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Conhecimento local sobre o boto vermelho, Inia geoffrensis (de Blainville, 1817), no baixo rio Negro e um estudo de caso de suas interações com humanos.

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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA 

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM 

CONHECIMENTO LOCAL SOBRE O BOTO VERMELHO,

 Inia geoffrensis

 (de Blainville,  1817), NO BAIXO RIO NEGRO E UM ESTUDO DE CASO DE SUAS INTERAÇÕES 

COM HUMANOS.

CARLA PATRÍCIA BAREZANI

MANAUS­AM  2005

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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA 

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM 

CONHECIMENTO LOCAL SOBRE O BOTO VERMELHO,

 Inia geoffrensis

 (de Blainville,  1817), NO BAIXO RIO NEGRO E UM ESTUDO DE CASO DE SUAS INTERAÇÕES 

COM HUMANOS.

CARLA PATRÍCIA BAREZANI

ORIENTADOR: Dr. George Henrique Rebêlo 

Co­ORIENTADORA: Dra. Vera Maria Ferreira da Silva 

Dissertação  apresentada  ao  Programa  de  Pós­  Graduação  em  Biologia  Tropical  e  Recursos  Naturais  do  convênio  INPA/UFAM,  como  parte  dos requisitos para obtenção do título de Mestre 

em  CIÊNCIAS  BIOLÓGICAS,  área  de 

concentração em Ecologia. 

MANAUS­AM  2005

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FICHA CATALOGRÁFICA 

Barezani, Carla Patrícia 

Conhecimento  local  sobre  o  boto  vermelho,

  Inia  geoffrensis

  (de  Blainville,  1817), no baixo rio Negro e um estudo de caso de suas interações com humanos. /  Carla Patrícia Barezani. – Manaus, 2005.  p.76 : il.  Dissertação (mestrado) – INPA/UFAM.  1. Etnoconhecimento 2. Boto vermelho 3. Ecologia animal  4. Interações Botos  e Humanos  5. baixo rio Negro  6.

 Inia geoffrensis

.  CDD 19. ed. 599.5045  Sinopse: 

O  conhecimento  local  sobre  o  boto  vermelho

  Inia  geoffrensis

,  no  baixo  rio  Negro, foi estudado mediante entrevistas, com o objetivo de obter informações sobre  a biologia, ecologia e as percepções das pessoas sobre o boto vermelho e verificar  também o consenso do conhecimento das pessoas sobre o animal. O conhecimento  das pessoas mostra uma relação de interação do homem com o boto. Um estudo de  caso  de  interação  entre  botos  e  humanos  foi  realizado  em  Novo  Airão,  onde  existe  um grupo de botos vermelhos que interage com as pessoas, nadam próximo a elas,  permitem  ser  tocados  e  são  alimentados.  A  aproximação  dos  botos  para  essa  interação  facilitou  a  visualização  e  identificação  dos  animais  e  permitiu  verificar  o  comportamento de interação inter e intraespecífica do boto vermelho na natureza. 

Palavras­chave: Boto vermelho,

 Inia geoffrensis

, etnoconhecimento, interação  botos e humanos, comportamento de interação.

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Aos meus pais e irmãs, que sem seu amor não chegaria aqui.

À Paula por ser meu raio de sol.

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In the end, we will conserve only what we love. We will love what we understand. No fim, nós conservaremos somente o que nós amamos. Nós amaremos o que nós entendemos. Baba Dioum, naturalista senegalense

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Agradecimentos 

A Deus que me iluminou e me deu forças. 

À minha Família, tios, tias, primos, primas e cunhados pelo carinho que me fortalecem  com o seu carinho e que torcem pelo meu sucesso. 

Ao  CPEC  (INPA)  e  seu  corpo  docente  que  me  ajudaram  na  minha  formação  acadêmica.  À Geise pela simpatia,  eficiência e  habilidade com os  loucos alunos.E à Bervely  pela ajuda nos momentos finais. 

Ao Dr. George Henrique Rebêlo por aceitar a me orientar junto ao curso de Ecologia,  pelas sugestões de análises e correções na minha dissertação. 

À Dra  Vera Maria  Ferreira da Silva que aceitou me orientar, fez  críticas, sugestões e  me apoiou no  meu trabalho, sem contar  que  me abriu as portas do laboratório de  mamíferos  aquáticos e disponibilizou um espaço e uso de computadores para trabalhar. Obrigada por me  proporcionar  à  oportunidade  de  estar  junto  aos  maravilhosos  mamíferos  aquáticos,  de  pesquisar e me encantar pelos botos. 

FAPEAM pelo financiamento da bolsa de estudos e pela “Fundação Barezani Silveira”  pelo “PAI­trocínio” sempre que precisei e que sem ele não chegaria até onde cheguei. 

A todos os colegas de turma do curso de Ecologia que podemos compartilhar  bons  e  maus momentos do nosso curso, em especial Carlos, Romilda, Anderson, Milton, Lílian, Óleo  e Mauro. E também a amizade de Juliana,  Domingos. Marcelinho  companheiro nas aulas de  campo. 

Aos colegas de laboratório de Mamíferos Aquáticos, Gália, por sempre me salvar com  os  problemas  do  computador,  Andréa  pelas  críticas  e  sugestões  nos  meus  trabalhos,  Mônica  pela  força, Nataly, pelas  análises, Nildon, pela alegria e sempre disposto a ajudar,  Anselmo,  por  responder  as  minhas  curiosas  perguntas,  André,  o  colega  prestativo,  Sihame,  a  menina  louquinha, Waleska, pela sua agitação contagiante e Daniel pela calma, Dani Melo, Tatyanna,  Carla  Soares,  Yara,  os  funcionários  da  Prevet:  Jeová,  Daniel,  Marcelo,  Raimundo  e  Nazaré.  Fernando  Rosas,  por  várias  conversas,  que  aprendi  muita  coisa.  Enfim,  todos  por  terem  me  recebido  tão  bem  e  por  compartilhar  o  espaço  de  trabalho.  E também  aos  “Danis”  Fettuccia  Pimpão, pela doce e simpática amizade, mesmo que de última hora, que foi muito importante  para mim.

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Jackson  Rêgo  e  Glenn  Shepard  pelo  socorro  de  última  hora,  fazendo  sugestões  importantes ao meu trabalho. 

Carol Surgik e Adeilson que se dispuseram a me ajudar nas horas do desespero com o  plano e com as sugestões na minha dissertação. Adriana K Terra, pelas entrevistas na Central  do Tupé e pela amizade e carinho. 

Rô  e  Márcia  por  compartilharem  um  “lar”  em  Manaus  comigo  e  cada  uma  de  forma  particular  no  companheirismo  e  amizade.  Rô  sempre  demonstrando  preocupação  comigo.  Márcia  pela  enorme  ajuda  na  minha  dissertação  e  por  me  ensinar  a  gostar  de  chimarrão.  Obrigada pelo carinho e paciência. 

Família Roncarati Vilela pelo incentivo e força. 

Magnólia,  Moma,  Maura  e  Carlinha  pelo  carinho  familiar.  Mônica  e  Flávio,  pela  amizade  e  confiança  e  juntos  com  Alessandra  e  André  por  proporcionar  um  pedacinho  das  minhas Minas em Manaus. D. Céila pelo carinho.  Marilda, Mariza e Monik, que me abriram as portas do flutuante para estudar os botos  e as de sua casa me acolhendo como uma amiga.  Dona Laura pelo carinho de mãe em sua pousada.  Aos MEUS AMIGOS Adriana Coelho, Agnaldo, Danielle e Tutty, Dulce e Léo, Jane,  Luciano, Mariana, Rodrigo, Simone, AMIGOS que nos socorrem, que se interessam por nós,  que  nos  escrevem,  que  nos  telefonam  para  saber  como  estamos  indo.  “A  amizade  é  uma  dádiva  de  Deus”.  “Mais  tarde,  haveremos  de  sentir  falta  daqueles  que  não  nos  deixam  experimentar a solidão.” 

Prof.  Wilham Jorge, por acreditar em mim e me iniciar na vida científica  Aos meus Anjos...

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RESUMO 

Conhecimento local sobre o boto vermelho, Inia geoffrensis (de Blainville, 1817), no  baixo rio Negro e um estudo de caso de suas interações com humanos. 

