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Resquícios do direito penal do autor no Brasil

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

PEDRO HENRIQUE FRANCO DE CARVALHO

RESQUÍCIOS DO DIREITO PENAL DO AUTOR NO BRASIL

FISSIONALIZANTE E A PSSIBIIO

E

M ÓRGÃO

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PEDRO HENRIQUE FRANCO DE CARVALHO

RESQUÍCIOS DO DIREITO PENAL DO AUTOR NO BRASIL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, requisito essencial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Sérgio Bruno Araújo Rebouças

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Bibliot eca Setorial da Faculdade de Direito

C331r Carvalho, Pedro Henrique Franco de.

Resquícios do direito penal do aut or no Brasil / Pedro Henrique Franco de Carvalho. – 2014.

44 f. : enc. ; 30 cm.

M onografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direit o Penal.

Orientação: Prof. M e. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

1. Princípio da insignificância. 2. Direit o penal - Brasil. 3. Autor (Direito penal) - Brasil. I. Rebouças, Sérgio Bruno Araújo (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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PEDRO HENRIQUE FRANCO DE CARVALHO

RESQUÍCIOS DO DIREITO PENAL DO AUTOR NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, requisito essencial à obtenção do título de Bacharel em Direito, aprovado com nota ____.

Fortaleza,____ de____________ de 2014.

___________________________________________ Professor Ms. Sérgio Bruno Araújo Rebouças

Presidente da Banca – Orientador

___________________________________________ Professor Ms. Daniel Maia.

Membro da Banca Examinadora

___________________________________________ Mestrando Cristiano de Aguiar Portela Moita

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que contribuíram no decorrer desta jornada, em especialmente:

A Deus, que permitiu que tudo isso acontecesse, ao longo de toda minha vida, e não somente nestes 5 anos como universitário

A esta Universidade, seu corpo docente, direção e administração, que deram a oportunidade para que eu me formasse, vislumbrando, assim, um horizonte superior.

À minha família, que sempre me apoiou nos estudos e nas escolhas tomadas, especialmente aos meus amados pais (Josimar de Carvalho e Patrícia Carvalho), meu irmão (Victor Hugo Carvalho) e aos meus avós (José Carvalho, Belmar, Franci Farias e Edmilson Franco – Que falta me faz).

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papel fundamental na elaboração deste trabalho.

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7 RESUMO

O presente trabalho visa a analisar os resquícios do Direito Penal do Autor no ordenamento pátrio, mormente por ser este considerado inconstitucional, uma vez que pune o sujeito pelo que é, e não pelo que faz. Para tanto, faz-se uma abordagem em que se nota a incompatibilidade entre o direito penal do autor e os princípios da insignificância e da culpabilidade, demonstrando-se, inclusive, o entendimento acerca do tema do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e de Tribunais estrangeiros.Ressalte-se, por fim, que, apesar de se entender o direito penal do autor como algo incompatível com o ordenamento pátrio, reconhece-se a dificuldade em se transformar um sistema penal em um puro direito penal do fato. Analisando-se a doutrina moderna, não se tem, de fato, nenhum sistema que possua tal pureza.Exige-se, portanto, uma significativa mudança de postura por parte dos operadores do Direito, os quais devem submeter o Direito Penal ao processo de concretização constitucional, evitando-se, assim, que os posicionamentos adotados vão de encontro à Constituição.

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8 ABSTRACT

The present article aims to analyze the reminiscents of Author’s Penal Law in our jurisprudence, mainly to considered unconstitutional, whose it condemns the subject for what he is, instead of what he’s done. For that, we propose an analysis that revolves the incompatibility between the Author’s Penal Law and the Insignificance Principle and culpability, also evolving the knowledge of these themes under the Superior Tribunal de Justiça and the Supremo Tribunal Federal and foreign Courts point of view.Despite the understanding that the Author’s Penal Law is incompatible with our jurisprudence, it is recognized the difficulty on turning this points into to a pure science of the facts around the crimes. Analyzing modern authors, we point that is it impossible to abstract a pure system with this nature. It is mandatory, then, a significant posture change from the Law enforcers, those who submit and commend the Penal Law into a the concrete constitutional process, avoid by this shocks against the Constituição.

