Universidade de Bras´ılia Departamento de Matem´atica
C´
alculo 1
Integra¸
c˜
ao por partes
Vimos nos textos anteriores que a t´ecnica de mudan¸ca de vari´aveis ´e muito ´util no c´alculo de algumas primitivas. Por´em, existem casos em que ela n˜ao ´e suficiente. Por exemplo, suponha que queremos resolver a integral
Z
xexdx.
Uma an´alise inicial mostra que esta integral n˜ao ´e de resolu¸c˜ao imediata. De fato, se es-tiv´essemos integrando somente o termo x, ter´ıamos a primitiva x2
/2, enquanto que se o integrando fosse somente ex, poder´ıamos tomar a primitiva ex. Contudo, neste caso, temos
o produto destas duas fun¸c˜oes.
Uma tentativa inicial seria usar a mudan¸ca u = ex, que nos fornece du = exdx e x = ln(u).
Assim, Z xexdx = Z xdu = Z ln(u)du.
Embora a igualdade acima esteja correta, ela n˜ao nos ajuda muito, porque tamb´em n˜ao sabemos uma primitiva para a fun¸c˜ao ln(u). Portanto, a integral proposta n˜ao deve ser resolvida por mudan¸ca de vari´aveis. Neste texto vamos introduzir uma nova t´ecnica que vai nos permitir, entre outras coisas, encontrar uma primitiva para a fun¸c˜ao xex.
Lembre que a f´ormula de mudan¸ca de vari´aveis foi obtida a partir da Regra da Cadeia. O que vamos fazer inicialmente ´e obter, a partir da regra de deriva¸c˜ao de um produto, uma nova f´ormula. Para tanto, lembre que
d
dx[f (x) · g(x)] = f
′(x)g(x) + f (x)g′(x),
sempre que f e g s˜ao deriv´aveis. Integrando a igualdade acima com respeito a x, e lembrando que uma primitiva de (f (x)g(x))′ ´e o produto f (x)g(x), obtemos
Z
f (x)g′(x)dx = f (x)g(x) −
Z
f′(x)g(x)dx.
A igualdade acima ´e conhecida como f´ormula de integra¸c˜ao por partes. Na sequˆencia, vamos mostrar como ela pode ser ´util.
Exemplo 1. Vamos usar a f´ormula para resolver a integralR xexdx. Se denotarmos f (x) = x e g′(x) = ex, obtemos Z xexdx = Z f (x)g′(x)dx = f (x)g(x) − Z f′(x)g(x)dx = x · g(x) − Z 1 · g(x)dx. Para finalizar o c´alculo, precisamos descobrir quem ´e g(x). Como g′(x) = ex, temos que
g(x) = R g′(x)dx =R exdx = ex+ K
1, em que K1 ´e a constante de integra¸c˜ao. Deste modo
Z xexdx = x(ex + K 1) − Z (ex+ K 1)dx = xex− Z exdx, ou ainda, Z xexdx = (x − 1)ex+ K.
Se vocˆe quiser, pode checar o resultado acima simplesmente derivando o lado direito. Vale notar que, no c´alculo da fun¸c˜ao g acima, a constante de integra¸c˜ao K1 sempre vai
desaparecer. De fato, basta notar que f (x)(g(x) + K1) − Z f′(x)(g(x) + K 1)dx = f (x)g(x) − Z f′(x)g(x)dx,
qualquer que seja o n´umero K1. Deste modo, ao aplicarmos a f´ormula, ´e comum escolher
K1 = 0 na express˜ao de g(x).
Outra observa¸c˜ao importante ´e que a f´ormula pode ser reescrita de uma maneira mais simples de ser lembrada, atrav´es do seguinte artif´ıcio: considere u = f (x) e v = g(x). Com esta defini¸c˜ao, temos que du
dx = f′(x). Se considerarmos, formalmente, o s´ımbolo du dx como
sendo uma fra¸c˜ao, isso nos leva a du = f′(x)dx e, de maneira an´aloga, dv = g′(x)dx. Assim,
a f´ormula de integra¸c˜ao por partes pode ser escrita como Z
udv = uv − Z
vdu.
Exemplo 2. Para a integral indefinida R x cos(x)dx, vamos considerar u = x e dv = cos(x)dx. Deste modo, temos que
u = x, dv = cos(x)dx
du = dx, v =R dv = R cos(x)dx = sen(x),
ou ainda Z
x cos(x)dx = x sen(x) + cos(x) + K.
Novamente, a igualdade pode ser checada pela simples deriva¸c˜ao do lado direito.
Ao aplicar a f´ormula, ´e fundamental fazer uma escolha apropriada do termo dv. A primeira dica para esta escolha ´e lembrar que, para aplicar a f´ormula, ser´a necess´ario conhecer o valor de v, isto ´e, calcular a integral R dv. Deste modo, o termo dv deve ser uma fun¸c˜ao que sabemos integrar. Esta observa¸c˜ao, quando aplicada no Exemplo 2 acima, descarta imediatamente a escolha dv = x cos(x). Por´em, ainda restariam trˆes possibilidades:
dv = xdx, dv = dx, dv = cos(x)dx. J´a vimos que a terceira escolha acima funciona. Para a primeira ter´ıamos
u = cos(x), dv = xdx du = −sen(x) dx, v =R xdx = x2 /2, de modo que Z x cos(x)dx = x 2 2 cos(x) + Z x2 2 sen(x)dx.