O  boto  vermelho,  Inia geoffrensis,  é  o  maior  cetáceo  de  rio, endêmico  das  bacias  dos  rios  Amazonas e Orinoco, onde se encontra amplamente distribuído. Por toda sua distribuição, o  boto vermelho é conhecido e faz parte do folclore e da cultura do povo amazônico. Apesar  da  sua  extensa  distribuição  e  abundância,  há  poucos  estudos  sobre  a  ecologia,  biologia  e  sobre  o  conhecimento  popular desses  animais. Para  estudar o  conhecimento  local  sobre o  boto vermelho, no baixo rio Negro­AM foram realizados dois tipos de entrevistas. Na primeira  obteve­se um panorama geral do conhecimento sobre a biologia e ecologia desses animais e  comparou­se  com  o  conhecimento  científico  observando  que  por  diferentes  formas  de  se  expressar, as pessoas entrevistadas percebem muito bem o ambiente em que vivem, o que  pode permitir uma troca de conhecimentos com o conhecimento científico. O segundo tipo de  entrevista visou estudar o conhecimento cultural como consenso e verificou­se uma variação  intra­cultural  entre  localidades,  classe  etária  e  escolaridade,  observando  uma  quebra  de  tabus  sobre o  boto  e,  assim,  a  desmistificação das  lendas  e  mitos  existentes  sobre  o boto  vermelho.  O  estudo  do  conhecimento  local  mostrou  uma  relação  de  interação  do  homem  com o boto, sendo dessa forma que o homem adquire o conhecimento empírico da biologia e  ecologia do boto. Em Novo Airão, cidade localizada às margens do rio Negro­AM, existe um  grupo de botos vermelhos que interagem diariamente com humanos. Esses animais nadam  perto  das  pessoas,  se  mostram  bem  curiosos  e  tranqüilos  nas  interações,  permitindo  que  sejam  tocados  e  alimentados  diretamente  das  mãos  das  pessoas.  A  escassez  de  estudos  comportamentais de botos pode ser devido às características do habitat onde ele ocorre, que  dificulta a avistagem e a identificação dos animais a serem estudados. Esse grupo de botos  ofereceu  oportunidade  única  para  se  estudar  a  interação  entre  botos  e  humanos  na  natureza.  A  possibilidade  de  aproximação  desses  animais  facilitou  sua  visualização  e  identificação,  importantes  ferramentas  no  estudo  de  comportamento  intra  e  interespecífico.  Verificou­se ainda, uma baixa variação dos padrões de interação com humanos e que esses  botos vermelhos não apresentam padrões de associação. O conhecimento tradicional sobre  o  boto  vermelho  e  o  seu  comportamento  de  interação  inter  e  intra­específica  na  natureza

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provaram ser importantes ferramentas para o conhecimento da espécie, fator essencial para  a elaboração de estratégias para a sua conservação desse golfinho de rio. 

ABSTRACT 

Local knowledge of the Amazon River dolphin, Inia geoffrensis (de Blainville, 1817) in  the low Negro river and a case study of its interaction with humans. 

The  boto,  Inia  geoffrensis,  is  the  biggest  river  dolphin  and  endemic  of  the  Amazon  and  Orinoco river basins, where it is widely distributed. Because of its broad distribution, the boto  is  known  by  the  Amazonian    people    and  is  part  of    their  folklore  and  culture.  Despite  its  distribution  and  abundance,  there  are  few  studies  about  the  ecology,  biology  and  popular  knowledge  of  these  animals.  Two  differents  kinds  interviews  were  undertaken  to  study  the  local knowledge of  the boto in the low Negro river ­ AM.  The first  type of  interview provided  general  information  relating  to  the  biology  and  ecology  of  these  animals  compared  to  the  scientific  knowledge,  and  revealing  that,  although  expressed  in  different  ways,  the  people  interviewed  have  a  good  perception  of  the  environment  where  they  live.  This  allows  an  interchange  between  popular  and  scientific  knowledge.    The  aim  of  the  second  type  of  interview was to study cultural knowledge as consensus. There are “Intra” cultural variations  between localities and gender. A consensus among students and among a specific group of  people,  over 35 years old, was also verified showing a featureless local knowledge and the  demystification  of  myths  and    legends  about  the  Amazon  river  dolphin.  This  study  on  local  knowledge  showed  an  human­boto  interaction,  that  makes  possible  for  man  to  acquire  biological and ecological knowledge of the boto. At Novo Airão, a city located on the margin  of  the  Negro  River,  there  is  a  group  of  botos  that  interact  every  day  with  humans.  These  dolphins  swim  close  to  people  and  seem  to  be  very  curious  and  calm  during  these  interactions,  allowing  to  be  touched  and  fed  directly  from  human  hands.    The  lack  of  boto  behavior studies can be due to its habitat characteristics  that make sighting and identification  of the animals difficult. This human with boto interaction offered a unique opportunity to study  the behavior of these animals in natural environment. The approximation of these animals to  humans  facilitated  visualization  and  identification  as  important  tools  for  intra  and  interespecific behavior studies. It was demonstrated a low variation in the interaction patterns  with  humans  and  that  these  dolphins  do  not  show  patterns  of  association.  The  traditional

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knowledge about river dolphins and their  interaction, inter and intra specific, in the wild are  important  tools  for  the  knowledge  about  the  species,  and  an  important  factor  for  the  conservation of this river dolphin, helping the implementation of conservation strategies.

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Índice  Página  Agradecimentos...  VI  Resumo...  VIII  Abstract...  IX  Índice...  XI  Lista de Tabelas...  XII  Lista de Figuras...  XIII  Lista de Anexos...  XIV  Preâmbulo...  Bibliografia Citada...  15  18  CAPÍTULO I. Etnoconhecimento e percepções sobre o boto vermelho...  20  Introdução...  20  Métodos...  22  Resultados e Discussão...  24  Conclusões...  40  Bibliografia Citada...  41  CAPÍTULO II. Interações entre botos e humanos na natureza: um estudo de  caso em Novo Airão...  46  Introdução...  46  Métodos...  Resultados e Discussão...  Conclusões...  Bibliografia Citada...  Epílogo...  Bibliografia Citada...  ANEXOS...  48  53  62  63  66  69  71

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LISTA DE TABELAS 

Página  Tabela 1.1. Comparação entre a literatura e o conhecimento popular, resultado 

das  entrevistas  realizadas.  Código  (17  Nv­F)  é  a  entrevista  número  17,  realizada em Novo Airão e com uma pessoa do sexo feminino...  30  Tabela  2.1.  Nome,  sexo  e  classe  de  estágio  relativa  determinada  a  partir  do 

tamanho  e  da  coloração  de

  Inia  geoffrensis

,  usada  por  Best  &  da  Silva  (1989b)...  54  Tabela  2.2.  Número  médio  de  botos  por  observação,  rank  de  importância  de 

ocorrência  dos  botos  e  o  número  de  observações  para  cada  padrão  de  comportamento de interação...  55  Tabela  2.3.  A  formação  aleatória  do  grupo  de  botos  que  interagiam  com  os 

humanos em cada sessão de observação. A célula preenchida representa  a  presença  do  boto  e  a  célula  em  branco  à  ausência  deste  em  cada  observação.  A  última  coluna  representa  o  número  total  de  botos  que  interagiu naquela sessão de observação e na última linha, a somatória do  número de vezes que cada indivíduo esteve presente durante o período de  observação...  58

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LISTA DE FIGURAS 

Página  Figura 1. Distribuição do boto vermelho, 2002 (Fonte: www.groms.de)...  15  Figura  1.1.  Variação  da  porcentagem  do  consenso  geral  de  todos  os 

entrevistados, para cada pergunta do questionário estruturado (Anexo II)....  36  Figura  1.2.  Ordenação  mostrando  a  distribuição  do  conhecimento  em  relação 

às  localidades,  os  estudantes  universitários,  ao  sexo  e  à  idade  (M40=pessoa  do  sexo  masculino  e  de  idade  40  anos  e  F27=pessoa  do  sexo feminino e de idade de 27 anos). Com variância de 35,3% no eixo 1 e  variância de 40,5% no eixo 2...  37  Figura  1.3.  Ordenação  em  relação  à  classe  etária,  localidade  (NA=Novo 

Airão/Tp=Tupé/Ma=Manaus/Est=Estudantes/“M=masculino/F=feminino”).  Com  variância  de  23,5%  no  eixo  1  e  variância  de  53,7%  no  eixo  2...  39  Figura  2.1.  A  aproximação  dos  botos  permite  a  identificação:  à  esquerda 

