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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO

LEILA CRISTIANE PINTO FINOQUETO

ENTRE LICENCIATURA E BACHARELADO EM EDUCAÇÃO

FÍSICA: REFORMAS NO ENSINO SUPERIOR E A

CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DOS PROFISSIONAIS DE

EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESEF/UFPEL

PELOTAS 2012

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ENTRE LICENCIATURA E BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA: REFORMAS NO ENSINO SUPERIOR E A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA

ESEF/UFPEL

Tese apresentada ao Programa de Pós–Graduação em Educação da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA MANUELA ALVES GARCIA

PELOTAS 2012

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ENTRE LICENCIATURA E BACHARELADO EM EDUCAÇÃO

FÍSICA: REFORMAS NO ENSINO SUPERIOR E A

CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES DOS PROFISSIONAIS DE

EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESEF/UFPEL

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Maria Manuela Alves Garcia (Orientadora - UFPel) Prof. Dr. Álvaro Moreira Hypolito (UFPel)

Prof. Dr. Eduardo A. Terrazzan (UFSM) Profa. Dra. Valdelaine Mendes (UFPel) Prof. Dr. Tarcísio Mauro Vago (UFMG)

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AGRADECIMENTOS

O fato é que ninguém chega sozinho a nenhum e qualquer lugar. Por vezes se permanece, mas pela impossibilidade física de que dois corpos ocupem o mesmo lugar. Na impossibilidade de dar visibilidade a todos e a todas que fizeram parte deste trabalho, meus agradecimentos se estendem, difundem, ampliam e são lançados... como sementes... em terra fértil.

Mas em especial...

À minha família que entendeu e acolheu meus afastamentos, minhas ausências. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas, que acreditou no meu projeto em 2008 e permitiu com que eu desse continuidade aos meus estudos. Aos membros da banca examinadora que acolheram aos meus chamados de maneira tão disponível – Álvaro Hypolito, Eduardo Terrazzan, Tarcísio Vago.

Em especial, agradeço às contribuições da Profa. Dra. Márcia Ondina na oportunidade da qualificação e à Profa. Valdelaine Mendes que aceitou meu convite no momento da defesa desta Tese. Aos/Às colegas do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPel. Aos/Às docentes e Acadêmicos/as da Escola Superior de Educação Física da UFPel que me permitiram e concederam seus tempos, suas falas para que essa Tese fosse construída. À Maria Manuela Alves Garcia que aceitou empreender essa jornada.

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RESUMO

FINOQUETO, Leila Cristiane Pinto. Entre Licenciatura e Bacharelado em Educação

Física: Reformas no Ensino Superior e a Constituição de Identidades dos Profissionais de Educação Física da ESEF/UFPel. 2012, 256p. Tese (Doutorado) – Programa de

Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, Brasil. Orientação: Profa. Dra. Maria Manuela Alves Garcia

Este estudo tratou dos impactos das recentes reformas nos currículos de Licenciatura e de Bacharelado em Educação Física na constituição de identidades dos profissionais de Educação Física. O objetivo central da pesquisa foi compreender de que maneira a reforma educacional foi apropriada e que efeitos resultaram nos currículos e na identidade profissional dos/as acadêmicos/as. Tomou-se como referência estudos pós-estruturalistas, especialmente os estudos foucaultianos no trato de conceitos como discurso, práticas discursivas e poder-saber. A utilização da ‘Abordagem do Ciclo de Políticas’ de Stephen Ball permitiu que as análises empreendidas reposicionassem a visão sobre políticas educacionais e curriculares, compreendendo-as como resultado de constantes conflitos que ocorrem em diferentes contextos que se interpenetram, se relacionam, produzindo efeitos globais-locais. A investigação empreendida foi efetivada mediante a análise dos discursos: dos textos oficiais, relacionados às reformas educacionais para a formação de professores e de bacharéis em Educação Física; de docentes envolvidos com a produção do texto político na esfera federal; de docentes empenhados na recontextualização das normativas oficiais no contexto local de produção da política e de acadêmicos/as, formandos/as de 2010 da ESEF/UFPel. Defendi neste estudo que a instituição da Reforma Curricular do ano de 2004, Diretrizes Curriculares Nacionais para os curso de graduação em Educação Física (Resolução CNE/CES n.07/2004) potencializou o discurso da distinção entre as formações, criando e consolidando possibilidades efetivas de pensar a formação e a constituição de identidades distintas, ainda assim, identidades perpassadas por práticas discursivas comuns que denotam a performatividade e o gerencialismo como tecnologias políticas no processo (auto)formativo; a força da tradição que se ajusta às normatizações oficiais sem abandonar antigas práticas pedagógicas que docentes da ESEF/UFPel consideram criativas para a formação dos profissionais de Educação Física; o mercado de trabalho como balizador e fim da formação profissional e a consolidação de estudos que perspectivam a Educação Física sob o viés biológico, sob o enfoque da atividade física, do desempenho e da saúde.

Palavras-chave: Formação em Educação Física; Práticas Discursivas; Reforma Curricular; Identidades Profissionais

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ABSTRACT

FINOQUETO, Leila Cristiane Pinto. Between a Teaching Degree and a Bachelor’s

Degree in Physical Education: Syllabus Reform in Higher Education and the Constitution of Physical Educators’ Identities at ESEF/UFPel. 2012, 256p. Doctoral

Dissertation – Post-graduation Program in Education. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, RS, Brazil. Advisor: Maria Manuela Alves Garcia, M.Sc., Ph.D.

This study dealt with the impact caused by the latest syllabus reform in the Physical Education course (both in the Teaching and the Bachelor’s Degrees) on the constitution of Physical Educators’ identities. The main objective of the research was to understand whether these changes were appropriate and how they affected the syllabus and College students’ identities. Post-structuralist studies, mainly Foucauldian ones, were taken as references to work on concepts such as discourse, discursive practices and power-knowledge. The use of Stephen Ball’s Policy Cycle Approach made the analyses address a view on educational and syllabus policies which could be understood as the result of constant conflicts in different contexts that interpenetrate and relate to each other to yield global-local effects. The investigation was carried out by discourse analyses of: official texts in educational reform that aims at students pursuing teaching and bachelor’s degrees in Physical Education; the faculty involved in the development of a political text in the country; and the faculty who focused on the re-contextualization of official norms in the local context of political production and of seniors who graduated at ESEF/UFPel in 2010. In this study, I have defended that the Syllabus Reform which was carried out in 2004 in Physical Education courses (CNE/CES Resolution no. 07/2004) potentized the discourse of distinction between both degrees. Thus, effective possibilities of thinking about the development and the constitution of distinct identities were created and consolidated. Even so, these identities were embedded in common discursive practices which showed performativity and managerialism as political technologies in the (self)development process. Besides, I have pointed out the weight of tradition which fits official norms without abandoning old pedagogical practices that ESEF/UFPel professors consider creative and adequate to the development processes of professionals in Physical Education. Finally, the work market is seen as an indicator and the end of professional development as well as the consolidation of studies which look at Physical Education from a biological perspective in terms of physical activity, performance and health.

