma letra.

Em primeiro lugar, o avalista faz constar expressamente e inequivocamente, num título de crédito, a intenção de pagar uma determinada obrigação do avalizado.

Ora, essa intenção de vontade não surge nos mesmos moldes, nas garantias autónomas.

Além disso, cumpre sublinhar que o aval pode ser prestado por qualquer su-jeito, enquanto as garantias autónomas, são na sua génese, emitidas por bancos. Por fi m, ainda que o aval padeça da abstração, que é característica dos títu-los de crédito face à obrigação subjacente, ainda assim, é possível vislumbrar indícios de acessoriedade, que inexistem nas garantias autónomas16.

Pelo exposto, seguindo a terminologia de Menezes Cordeiro17, o aval

integra a vertente média/fraca da acessoriedade, enquanto princípio geral das garantias.

Neste sentido, o aval deve ser entendido como uma garantia pessoal, ainda que com uma dimensão cambiária, correspondente a um tipo próprio, previsto na lei18.

III. Acórdão de Uniformização da Jurisprudência n.º 4/2013 – Análise

crítica

O STJ, através do AUJ 4/2013, decidiu fi xar a jurisprudência no seguinte sentido:

16 Cf. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, p. 206.

17 Sobre o princípio da acessoriedade das garantias, veja-se, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito

Civil, X, pp. 179-183.

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“Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua par-ticipação social na sociedade avalizada”.

Os acórdãos que estiveram na base da fi xação da jurisprudência no AUJ n.º 4/2013 foram o Acórdão do STJ de 02.12.200819, como

acórdão-funda-mento e o Acórdão do STJ de 10.05.2011, como acórdão recorrido20.

No Acórdão do STJ de 02.12.2008, a sociedade subscrevera uma livrança em branco, avalizada pelos sócios da sociedade, reforçando assim o cumpri-mento da obrigação para com o banco, decorrente da celebração de um con-trato de abertura de crédito revolving.

Este contrato foi celebrado por seis meses, renovando-se automaticamente, por igual período, salvo denúncia por algumas das partes com a antecedência mínima de trinta dias relativamente ao prazo inicial ou de algumas das suas prorrogações.

Posteriormente, um dos sócios avalistas e gerente cedeu a sua quota e renunciou ao cargo, tendo remetido carta ao banco para que cessasse qualquer tipo de responsabilidade enquanto avalista, a partir do momento em que se afastou da vida societária.

Não obstante, em 2005, a entidade bancária comunica à sociedade e aos avalistas, o preenchimento da livrança com o montante respetivo, imputando as responsabilidades pela quantia à sociedade e aos avalistas.

Nestes termos, foi proferida decisão, aceitando-se como válida a denúncia do aval até ao momento do preenchimento do título, uma vez que, até esse momento, a letra em branco não tem efeito como título cambiário.

Para esta decisão, o STJ apoiou-se, em termos jurisprudenciais, no Acórdão do TRP de 02.04.199821 e no Acórdão do STJ 08.07.200322.

19 Ac. do STJ de 02.12.08, Processo nº 08A3600, relator Paulo Sá, disponível em www.dgsi.pt. 20 Ac. do STJ de 10.05.11, Processo n.º 5903/09.34TVLSB.L1.S1, relator Gabriel Catarino, dis-ponível em www.dgsi.pt,

21 Ac. do TRP de 02.04.1998, Processo n.º 830121, relator Oliveira Barros, disponível em www. dgsi.pt, no qual se destaca o seguinte:

Tendo o avalista remetido uma carta à entidade bancária na qual declara que se desvincula, a partir dessa data, de qualquer aval ou responsabilidade pelo pagamento de remessas, exportações e transações comerciais efetuadas pela subscritora da livrança, esse ato unilateral tem plena efi cácia”.

22 Ac. do STJ de 08.07.2003, Processo n.º 03B2060, em que foi relator Oliveira Barros, disponí-vel em www.dgsi.pt.

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Ponderou ainda o STJ o entendimento, do Acórdão do TRL de 07.02.200823

que decidiu no seguinte sentido: “o aval só se consolida no mundo dos negócios após o completo preenchimento do título em branco, momento em que se constitui como dívida cambiária perfeitamente determinada”.

Relativamente ao Acórdão do STJ de 10.05.2011 – acórdão-recorrido, a factualidade vertida é semelhante à do acórdão – fundamento. Vejamos.

Para garantia de um empréstimo bancário concedido a uma sociedade, em 2006, esta entregou ao banco duas livranças em branco subscritas pela sociedade e com a assinatura do aval de sócios.

Passado um ano, um dos sócios cedeu as quotas, tendo reportado tal situa-ção ao banco, de forma a ser retirado o seu aval das novas concessões de crédito. Porém, o banco não considerou a carta do ex-sócio e preencheu as livran-ças em 2009, tendo renovado o contrato, considerando que não houve denún-cia pelas partes, conforme estipula a cláusula 5.ª do respetivo contrato de fi nanciamento.

O STJ depois de se ter pronunciado sobre o aval e a sua natureza, designa-damente na sua delimitação face à fi ança, decidiu que, em função das específi cas características cambiárias do aval, o mesmo não pode ser objeto de denúncia.

Cumpre, então, neste momento, fazer uma apreciação relativamente à deci-são do STJ no AUJ n.º 4/2013.

Em primeiro lugar, no AUJ, há um desfasamento entre a factualidade exis-tente no acórdão – fundamento e no acórdão-recorrido e a que foi pressuposta, de tal modo errónea, que acabou por se refl etir na argumentação de direito formulada e na base decisória.