Curumim  (notar  o  rostro  torcido)  e  à  direita  Dani  (Foto:  Carla  P.  Barezani)...  51  Figura  2.2.  Padrão  de  interação  entre  boto  e  humano:  (3)  Alimentação  sem 

contato (Foto: André Franzini)...  52  Figura 2.3. Freqüência das sessões de observação das interações entre botos 

e humanos em diferentes intervalos, durante o período de observações...  54  Figura 2.4. Freqüência dos padrões de interação entre boto e humano...  55  Figura  2.5.  Agrupamento  dos  botos,  verificando  o  padrão  de  associação  dos 

animais, com porcentagem de encadeamento de 81,82%, Método Ward e  Medida  de  Distância  Sorensen  (Bray­Curtis)  (McCune  &  Mefford,  1999).  Cr=Curumim;  Ff=Fefo;  Da=Dani;  Lw=Lawrence;  Ed=Eide;  Dd=Doidinha;  Ca=Cauã; Vi=Vi...  59  Figura 2.6. Índice de Ocorrência dos botos nas três áreas estabelecidas entre o 

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LISTA DE ANEXOS 

Anexo I. Formato da entrevista semi­estruturada para obter a percepção bem ampla  das pessoas sobre o boto vermelho,

 Inia geoffrensis

Anexo  II.  Formato  da  entrevista  estruturada  desenvolvida  para  obter  informação  sobre  o  conhecimento  das  pessoas  sobre  o  boto  vermelho,

  Inia  geoffrensis

,  para  verificar o consenso. 

Anexo III. Localização da cidade de Novo Airão, às margens do rio Negro­AM.  (Articulação comparável com a escala 1:50.000­IBGE) Fonte: 

www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br. 

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PREÂMBULO 

O  boto  vermelho,

  Inia  geoffrensis

,  é  o  maior  cetáceo  de  rio,  endêmico  das  bacias  dos  rios  Amazonas  e  Orinoco  (Best  &  da  Silva,  1989),  onde  se  encontra  amplamente  distribuído  (Figura  1).  A  espécie  é  conhecida  por  diferentes  nomes  populares  ao  longo  da  sua  distribuição:  boto,  boto  vermelho  e  boto  cor­de­rosa  no  Brasil, bufeo e bufeo colorado na Colômbia, Equador e Peru, tonina e delfin rosado  na Venezuela (da Silva, 2002). O boto é uma espécie predadora e ictiófaga (Best &  da Silva, 1989). 

Figura 1. Distribuição do boto vermelho, 2002 (Fonte: www.groms.de). 

O  boto  é  afetado  pela  degradação  do  habitat  devido  à  poluição,  tráfego  de  barcos,  desmatamento  e  super  exploração de  suas  presas  (Best  &  da  Silva,  1989).  Análises de leite de boto no alto rio Amazonas (Letícia) (Gewalt, 1978) e Amazônia  Central  (Manaus)  (Rosas  &  Lehti,  1996)  revelaram  que  a  poluição  química  dos  rios  por pesticidas e mercúrio é uma ameaça à espécie. Com o aumento do uso de redes  de náilon e outras técnicas de pescaria, a captura acidental de botos se tornou mais  comum  (da  Silva,  2002).  A  construção  de  barragens  hidroelétricas  também  afeta  a

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abundância  e  presença  de  algumas  espécies  de  peixes  e  isolam  populações  de  botos  reduzindo  o  fluxo  gênico  e  aumentando  desse  modo  às  chances  de  extinção  (da Silva, 2002). 

O  boto  vermelho  está listado  no  Anexo  I  como  espécie  quase ameaçada,  na  Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Fundação Biodiversitas, 2005). No  Brasil,  os  botos  são  legalmente  protegidos  por  Leis  Federais,  Decretos  e  Portarias  (IBAMA, 2000). 

Apesar das Leis que protegem os botos e dos traços culturais como lendas e  mitos  que  ajudam  a  evitá­los,  os  botos  têm  sido  capturados  intencionalmente  e  mortos por pescadores que alegam danos aos equipamentos de pesca e competição  pelos peixes (da Silva, 1990). Recentemente, sua carne está sendo usada como isca  para  captura  de  piracatinga  (

Calophysus  macropterus

)  (da  Silva,  2004),  revelando  interações  hostis  entre  humanos  e  botos.  Isso  tem  levado  o  IBAMA  e  órgãos  conservacionistas  a  fazerem  campanhas  educativas  a  respeito  de  proteção  e  preservação  do  boto  vermelho.  A  partir  dessas  atividades  ambientais,  aulas  de  biologia nas escolas e outras fontes de informações a população está mudando seus  conceitos sobre diferentes aspectos em relação ao boto e a natureza. Por exemplo, a  quebra de mitos e tabus sobre os botos deixavam as pessoas receosas e com medo  de se aproximarem do boto. 

Isso  está  demonstrando  algumas  mudanças  culturais  da  população  e  despertando a curiosidade e interesse das pessoas em relação ao boto, fazendo com  que elas observem mais o boto na natureza sem o medo que antes tinham, já que as  populações humanas na Amazônia avistam os animais nas águas e ainda partilham  de muitas lendas e mitos sobre o boto.

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Um exemplo de quebra de mitos em relação ao boto é a interação entre botos  e  seres  humanos  que  vem  ocorrendo  na  cidade  de  Novo  Airão.  Nessa  cidade,  localizada  no  baixo  rio  Negro,  Amazonas,  existem  botos  vermelhos  que  foram  atraídos por duas irmãs adolescentes, que nadam, brincam e alimentam os botos e  estes  se  mostram  bem  tranqüilos  e  curiosos  durante  essa interação.  Esta interação  amistosa  vem  atraindo  a  curiosidade  de  moradores  locais  e  de  visitantes.  Essa  interação  lúdica  e  não  agressiva  desses  animais  com  humanos  não  é  comum  e  é  considerado um caso raro na Amazônia. 

Este  trabalho  teve  como  objetivo  estudar  o  conhecimento,  as  percepções  populares  sobre  o  boto  (

Inia  geoffrensis

)    no  baixo  rio  Negro  e  as  interações  desta  espécie  com  humanos  na  natureza.  O  Capítulo  I  descreve  o  conhecimento  local  da  população sobre os botos em três localidades diferentes no baixo rio Negro, incluindo  percepções sobre ecologia, fisiologia e interações entre humanos e botos. O Capítulo  II é um estudo de caso em Novo Airão, sobre a interação entre botos e humanos na  natureza,  onde  são  identificados  os  botos  que  interagiram  com  as  pessoas,  observados  os  padrões  de  interação  de  botos  com  humanos  e  os  padrões  de  associação entre os animais. 

O estudo das interações entre botos e humanos é ferramenta importante para  a sua conservação.

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ETNOCONHECIMENTO E PERCEPÇÕES SOBRE O BOTO VERMELHO.  Capítulo I 

INTRODUÇÃO 

O  boto  vermelho,

  Inia  geoffrensis

  de  Blainville,  também  conhecido  como  golfinho do Amazonas, boto branco, piraia­guará ou pira­iauára, é um cetáceo fluvial  de  citação  indispensável  no  folclore  da  região  amazônica  (Câmara­Cascudo,  1954;  Slater, 2001) e amplamente conhecido por várias lendas e mitos (da Silva, 2002). Na  crença  popular  acredita­se  que  o  boto  possui  poderes  sobrenaturais,  dando­lhes  proteção (Câmara­Cascudo, 1954). O boto seduz as moças ribeirinhas e é o pai de  todos  os  filhos  de  responsabilidade  desconhecida.  Diz  a  lenda,  que  nas  primeiras  horas  da  noite  transforma­se  num  bonito  rapaz,  alto,  branco  e  forte,  grande  dançarino e bebedor, que aparece nos bailes, namora, conversa, freqüenta reuniões  e  comparece  fielmente  aos  encontros  femininos.  Antes  do  amanhecer,  pula  para  a  água  e  volta  a  ser  boto  (Câmara­Cascudo,  1954).  As  fêmeas  de  boto  vermelho  aparentemente  estimulam  o  interesse  dos  pescadores  e  ribeirinhos,  que  acreditam  que uma relação sexual com elas pode levar à exaustão física, desequilíbrio mental  ou mesmo à morte (Smith, 1979). Acreditam ainda que sobre a pessoa que mata um  boto  pode  recair  má  sorte  e  doença  (Smith,  1979),  fato  este  bastante  difundido  em  grande parte da bacia amazônica brasileira. 