Key words: Graduation in Physical Education; Discursive Practices; Syllabus Reform; Professional Identities

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Currículos ENEFD de 1945 e de 1969...87

Quadro 2 – Orientações da Resolução CFE n.03/1987 na definição da carga horária para os cursos de graduação em Educação Física...109

Quadro 3 – Saberes Disciplinares de Cunho Técnico (Didático-Metodológico) em Educação Física – Licenciatura... 168

Quadro 4 - Saberes Disciplinares de Cunho Técnico (Didático-Metodológico) em Educação Física - Bacharelado ...169

Quadro 5 – Saberes Disciplinares da Área Biológica – Licenciatura...171

Quadro 6 - Saberes Disciplinares da Área Biológica – Bacharelado ...172

Quadro 7 – Saberes Disciplinares da Formação em Educação Física – Licenciatura. 175 Quadro 8 - Saberes Disciplinares da Formação em Educação Física – Bacharelado. 177 Quadro 9 – Saberes Disciplinares Oriundos da Educação – Licenciatura...181

Quadro 10 - Saberes Disciplinares Oriundos da Educação – Bacharelado... 182

Quadro 11 – Saberes da Prática Pedagógica dos Discentes – Licenciatura...187

Quadro 12 - Saberes da Prática Pedagógica dos Discentes – Bacharelado... 187

Quadro 13 – Relação de PCC (Prática como Componente Curricular) para 2º SEM/2010 – ESEF/UFPel...193

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ESEF - Escola Superior de Educação Física UFPel – Universidade Federal de Pelotas DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

CONFEF – Conselho Federal de Educação Física CREF – Conselho Regional de Educação Física

CNE/CP – Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno

CNE/CES – Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior CFE – Conselho Federal de Educação

DA – Diretório Acadêmico

CEFD – Centro de Educação Física e Desportos MEC – Ministério da Educação

CEEEF – Comissões de Especialistas de Ensino em Educação Física SESu – Secretaria de Educação Superior

ADIESEF – Associação dos Dirigentes de Instituições de Ensino Superior de Educação Física

MEEF – Movimento Estudantil da Educação Física CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte

CONBRACE – Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência GTT – Grupos de Trabalho Temático

FURG – Universidade Federal do Rio Grande

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSM – Universidade Federal de Santa Maria

UNIPAMPA – Universidade Federal do Pampa

ENEFD – Escola Nacional de Educação Física e Desportos LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

ExNEEF – Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física APEFs – Associação de Professores de Educação Física

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FEBAPEF – Federação Brasileira de Associações de Professores de Educação Física MNCR – Movimento Nacional Contra Regulamentação do Profissional de Educação Física

LEPEL/UFBA – Linha de Estudos e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer/Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO... 01

DELIMITANDO O PROBLEMA DA PESQUISA: EXPERIÊNCIAS TECENDO A INVESTIGAÇÃO/EXPERIÊNCIAS TECENDO O REFERENCIAL

METODOLÓGICO... 07 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS... 39 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA... 40 O CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO - ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (ESEF/UFPEL)... 42 FONTES DE INFORMAÇÕES, INSTRUMENTOS E TÉCNICAS DE COLETA DE INFORMAÇÕES... 44

CAPÍTULO I - O CENÁRIO GLOBAL-LOCAL E A PRODUÇÃO DA POLÍTICA DA REFORMA... 53 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO: REFORMAS E IMPACTOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL... 54

CAPÍTULO II – A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: ENTRE CENÁRIOS, SUJEITOS E TEMPOS...68

A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: TEMPOS

MEMORIAIS...69 OS AGENTES DO CAMPO: QUEM JOGA O JOGO?...91

CAPÍTULO III - A PRODUÇÃO DA LEGISLAÇÃO: O EMBATE EM TORNO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA OS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA... 101

A CONSTITUIÇÃO DA RESOLUÇÃO CFE N.03/1987: PRIMEIRAS

MOVIMENTAÇÕES EM DIREÇÃO AO BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA ... 102 EM FOCO: A CONSTITUIÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES DE EDUCAÇÃO FÍSICA 2004...114

CAPÍTULO IV - A REFORMA NO CONTEXTO LOCAL: A NEGOCIAÇÃO DA POLÍTICA NA ESEF/UFPel... 131

(11)

PROJETOS PEDAGÓGICOS DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ESEF – DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE

PELOTAS (UFPEL)...147

OS CURRÍCULOS ESCRITOS: OS SABERES DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL – REFORMAS NA LICENCIATURA GENERALISTA E A PRODUÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE LICENCIATURA E BACHARELADO...159

CAPÍTULO V – RESULTADOS E EFEITOS NA PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ... 205

A FORÇA DA TRADIÇÃO... 208

A FORMAÇÃO ARTICULADA AO MERCADO ... 212

PERFORMATIVIDADE E GERENCIALISMO: TECNOLOGIAS POLÍTICAS NA PRODUÇÃO DE NOVAS IDENTIDADES... 216

DA EMERGÊNCIA DE NOVOS SABERES À EMERGÊNCIA DE NOVAS IDENTIDADES ... 225

BUSCANDO O EFÊMERO PONTO FINAL... 231

REFERÊNCIAS ... 237

(12)

APRESENTAÇÃO

Este estudo, intitulado Entre Licenciatura e Bacharelado em Educação Física:

reformas no ensino superior e a constituição de identidades dos profissionais de Educação Física da ESEF/UFPel, ocupa-se dos impactos das recentes reformas nos

currículos dos cursos de Licenciatura e Bacharelado de Educação Física da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas. O objetivo central da pesquisa foi compreender de que maneira a reforma educacional foi apropriada e que efeitos resultaram nos currículos e na identidade profissional dos acadêmicos.

A Tese que defendo é de que a instituição da Reforma Curricular do ano de 2004, Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física (Resolução CNE/CES n.07/2004) potencializou o discurso da distinção entre as formações, criando e consolidando possibilidades efetivas de pensar a formação e a constituição de identidades distintas.

A perspectiva assumida neste trabalho tem como referencial teórico, principalmente, os estudos de Michel Foucault (1996, 2006, 2008, 2009) e Stephen Ball (1994, 2001, 2002). Conceitos foucaultianos como discurso e relações de poder permitiram-me tratar os documentos como práticas em busca de significação, de definição do impensável e do pensável em diferentes momentos históricos, da descentralização do poder, possibilitaram uma série de problematizações acerca das relações que se estabeleceram em torno da transformação, constituição ou ajustamento dos cursos de Bacharelado e Licenciatura da ESEF/UFPel.

A ‘Abordagem do Ciclo de Políticas’ de Stephen Ball & Richard Bowe (1992) permitiu problematizar a produção da política em diferentes contextos e as influências que esses contextos exercem uns sobre os outros. Outra contribuição conceitual advém da natureza das políticas, entendidas como texto e como discurso, permitindo que minhas análises capturem polissemia de vozes, de entendimentos e de negociações. Essas ferramentas de trabalho possibilitaram desenvolver uma discussão sobre a emergência de novos profissionais de Educação Física em consonância com as demandas do mercado contemporâneo.