Ora, no caso sub judice, estamos perante um aval aposto sobre um título cambiário em branco e não de um aval prestado sobre um título completo.

Veja-se que, o STJ, paradoxalmente, acaba por negar a desvinculação do ex-sócio avalista, por retratar tal situação jurídica, como se estivéssemos perante um aval prestado em título completo, quando afi rma que “a admissibilidade de desvinculação por parte do sócio avalista do título em branco confl itua com a própria natureza do aval em título completo”.

Tal como refere Cassiano dos Santos24 “o AUJ circunscreve-se insofi

smavel-mente ao aval, e não se pronuncia, (…), sobre a vinculação em letra ou livrança em branco – isto é, nada estabelece sobre a questão de saber se o sujeito que se vinculou pode, em algumas circunstâncias ou medida, obstar à formação do título tendo-o a si como avalista”.

23 Ac. do TRL de 07.02.2008, Processo 10143/2007-2, em que foi relator Esaguy Martins, dis-ponível em www.dgsi.pt.

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Ainda nesta linha, Carolina Cunha25, considera que no AUJ existiu uma

“quase completa desconsideração da diferença entre o regime a aplicar a um aval prestado sobre um título preenchido e ao aval aposto sobre um título cambiário em branco”, igno-rando completamente “a norma-chave para a resolução das questões relacionadas com qualquer subscrição cambiária em branco: o artigo 10º da Lei Uniforme”.

Nestes termos, não houve efetivamente uma uniformização da jurisprudên-cia contraditória, pois se interpretarmos o AUJ de forma a aplicá-lo às situações ocorridas no acórdão-fundamento e no acórdão- recorrido, tal como menciona Januário da Costa Gomes26 “(…) teremos, então, um aval em branco insustentável,

se não mesmo insuportável”.

Aliás, recentemente, a jurisprudência tem vindo a pronunciar-se em sen-tido contrário ao decidido no AUJ, nomeadamente, o Acórdão do TRP de 27.02.201427.

Neste acórdão entendeu-se que “Não será de seguir a jurisprudência uniformi-zada do AUJ nº 4/2013, se interpretada como abarcando o aval aposto em livrança em branco”.

Face ao exposto, o tribunal decidiu no seguinte sentido: “(…)é admissível a resolução de um tal pacto de preenchimento por parte daquele sócio gerente, em virtude de ter deixado de ser sócio e de na sociedade ter cessado funções, limitando a sua vinculação às obrigações assumidas pela sociedade enquanto tinha a referida qualidade”.

Embora fundamentemos a nossa posição infra, seguimos a linha de enten-dimento neste acórdão.

IV. O aval em branco – Conceito, Tipicidade Social, Finalidades e

(Des)vantagens

Como já mencionamos no Capítulo II, Ponto 2, o aval é uma garantia pessoal, com as suas especifi cidades.

Tipicamente, a emissão de títulos em branco, na qual se presta também aval nos mesmos moldes, surge numa determinada relação fundamental, na qual subjaz um direito de crédito, ainda não defi nido, relativamente ao seu mon-tante e/ou ao momento do seu vencimento.

25 Carolina Cunha, Cessão de Quotas e Aval: equívocos de uma uniformização de jurisprudência, DSR, ano 5.º, vol. 9, março de 2013, cit., p. 92.

26 Costa Gomes “O (in) sustentável peso do aval em livrança em branco prestado pelo sócio, cit., p. 39. 27 Ac. do TRP de 27.02.2014, Processo n.º 3871/12.4TBVFR-A.P1, relator Araújo Barros, dis-ponível em www.dgsi.pt.

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Tem sido suscitada a questão de o aval poder ou não ser prestado sem determinação do montante garantido, designadamente, nas hipóteses de se exi-gir a subscrição do título em branco por parte do devedor, previamente avali-zado nessas condições28.

Citando Gonsalves Dias29, trata-se de uma “forma de garantia de

responsabili-dades futuras e ilíquidas”.

De facto, estamos perante uma garantia que é excessivamente vantajosa para o portador legítimo do título.

Desde logo, é uma garantia em sentido amplo, de reforço ou segurança da posição do credor.

O portador tendo o título em seu poder, pode completá-lo, sem a inter-venção ou colaboração do devedor e sem necessidade deste manifestar uma vontade prévia quanto aos termos da vinculação a que fi ca adstrito.

Além disso, não nos podemos esquecer de que o título de crédito além de ser uma garantia, serve ainda de título executivo, caso o devedor não proceda ao seu pagamento de forma voluntária.

Ora, sempre que sob a emissão de um título em branco, tenha o mesmo sido reforçado com a prestação de um aval em branco, o credor fi ca numa posição ainda mais segura.

Falamos, neste caso, de uma garantia em sentido “estrito”, pela qual o cre-dor vê uma adição de um património responsável (o do avalista) a uma dívida do devedor na obrigação cambiária, sendo tipicamente o obrigado cambiário principal.

Nestes termos, o avalizado e avalista fi cam à mercê do que o portador do título nele vier a inscrever.

Não obstante, nos termos do disposto no artigo 10.º da LULL, podem provar que o preenchimento do título é abusivo, alegando a desconformidade do conteúdo com a sua manifestação de vontade inicial, bem como, a má-fé ou falta grave do portador do título.

Como se pode verifi car, as vantagens associadas a este tipo de garantias, são tipicamente usuais nas operações de concessão de crédito por bancos a socie-dades comerciais de responsabilidade limitada, sendo frequente a prestação de garantias pessoais – v.g. o aval dos sócios.

28 Para um estudo mais detalhado sobre a prestação de um “aval geral” v.g. Evaristo Mendes,

Aval e Fianças Gerais, pp. 149-169.