As  lendas  a  respeito  dos  botos  atuaram  culturalmente  prevenindo  o  seu  consumo alimentar desde o período colonial (Smith, 1979), mas partes do corpo de  animais capturados acidentalmente sempre foram usadas por populações locais para

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diferentes  fins.  A  gordura  é  usada  para  tratar  asma,  câncer,  leshimaniose,  como  cicatrizante  e  para  reanimar  as  pessoas  (Terra  &  Rebêlo,  2003);  os  olhos  e  a  genitália  são  usados  em  feitiços  de  encanto  de  amor  (Best  &  da  Silva,  1989a)  e  vendidos como amuletos para atrair a pessoa amada (Smith, 1979). 

O saber e o saber­fazer sobre o mundo natural e sobrenatural, das sociedades  não urbano­industriais e transmitidos oralmente de geração para geração é chamado  conhecimento  tradicional.  As  populações  que  convivem  com  a  biodiversidade  nas  áreas  em  que  vivem,  nomeiam  e  classificam  as  espécies  vivas  segundo  suas  próprias  categorias  (Diegues,  2000).  O  conhecimento  local  sobre  animais,  plantas,  solos  e  paisagens incluem  identificação e  taxonomia  de  espécies, histórias  de  vida,  distribuições  e  comportamento.  Baseados  em  observações  empíricas,  estes  conhecimentos  evidentemente  têm  valor  para  a  sobrevivência  (Berkes,  1998)  de  vários povos e são à base de mediação das relações homem­natureza. 

O  conhecimento  popular  local  se  inicia  na  dependência  para  o  sustento  das  pessoas, do conhecimento sobre suas localidades específicas. Resultado da relação  íntima  entre  pessoas,  meio  ambiente  e  recursos  naturais,  este  conhecimento  é  muitas vezes caracteristicamente distinto da ciência (Davis & Wagner, 2003). 

Dessa  forma,  existem  dois  saberes:  o

 popular

  e  o

  científico­moderno

.  De um  lado, uma coleção do conhecimento acumulado de práticas e crenças, passada por  gerações  pela  transmissão  cultural  sobre  o  relacionamento  entre  seres  vivos,  inclusive humanos,  e  o  ambiente é  chamado  de  conhecimento  ecológico  tradicional  (Berkes,  1998),  e  de  outro  lado,  o  poder  da  ciência  moderna,  com  seus  modelos  ecossistêmicos,  administração  “moderna”  dos  recursos  naturais  e  com  a  noção  de  capacidade de suporte baseada em conhecimentos científicos (Diegues, 1998).

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A  ciência  tem  procurado entender  como  as  populações  tradicionais  ou locais  percebem  e  utilizam  os  recursos  naturais  pela  etnobiologia  e  etnoecologia.  A  etnobiologia  estuda  como  diferentes  grupos  humanos  classificam  as  plantas  e  os  animais  do  seu  entorno  ecológico  e  como  estes  fazem  uso  desses  conhecimentos,  necessários para a sua sobrevivência (Berlin, 1992). E a etnoecologia estuda como  grupos humanos percebem e utilizam os processos ecológicos (Toledo, 1991). 

Em  populações  humanas  culturalmente  homogêneas  ou  não  há  variação  intracultural  em  domínios  específicos  do  conhecimento  (Johnson  &  Griffith,  1996),  este  pode  variar  conforme  o  gênero,  a idade  ou  condição  social  de  seus indivíduos  (Berlin,  1992).  Diferentes  orientações  metodológicas  e  teóricas  verificam  a  diversificação da variação intracultural, reconhecendo o grau significante da variação  intracultural  existente  e  claro,  isto  é  um  pré­requisito  para  investigar  a  causa  de  tal  variação (Johnson & Griffith, 1996). 

Estudos  do  conhecimento  local  sobre  o  boto  vermelho  são  raros  (da  Silva,  2002).  Este  trabalho  procurou  compreender  o  conhecimento  local  e  suas  variações  sobre essa espécie, as percepções sobre a situação dos botos no baixo rio Negro e  os consensos culturais. 

MÉTODOS 

O  conhecimento  popular  sobre  o  boto  foi  estudado  no  baixo  rio  Negro  em  diferentes  localidades:  (1)  em  Novo  Airão,  município  com  15.429  habitantes,  localizado  na  margem  direita  do  rio  Negro,  coordenadas  2º37’S  e  60º56’W,  na  Amazônia  Central,  (IBGE,  2004);  (2)  na  Reserva  de  Desenvolvimento  Sustentável  Tupé, que possui cerca de 3.000 habitantes, localizada na margem esquerda do rio

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Negro, distante aproximadamente 25km em linha reta a oeste do centro de Manaus,  coordenadas 3º02’S e 60º15’W (BioTupé, 2004) e (3) na cidade de Manaus, capital  do  Amazonas,  com  1.603.796  habitantes  (IBGE,  2004)  (Anexo  III).  Nestes  três  municípios  foram  entrevistados  moradores de  ambos  os  sexos,  com  1º  ou  2º  graus  de  escolaridade,  formando  um  grupo  de  entrevistados  para  cada  localidade.  E  um  outro  grupo  de  entrevistados,  da  cidade  de  Manaus,  envolveu  pessoas  com  nível  universitário,  também  de  ambos  os  sexos,  formando  assim  quatro  grupos  de  entrevistados. 

Os  entrevistados  foram  escolhidos  como  amostra  de  um  grupo  pré­  selecionado  por  terem  conhecimento  sobre  o  boto  vermelho.  Foi  explicado  para  os  entrevistados  a  finalidade  da  pesquisa  do  conhecimento  sobre  o  boto  vermelho  e  a  necessidade  de  que  a  participação  dos  entrevistados  fosse  voluntária  e  não  compulsória e ainda garantido o anonimato. 

Foram  realizados  dois  tipos  de  entrevistas,  uma  longa  e  outra  curta.  As  entrevistas longas constituíram­se de perguntas abertas, com base em questionário  semi­estruturado (Anexo I), permitindo registrar o conhecimento popular em detalhes  acerca do boto vermelho de maneira a comparar com o conhecimento científico. 

Entre  julho  e  novembro  de  2004,  foram  realizadas  26  entrevistas  longas,  18  em Novo Airão com moradores de idades entre 22 e 76 anos e com oito moradores  da RDS Tupé, com idades entre 20 e 58 anos. 

O  questionário  com  diálogos  permitiu  a  flexibilidade  na  troca  de  conhecimentos  (Holguín­Medina,  2000),  evitando  a  indução  de  respostas.  Este  questionário  continha  41  questões  (Anexo  I),  sobre:  Dados  Gerais  do  entrevistado

(24)

(adaptado  de  Castelblanco­Martinez,  2004); Conhecimento  ecológico e  biológico da  espécie; Interação entre Botos e Humanos; Percepção sobre

 status

 de conservação. 

Os  questionários  foram  transcritos  descritivamente,  analisados,  e  foi  organizada  uma  tabela  comparativa  entre  o  conhecimento  tradicional  com  o  que  existe na literatura científica (Tabela 1.1). 

As  entrevistas  curtas  visaram  verificar  consensos  culturais,  baseadas  em  questionário estruturado com 20 questões sobre o boto, as interações entre botos e  humanos e as percepções sobre a situação atual do boto. De uma forma rápida, as  pessoas  respondiam  sim  ou  não  para  as  perguntas  feitas,  permitindo  avaliar  as  variações entre localidades, classes etárias, sexo e nível de escolaridade. 

Entre  outubro  e  novembro  de  2004,  foram  realizadas  46  entrevistas  curtas,  com 11 entrevistados (16­81 anos) em Novo Airão, 18 com moradores (13­75 anos)  na RDS Tupé, com seis pessoas em Manaus (40­74 anos) e com 11 estudantes com  3ºgrau completo ou incompleto (21­34 anos). 

Para  verificar  variações  de  consensos,  foi  feita  análise  de  ordenação  pelo  método  MDS­Escalonamento  Multidimencional  e  a  medida  de  distância  Sorensen  ­  Bray­Curtis, no programa PC­ORD, versão 4.0 (McCune & Mefford, 1999). 

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Todos  os  entrevistados  alegaram  já  ter  observado  o  boto  vermelho  na  natureza, pelo fato de morarem nas margens do rio ou terem navegado por estes. 