Este estudo buscou no discurso curricular da Educação Física, sob a forma dos textos da política oficial gestada no Conselho Nacional de Educação e na ESEF/UFPel,

(13)

e nos discursos dos seus agentes – gestores, especialistas, professores, alunos – os efeitos em termos de identidade profissional e efeitos em termos da organização curricular e dos saberes da formação inicial dos Profissionais de Educação Física. Para tanto foi realizado um Estudo de Caso, tendo como contexto de investigação a Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel). Participaram deste estudo seis docentes da ESEF/UFPel todos/as participes do processo de reforma curricular nos anos de 2001 a 2005 e acadêmicos/as formandos/as no ano de 2010 dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física, totalizando aproximadamente quarenta acadêmicos/as. Obtiveram-se informações de dois docentes que participaram ativamente do processo de formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física de 2004. Fez-se uso dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Educação Física da ESEF/UFPel – Licenciatura e Bacharelado – e de normativas oficiais que tiveram implicação direta com a formação de professores e com a formação, em nível superior, de profissionais de Educação Física.

Ao observar as atuais disposições econômicas, políticas, sociais e estruturais nas quais a formação dos Profissionais de Educação Física encontra-se imersa, foi possível identificar um conjunto complexo de significados e imagens sobre sua identidade profissional, que transita entre ‘o profissional da saúde familiar’, com o particular incentivo das políticas governamentais na prevenção e na promoção da saúde, não importando a habilitação, pois esse tema está presente tanto no Bacharelado, quanto na Licenciatura, representando, numa certa medida, a sobrevivência da Educação Física no cenário brasileiro; passando pela construção do perfil de ‘profissional autônomo, flexível e empreendedor’, responsável pela sua formação e pela sua inserção no mercado de trabalho, representado, em grande medida, pela formação do bacharel em Educação Física formado pela ESEF/UFPel, uma vez que, esse profissional deve criar demandas, ser propositor de projetos a serem vinculados a prefeituras, empresas, comunidades, entre outros espaços privados; até a docência, ainda, como ocupação alternativa, cabendo ao licenciado que, apesar de considerar essa formação mais ampla1,

1 Após oito anos de implementação das DCN de Educação Física (2004), observa-se que o entendimento

acerca da atuação do Licenciado em Educação Física mostra-se mais ampla do que a do Bacharel em Educação Física, uma vez que não é permitida a atuação desse em espaços escolares quando para o

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qualificada, crítica e flexível, frente à formação do bacharel, busca, nos estágios em espaços não-escolares, renda, experiências, acesso e permanência nos mesmos, pois diante da desvalorização da carreira docente, da escassez de concursos públicos e do salário que não reflete o investimento na formação, ser licenciado ainda se converte na última opção. Evidencia-se, desse modo, que os/as docentes e os/as discentes estão mais próximos do convencimento de que as atuações profissionais são diferenciadas e de que necessitam de formações diferenciadas do que estavam no período da reforma curricular (2002-2005). As subjetividades estão sendo capturadas pelo discurso da divisão. A ESEF/UFPel vem, ao longo desses anos de experiência com esses tipos de formação, buscando caminhos, estratégias que possibilitem a consolidação dessa divisão. Dentro da estrutura universitária é possível a existência de diferentes ações de resistência, pontuais, localizadas, mas no plano aparente das deliberações coletivas o caminho mais consolidado é o da divisão e da definição daquilo que distinga o Licenciado do Bacharel.

Assim, este estudo está organizado da seguinte forma – Delimitando o problema

da pesquisa: experiências tecendo a investigação/experiências tecendo o referencial metodológico – apresento as motivações para a realização do estudo em questão

buscando articular com problematização e com o referencial teórico-metodológico que subsidiaram as análises deste estudo.

No primeiro capítulo - As políticas educacionais no cenário da globalização:

reformas e impactos na formação de professores no Brasil – foram construídos

entendimentos sobre as transformações políticas, econômicas e sociais da sociedade contemporânea sobre as influências dessas transformações na produção de políticas públicas educacionais evidenciadas através das recentes reformas educacionais. Nesse sentido, buscou-se uma perspectiva dos impactos dessas mudanças na formação em Educação Física. O objetivo deste capítulo foi identificar o cenário em que vêm sendo realizadas as reformas no ensino superior no que tange a formação de professores.

No segundo capítulo – A constituição do campo da Educação Física: entre cenários, sujeitos e tempos - as argumentações centram-se em contextualizar,

Licenciado não há impedimentos legais que subsidiem ou impeçam a sua atuação em espaços não-escolares.

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minimamente, a constituição da Educação Física enquanto campo de estudos, sua inserção no Ensino Superior e enquanto área de formação profissional. Nesse capítulo são construídas as teias que evidenciam as relações e os embates entre diferentes sujeitos pertencentes, principalmente, ao Ministério dos Esportes, ao Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte e ao Conselho Federal de Educação Física na disputa por validar determinadas identidades e concepções de formação profissional em resposta às demandas do mercado e aos interesses dos diferentes agentes do campo. Objetivou-se compreender e destacar discursos e influências que marcaram historicamente a constituição do campo da Educação Física enquanto um campo de saberes e práticas especializadas, os quais vêm possibilitando o pensável e, talvez, o impensável na Educação Física.

O terceiro capítulo – A produção da legislação: o embate em torno das Diretrizes

Curriculares Nacionais para os cursos de Educação Física –contextualizo o cenário de produção dos documentos oficiais que analiso, evidenciando, do ponto de vista histórico, as lutas entre agentes e diferentes posições no campo em torno da profissionalização do Profissional de Educação Física. As DCN de Educação Física (2004) são resultado do forte tensionamento existente na área, pois em certos trechos mostra-se obscura, dúbia e, por vezes, contraditória. Foi o consenso possível para o momento histórico, na medida em que, a partir do movimento da Regulamentação da Profissão (1998), produzido pelo Conselho Nacional de Educação Física (CONFEF), fez-se imperioso para as Instituições de Ensino Superior pensar, efetivamente, na consolidação de currículos de formação do profissional de Educação Física para o mercado de trabalho escolar ou não-escolar.

No quarto capítulo intitulado – A Reforma no contexto local: a negociação da

política na ESEF/UFPel – analiso o processo de construção dos currículos escritos e

como esses situam os saberes da formação profissional, destacando os que foram incluídos e excluídos nos cursos de Licenciatura e de Bacharelado da ESEF/UFPel no período de 2001 a 2010, período em que foram instituídas as Resoluções n.01 e n.02/2002 do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP), produzindo alterações curriculares nas Licenciaturas e a Resolução n.07/2004 do CNE que institui a criação dos Bacharelados em Educação Física. Destacam-se os efeitos nos currículos dos cursos de Licenciatura e de Bacharelado tendo como fontes os depoimentos de seis

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docentes desses cursos2, duas turmas de acadêmicos/as – Licenciatura e Bacharelado – perfazendo, aproximadamente, quarenta discentes e documentos, entre eles, grades curriculares de 2001 e 2006 da ESEF/UFPel, os projetos políticos pedagógicos dos cursos de Licenciatura e do Bacharelado (2009), atas e listas de presenças de reuniões departamentais. A partir dessas fontes e das análises construídas, evidencia-se a redução de saberes relativos à formação técnica dos profissionais nos novos currículos, (re)orientando os/as acadêmicos/as para outros saberes pertencentes à formação em Educação Física. A leitura das DCN realizada pelo corpo docente da ESEF/UFPel não demarcou distinções significativas entre a formação do licenciado e do bacharel em Educação Física, situação que fragilizou, sobremaneira, o curso de Bacharelado, pois o Bacharelado é considerado generalista, não consolidando nenhum tipo de ênfase, assemelhando-se, em grande medida, à Licenciatura, contudo, a atuação desse profissional restringe-se ao mercado de trabalho não-escolar e a formação, por sua vez, vem pautando-se na consolidação de um profissional flexível, autônomo, gerenciador da sua própria formação e atuação, características que se adecuam aos constantes sabores e dissabores da atuação no mercado não-escolar. Na atual configuração curricular, os/as acadêmicos/as da Licenciatura podem ser considerados privilegiados, pois têm acesso a uma formação ampla e não são restringidos na sua atuação profissional.