29 J. Gonsalves Dias, Da letra e da livrança, segundo a LU e o Código Comercial, vol. IV, Livraria de António Gonsalves, Coimbra, 1942, cit., p. 367.

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Na prática, o regime a que a lei associa a tipos societários uma responsabi-lidade limitada é ultrapassada através desta via30.

A situação dos garantes pessoais torna-se extremamente vulnerável e peri-gosa, sobretudo, nos casos em que o sócio prestador da garantia não tem con-trolo sobre o nível de endividamento da empresa e, logo, sobre a dimensão da sua responsabilidade.

Neste sentido, tem-se entendido que o aval em branco (ou utilizando a terminologia de “aval geral”) pode ser prestado, desde que, exista um pacto de preenchimento do título, relativamente aos elementos essenciais em causa.

1. As diferenças entre o aval aposto em título completo e aval em branco em título

em branco

Como bem refere Cassiano dos Santos31 a distinção entre a aposição de aval

em título completo e o aval em título em branco “é fundamental e não pode ser desvalorizada”.

Em primeiro lugar, a posição assumida pelo avalista em título completo e pelo avalista em título em branco, não são similares, quando nos reportamos ao risco acrescido a que este último se encontra sujeito.

O avalista em título completo, conhece previamente o montante pelo qual poderá vir a ter de responder, bem como, a data do vencimento do título de crédito. Porém, o avalista em branco assume a intenção de pagar determinado montante, sem saber no momento em que presta aval, qual a quantia exata nem mesmo o momento em que “eventualmente” lhe será exigida.

Em segundo lugar, o avalista de um título completo, tem como risco, a título de exemplo, o facto de ter cumprir a obrigação do avalizado, quando o último invoque uma vicissitude na relação subjacente com o credor, da qual o avalista não se pode prevalecer.

Por sua vez, o avalista em branco, além de ter de suportar esse risco, acres-ce-lhe um risco específi co, a verifi cação de uma discrepância entre a vontade que manifestou e o conteúdo que veio a ser inserido no título32.

30 Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, X, p. 525.

31 Cf. Cassiano dos Santos, “Aval, livrança em branco e denúncia ou resolução de vinculação, cit., p.318.

32 É frequente o avalista subscrever conjuntamente com o avalizado o pacto de preenchimento, à qual pode aderir no próprio documento ou através de uma carta.

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De modo geral, a vontade do subscritor da letra/livrança em branco e do avalista são coincidentes, no que se refere ao “quanto”, “quando” e ao “se”, pelo qual virão a ter de responder para com o credor.

Assim, poder-se-á afi rmar-se que em relação à prestação de aval em branco há uma vinculação condicionada (que não se verifi ca no aval comum), aos ter-mos estabelecidos no respetivo pacto de preenchimento33.

É controvertido na doutrina a existência de uma vontade manifestada pelo avalista no pacto de preenchimento, uma vez que, pode este não ter contacto com o credor, aquando da celebração do contrato e respetiva convenção de preenchimento, entre avalizado e credor.

Não obstante, somos da opinião de Carolina Cunha34 “sendo certo que o

avalista não é, nestes casos, parte da convenção nem se dá uma adesão ex post e ex lege a semelhante pacto (…) a verdade é que o processo de reconstrução de vontade de preen-chimento manifestada pelo avalista não prescinde do dado legal objetivo do art. 32º da LULL.”

Ora, nos termos do artigo 32.º, primeira parte, da LULL, o avalista res-ponde “da mesma forma” que a pessoa por ele avalizada.

Neste sentido, sustenta ainda a autora, que havendo uma extensão subjetiva e objetiva da obrigação do avalista, este está “segundo os cânones hermenêuticos vigentes no nosso ordenamento jurídico (art. 236 e 238 do CC) e ainda que tacitamente (art. 217 do CC) a declarar que pretende que o preenchimento se faça nos mesmos termos que vierem a vigorar para a concretização da obrigação cambiária do avalizado35”.

Desta forma, a solução de regimes diferenciados justifi ca-se, sob pena de se deixar o avalista que subscreveu o título em branco ao inteiro arbítrio de um credor-portador do título, que preenche abusivamente o título.

Pelo exposto, não será de aplicar o artigo 17.º da LULL quando estabelece que “As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.

Esta norma está pensada para os casos em que o portador atual já não é o portador originário.

Ora, no caso em estudo e relatado no AUJ, trata-se do portador originário.

33 No AUJ o STJ começa por invocar a “natureza do aval” enquanto negócio “incondicional e restrito”. Todavia, tal constatação faz pleno sentido quando reportado ao aval aposto em título completo. 34 Carolina Cunha, Nulidade do contrato garantido e aval em branco, Anotação ao Ac. do TRC de

19.02.2013, in RLJ, ano 143, n.º 3982,cit., p.73, nota 40.

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Nestas situações, a prova feita pelo avalista no que respeita a um “eventual” preenchimento abusivo e inteiro conhecimento do pacto ao abrigo do artigo 10.º da LULL, alegando a culpa, má-fé e falta grave do credor, tornar-se-á mais fácil.

Além disso, não cremos que o avalista se esteja a prevalecer de exceções provindas somente da relação do subscritor da letra/livrança com o portador do título, invocando uma relação alheia36.

Pelo contrário, está a invocar um problema existente que é a discrepância verifi cada na forma como foi preenchido o título, no que respeita à sua data e/ou ao seu montante e à vontade que foi manifesta por si, na qualidade de avalista, aquando do pacto de preenchimento.