Nas  entrevistas  longas,  10  entrevistados  disseram  que  os  botos  vivem  no  meio e no canal do rio, oito disseram que vivem em poço, no leito e fundo do rio, sete  no  igapó,  cinco  na  margem,  beirada  e  praia  e  apenas  dois  disseram  que  os  botos

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vão  em  locais  de  piracema.  A  literatura  científica  afirma  que  “A  espécie  pode  tanto  navegar  em  áreas  alagadas,  como  várzeas e  igapós,  quanto  pode  explorar  o fundo  de rios (da Silva 1983)” e que “os botos podem ser vistos na boca dos rios e canais,  devido à grande concentração de peixes ou no período reprodutivo (da Silva, 2002)”.  O  conhecimento  popular,  apesar  de  exposto  de  forma  diferente  coincide  com  o  conhecimento  científico.  No  conhecimento  local  disseram  que  o  boto  “fica  na  parte  baixa do rio quando está na vadia com a fêmea” (homem, 42 anos, morador da RDS  Tupé), que sugere uma preferência de habitat no período de reprodução, ainda não  descrita  pela  literatura  científica.  Na  literatura,  a  densidade  dos  botos  é  maior  próximo às  margens devido à maior concentração de peixes, sendo que o ciclo das  águas  durante  o  ano  influencia  a  exploração  de  diferentes  habitats  e  os  botos  migram atrás dos peixes (Martin & da Silva, 2004). 

A percepção dos entrevistados em relação ao tamanho, peso e coloração dos  botos  é  variada,  isso  devido  ao  fato  que  eles  observam  o  animal  na  natureza,  mas  mesmo assim, existe concordância com a literatura científica (Tabela 1.1). 

Na  Amazônia  existem  dois  cetáceos  de  famílias  diferentes,  o  boto  vermelho

 

Inia  geoffrensis

  (Iniidae)  e  o  tucuxi,

  Sotalia  fluviatilis

  (Delphinidae)  (da  Silva,  1983).  Metade  dos  entrevistados  disse  que  o  tucuxi,  paumari  ou  boto  pretinho  é  o  animal  mais  parecido  com  o  boto.  Cinco  entrevistados  disseram  que  o  golfinho  é  o  animal  que  mais  parece  com  o  boto.  Outros  animais  citados  como  assemelhados  foram  peixe­boi, piraíba, pirarucu, baleia e tubarão. 

O conhecimento dos entrevistados sobre como o boto respira, quantos filhotes  nascem  e  qual  o  alimento  do  filhote,  concorda  muito  com  a  literatura  científica.  (Tabela 1.1).

(26)

As  percepções  dos  entrevistados  sobre  se  o  boto  vive  em  grupo  ou  se  é  solitário  são  variadas  e  coincidem  com  a  literatura  científica  no  geral,  mas  nesse  caso  a  literatura  descreve  mais  detalhadamente  o  comportamento  do  boto  (Tabela  1.1). 

O  conhecimento  dos  entrevistados  sobre  os  itens  alimentares  do  boto  é  reduzido. Apenas 13 espécies de peixes foram citadas como parte da dieta do boto,  enquanto a literatura registra o consumo de pelo menos 43 espécies de peixes de 19  famílias  (da  Silva,  1983)  e  registra  também  o  consumo  eventual  de  quelônios  (

Podocnemis sextuberculata

) (da Silva & Best, 1982). 

Para  os  entrevistados  “o  boto  é  perseguido  por  pescadores  que  não  gostam  deles porque rasgam a malhadeira e comem os peixes” (homem, 42, da RDS Tupé)  ou  “para  vender  partes  do  corpo”  (mulher,  44  anos,  moradora  de  Novo  Airão),  que  coincide  com  a  literatura  que  diz  que  os  botos  são  capturados  intencionalmente  e  mortos por pescadores que alegam danos aos equipamentos de pesca e competição  pelo  peixe  (da  Silva,  1990).  Estas  descrições  mostram  interações  agressivas  entre  homens  e  botos,  pois  aqui  o  homem  persegue  o  boto  por  dizer  que  rasga  a  malhadeira  e  come  os  peixes.  Além  disso,  o  boto  é  caçado  para  que  se  retirem  partes de seu corpo para diferentes fins. 

Sobre  o risco  de  extinção  a percepção  é  que  “o boto não  desaparece”  (Índio  Dessano, 58 anos, morador na RDS Tupé) e “que não está em risco porque o IBAMA  protege”  (homem,  63  anos,  de  Novo  Airão),  diferente  da  avaliação  da  IUCN  (2000)  que considera a espécie vulnerável e também é incluída na lista das espécies quase  ameaçadas,  no  Livro  Vermelho  da  Fauna  Brasileira  Ameaçada  de  Extinção  (Fundação  Biodiversitas,  2005).  Nessa  questão  deve­se  observar  que  a  IUCN

(27)

considera  toda  a  área  de  distribuição  da  espécie,  enquanto  que  os  moradores  só  estão  considerando  os  lugares  onde  eles  moram  e  que  pelo  visto,  ainda  mantém  populações saudáveis de botos.  As únicas ameaças percebidas pelos entrevistados foram “o boto fica enrolado  na malhadeira” (mulher, 44 anos, Novo Airão), que é um tipo de captura acidental e  “os barcos pesqueiros acabam com os peixes e assim o boto vai acabar” (senhora de  55 anos, moradora da RDS Tupé), sugerindo competição entre homens e botos por  presas, o que coincide com a literatura que cita como ameaça para o boto o uso de  redes  de  náilon  e  a  super  exploração  de  suas  presas  (da  Silva,  2002;  2004).  A  literatura  vai  além  em  relação  às  ameaças  aos  botos  como:  a  degradação  do  seu  habitat devido à poluição, desmatamento (Best & da Silva, 1989b), a construção de  barragens hidroelétricas (da Silva, 2002) e a poluição química dos rios por pesticidas  e mercúrio (da Silva, 2004; Gewalt, 1978). Os entrevistados listam mais as ameaças  diretas,  ou  seja,  onde  tem  interação  agressiva  entre  atividade  humana  e  o  boto,  já  que  os  processos  indiretos  como  a  poluição  e  a  destruição  do  habitat,  não  são  percebidos. 

Cada entrevistado disse conhecer estórias sobre a lenda do boto ou conhecia  porque  alguém  já  havia  relatado  para  ele.  “O  boto  se  transforma  em  um  homem  bonito e encanta as moças, as engravida ou as leva para o fundo do rio” (mulher, 32  anos,  Novo  Airão).  Outros  dizem  que  “o  boto  persegue  as  mulheres  menstruadas”,  “mulheres menstruadas que dormem na praia, viram boto” (Índio Dessano, 58 anos,  RDS Tupé) e sugerem sedução das mulheres pelos botos. Uma pessoa contou que  soube  do  “nascimento  de  um  filho  de  boto,  que  a  metade  de  cima  era  botinho  e  a  metade  de  baixo  era  gente,  mas  morreu  porque  a  mãe  não  amamentou,  pois  tinha

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medo do bebê” (mulher, 45 anos, Novo Airão). Alguns relataram que “o boto macho  ou  boto  fêmea  encanta  a  moça  ou  o  homem,  respectivamente,  e leva  para  o  fundo  do  rio,  onde  fica  a  cidade  encantada  dos  botos”  (mulher,  45  anos,  Novo  Airão).  Também há relatos sobre “amuletos feitos com a genitália ou olho de boto para atrair  a pessoa amada” (mulher, 44 anos, Novo Airão). A literatura sobre contos e estórias  do  folclore  popular,  registra  as  lendas  contadas  por  pessoas  sobre  o  boto,  seus  poderes  sobrenaturais  e  de  sedução  (Câmara­Cascudo,1954;  Slater,  2001).  A  literatura  descreve  um  país  onde  as  pessoas  sempre  se  referem  ao  boto  como  “o  Encantado”  e  sua  cidade  encantada  no  fundo  do  rio.  Este  ser  encantado  pode  provocar doenças e morte, e quando se apaixona se torna o melhor amante e o mais  ciumento (Slater, 2001). 