No quinto e último capítulo – Resultados e Efeitos na Profissionalização do

Profissional de Educação Física - a ênfase foi concedida aos discursos dos sujeitos

pertencentes ao contexto local desta investigação – docentes e discentes dos cursos de Educação Física da ESEF/UFPel– Licenciatura e Bacharelado. Buscou-se os resultados ou efeitos provocados na profissionalização do profissional de Educação Física, mediante as reformas curriculares, evidenciadas através dos discursos desses sujeitos. Desse modo, quatro categorias foram discutidas, indicando os atravessamentos na formação dos Educadores Físicos – Licenciatura e Bacharelado – que, no meu entendimento, constituem a (i)materialidade da identidade do Profissional de Educação Física da ESEF/UFPel: a) A Força da Tradição; b) A Formação articulada ao mercado de trabalho; c) Performatividade e Gerencialismo: tecnologias políticas na produção de

2

Foram considerados neste capítulo somente aqueles/as docentes que atuavam na Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel) no período da Reforma Curricular de 2004.

(17)

novas identidades; d) Da emergência de novos saberes à emergência de novas identidades.

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DELIMITANDO O PROBLEMA DA PESQUISA: EXPERIÊNCIAS TECENDO A INVESTIGAÇÃO/EXPERIÊNCIAS TECENDO O REFERENCIAL

METODOLÓGICO

A construção de uma Tese passa por diferentes momentos, caminhos e tempos, colocando-nos diante de leituras de mundo, de novas perspectivas, de uma empreitada que exige dedicação, disciplina e vigilância constantes. Passados quatro anos do ingresso no Doutorado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, faço um breve exercício de aproximação entre a minha formação inicial, minha prática enquanto professora universitária e a construção deste estudo. Pois são facetas que compõem e incentivam o espírito investigativo desta Tese.

A proposição deste estudo é oriunda, inicialmente, de questionamentos e de inquietações enfrentados durante minha experiência profissional, atuando na formação de professores em um curso de Educação Física, entre os anos de 2006 a 2008, em uma faculdade particular do interior do Rio Grande do Sul. Na oportunidade, a Resolução n.07/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que instituía as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Educação Física (EF), em nível superior de graduação plena, entrava em vigência e exigia que os cursos de Educação Física (re)definissem o tipo de formação a ser oferecido pelas Instituições de Ensino Superior.

Na história da Educação Física ficou instituída, pela primeira vez, a divisão efetiva na formação, entre Licenciatura ou Bacharelado, excluindo a possibilidade que a Licenciatura fosse desenvolvida, simultaneamente, ao Bacharelado ou que houvesse complementações posteriores com disciplinas ao longo de quatro anos de formação. Ainda que a instituição do Bacharelado não ficasse devidamente clara na escrita da Resolução, pois a adoção do termo graduado subsumiu o termo Bacharelado em Educação Física – as Instituições de Ensino Superior não tardaram em compreender que a formação graduado estava se referindo à formação profissional do Bacharel.

Esse procedimento pode ser evidenciado por duas condições concretas na formulação da Resolução CNE/CES n.07/2004, a primeira quando se observa que no transcorrer das cinco páginas que compõem a Resolução, não consta em nenhum momento o termo Bacharelado em Educação Física. E a segunda, quando são indicados

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os dois tipos de formações possíveis indicados no artigo 4º da Resolução:

Art. 4º O curso de graduação em Educação Física deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética.

§ 1º O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movimento humano, visando a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável.

§ 2º O Professor da Educação Básica, Licenciatura plena em Educação Física, deverá estar qualificado para a docência deste componente curricular na educação básica, tendo como referência a legislação própria do Conselho Nacional de Educação, bem como as orientações específicas para esta formação tratadas nesta Resolução (CNE/CP, Resolução 07/2004, p.02).

A adoção do termo graduado gerou controvérsias para aqueles que se viam diante da referida Resolução, pois esse termo não poderia ser considerado análogo ou restrito ao termo Bacharelado, considerando que todos os cursos de ensino superior são graduações, inclusive os cursos de Licenciatura. Ainda assim, estava demarcada, oficialmente, a primeira divisão na formação em Educação Física.

O curso de Educação Física, em que eu ministrava algumas aulas na época, optou pela habilitação Licenciatura, em detrimento da habilitação Bacharelado, o que gerou conflitos entre a Instituição e os universitários que ingressaram no curso na primeira turma, no ano de 20043, pois a adequação à Licenciatura, em leituras preliminares, significava a exclusão da possibilidade de atuação frente aos espaços extra-escolares (academias de ginástica e musculação, escolinhas de treinamento desportivo, treinadores pessoais, ginástica em empresas, entre outros espaços), condição propagandeada pela Instituição e motivadora do ingresso da maioria daqueles/as acadêmicos/as.

Os/as acadêmicos/as alegavam que no período de realização do processo de seleção a Instituição estava oferecendo um determinado tipo de formação e que era essa

3Informação disponível no endereço eletrônico:

<http://emec.mec.gov.br/emec/consulta-cadastro/detalhamento/d96957f455f6405d14c6542552b0f6eb/MjE=/9f1aa921d96ca1df24a34474cc171f6 1/MjE=> Acesso em: 15 de jun. de 2012.

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a formação desejada, cabendo, desse modo, à Instituição zelar pelo cumprimento do contrato inicial. A Instituição, por sua vez, diante da normatização federal, não poderia eximir-se de definir a habilitação a ser ofertada. Na oportunidade, não questionei as razões que levaram a Instituição a optar pela Licenciatura, mas a preocupação evidenciada pelos/as acadêmicos/as, naquele momento, referia-se à delimitação dos espaços de atuação profissional, visto que o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) passaria a fiscalizar a atuação dos profissionais de Educação Física, multando aqueles que estivessem atuando sem a habilitação específica. Obviamente, que essa situação estava focada, principalmente, nos espaços extra-escolares, dos profissionais liberais.

Diante de um impasse de interesses, os/as acadêmicos/as buscaram o Ministério Público, o qual, em linhas gerais, deliberou que a formação dos mesmos tivesse como base legal as Resoluções n. 01 e n. 02/20024 do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP); Resolução n.03/19875 do Conselho Federal de Educação (CFE) e Parecer n. 0138/20026 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES)7.