2. A “suposta” obrigação cambiária do aval em branco antes do preenchimento

do título

No AUJ n.º 4/2013, o aval aposto em livrança em branco é um aval cam-biário no sentido que incorpora uma vinculação cambiária.

De acordo o entendimento sufragado por Oliveira Ascensão37 e tendo por

base o disposto no artigo 76.º da LULL, enquanto não estiverem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.º do respetivo diploma legal, a letra em branco continua a não produzir efeitos como título cambiário.

Desta feita, não se encontrando ainda sujeito ao regime especial da LULL, também não existem, consequentemente, garantias cartulares – o aval cambiário.

Ora, nos termos do artigo 10.º da LULL, o momento em que passamos a estar perante um verdadeiro título de crédito não é o momento da sua emissão mas do seu vencimento.

Assim sendo, adotando a terminologia de Januário da Costa Gomes, antes do preenchimento do título, estamos perante uma vinculação para aval, e não propriamente perante a prestação de um aval cambiário38.

Por outro lado, no que respeita à obrigação cambiária antes do preenchi-mento do título, citando Ferrer Correia39, “Pode, deste modo, uma letra, ser

emi-tida em branco; é óbvio, porém, que a obrigação que incorpora só pode efetivar-se desde que no momento do preenchimento o título se encontre preenchido”.

36 Neste sentido, v.g. Carolina Cunha, Letras e Livranças, pp. 591-597. 37 Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, pp. 115-117.

38 Costa Gomes, O in (sustentável) peso do aval em branco prestado pelo sócio da sociedade, pp. 25-26. 39 Cf. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, cit., p. 134.

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Não obstante, o autor alerta para o facto de esta questão não ser unânime na doutrina. Senão vejamos.

Há quem sustente que existe obrigação cambiária, embora, o portador do título não possa exercer os direitos de crédito, sem que se verifi quem todos os requisitos previstos no artigo 2.º da LULL40.

Finalmente, a posição, que nos parece a mais correta, é a de que com a entrega da livrança em branco, o subscritor fi ca sujeito ao preenchimento do documento pelo portador do título.

Consequentemente, só após o preenchimento do título é que o documento passará a ser título de crédito e a vinculação, quer do subscritor como do ava-lista, passam a ser uma verdadeira vinculação cambiária41.

De facto, antes do seu preenchimento, estamos numa “fase embrionária”42

ou pré-cambiária da vinculação, em que se constitui somente um vínculo jurí-dico, mas não uma verdadeira “obrigação cambiária”.

V. A desvinculação unilateral do avalista

A exigência de que um sócio de uma sociedade avalize a livrança que garante o bom cumprimento de determinado negócio tem, inequivocamente, como pressuposto a sua qualidade de sócio.

Aliás, não é sequer razoável, à luz das regras de interpretação dos negócios jurídicos, considerar que os sócios aceitam a aposição de aval em título em branco, fi cando garantes do cumprimento das obrigações assumidas pela socie-dade avalizada, se não fosse este nexo causal.

Sendo a sua “qualidade de sócio” um pressuposto que as partes considera-ram como essencial à vinculação como avalista, estará implícito um acordo de que o referido aval apenas abarcará as responsabilidades assumidas pela socie-dade enquanto o avalista mantiver a referida qualisocie-dade.

40 Como sustenta Pereira de Almeida, Direito Comercial, III, Títulos de crédito, AAFDL, Lisboa, p.152.

41 Neste sentido, cf., Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, p. 214 e segs e Oliveira Ascen-são, Direito Comercial, vol. III, p. 169 e segs.

Veja-se ainda na doutrina estrangeira, Campobasso, Solidarietà cambiaria (com particolare riferimento

all´avallo), in “I Titotoli di credito”, coord. De Giovanni L. Pellizzi, Giuff ré, Milão, 1980, p. 87

e segs.

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Apenas será de admitir que os sócios prestaram aval para além da sua qua-lidade de sócio, em situações excecionais, que deverão estar expressamente previstas no acordo de preenchimento43.

A possibilidade de desvinculação tem sido defendida na doutrina para aque-las situações em que há um contrato de abertura de crédito, celebrado entre o banco e a sociedade garantida por fi anças dos sócios que posteriormente cedem as quotas44.

Recentemente Evaristo Mendes45, reportando-se às garantias prestadas pelos

sócios a favor dos credores da sociedade entendeu que “A perda de qualidade de sócio determina, assim, na generalidade dos casos, a extinção da garantia, quanto a esse sócio, oponível ao benefi ciário que dele tenha conhecimento ao tempo da constituição da obrigação que, de outro modo, seria afi ançada”.

De facto, cessando a sua qualidade sócio e desligando-se da vida societário, o avalista, deixa de ter controlo e infl uência sobre as obrigações assumidas pela sociedade.

Ora, como bem refere Carolina Cunha46, o não reconhecimento ao sócio

da faculdade de se desvincular, tornar-se-ia inadmissível à luz dos princípios gerais dos direitos das garantias, por violação do princípio segundo o qual “não é tolerado a autosujeição patrimonial” de um sujeito relativamente à atuação de outro.

1. Formas de desvinculação unilateral do sócio-avalista

Em primeiro lugar, o AUJ nº 4/2013 ao não ter fi xado a jurisprudência quanto ao aval aposto em livrança em branco, não fez a destrinça necessária quanto ao modo de desvinculação do avalista47.

43 Cf. Henrique Mesquita, Fiança, in parecer publicado na CJ, Ano XI, Tomo IV, 1986, cit., p. 29 “para que a declaração valha, excecionalmente, com um sentido mais amplo, abrangendo mesmo as

obri-gações que a sociedade venha a assumir depois de o sócio-gerente deixar de ser socio dela, deverá considerar-se necessária uma expressa e inequívoca manifestação de vontade nesse sentido- de onde resulte que o declarante quis deixar não apenas, através da sua responsabilização pessoal, acautelar, próprios, mas para além disso, favorecer a sociedade sem qualquer contrapartida imediata ou mediata”.