Com as informações obtidas pelas entrevistas fica evidente a percepção ampla das  pessoas  sobre  o  boto  vermelho  nos  aspectos  biológicos  e  ecológicos,  o  que  demonstra a observação das pessoas do meio em que vivem. Da mesma forma que  o  conhecimento  de  pescadores  de  bacalhau,  na  costa  oeste  do  Canadá  que,  com  base  nas  suas  experiências  de  trabalho  durante  anos  de  observações  e interações  contínuas  de  gerações  com  o  ambiente  local,  adquirem  a  riqueza  de  informações  acumuladas  (Gosse

  et  al

.,  2001).  Atividades  de  barcos  pesqueiros  desenvolvem  o  uso  de  um  conhecimento  detalhado  de  informações  e  aprendizado  dos  seus  ambientes e suas práticas de pesca. Através de seu trabalho, pescadores observam  a  morfologia  do  peixe  (coloração,  tamanho,  etc),  ecologia  (desova  e  migração)  (Gosse

  et  al

.,  2001).  Isso  mostra  que  a  natureza  apresenta­se  imediatamente  ao  conhecimento desses grupos como um lugar de permanente observação, pesquisa e  reprodução  de  saberes  (Castro,  2000).    As  pessoas  manifestam­se  pelo  próprio

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vocabulário  e  pelos  termos  que  usam  para  traduzir  sua  vivência  e  adaptações  aos  ecossistemas  (Castro,  2000;  Berlin,  1992).  As  investigações  sobre  o  conhecimento  popular acerca da ecologia das espécies locais deveriam ser usadas como subsídio  para  estudos  preliminares,  constituindo  assim  fonte  secundária  de  informação  para  trabalhos científicos (Poizat & Baran, 1997). 

O  conhecimento  popular  coincide  em  grande  parte  com  as  informações  existentes  na  literatura,  mostrando  que  o  conhecimento  local  é  uma  importante  ferramenta  para  estudos  biológicos  e  ecológicos  sobre  os  botos.  Mas  o  que  quase  sempre  acontece  é  que  o  saber  técnico­científico  não  apenas  desconhece  como  procura  desqualificar  e  desvalorizar  todos  os  outros  saberes  e  práticas,  como  o  conhecimento  tradicionalmente  acumulado  (Diegues,  1998;  Castro,  2000).  O  conhecimento  científico  muitas  das  vezes  se  mostra  mais  específico  e  suas  descrições  são  de  forma  mais  quantitativa  em  relação  ao  conhecimento  tradicional,  devido  ao  fato  de  que  a  literatura  reúne  várias  informações  sobre  o  assunto  pesquisado e o tradicional acumula algumas informações de vários assuntos.

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Tabela 1.1. Comparação entre a literatura e o conhecimento popular, resultado das entrevistas realizadas. Código (17 Nv­F) é a entrevista número 17, realizada  em Novo Airão e com uma pessoa do sexo feminino. 

Questões  Literatura  Conhecimento Popular 

Onde vive o  boto?  Provavelmente o ciclo do nível de água, demonstra que há uma  influência no uso do habitat pelo boto, durante o ano (Martin &  da Silva, 2004). Sendo assim altamente sazonal e varia entre os  rios. No período de seca, os boto estão concentrados nos canais  dos rios e no período de cheia eles se espalham na floresta  alagada (igapó) e nas planícies alagadas (várzea) (da Silva,  2002). Essa variação sazonal da densidade do boto pode ser  explicada pela migração dos peixes (Martin & da Silva, 2004).  Fêmeas adultas com filhotes ocorrem nas partes mais remotas  da várzea e a densidade dos botos é maior próximo às margens  dos rios do que no meio (Martin & da Silva, 2004).  “No canal do rio e no igapó para esconder e descansar” (ENT2  NA). “Nada perto da piracema” (04 Nv­F). “No meio do rio,...,  eles gostam de pescar no igapó” (17 Nv­F). “Na parte baixa  quando está na vadia com a bota e no meio do rio” (22 Tupé­  M). “Sempre em rio, não fica em lago não” (23 Tupé­M).  Qual o tamanho  do boto?  Comprimento máximo de 2,55m para machos e 2,15m para  fêmeas (da Silva, 2002).O filhote nasce medindo  aproximadamente 80cm (Best & da Silva, 1989b).  “Aproximadamente 2m” (03 Nv­F). “Fêmea 1,50 e macho 2m”  (ENT4 NA). “De 9 palmos para baixo, 1 metro mais ou menos”  (ENT15 NA) “De todo tamanho” (18 Nv­F). “De 3m e filhote  80cm” (26 Nv­M). 

Qual o peso?  Macho: 185kg e Fêmea: 150kg (da Silva, 2002).  “Pesa entre 80, 70 e 50kg” (07 Nv­M). “Pesa 150kg” (09 Nv­M).  “Pesa 180kg” (18 Nv­F). “Eles têm 150kg” (26 Tupé­M).  Qual a cor?  Fetos, recém­nascidos e animais jovens são cinza escuro (da  Silva, 2002) e quando adultos esta pigmentação escura é  reduzida e prevalece um rosa escuro (Best & da Silva, 1989b).  “Depois de 2 anos ele muda de cor, primeiro ele é cinza, aí  muda a cor da barriga, fica amarelo  e depois rosa” (08 Nv­M).  “De várias cores, tem cinza, preto, rosa, vermelho e  branquicento, depende da água” (18 Nv­F). “Vermelho, rosa e  preto” (25 Tupé­F).

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Tabela  1.1.  (Cont)  Comparação  entre  a  literatura  e  o  conhecimento  popular, resultado  das  entrevistas  realizadas.  Código  (17  Nv­F)  é  a  entrevista  número17,  realizada em Novo Airão e com uma pessoa do sexo feminino. 

Questões  Literatura  Conhecimento Popular 

Existe outro  animal parecido?  Qual? Qual a  diferenças entre  eles?  Na região Amazônica existem duas famílias da Ordem Cetacea.  A primeira é a Iniidae, espécie Inia geoffrensis, conhecida como  boto vermelho (Best & da Silva, 1989a).  A segunda família  Delphinidae, espécie Sotalia fluviatilis, conhecida como tucuxi  (da Silva, 1983).  “Sim o tucuxi.O tucuxi tem a nadadeira das costas que faz uma  curva e o boto vai direto nas costas toda e a cor é diferente”  (02 Nv­F). “Sim, o tucuxi, ele é menor e é roxinho” (4 Nv­F). “O  tucuxi” (06 Nv­M). “Só o golfinho, a diferença é só de região e  tamanho, o boto é maior” (12 Nv­M). “Com o tubarão. A  diferença é só o formato da cara, o tubarão é largo e o boto é  fino” (14 Nv­M). “Só com o boto tucuxi, o tucuxi é menor e a  cor é diferente” (23 Tupé­M). “O boto tem o jeito e a cauda  igual da baleia, a diferença é a cor e o tamanho, a baleia é  mais grande, até o buraco que o boto tem para respirar é igual  à baleia” (24 Tupé­M).  Como o boto  respira?  Os cetáceos possuem a fossa nasal dorsalmente (orifício  respiratório) que permite os animais respirarem facilmente  enquanto nadam (Reynolds III et al.,2000)  “Só na boiada, aquela abertura que tem na cabeça ela abre e  ele respira” (08 Nv­M). “Naquele buraco que tem em cima da  cabeça dele, ele solta o ar, puxa de novo e fecha” (09 Nv­M).  “Pelo buraco que ele tem e abre quando ele sobe”(19 Tupé­F).  Vive em grupo  ou é solitário?  Qual o  comportamento  do grupo?  Raramente o boto é observado em grupo de quatro ou mais  indivíduos, freqüentemente é observado solitário. Ocorrem  agregações livres que podem ser vistas em bocas dos rios e  canais, devido à grande concentração de peixes, ou no período  reprodutivo (Best & da Silva, 1989b; da Silva, 2002). Martin & da  Silva (2004) também citam pares de mãe e filhote, agregações  de machos juntos às fêmeas em período reprodutivo e a  exploração de diferentes habitats.  “Em grupo de 2 ou 3” (01 Nv­F). “Em grupo, nadando pegando  peixe” (04 Nv­F). “Solitário, todo mundo gosta de ter sua  liberdade” (06 Nv­M). “Em par ou sozinho” (20 Tupé­M).  “Sozinho e em grupo, faz cardume de 5 e 6 botos” (11 Nv­  M).”Em grupo, às vezes sozinho. Agrupado para atacar peixe  ou no cio. Bota no cio vêm 15 ou 20 botos” (26 Tupé­M).

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Tabela 1.1. (Cont.) Comparação entre a literatura e o conhecimento popular, resultado das entrevistas realizadas. Código (17 Nv­F) é a entrevista número 17,  realizada em Novo Airão e com uma pessoa do sexo feminino. 