Esta igualdade, embora correta, n˜ao ajuda muito, porque a integral que aparece do lado direito n˜ao parece ser mais simples do que a inicial. Deixamos para o leitor a verifica¸c˜ao de que a escolha dv = dx tamb´em n˜ao ´e boa.
Exemplo 3. Vamos calcular
Z
ln(x)dx,
integrando por partes. Fazendo a escolha u = ln(x), somos levados a dv = dx, u = ln(x), dv = dx du = 1 xdx, v =R dx = x, e portanto Z ln(x)dx = x ln(x) − Z 1 xxdx = x ln(x) − x + K.
Novamente aqui, a escolha dv = ln(x) n˜ao seria boa, porque a princ´ıpio n˜ao sabemos uma primitiva de ln(x).
Exemplo 4. Em alguns casos precisamos aplicar o m´etodo mais de uma vez. Por exemplo, para Z x2 sen(x)dx, fazemos u = x2
e dv = sen(x)dx, de modo que du = 2xdx e v = − cos(x). Assim Z x2 sen(x)dx = −x2 cos(x) + Z 2x cos(x)dx. Resolvendo a ´ultima integral partes (cf. Exemplo 2), obtemos
Z x2
sen(x)dx = −x2
cos(x) + 2 (x sen(x) + cos(x)) + K, que ´e o resultado desejado.
Observe que a ideia do exemplo acima funciona em qualquer integral do tipoR xnf (x)dx,
quando n ∈ N e a fun¸c˜ao f ´e, por exemplo, do tipo cos(ax), sen(ax) ou eax, com a ∈ R.
Quanto maior o valor de n, mais vezes teremos que integrar por partes. A parte boa ´e que, a cada integra¸c˜ao, o expoente do termo x da nova integral diminui at´e chegarmos em x0
= 1. Exemplo 5. Vamos agora aplicar integra¸c˜ao por partes na integral
Z
sen(ln(x))dx, com as escolhas seguintes
u = sen(ln(x)), dv = dx du = cos(ln(x)) x dx, v = x. Substituindo, vem Z sen(ln(x))dx = x sen(ln(x)) − Z cos(ln(x))dx. (1)
Note que a integral resultante parece ter a mesma complexidade da inicial, o que poderia nos levar a pensar que a ideia n˜ao foi boa. Por´em, vamos aplicar integra¸c˜ao por partes a esta nova integral, com a seguinte escolha
u = cos(ln(x)), dv = dx, du = −sen(ln(x))x dx, v = x,
Substituindo a igualdade acima em (1), obtemos Z
sen(ln(x))dx = x sen(ln(x)) − x cos(ln(x)) − Z
sen(ln(x))dx.
Note que a integral que quer´ıamos calcular apareceu novamente, do lado direito, multiplicada por um fator diferente de 1. Podemos ent˜ao lev´a-la para o lado esquerdo da igualdade e obter
Z
sen(ln(x))dx = 1 2 h
x sen(ln(x)) − x cos(ln(x))i+ K, com K sendo a constante de integra¸c˜ao.
A mesma ideia acima nos permite calcular integrais do tipoR eaxsen(bx)dx ouR eaxcos(bx),
com a, b ∈ R. Deixamos para o leitor a tarefa de considerar casos como esses.
Exemplo 6. Em alguns casos, as t´ecnicas de integra¸c˜ao podem se misturar. Por exemplo, na integral R e√xdx, podemos fazer a mudan¸ca de vari´aveis y = √x para obter dx = 2√ydy =
2ydy, e portanto
Z
e√xdx = 2 Z
yeydy.
Esta ´ultima integral pode ser facilmente resolvida por integra¸c˜ao por partes. De maneira an´aloga podemos tratar, por exemplo, R sen(√x)dx ou R cos(√x)dx.
Finalizamos observando que a f´ormula de integra¸c˜ao por partes pode ser aplicada na integral definida. De fato, o Teorema Fundamental do C´alculo implica que
Z b a f (x)g′(x)dx = f (x)g(x) b x=a− Z b a f′(x)g(x)dx.
Assim, lembrando do Exemplo 1, temos Z 1 0 xexdx = xex 1 x=0− Z 1 0 exdx = (e − 0) − (ex) 1 x=0 = e − (e − 1) = 1.
Tarefa
A f´ormula de integra¸c˜ao por partes nos permite obter f´ormulas recurssivas para algumas integrais. Por exemplo, para todo natural n ≥ 3, considere
In=
Z π/2
0
cosn(x)dx.
1. Use integra¸c˜ao por partes, com u = cosn−1(x) e dv = cos(x)dx, para obter
Z
cosn(x)dx = sen(x) cosn−1(x) + (n − 1) Z
cosn−2(x) sen2
(x)dx.
2. Lembrando que sen2
(x) + cos2
(x) = 1, conclua que In= n − 1
n In−2, n ≥ 3.