44 Nesse sentido, por referência à fi ança, Costa Gomes, O Mandamento da Determinabilidade da

Fiança Omnibus e o AUJ nº 4/2001, in Estudos de Direito das Garantias, vol. I, Almedina,

Coim-bra, 2004, p. 123, e Henrique Mesquita, Fiança, in parecer publicado na CJ, p. 27.

45 Evaristo Mendes, Garantias Bancárias: natureza (jurisprudência crítica),RDES, Ano XXXVI, nº4, 1995, cit.,pp. 457-458.

46 Carolina Cunha, Cessão de quotas e aval, pp. 108-109.

47 Neste sentido v.g. Costa Gomes, O (in)sustentável peso da livrança em branco prestado por sócio da

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De facto, à celebração de relações obrigacionais duradouras urge a necessi-dade de facultar modos de cessação das vinculações.

A admitir uma vinculação perpétua, estaríamos perante uma limitação excessiva da liberdade pessoal e económica dos sujeitos em causa.

A generalidade da doutrina e da jurisprudência, tem hoje como assente o princípio da inadmissibilidade de vinculações perpétuas ou de duração indefi nida.

É um princípio geral do direito privado e de ordem pública, que vale tanto no direito comum das obrigações como no direito comercial.

O término das relações contratuais duradouras pode ser efetuado dos seguintes modos: (i) invalidação (nulidade ou anulabilidade), (ii) resolução, (iii) denúncia, (iv) caducidade, v (revogação)48.

No caso subjacente no AUJ, tanto a resolução como a denúncia, são fi guras vocacionadas para a regulação da cessação de contratos de duração indetermi-nada e de obrigações duradouras e indefi nidas. Vejamos o regime diferenciado das duas fi guras.

a) A denúncia

A denúncia caracteriza-se por ser uma faculdade que permite a um sujeito, mediante declaração, fazer cessar uma relação contratual ou obrigacional a que se encontra vinculado.

Esta forma de pôr termo à efi cácia de um negócio jurídico, não exige como seu pressuposto ou requisito, uma justa causa, por parte do autor, pelo que a denúncia diz-se ad libitum, podendo ocorrer por razões de oportunidade ou de privado interesse do contraente que a declara.

Como já referimos, supra (Parte V, Ponto 1.), a faculdade de denúncia pro-vém do princípio geral, segundo o qual, não são permitidas nas ordens jurídicas contemporâneas, vinculações perpétuas ou indefi nidas49.

Em sentido oposto, v.g. Carolina Cunha, Cessão de quotas e aval, cit. p.113 “o AUJ impede a

denúncia mas não a resolução”.

48 Sobre os modos de cessação das relações obrigacionais duradouras, v.g. Mota Pinto, Teoria

Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª reimp., 1980, p. 476 e segs.

49 Sobre o tema da denúncia e cessação de contratos duradouros, v.g. Menezes Leitão, Direito

das Obrigações, vol. II, Transmissão e extinção das obrigações. Não cumprimento e garantias de crédito, 8.ª

ed., Coimbra, Almedina, 2011, pp. 107-108 e Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2006, p. 58 e segs.

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Analisando, a possibilidade da denúncia do aval em branco pelo sócio cedente, teremos de abordar duas questões: a “contratualidade do aval” e o prazo pelo qual este se obriga.

Assim, sendo aval o ato ou o efeito de avalizar, através de uma declaração pela qual o avalista garante pessoalmente uma obrigação cartular”, tratar-se-á de um negócio jurídico unilateral que não carece de aceitação, conforme previsão genérica do artigo 234.º do CC.

Não obstante, no caso de aval prestado em livrança em branco, associada a um pacto de preenchimento, o avalista intervém subscrevendo o título e o respetivo pacto de preenchimento ou ainda manifestando a sua intenção e con-cordância, por exemplo, por carta.

Quando porém, o avalista não está em contacto com o portador/credor do título e a sociedade avalizada, no momento da subscrição e da conven-ção do preenchimento, conforme referimos, o avalista que declara aceitar está “segundo os cânones hermenêuticos vigentes no nosso ordenamento jurídico (art.º 236 e 238 do CCiv) e ainda que tacitamente (art.º 217 do CC) a declarar que pretende que o preenchimento se faça nos mesmos termos que vierem a vigorar para a concretização da obrigação cambiária do avalizado”.

Deste modo, não deixa de ser identifi cável um acordo negocial de garan-tia50, uma vez que, a dispensa de aceitação por parte do banco – portador do

título, deve-se ao facto de a prestação de aval pelo sócio, ser um requisito essen-cial para a celebração do contrato com a sociedade.

Por outro lado, no que respeita aos prazos apostos no aval, decorre do regime que o título tem necessariamente um prazo de vencimento associado a um prazo de prescrição – artigos 33.º e 77.º da LULL – e que a duração dos vínculos deles constantes é delimitada no tempo.

Nestes termos, ao ser estipulado um prazo, não é suscetível de denúncia, tal como decidiu embora “paradoxalmente” o AUJ.

Porventura, no caso de uma letra ou livrança subscrita em branco, isto é, sem a aposição de termo de vencimento e sem montante pré-defi nido, não existe aval até ao preenchimento regular do título.

Apesar de ainda não existir propriamente um “aval cambiário”, já se cons-tituiu um vínculo jurídico – a subscrição a título de aval, que é expressamente assumida no pacto de preenchimento, dentro das condições previstas naquele.