Questões  Literatura  Conhecimento Popular 

Qual o horário  que o boto  come?  O boto é ativo de dia e à noite. A grande atividade de pescaria  ocorre das 6:00 às 9:00hs e das 15:00 às 16 hs (da Silva, 2002).  “Na parte da manhã e às 5horas da tarde” (03 Nv­F). “De  manhã e à tarde” (09 Nv­M). “Na hora da fome” (25 Tupé­F).  O que o boto  come?  Foi registrado o consumo de 43 espécies de peixes de 19  famílias (da Silva, 1983; 2002). O estudo do conteúdo estomacal  de um Inia macho continha uma tartaruga imatura (Podocnemis  sextuberculata) (da Silva & Best, 1982).  “O boto come cará­açú, tucunaré, os peixes que têm escamas”  (02 Nv­F). “Jaraqui, pacú, tucunaré” (10 Nv­M). “Jaraqui,  japará e sardinha” (22 Tupé­M). “Branquinha e sardinha” (03  Nv­F) “Cubiu e matrinchã” (15 Nv­M) “Tambaqui” (07 Nv­M)  “Pescada” (18 Nv­F) “Orãnã” (23 Tupé­M).  Quantos filhotes  nascem?  Inia tem uma gestação de aproximadamente 12 meses e nasce  apenas um filhote (Junk & da Silva, 1997).  “Só 1” (09 Nv­M). “1 ou 2” (22 Tupé­M). “Só 1” (24 Tupé­M).  Qual é o  alimento do  filhote?  A lactação de Inia pode durar por volta de um ano (Best & da  Silva, 1989a).  “Ele mama” (04 Nv­F). “Ele mama de 8 a 10 meses” (09 Nv­M).  “Só o leite materno” (14 Nv­M). “Mama, pelo que a gente sabe,  ele é mamífero” (20 Tupé­M).  O boto é  caçado? Por  que?  O boto embora não seja sujeito a exploração direta por  populações humanas (Best & da Silva, 1989b), os botos são  capturados intencionalmente e mortos por pescadores que  alegam danos aos equipamentos de pesca e competição pelos  peixes (da Silva, 1990) ou são usados como isca para captura  de piracatinga (Calophysus macropterus) (da Silva, 2004). E  partes do corpo dos animais, também são usadas por  populações locais para diferentes fins: gordura para curar asma,  câncer, como cicatrizante, os olhos e a genitália para feitiços de  encanto de amor (Best & da Silva, 1989a; Terra & Rebêlo, 2003).  “É perseguido por pescadores que não gostam deles” (04 Nv­  F). “Sim. Para tirar as partes para vender” (05 Nv­F). “Sim, no  Pará, eles caçam para tirar os órgãos” (08 Nv­M). “Não é  caçado” (10 Nv­M). “Não” (12 Nv­M) “É perseguido, por que  não sei, porque eu não vi ninguém que falasse que se alimenta  de boto” (14 Nv­M).  “Não. Porque ninguém usa ele para coisa  nenhuma” (15 Nv­M).” Aqui não, mas a banha é vendida” (19  Tupé­F). “Em certo canto é, porque ele come o peixe da  malhadeira e rasga a malhadeira” (22 Tupé­M). “Sim, pra  comer, vender (banha, dente, olho)” (25 Tupé­F).

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Tabela 1.1. (Cont.) Comparação entre a literatura e o conhecimento popular, resultado das entrevistas realizadas. Código (17 Nv­F) é a entrevista número 17,  realizada em Novo Airão e com uma pessoa do sexo feminino. 

Questões  Literatura  Conhecimento Popular 

A quantidade de  boto está  aumentando,  diminuindo ou  permanece  constante?  Os botos correm  risco de  extinção?  O boto vermelho está classificado como vulnerável pela IUCN  (2000) e como espécie quase ameaçada no Anexo I da Lista da  Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Fundação  Biodiversitas, 2005).  “Está estável” (08 Nv­M). “Está igual” (11 Nv­M). “Aumentando,  porque ninguém mata” (20 Tupé­M). “Tá igual” (25 Tupé­F).  “Sim, antigamente a gente via mais boto” (01 Nv­F). “Não, o  IBAMA protege” (06 Nv­M). “O boto não têm ameaça” (12 Nv­  M). “O boto não desaparece não” (20 Tupé­M). “  Qual a maior  ameaça para o  boto?  O boto é afetado pela degradação do seu habitat devido à  poluição, desmatamento e super exploração de suas presas  (Best & da Silva, 1989b).Uso de redes de náilon. Construção de  barragens hidroelétricas (da Silva, 2002) e poluição química dos  rios por pesticidas e mercúrio (da Silva, 2004; Gewalt, 1978).  “O homem e a malhadeira” (03 Nv­F). “A malhadeira que ele  fica enrolado” (05 Nv­F). “Só o pessoal que esta pegando para  fazer pesca de piracatinga” (07 Nv­M). “Não tem ameaça para  o boto” (09 Nv­M). “Tem muitos pesqueiros e se acabar com o  peixe o boto vai acabar” (21 Tupé­F).

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Tabela 1.1. (Cont.) Comparação entre a literatura e o conhecimento popular, resultado das entrevistas realizadas. Código (17 Nv­F) é a entrevista número 17,  realizada em Novo Airão e com uma pessoa do sexo feminino. 

Questão  Literatura  Conhecimento Popular 

Lendas sobre o  boto.  Na crença popular acredita­se que o boto possui poderes  sobrenaturais, dando­lhes proteção pode se transformar em um  belo rapaz e seduzir as jovens e sempre acompanha as canoas  que levam uma mulher grávida para protegê­la (Câmara­  Cascudo, 1954).  A pessoa que o Boto leva fica encantada, mas nem por isso ela  deixa de querer se desencantar (Slater, 2001).  “O homem mais lindo da festa dançava muito, de chapéu e  ficava até meia­noite. Encanta as moças e as levava para  dentro d'água. E o boto persegue as mulheres menstruadas  que entram no rio” (01 Nv­F). “Dizem,...que os botos se  transformavam em homens bonitos com chapéu e iam para as  festas e iam embora de madrugada, o chapéu era uma arraia e  os sapatos eram bodós e ele era boto / as mulheres não  andam de canoa quando estão no tempo porque engravida”  (12 Nv­M). “Antigamente acontecia das mulheres menstruadas  irem para a beira e engravidava de boto, aconteceu com a  sobrinha da minha mãe, a metade de cima do corpo era  botinho e para baixo era gente e ele morreu porque ela tinha  medo de dar peito para ele” (17 Nv­F). “O olho serve para  atrair mulher, para pessoa que precisa de mulher / mulher  menstruada quando dorme na praia ela vira boto” (21 Tupé­F).  “A bota encantou meu pai e levou ele para o fundo do rio onde  os botos encantados moram, é uma cidade encantada e muito  linda, meu pai voltou de lá e contou para a gente” (17 Nv­F).  “O moço que chama Rui, levou uma facada, caiu no rio e se  transformou em boto, mas ele fica bufando “rui” e queria que  alguém tirasse a faca dele para ele virar homem de novo” (04  Nv­F).

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A  análise  de  consenso  visa  o  conhecimento  ou  idéia  com  alto  grau  de  concordância  que  representa  modelo  cultural.  Já  as  variações  inter  e  intraculturais,  sugerem  que  em  certos  domínios  ou  áreas  de  conhecimento  dentro  das  culturas  pode haver mais de um padrão (Johnson & Griffith, 1996). 

Os  consensos  entre  todos  os  entrevistados  das  entrevistas  curtas  (Anexo  II)  foram:  1. O boto vermelho e o tucuxi não são o mesmo animal (80%)  2. Os botos comem principalmente peixes (100%);  3. O boto respira ar (94%);  4. O filhote bebe leite (90%);  5. O número de boto não está diminuindo (80%);  6. O boto não está em perigo de extinção (80%);  7. As pessoas temem os botos por causa das lendas (90%);  8. Não conhece pessoa que seja filho de boto (90%).  Pode­se considerar que não existe um consenso entre todos os entrevistados  em relação a: 

1.  A  diferença  entre  o  boto  e  o tucuxi  é  que  um  come  no  igapó  e  o outro  no  aberto (50%); 

2. O boto nunca ajuda o pescador (48%);  3. O número de botos está aumentando (54%). 

Mas,  verificando  separadamente,  os  estudantes  universitários  apresentam  um  consenso em relação de que o boto vermelho come no igapó e o tucuxi só no aberto. 

Observa­se uma grande variação da porcentagem do consenso das respostas  obtidas, no questionário de perguntas assertivas (Figura 1.1).

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0%  10%  20%  30%  40%  50%  60%  70%  80%  90%  100%  1  2  3  4  5  6  7  8  9  10  11  12  13  14  15  16  17  18  19  20  Número das Perguntas  P o rce n ta g e m   % não  % sim 

Figura  1.1.  Variação  da  porcentagem  do  consenso  geral  de  todos  os  entrevistados,  para  cada  pergunta  do  questionário estruturado (Anexo II). 