Essa situação foi, no meu entendimento, emblemática, pois aqueles/as acadêmicos/as evidenciavam o “produto” pelo qual eles estavam pagando, argumentavam que a Instituição de Ensino Superior, na época, vinculou na mídia escrita e televisiva, propagandas que focavam na atuação profissional destinada às academias de ginástica e musculação, ao mundo fitness em geral, ou seja, o discurso propunha atrair profissionais interessados na Educação Física fora dos bancos escolares. Portanto, a expectativa dos/as acadêmicos/as era obter a formação prometida.

4 Institui, respectivamente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da

Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura, de graduação plena; e a duração e a carga horária dos cursos de Licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

5 Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de graduação em Educação

Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena).

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Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Educação Física. Parecer Homologado. Despacho do Ministro, publicado no Diário Oficial da União de 26/04/2002. (Reexaminado pelo Parecer CNE/CES nº 58, de 18/2/2004)

7 O fato da Instituição de Ensino Superior, naquela cidade, assumir, como base legal, esses Pareceres e

Resoluções significaram atender às normativas vigentes no momento em que os/as acadêmicos/as ingressaram no curso, pois a data de ingresso era anterior à homologação das DCN de 2004, para os cursos de Educação Física.

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É importante destacar os efeitos desse conflito, pois os/as acadêmicos/as sentiram-se lesados/as quando limitados na sua futura atuação profissional, alegavam que a Instituição havia “vendido” um tipo de formação e que não tinha como foco os espaços escolares. Alegavam ainda que a escolha por essa Instituição deu-se por esse diferencial, uma vez que, numa cidade próxima, Alegrete/RS8, já havia uma faculdade privada de Educação Física oferecendo, com custos mais baixos, Licenciatura em Educação Física.

Enquanto professora do curso naquele período, observei como o discurso fitness atraiu e seduziu, fortemente, a maioria daqueles que ingressaram no ensino superior buscando a Educação Física como formação profissional. Essa situação, provavelmente, não provocaria tanto efeito em mim se eu não estivesse atuando diretamente na formação profissional de educadores físicos, pois foi essa condição que me possibilitou acompanhar os efeitos causados pela reforma curricular de 2004 no curso de formação em Educação Física em destaque, pois dada as condições de existência dos cursos de Educação Física fez-se necessário escolhas por determinados tipos de formação, adequações às cargas horárias, perfis profissionais, currículos, identidades profissionais e competências.

Enquanto universitária, vivenciei a formação em Educação Física sem a referida delimitação de campo e de atuação profissional, sem a delimitação dos saberes/conhecimentos pertinentes à Licenciatura ou ao Bacharelado. Contudo, a formação pedagógica estava subsumida no curso, quatro ou cinco disciplinas do currículo prestavam-se a desempenhar esse papel. O currículo como um todo era fortemente esportivizado, cabia, mais uma vez, aos/às acadêmicos/as a busca pela sua formação ou pela base epistemológica que sustentaria a sua prática profissional. A angústia daquela época era a desvalorização da profissão docente no interior de um currículo que se denominava Licenciatura, mas que estava direcionado à prática esportiva.

No período da minha formação universitária, de 1999 a 2002, a disputa por um tipo de formação profissional não se evidenciava nas condições da Resolução CNE/CES n. 07/2004, entretanto, era presente a divisão no tipo de formação oferecido. Tanto que,

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durante toda a minha graduação, o tema central das Semanas Acadêmicas, realizadas pelo Diretório Acadêmico (DA) Cel. Milo Aita, do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), era a formação de profissionais de Educação Física e suas relações com o mercado de trabalho, pois havia a preocupação com o “inchaço” do currículo do curso ao atender aos diversos campos de intervenção dos futuros profissionais em Educação Física. Como afirmado anteriormente, não havia nenhuma reforma curricular em curso, situação que não excluía o constante diálogo sobre a formação profissional, currículo e mercado de trabalho.

Percorrendo o histórico das normativas oficiais e dos debates, conclui-se que as recentes Diretrizes Nacionais para os cursos de Educação Física (Resolução CNE/CES n.07/2004) não inauguraram a discussão sobre Bacharelado e Licenciatura em Educação Física, pois essa preocupação vinha pautando debates entre representantes das IES desde 1962. Entretanto, foi a partir da Resolução CNE/CES n.07/2004, que foi instituída a divisão e a necessária distinção entre a formação do graduado de Educação Física e o professor de Educação Física.

Antecedendo a essa Resolução, o Parecer CFE n.215/1987, que tinha como tema a “reestruturação dos cursos de graduação em Educação Física, sua nova caracterização, mínimos de duração e conteúdo”, tratava da definição do perfil profissional necessário a cada tipo de formação, com especial destaque sobre a relação entre o mercado de trabalho e a formação profissional

Essa autonomia [das Universidades na constituição do currículo] viria propiciar uma adequada formação, que conciliaria, dentro de uma visão mais ampla, a realidade regional de um mercado de trabalho fragmentado, a nível das estruturas da educação escolar (estabelecimentos de ensino regular: pré-escolar, 1º, 2º e 3º Graus) e da não-escolar9 (academias, clubes, condomínios, hospitais psiquiátricos, áreas de atendimento a deficiências diversas, etc.) com a necessária preparação de um profissional que possuiria visão ampla da realidade social, política e econômica do País, e consciente das reais possibilidades dos cidadãos (CFE, Parecer n.215/1987, p.04).

Nesse Parecer, encontra-se páginas conceituando os termos Bacharelado e Licenciatura buscando as distinções necessárias para as formações profissionais

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específicas que atendessem com qualidade as demandas dos diferentes espaços educativos. Há uma defesa ferrenha da valorização do Bacharelado com a elaboração de “currículos mais precisos, mais estruturados, mais voltados para a pesquisa e para a delimitação do campo profissional específico da Educação Física” (BRASIL, MEC/CFE, 1987, p.27).

É esse Parecer que subsidia as orientações contidas na Resolução n.03/1987 do Conselho Federal de Educação (CFE). Os cursos de Educação Física tinham, até então, como base legal a referida Resolução, a qual fixava “os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de graduação em Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena)” (BRASIL, CFE, 1987). A partir dessa Resolução era possível obter o título de bacharel e/ou licenciado em Educação Física, uma vez que os currículos seriam elaborados pelas instituições objetivando “possibilitar a aquisição integrada de conhecimentos e técnicas que permitam uma atuação nos campos de Educação Física Escolar (pré - escolar, 1o, 2o e 3o graus) e Não-Escolar (academias, clubes, centros comunitários, condomínios e etc.)”.

A partir da referida normativa oficial, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) optou pela Licenciatura generalista, opção da maioria das Instituições de Ensino Superior do país, as quais não criaram/consolidaram cursos de Bacharelado em Educação Física. A habilitação concedida na UFSM era de licenciado em Educação Física, mesmo apresentando em seu currículo disciplinas que contemplavam a atuação nos diferentes campos da Educação Física escolar e não-escolar10.

Desse modo, vivenciei um tipo de formação que não restringia o campo de atuação profissional, pois os currículos eram construídos, numa certa medida, a partir dos interesses dos/as acadêmicos/as11. Entretanto, essa formação generalista era

10 Nesse sentido, gerou-se um equívoco bastante comum que foi denominar de Licenciatura Plena em

Educação Física aquela formação que possibilitava atuação nos diversos campos da Educação Física, principalmente, pós Resolução n.07/2004, que instituiu as novas Diretrizes Nacionais para os cursos de Educação Física, onde se observou uma efetiva divisão nos perfis de formação profissional ‘Professores de Educação Física e Graduados em Educação Física’.