É relativamente a esse vínculo duradouro e sem prazo defi nido, do pacto de preenchimento e da subscrição para aval, que é possível ao sócio recorrer à denúncia como forma de cessar as suas obrigações.

50 Neste sentido, v.g. Costa Gomes, O (in) sustentável peso do aval em branco prestado por sócio de

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Aplicando-se as regras gerais do direito civil, a denúncia, não carece de justifi cação, bastando somente que o vínculo não tenha um prazo defi nido.

A cessação da efi cácia da subscrição para aval, através da denúncia, é possí-vel até ao momento do preenchimento do título, tendo como consequência a extinção lícita dos poderes de preenchimento conferidos ao destinatário.

Todavia, a extinção de poderes não será oponível a um portador superve-niente que tenha recebido o título já preenchido.

Porém, o portador originário – banco, tendo conhecimento pleno da cessa-ção do vínculo, por denúncia, é responsável pelos danos que o preenchimento abusivo causar ao avalista (danos que deverão corresponder aquilo que terá de pagar ao portador atual e que consta do preenchimento do título).

Da factualidade subjacente no AUJ, temos um sócio que se vinculou para aval num pacto de preenchimento com prazo e com cláusula de renovação automática, a que acresce a faculdade de se desvincular no fi m do prazo, evi-tando a sua renovação ou prorrogação, desde que reunidos os requisitos neces-sários para a resolução do vínculo com justa causa.

De facto, o sócio aceitou garantir, nos termos estipulados no pacto, a obri-gação da sociedade para com o banco – portador do título.

Não obstante, não se pode interpretar as estipulações contratuais da renova-ção ou prorrogarenova-ção automática, como um compromisso assumido pelo avalista de vincular-se perpetuamente.

Se assim fosse, o constante prolongamento da sua vinculação fi caria à mercê da vontade de terceiros à qual o sócio avalista não deu de forma expressa ou tácita o seu consentimento.

Nestes termos, dever-se-á interpretar a vinculação assumida pelo avalista, como um compromisso que assume pelo prazo inicial do contrato, tendo este a faculdade de pôr termo à sua vinculação, enquanto avalista, antes da renovação ou prorrogação do contrato51.

De forma a minimizar os perigos provenientes para a contraparte, será razoável estabelecer um prazo de pré-aviso, para que o credor possa fazer face à nova situação.

A desvinculação do ex-sócio tem efeitos para o futuro, sendo controverso na doutrina, saber se tais efeitos são imediatos, se devem ser postergados para o fi nal do período da renovação do contrato ou se estão dependentes da situação concreta, nomeadamente, do conteúdo do contrato.

51 Em termos similares, esta solução encontra-se prevista, no artigo 654.º do CC para o fi ador de obrigações futuras.

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Deste modo, embora a questão não seja pacífi ca, não nos parece razoável e justo, restringir a desvinculação unilateral do avalista subsequente à sua saída da sociedade52.

Assim sendo, nos fi nanciamentos efetivamente disponibilizados antes da cessão, o avalista continua responsável pelo cumprimento dessas obrigações.

Por outro lado, a existência de um prazo inicial no contrato celebrado pela sociedade avalizada coloca, indiretamente, um limite temporal à vinculação do sócio garante.

b) A resolução

A aplicação da resolução justifi ca-se por recurso à inexigibilidade enquanto legitimadora do rompimento resolutivo da relação contratual duradoura.

Como já referimos, a aplicação da resolução, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 432.º, n.º 1, do CC é admitida quando fundada na lei ou em convenção.

Desta forma, além da resolução legal, é facultada às partes contraentes esti-pularem circunstâncias que fundem a resolução do contrato com justa causa – tal faculdade decorre do princípio vigente no ordenamento jurídico português – a autonomia privada das partes contraentes.

A resolução como mecanismo para a extinção de vínculos jurídicos, regra geral, encontra-se prevista para a extinção de contratos bilaterais conforme esti-pula o artigo 801.º, n.º 2, do CC.

Ora, com base na letra do preceito, o credor pode proceder à extinção do negócio jurídico, mediante resolução, desde que preenchidos os seguin-tes requisitos: (i) uma obrigação emergente de um contrato bilateral, em que existam prestações sinalagmáticas, entre os contraentes (ii) e uma delas se torne impossível ou haja incumprimento da mesma.

Além disso, este instituto também tem lugar, nos termos do artigo 437.º do CC, mediante alterações das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar.

Note-se que, a resolução prevista neste preceito legal, está estritamente prevista para os casos de um manifesto “desvio anormal” de alteração das cir-cunstâncias e que tal “turbulência” afete de forma grave os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

52 Acompanhamentos o pensamento de Carolina Cunha, em Letras e Livranças, cit., p. 615, quando refere, que a comunicação do avalista, por carta, dirigida ao banco (portador do título), não deve ser tratada como uma simples manifestação sem efi cácia resolutiva, de saída da sociedade mas como um “facto concludente de uma declaração tácita de desvinculação”.

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No caso de aval prestado por sócio ou gerente dessa sociedade, a cessação dessa qualidade pode gerar uma situação que torna insustentável a continuação da vinculação53.

No entanto, não nos parece justifi cável, o recurso à alteração das circunstân-cias, na medida em que, a situação de um sócio se afastar da sociedade não é um acontecimento anormal que o banco não possa ter previamente considerado.

Não havendo base legal para que o avalista se possa desvincular, poderá eventualmente existir uma resolução convencional, quando as partes estipu-laram essa possibilidade durante as negociações e a fi rmaram no acordo de preenchimento.