Existem  consensos  entre  os  universitários  e  a  maioria  dos  entrevistados  de  Novo Airão e da RDS Tupé quando:  1. Concordam que uma das ameaças aos botos é a perseguição que sofrem;  2. Concordam que as maiores ameaças que o boto sofre é a perseguição e a  destruição do seu habitat por desmatamento de mata de igapó e poluição dos rios.  3. Não acham que o número de botos está diminuindo;  4. Acham que o boto não está em perigo de extinção;  5. Dizem que não conhecem gente que é filho de boto;  6. Não acreditam que o olho de boto é amuleto para encanto de amor; 

O  consenso  entre  esses  entrevistados  pode ser  resultado  de  serem  pessoas  que  recebem  informações  nas  escolas,  ou  por  campanhas  educativas  sobre  a  preservação do boto. 

Consenso  entre  os  entrevistados da  RDS  Tupé  e  de  Manaus,  pessoas  estas  com idade acima de 35 anos, existe na questão: 

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E  diverge  do  consenso  que  há  entre  os estudantes  e  os  moradores de  Novo  Airão que não acreditam que o sexo de boto é amuleto de amor. 

Em  relação  à  variação  de  conhecimento,  existe  um  consenso  entre  todos  os  estudantes universitários, uma pessoa de Novo Airão do sexo feminino e de 16 anos  e outra da RDS Tupé, do sexo masculino e também de 16 anos, formando um grupo  de pessoas com o conhecimento mais próximo (Figura 1.2), mostrando que possíveis  inovações no conhecimento, são as mudanças de opiniões sobre as lendas do boto  entre  outros  conceitos.  “As  pessoas  com  maior  escolaridade  tendem  a  adotar  inovações  mais  rapidamente  (inclusive  de  comportamento)”  (Rebêlo  &  Pezzuti,  2000).  F 2 3  F 2 7  F 1 8  M 2 4  M 8 1  M 5 8  F 5 2  F 2 4  F 2 6  F 1 6  F 1 4  M 2 5  F 2 0  M 3 0  F 4 0  F 3 3  F 2 4  M 5 4  M 1 6  M 1 3  M 1 5  M 1 9  F 3 2  F 4 6  F 3 2  M 4 3  F 4 5  M 7 5  F 4 9  M 7 4  M 5 7  M 6 6  M 4 0  M 4 0  M 4 2  F 3 4  F 2 7  M 2 7  M 2 3  F 2 4  F 2 3  F 2 5  M 2 1  F 2 4  M 2 5  M 2 3  0  0  40  80  40  80  N ovo Air ão  R D S T upé  M anaus  Estudantes 

Figura  1.2.  Ordenação  mostrando  a  distribuição  do  conhecimento  em  relação  às  localidades,  os  estudantes  universitários, ao sexo e a idade (M40=pessoa do sexo masculino e de idade 40 anos e F27 pessoa do  sexo feminino de idade 27 anos). Com variância de 35,3% no eixo 1 e variância de 40,5% no eixo 2.  Eixo 1  E ix o  2

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Pode­se  verificar  também  a  presença  de  um  consenso  entre  a  maioria  das  pessoas  acima  de  35  anos,  independente  da  escolaridade,  sexo  e  local  de  residência, onde se observa uma preservação de crenças e valores no conhecimento  tradicional  (Figura  1.3).  E  nesse  grupo,  pode­se  observar  a  presença  de  quatro  pessoas  com  menos  de  35  anos  da  RDS  Tupé,  isso  sugere  que  o  conhecimento  popular sobre o boto e as crenças são mantidos por essas pessoas dessa localidade,  coincidindo  com  o  conhecimento  das  pessoas  acima  de  35  anos,  pois  o  consenso  observado  nesse  grupo  foi  em  relação  às  lendas,  aos  mitos  e  ao

  status

  de  conservação dos botos. 

A manutenção da lenda sobre o boto é uma tradição, onde “crenças e valores  são adquiridos por aprendizagem social” (Rebêlo & Pezzuti, 2000). O conhecimento  e  os  sistemas  classificatórios  dessas  populações  sobre  o  ambiente  fazem  parte  do  seu  patrimônio  cultural  (Castro,  2000).  Com  base  em  observações  empíricas  todos  os  conhecimentos  formam  valores  óbvios  de  sobrevivência  (Berkes,  1998),  e  esse  conhecimento  é  preservado  pelas  populações  locais,  mantendo  um  consenso  cultural.

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N A ­ F  N A ­ F  N A ­ F  N A ­M  N A ­M  N A ­M  N A ­ F  N A ­F  N A ­ F  N A ­ F  N A ­ F  Tp ­ F  Tp ­ F  T p ­ M  T p ­ F  Tp ­F  Tp ­F  T p ­ M  T p ­ M  Tp ­ M  Tp ­M  T p ­ M  Tp ­F  Tp ­F  T p ­ F  Tp ­ M  T p ­ F  Tp ­ M  T p ­ F  M a­ M  M a­ M  M a­ M  M a­ M  M a­ M  M a­ M  Est ­ F  Est ­F  Est ­ M  Est ­ M  Est ­ F  Est ­F  Est ­ F  Est ­ M  Est ­F  Est ­ M  Est ­ M  0  0  40  80  40  80  idade  < 35 anos  > 35 anos 

Figura  1.3.  Ordenação  em  relação  à  classe  etária,  localidade  e  sexo  (NA=Novo  Airão/Tp=Tupé/Ma=Manaus/Est=Estudantes/  ”M=masculino/F=feminino”).  Com  variância  de  23,5%  no  eixo 1 e variância de 53,7% no eixo 2. 

É  possível  verificar  uma  possível  variação  intracultural.  Isso  acontece  provavelmente  devido  a  gradual  quebra  das  crenças  tradicionais.  É  com  as  mudanças sociais, por vezes muito rápidas, que se revelam alguns padrões culturais  no  conhecimento  local  e  isso  se  expressa  pelas  experiências  e  percepções  individuais  diferenciadas.  Crenças  e  costumes  são  culturalmente  importantes  como  fonte  no  conhecimento  local  (Berkes,  1998),  mas  uma  descaracterização  do  conhecimento  tradicional  local  se  dá  quando  ocorre  a  diluição  da  influência  da  tradição  e  a  desmistificação  das  lendas  e  mitos.  No  caso  do  boto  vermelho  que  é  observado  nas  pessoas  que  apresentam  maior  grau  de  escolaridade.  Além  de 

E

ix

o

 2 

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conhecimentos  obtidos  nas  escolas,  os  programas  de  educação  ambiental  desenvolvidos pelo IBAMA e por outras instituições voltadas para a conservação do  boto  e  da  natureza  fornecem  informações  à  população  sobre  a  espécie  e  sua  conservação.  Segundo  Smith  (1979),  a  penetração  da  sociedade  nacional  exerce  grande  influência  na  quebra  da  tradição,  o  que  demonstra  a  descaracterização  do  conhecimento intracultural. 

CONCLUSÕES 

ü  As entrevistas semi­estruturadas permitiram verificar conhecimento local sobre  o boto vermelho e que este conhecimento coincide com a literatura científica sobre a  biologia desse animal. 

ü  O  conhecimento  científico  avança  mais  que  o  conhecimento  popular  no  que  diz respeito se o boto vive em grupo ou é solitário, qual o comportamento dos botos,  sobre a dieta dos botos, quais ameaças que o boto sofre e o risco de extinção. 

ü  Com  as  informações  obtidas  a  partir  das  respostas  consensuais  dos  informantes, pelas entrevistas curtas, foi possível gerar ordenamentos, possibilitando  sistematizar o conhecimento e detectar consensos culturais. 

ü  Com  o  ordenamento  das  localidades  foi  possível  verificar  os  consensos  culturais entre os estudantes universitários e a maioria dos jovens com menos de 35  anos, em relação às ameaças que o boto sofre e que não acreditam nas lendas dos  botos nem em amuletos feitos com partes do corpo do boto. 

ü  Com  o  ordenamento  em  relação  à  classe  etária  foi  observado  que  existem  consensos  entre  os  entrevistados  com  mais  de  35  anos,  independente  da

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escolaridade  ou  local  de  moradia,  pois  eles  acreditam  nas  lendas  dos  botos,  em  amuletos e que o boto não sofre ameaça.  BIBLIOGRAFIA CITADA  Berkes, F. 1998. The nature of traditional ecological knowledge and the Canada­wide  experience.

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Referências

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