11 O currículo do curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Maria/RS era estruturado a

partir de disciplinas obrigatórias para os acadêmicos. Entretanto, os Laboratórios existentes (Pedagogia do Movimento Humano, Cinesiologia, Cineantropometria, Biomecânica, Fisiologia do Exercício, Desenvolvimento Humano, Mídia e Comunicação, Aprendizagem Motora) forneciam uma formação

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entendida por alguns, como desqualificação da profissão, uma vez que, a Universidade não dava conta de atender as constantes exigências do mercado de trabalho, nem dava conta da especificidade da formação de professores, já que o discurso pedagógico estava diluído e concentrado em algumas poucas disciplinas que se ocupavam da formação de professores de Educação Física.

As críticas à formação generalista pautavam-se na inadequação e na ineficiência do atendimento aos diferentes contextos educativos (escolar e extra-escolar). Os cursos de graduação, nesse formato, passam a não atender as demandas que o mercado cria constantemente. Assim como, também, não subsidiam a formação de professores para atender a realidade escolar. Outros argumentos, bastantes difundidos, na defesa da divisão dos cursos de Educação Física, pautavam-se na justificativa de abertura e de manutenção de um espaço de trabalho; na regulamentação da profissão de Educação Física, na qualificação das condições de trabalho dos profissionais liberais e na fiscalização para que leigos não se apropriassem desse campo fecundo de trabalho, das práticas corporais.

Durante a minha graduação, apesar do pouco espaço concedido à formação pedagógica, havia a possibilidade de construir/consolidar essa formação através de projetos de extensão que se ocupavam dessa temática. Contudo, nos padrões instituídos pela Reforma de 2004, se não foi possível delimitar os saberes/conhecimentos pertinentes a cada formação, definiu-se o campo de atuação possível para cada habilitação, prescindindo da discussão que alimentou e alimenta a Educação Física nos últimos quarenta anos.

A história da Educação Física é marcada por debates provenientes de diferentes perspectivas teóricas de produção do conhecimento, por diferentes discursos (militar, médico, pedagógico, higienista, entre outros), esteve a serviço da eugenia da população brasileira, da alienação política, do ideário olímpico/esportivo, estando sempre presente no cenário. Essa recorrência oportuna evidencia que a Educação Física se constitui num objeto necessário e fecundo para a produção de significados, de sentidos, de práticas. Assim, para compreender essas recorrências, enquanto movimento, parto do conceito de

paralela a qual os acadêmicos se vinculavam de acordo com seus interesses de estudos. Essa prática abrangia atividades extensionistas e de pesquisa.

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‘práticas discursivas’ entendidas por Foucault como

conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2009a, p.133). Desde que iniciei leituras mais aprofundadas sobre a constituição da Educação Física, enquanto campo acadêmico, encontrei a presença de diferentes interlocutores que possibilitaram, em determinados períodos, que a Educação Física fosse protagonista nos diferentes contextos educativos. Esses interlocutores, por sua vez, apresentavam argumentos coerentes com suas concepções de sociedade, de Educação Física e das necessidades das mesmas. Entretanto, somente um esforço mais apurado de imersão pode destacar o rico movimento produzido por esses interlocutores. Num primeiro momento, as leituras e análises de Pareceres e Resoluções anunciam o embate ideológico que permeia, desde a produção da política até as relações cotidianas, relações capilares que produzem sentidos, significados e práticas.

Aproximando-me dos possíveis interlocutores destacou-se as proposições curriculares provenientes de várias instâncias, tais como, Comissões de Especialistas de Ensino em Educação Física (COESP-EF), nomeadas pela Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação (MEC); Associação dos Dirigentes de Instituições do Ensino Superior de Educação Física (ADIESEF); Conselhos Regionais de Educação Física (CREF); Conselho Federal de Educação Física (CONFEF); Comissão Organizada pelo Ministro do Esporte; Movimento Estudantil da Educação Física (MEEF); Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), bem como, docentes expoentes das Universidades públicas que defendem, constantemente, projetos históricos de formação.

O embate entre essas diferentes proposições vem produzindo, no interior da formação em Educação Física, diferentes práticas que produzem ou intensificam formas de pensar e fazer a formação do profissional de Educação Física, deslocando fronteiras, constituindo novos modos de funcionamento objeto-linguagem e novas formas de circulação do discurso.

Desse modo, adentrei no campo da formação, em nível superior, partindo do referencial foucaultiano, compreendendo que os sistemas de ensino se constituem eles

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próprios em grupos doutrinários, como uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos (FOUCAULT, 2009b), Com essa leitura, coloquei-me no constante exercício de construção dos discursos, das suas possibilidades históricas de acordos, de desacordos, de textos regulatórios e suas aberturas, brechas, leituras e entendimentos possíveis. Os discursos autorizados a regular as práticas, bem como dos discursos marginais que, muitas vezes, são regulatórios das práticas cotidianas.

Assim, esta Tese ocupou-se da produtividade das recentes reformas no ensino superior no que tange os currículos e os/as acadêmicos/as em formação, investigando as características que marcam as identidades profissionais construídas na Licenciatura e no Bacharelado em Educação Física. Pretendeu-se com este estudo compreender de que maneira a reforma educacional, no curso de graduação em Educação Física, foi apropriada pela Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel) e quais ordens de efeitos resultaram nos currículos e na identidade profissional dos acadêmicos.

Aprofundando os estudos sobre as reformas no ensino superior e a constituição das identidades profissionais dos educadores físicos na contemporaneidade, fi-lo instigada pelos efeitos observados, durante minha prática pessoal, na formação de professores de Educação Física, os quais relatei no tópico da delimitação do problema. Daquela experiência emergiu o entendimento de que estava em pleno andamento discursos que buscavam instituir os significados contemporâneos para a formação em Educação Física. Esse entendimento encontra-se em acordo com Garcia, Hypólito e Vieira (2005) quando afirmam que

Tratar da identidade docente é estar atento para a política de representação que instituem os discursos veiculados por grupos e indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do estado. É considerar também os efeitos práticos e as políticas de verdade que discursos veiculados pela mídia impressa, televisiva e cinematográfica estão ajudando a configurar. A identidade docente é negociada entre essas múltiplas representações, entre as quais, e de modo relevante, as políticas de identidade estabelecidas pelo discurso educacional oficial (GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p.47). A discussão proposta por esses autores evidencia, ainda, que os “diferentes “regimes do eu” e formas de subjetivação” lutam pela imposição de significados, definindo os modos de agir e o projeto de formação a ser almejado pela categoria

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docente. No caso especifico da formação em Educação Física estava em disputa a consolidação de um profissional voltado para a demanda da saúde, da alta performance, da estética, demandas essas que não se consolidariam em extensão e profundidade por dentro da formação de professores de Educação Física.

Constatei, desse modo, que se encontrava em processo acelerado, diante das políticas educacionais, propiciadas pelas conjunturas política, econômica e social, a constituição de um novo profissionalismo docente, mais especificamente, na consolidação de dois tipos de formação em Educação Física, em nível superior de ensino. Ao reconhecer a existência de políticas públicas voltadas à educação, enquanto “políticas oficiais”, desencadeadoras das recentes reformas educacionais, centro esta investigação nas políticas curriculares.