Porventura, são raras as situações em que as partes estipulam sobre esta matéria, razão pela qual, alguns autores e jurisprudência recente têm vindo a entender que nestes casos, há uma lacuna no contrato em que foi acordada a prestação de aval54.

Termos em que, a resolução seria permitida, por via da integração de lacu-nas, expressamente consagrado no artigo 239.º do CC.

Decorre do preceituado no artigo 239.º do CC que “na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta”.

Como sustenta Carolina Cunha, a resolução mediante integração da lacuna negocial” é uma faculdade reconhecida ao sócio cedente por integração do acordo de preenchimento segundo a vontade hipotética das partes e os ditames da boa-fé artigo 239.º CC”.

Salienta ainda a autora que ”este critério normativo, em articulação com o fi m e o contexto do sentido do contrato concreto requer que, em casos, como os que delimitamos, se constitua na esfera jurídica do cedente, um direito de resolução”55

Note-se que, o acordo de preenchimento do título é no caso subjacente ao AUJ, plurilateral, pois estava inserido nas condições gerais do contrato principal.

No caso, não havendo regime supletivo especifi camente aplicável, recor-rendo-se aos ditames da boa-fé, relativamente à interpretação da vontade hipo-tética das partes, a qualidade de sócio é um pressuposto essencial, pelas quais

53 Em sentido contrário, cf. Cassiano dos Santos, Aval, livrança em branco e denúncia ou resolução da

vinculação, cit., p. 314 “a perda de qualidade de sócio não constitui justa causa de resolução”. Cf., quanto à

fi ança, Costa Gomes, Assunção fi dejussória de dívida. Sobre o sentido e âmbito da vinculação como fi ador, Coimbra, Almedina, 2000, p. 376 e segs.

54 Cf. Ac. do TRP de 27.02.2014, Processo n.º 3871/12.4TBVFR-A.P1, de 27.02.2014, relator José Araújo Barros, disponível em www.dgsi.pt.

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as partes fundaram a sua vontade de contratar e de o sócio se vincular como avalista.

Nestes termos, tem sido defendido pela jurisprudência posterior ao AUJ e pela doutrina crítica do mesmo, que está implícito um acordo no qual o sócio apenas assume as responsabilidades como o avalista enquanto mantiver a refe-rida qualidade de sócio56-57.

Na nossa opinião, a qualidade de sócio do avalista é um pressuposto neces-sário, quer do ponto de vista do credor, que não celebraria o contrato principal sem a aposição de aval pelo sócio na livrança em branco, quer do ponto de vista dos interesses deste avalista, que não prestava um aval à sociedade se não tivesse interesses na prossecução da sua atividade social. Por estas razões, a faculdade de resolução deverá ser-lhe reconhecida.

Note-se ainda que, as consequências da resolução são idênticas às que enunciamos para o caso de denúncia.

Nestes termos, o banco que preenche o título de forma abusiva, tendo já conhecimento da cessação do vínculo em relação ao avalista, responde pelos danos causados ao avalista se tiver pagar a obrigação garantida perante um por-tador superveniente.

VI. A indeterminabilidade do pacto de preenchimento

Em situações de indeterminabilidade, particularmente evidentes perante livranças subscritas pelas sociedades relativas a obrigações futuras ““quando do pacto não resultem com clareza os valores e os prazos máximos”, defende Carolina Cunha58 que se deve aplicar a doutrina do AUJ nº 4/2001, de 23 de janeiro de

200159.

No AUJ n.º4/2001 decidiu-se o seguinte: “É nula, por indeterminabilidade do seu objeto, a fi ança de obrigações futuras, quando o fi ador se constitua garante de 56 Neste sentido, Ac. do TRP, processo n.º 3871/12.4TBVFR-A.P1, de 27.02.2014, relator José Araújo Barros, in www.dgsi.pt.

57 Tem sido sustentada também a aplicação do aplicação a aplicação do disposto no artigo 30.º, alínea b), do Regime do Contrato de Agência (Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de julho alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de abril) na qual é permitido a qualquer das partes resolver o contrato “se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente o fi m contratual, em

termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”, enquanto causa objetiva da resolução com justa causa.

58 Carolina Cunha, Letras e Livranças, p. 599 e segs

59 Cf. AUJ de 11.12.2012, Processo n.º 5903/09.4TVLSB.L1.L1.S1, relator Gabriel Catarino, dis-ponível em www.dgsi.pt.

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todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afi ançado intervenha”60.

O tema subjacente à fi ança omnibus61 alarga-se ao caso do aval que temos

vindo a vindo a estudar, quer pelos fatores quer pelos riscos inerentes à subscri-ção de livranças em branco.

Desde logo, encontra-se expressamente consagrado no artigo 809.º do CC, o princípio basilar da irrenunciabilidade antecipada dos direitos.

Com efeito, ao devedor é proibido assumir obrigações de conteúdo indeterminável.

Na verdade, é extremamente perigoso para o devedor, estar a ceder um património que desconhece se existirá, ao assumir obrigações futuras sem conhecer os seus sectores determinantes. Dito de outro modo, estar-se-ia a dispor de algo que ainda não se tem.

Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, do CC é nulo o negócio jurídico cujo objeto não seja determinado.

Este preceito legal, que tutela manifestamente o devedor principal, deve ser extrapolado, de forma a proteger também o garante, que se vincula nos mesmos moldes.

Porventura, como forma de validar as obrigações de conteúdo indetermi-nado mas determinável, poderia considerar-se a aplicação conjunta do artigo 400.º do CC62.

Diante da letra deste preceito legal, a determinação da obrigação é confi ada a alguma das partes, ou terceiro e, em último recurso, ao tribunal “segundo juízos de equidade”.

Neste ponto, partilhamos da opinião de Menezes de Cordeiro63, na medida

em que, na determinação da prestação no caso da fi ança omnibus e do aval subscrito em livrança em branco, não se encontra estipulado um critério a que as partes podem obedecer.

Ora, sendo o tribunal a determinar através de “juízos de equidade” o mon-tante da obrigação assumida, tal como entende o ilustre autor, tais juízos “impli-cam o estabelecimento de equivalência de prestações”.

60 A fi ança omnibus ou global a fi ança é dada por uma pluralidade de créditos principais, particular-mente pelos que só surjam no futuro, créditos esses que estão apenasdeterminados por traços gerais, essencialmente créditos derivados de uma relação de negócios do credor com o devedor principal. 61 Sobre a temática da fi ança omnibus, v.g., Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, X, pp. 509-520.

62 Sobre a “determinabilidade da fi ança” v.g. Costa Gomes, O mandato da determinabilidade na

fi ança omnibus e o AUJ n.º 4/2001, pp. 128-133.

(27)

A equivalência de prestações encontra-se presente, no contrato de compra venda, conforme se depreende do exposto no artigo 883.º do CC, relativa-mente à determinação do preço da venda, sendo este preceito, a concretização do disposto no artigo 400.º do CC.

Pelo que, não podemos concordar com a aplicação da respetiva norma legal ao caso da fi ança omnibus, extrapolando a solução para o aval subscrito em livrança em branco.

Termos em que, consideramos que as garantias assumidas pelos garantes, relativas a obrigações futuras, têm de ter uma determinação bastante, na situa-ção jurídica concreta, quanto aos seus vetores fundamentais64, nomeadamente:

1. O tipo e a origem das obrigações a garantir;

2. A qualidade em que o fi ador/avalista dá a sua garantia; cessando a garan-tia prestada quanto a obrigações posteriores, à sua saída da sociedade, por já não ser sócio da mesma;

3. O montante máximo garantido; 4. A duração máxima da garantia.

Embora, esta solução não seja de afastar, ainda assim, consideramos que o avalista tem à sua disposição outros mecanismos para pôr termo à sua vincula-ção quanto ao pacto de preenchimento.

Naturalmente, a obrigação assumida pelo avalista, deve conter os requisitos mínimos que supra mencionamos e essa é a via que permitirá não criar os pro-blemas subsequentes à sua saída da sociedade.

Não obstante, invocar a nulidade superveniente do pacto, não será a via mais justa e equilibrada para as partes contraentes.

Desde logo, o avalista, se não fosse a perda de “qualidade de sócio”, possi-velmente, assumiria as suas obrigações nos exatos termos constantes do pacto sem alegar a sua nulidade.

De facto, enquanto se mantiver na sociedade, o fi nanciamento da mesma é um interesse pessoal do sócio, e que este é subjacente à sua aposição de aval na livrança em branco.

A invocação da nulidade superveniente do pacto mais não seria do que uma forma de se desvincular por já não ter a qualidade de sócio e, portanto, já não ter interesse na credibilidade e solvabilidade da mesma.

Nestes termos, as soluções anteriormente apresentadas, parece-nos vias mais corretas de o ex-sócio pôr termo à sua vinculação como avalista.

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VII. Da tutela do credor

No AUJ nº 4/2013, há uma clara e inequívoca proteção dos interesses do banco credor, relativamente à possibilidade de os avalistas se desvincularem dos avales prestados, que se pode retirar dos fundamentos apresentados pelo STJ ”uma tal situação, dessoraria totalmente a garantia prestada e deixaria o tomador do título de crédito sem qualquer garantia de que o crédito concedido viesse a ser pago”.

Não acompanhamos, com o devido respeito, a análise do STJ.

Do ponto de vista dos interesses em confl ito, tornar-se-ia extremamente injusto, manter os ex-sócios vinculados.

Desde logo, o avalista permanece responsável pelas obrigações assumidas constituídas no passado, dado que, a sua desvinculação não tem efeitos ex nunc – os efeitos da sua desvinculação datam da receção pelo banco, portador do título de crédito, da desvinculação do acordo de preenchimento (cf. artigo 224.º do CC).

Além disso, não se diga que apenas nos colocamos do lado dos interesses do avalista e não do banco.

Na verdade, o banco, enquanto profi ssional e empregando a diligência devida, tem à sua disposição meios que lhe permitem acautelar os seus interesses. Em primeiro lugar, à “cautela” poderá o banco estipular no acordo de preenchimento as consequências no contrato principal da desvinculação do sócio avalista subsequente à subscrição do aval em branco. Esta será a via mais segura para acautelar os interesses do credor65.

Por outro lado, tendo conhecimento de uma “possível” saída do sócio, atendendo à alteração do substrato pessoal da sociedade e à importância desta garantia, se tal desvinculação poder vir a refl etir-se, de forma negativa, na manutenção do contrato principal, poderá o banco resolver o contrato princi-pal e liquidar as prestações assumidas.

A entidade bancária poderá modifi car o contrato, exigindo à sociedade a prestação de novas garantias ou a aposição de aval nas livranças, por novos sócios.

Desta forma “pressiona” a sociedade sob pena de não conceder mais fi nan-ciamento ou reduzir o montante o seu montante.

Não descuramos a possibilidade, de “eventualmente”, haver situações con-cretas em que pode revelar-se abusivo a faculdade de desvinculação do ex--sócio, tal como alega o STJ.

65 Entre nós, esta solução é defendida em matéria de fi ança, v.g. Costa Gomes, Assunção fi

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