A produção de pesquisas sobre ‘políticas curriculares’ é decorrente, segundo Oliveira e Destro (2005), da recente visibilidade concedida a essa temática que esteve à sombra do tema das políticas educacionais até a década de 1990. Essa emergência pode ser evidenciada no artigo de Ozerina Oliveira, intitulado ‘Tendências

teórico-metodológicas de política curricular: o que dizem teses e dissertações’ (2005) no qual a

autora analisou quinze dissertações de mestrado e oito teses de doutorado, elaboradas entre os anos de 1995 e 2002, identificando três tipos de estudos: a) com tendência à centralidade na esfera econômica (dez pesquisas); b) com tendência à centralidade na esfera política (cinco pesquisas); c) com tendência à centralidade na esfera cultural (oito pesquisas). Ressalvando, contudo, a limitação que significa todo e qualquer processo de tipificação que resume ou não apreende a complexidade do todo, fez-se conveniente percorrer esse artigo, atravessado pelas análises de outras pesquisadoras, na medida em que, contextualiza-se o movimento de centralização concedida à temática política curricular no Brasil.

As dez pesquisas que compuseram a classificação de estudos com centralidade na

esfera econômica, analisaram textos oficiais da política educacional/curricular,

detiveram-se no nível macro da realidade social e tiveram como ponto de partida o Estado, o mercado e o capital mundial, configurando-se numa perspectiva vertical – do global para o local. Alguns pesquisadores, alocados nessa classificação, identificaram, nos seus próprios estudos, “indícios de tensões relativos ao processo político que vão

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além das determinações econômicas”, principalmente no que se refere à polarização entre global e local nos processos de pesquisa (OLIVEIRA, 2005).

Nas abordagens estadocêntricas, de acordo com Power (2011, p.58) “as teorizações sobre política educacional representam a tentativa de aderir a uma compreensão marxista das relações sociais e, ao mesmo tempo, reconhecer a complexidade dos processos sociais”. As pesquisas que se filiam a essa perspectiva identificam o Estado, o capital e as classes sociais como as grandes categorias de análise e o ponto de partida para o entendimento das políticas e práticas educacionais postas em andamento (POWER, 2011).

A característica central da segunda categoria, dos estudos com tendência à

centralidade na esfera política, elaborada por Oliveira (2005), “é a compreensão do

currículo como prática social”. Apesar das pesquisas vincularem a política curricular ao controle estatal Oliveira (2005, p.08) identifica “tensionamento das relações de poder e do reconhecimento de diferentes atores no processo de definição da política educacional”. Assim como nos estudos centrados na esfera econômica, os estudos centrados na esfera política já sinalizavam questões significativas para conceder centralidade à cultura nas pesquisas de políticas curriculares, “existem tensionamentos entre a política curricular e as diferentes esferas sociais, bem como entre os diferentes textos/contextos desta política” (OLIVEIRA, 2005, p.09).

Oliveira (2005, p.10) identificou na terceira categoria, com tendência à centralidade na esfera cultural, a preocupação em problematizar as tensões e conflitos presentes no processo da política curricular/educacional. Fazendo uso de categorias pouco exploradas no campo do currículo até então, tais como: “tradução, tradição, interlocução, discurso, identidade cultural, política cultural e hermenêutica”. O texto político ganha uma amplitude, pois passa a considerar toda a ordem de documentos produzidos e não somente os documentos oficiais. As análises buscam os discursos dos sujeitos envolvidos na política curricular.

O deslocamento teórico-metodológico, evidenciado nas pesquisas realizadas e analisadas pela pesquisadora, reconheceu e concedeu às políticas curriculares e ao currículo centralidade frente às pesquisas que se ocupavam das políticas educacionais no Brasil, requerendo, para tanto, de abordagens metodológicas que sejam capazes de

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problematizar os sentidos, significados, impactos e efeitos das políticas.

No artigo ‘Política curricular como política cultural: uma abordagem

metodológica de pesquisa’ (2005) as autoras, Ozerina de Oliveira e Denise Destro,

problematizam as contribuições das análises sobre políticas curriculares no Brasil, em especial aquelas que concedem centralidade à cultura, pois se vislumbra o deslocamento das análises hegemônicas, centradas no macrocontexto, para as análises que dêem “inteligibilidade a processos contra-hegemônicos em políticas curriculares e visibilidade às implicações culturais em sua constituição” (OLIVEIRA e DESTRO, 2005, p.141).

O que está em jogo, no movimento das pesquisas sobre políticas curriculares, é o equilíbrio da ênfase concedida ora no contexto de produção das políticas, ora no contexto da prática ou “no chão da escola”. Em ambos os casos evidencia-se a hierarquização dos contextos, ou seja, a valorização do contexto a que se destina o foco da investigação, a linearidade e a transposição direta das normativas oficiais produzidas pela política educacional/curricular. O entendimento que concede centralidade à cultura amplia o conceito de campo político e desconstrói a lógica binária na relação global e local possibilitando outras análises, inclusive de inversão de sentido, do local para o global.

Por política curricular entende-se “como um processo histórico em que diferentes protagonistas, imbuídos de seus projetos culturais/sociais, produzem tensões em torno da produção, circulação e consolidação de significados no currículo escolar” (OLIVEIRA e DESTRO, 2005, p.28).

Essa compreensão, acerca da temática política curricular como política cultural, mostrou-se pensável diante de pesquisas que têm como pressuposto que

A intensificação dos processos de globalização tem ocasionado deslocamentos culturais, donde se evidencia que o local não possui uma identidade “objetiva”, nem tampouco está numa condição de dependência em relação ao global. Isto significa que a globalização não ocasiona um processo de homogeneização cultural, mas o mais provável é que ela desencadeie identidades híbridas (OLIVEIRA e DESTRO, 2005, p.143).

Destarte, esta investigação buscou manter-se alinhada às abordagens metodológicas que se preocupam em produzir pesquisas acerca das políticas curriculares “capazes de identificar por meio da tradução de forças culturais, itinerários

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contra-hegemônicos que estejam ocorrendo em espaços locais e em experiências históricas distintas” (OLIVEIRA e DESTRO, 2005, p.145).

Desse modo, à luz da perspectiva foucaultiana, centrei minhas análises no currículo, reconhecendo, assim como Foucault (2009), que os próprios sistemas de educação são políticos, na medida em que mantém ou modificam os discursos, alterando, portanto, os saberes e os poderes em exercício. Tomo como pressuposto que os sistemas de ensino também se configuram na ritualização da palavra, pela qualificação e fixação dos papéis para os sujeitos que falam; pela constituição de grupos doutrinários, a distribuição e apropriação do discurso (FOUCAULT, 2009).

Esta investigação, portanto, posicionou-se na esteira das pesquisas que, nos últimos anos, no Brasil, concedem importância à temática ‘Currículo’. O lugar de onde se abordou a temática ‘Currículo’ buscou se consolidar a partir dos estudos pós-estruturalistas. Essa incursão é decorrente da afinidade com os discursos que estão sendo construídos no interior dessa perspectiva, reconhecendo que não há invalidação, nem grau de importância que descarte ou desautorize outras leituras. Dito isso, propôs-se discutir com alguns autores, e não com outros, assumindo com isso a impossibilidade de dizer a verdade.

No que concerne às reformas educacionais, o currículo ocupa posição estratégica, pois é o espaço,

onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. É por meio do currículo, concebido como elemento discursivo da política educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua ‘verdade’ (SILVA, 2006, p.10).

O currículo configura-se numa invenção da modernidade, envolvendo formas de organização do conhecimento, tendo como fim a regulação e a disciplinarização dos indivíduos, o currículo “é uma imposição do conhecimento do “eu” e do mundo” (POPKEWITZ, 1994). Esse autor faz um alerta metodológico importante de ser apresentado, “interpretar o presente – considerar mudanças no processo contemporâneo de escolarização – exige um exame das continuidades e rupturas nos princípios classificatórios do conhecimento corporificado na reforma educacional” (POPKEWITZ, 1994, p.194). O currículo assumir a figura central não é coincidência, pois as reformas

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educacionais vêm centrando-se no currículo em nome da eficiência econômica e na otimização de recursos em diversos países.

Para Popkewitz (1994) o currículo é

uma coleção de sistemas de pensamento que incorporam regras e padrões dos quais a razão e a individualidade são construídas. As regras e padrões produzem tecnologias sociais cujas consequências são regulatórias. A regulação envolve não apenas aquilo que é cognitivamente compreendido, mas também como a cognição produz sensibilidades, disposições e consciência no mundo social (POPKEWITZ, 1994, p.194).

Assim, foi na configuração curricular dos cursos de Educação Física da ESEF/UFPel, entre descontinuidades e rupturas, que se observou o processo de exclusão e inclusão de saberes. Essas alterações, movimentações sinalizaram e sinalizam, constantemente, o jogo, as relações de força e as estratégias existentes que possibilitam a Educação Física que se está pretendendo constituir, os profissionais que se pretende formar, bem como, os saberes válidos, necessários e ‘verdadeiros’ para o mundo contemporâneo.

Desse modo, o currículo, compreendido como dispositivo, evidenciou-se como categoria de análise deste estudo, pois traduziu, em todas as esferas, a busca por significações, em que grupos procuram fazer valer suas concepções sobre a concepção de outros, determinando modos de ser, de pensar e de agir. O que está, constantemente, em jogo são as produções de sentidos, formas de inteligibilidade que se materializam em diferentes práticas discursivas (SILVA, 2006).

O entendimento que se fez do termo dispositivo, consubstanciou-se em Michel Foucault, o qual expressa o sentido e a função metodológica desse termo da seguinte maneira,

Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos (FOUCAULT, 2008, p.244).

A heterogeneidade permite reconhecer, por exemplo, a discursividade presente num programa institucional ou, contrariamente, poder ser a evidência de uma prática

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silenciada existente no interior da instituição ou, ainda, ser a reinterpretação da prática. “Em suma, entre estes elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes” (FOUCAULT, 2009, p.244).

O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem, mas que igualmente o condicionam. É isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles (FOUCAULT, 2009, p.246).

Tomaz Tadeu da Silva (2006, p.19), no seu livro, “O currículo como fetiche: a

poética e a política do texto curricular”, considera que o currículo desloca

procedimentos e concepções epistemológicas, colocando outros em seu lugar. O currículo, nessa perspectiva, é construído segundo algumas práticas, a saber: práticas de significação; prática produtiva; relação social; relação de poder e prática sedutora de identidades.

O currículo como prática de significação, como um texto, como uma trama de significados, como um discurso ou como uma prática discursiva está envolvido na produção de formas de inteligibilidade, na produção de sentidos, de significados. Esses significados inscrevem-se na materialidade linguística, na textualidade. Essa materialidade foi observada em todos os discursos e práticas discursivas das que pude me apropriar ou acompanhar, pois assim como Silva (2006) afirma

Do ponto de vista analítico, quando nos aproximamos desses textos para destacar precisamente sua dimensão de prática de significação, para flagrar as marcas de suas condições de produção, para tornar visíveis os artifícios de sua construção, para “decifrar” os códigos e as convenções pelas quais significados particulares foram produzidos, para descrever seus efeitos de sentido, passamos a vê-los como discurso e os atos, as atividades, o trabalho de sua produção como prática discursiva (SILVA, 2006, p.19).

Como prática produtiva, o currículo, afastando-se de concepções tradicionais, não é visto somente como produto final. A produtividade das práticas, de que nos fala Tomaz Tadeu da Silva, renuncia aos determinismos, ao caráter ideológico, à naturalização dos significados, à transcendência. Mantêm-se no limiar entre a fixação dos significados e a rebeldia (SILVA, 2006).

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desde a produção no macrotexto da política curricular até ao microtexto da sala de aula. Nesse percurso vários sujeitos serão interlocutores e, das lutas entre os diferentes grupos com suas respectivas tradições culturais, serão definidos os saberes oficiais e os saberes marginais (SILVA, 2006). Desse modo, a política curricular terá rastros, apresentará marcas oriundas das negociações entre os diferentes grupos de sujeitos que lutaram pela hegemonia de determinados significados em detrimentos de outros.

Esses entendimentos entram em acordo, em grande medida, com a ‘Abordagem do

Ciclo de Políticas’ propostas por Ball e Bowe, pois não concedem centralidade aos

gestores, assim como não imprimem papel de passividade aos atores locais. As leituras das normativas oficiais realizadas pelos docentes da ESEF/UFPel e as adequações implantadas foram movimentações que grupos realizaram no intuito de fazer valer suas concepções sobre a concepção de outros. “A luta pelo significado é uma luta por hegemonia, por predomínio, em que o significado é, ao mesmo tempo, objeto e meio, objetivo e instrumento” (SILVA, 2006, p.24).

Para compreender o impacto das recentes políticas curriculares nos cursos de formação em Educação Física foi utilizado como ferramenta teórico-metodológica a ‘Abordagem do Ciclo de Políticas’ de Stephen Ball e Richard Bowe. Os estudos de Stephen Ball e Richard Bowe, sobre o campo da política curricular, são reconhecidos por Oliveira e Destro (2005) como uma perspectiva a que vêm atender a necessidade de abordagens teórico-metodológicas que superem toda a ordem de hierarquizações, linearidades ou transposições automatizadas.

Esses autores também fazem críticas à teoria de controle estatal na política curricular, ou seja, à teoria de que o Estado define linearmente essas políticas. Na crítica, desconstroem a visão de que a produção política é separada e distante da implementação; de que a política se realiza por uma cadeia de implementadores legalmente definidos; de que ela seja imposta, e de que os definidores da política educacional estão distantes da realidade educacional e por isso não conseguem controlá-lo. Enfim, rejeitam a concepção linear e fragmentada do processo político (OLIVEIRA e DESTRO, 2005, p.147).

Essas críticas reposicionam a visão sobre políticas curriculares, as quais deixam de ser analisadas como imposição do Estado e passam a ser compreendidas como resultado de constantes conflitos políticos que ocorrem em diferentes contextos, sugerindo que as políticas nacionais são modificadas em nível local (OLIVEIRA e

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