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9 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

1. O DIREITO PENAL DO AUTOR...13

2. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O DIREITO PENAL DO AUTOR E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA...17

2.1. O Princípio da Insignificância...17

2.2. O Direito Penal do Autor e o Princípio da Insignificância...22

2.3. O Direito Penal do Autor e a sua aplicação no Superior Tribunal de Justiça – Caso Concreto...26

3. A ILEGITIMIDADE ENTRE O DIREITO PENAL DO AUTOR E O PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE ...30

3.1. O Princípio da Culpabilidade... 30

3.2. A Ilegitimidade do Direito Penal do Autor com fulcro no Princípio da Culpabilidade...33

CONSIDERAÇÕES FINAIS...38

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10 INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso visa a analisar os resquícios do direito penal de autor no ordenamento pátrio, mormente por ser este considerado inconstitucional, uma vez que pune o sujeito pelo que é, e não pelo que faz.

Pode-se dizer, considerando de um modo não tão refinado, que o mundo se divide em dois blocos, tendo em vista que há aqueles países que adotam o direito penal de autor e aqueles que adotam o direito penal do fato, o qual pune o autor da conduta delituosa exclusivamente pelo que fez, e não pelo que ele é.

Importante salientar que, para que se responsabilize alguém pela prática de uma conduta criminosa, em regra, faz-se necessário ao Estado provar indubitavelmente a concorrência desse sujeito direta ou indiretamente para a prática da conduta que lhe foi imputada. Diz-se isso em virtude de o sistema penal brasileiro ter adotado, para a caracterização do crime, o direito penal do fato, o que não foi feito, por outro lado, para o regime de cumprimento de pena e fixação da pena. Adotou-se, por exemplo, para estes, o direito penal de autor, como se infere do artigo 59, do Código Penal.

Ademais,para efeito de definição da responsabilidade penal, não se deve levar em conta o antecedente ou o histórico do investigado ou suspeito. Deve, portanto, o autor da ação penal, o Ministério Público, em regra, sempre levando em consideração os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, provar o envolvimento do possível autor da infração no cometimento desta.

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11 lei penal que não revelem significativa lesão ou risco de lesão aos bens jurídicos tutelados.

Prevalece o entendimento de que, para a aplicação do referido princípio, os critérios devem ser unicamente objetivos, ou seja, dependem prioritariamente da apreciação do fato objetivamente considerado, em detrimento dos caracteres específicos do autor.

Existe entendimento não pacificado, importante que se frise, do qual ouso discordar, no sentido de que há que se considerar a primariedade do acusado para o reconhecimento da insignificância. Infere-se daí que a habitualidade ou a mera repetição da conduta criminosa afastaria a aplicação do princípio da insignificância. Tais considerações serão devidamente explicitadas ao longo do presente trabalho.

Ademais, o estudo em referência aduzirá sobre a ilegitimidade do direito penal de autor quando se analisa o princípio da culpabilidade, o qual, por sua vez, aduz que ninguém será punido se não tiver agido com dolo ou culpa.

Tal análise se justifica para corroborar com o entendimento do presente autor de que não se deve mais utilizar o direito penal de autor no ordenamento pátrio, sendo este um dos motivos de maior relevância.

Em face deste princípio, o qual decorre da dignidade da pessoa humana, importante se fazanalisar a legitimidade dessas manifestações de direito penal do autor.O supracitado princípio encontra respaldo constitucional no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal.

A Escola Positiva aduz que o Direito Penal deveria basear-se, somente, na necessidade de defesa social, abandonando, assim, toda a pretensão ética. Afirma, ainda, que não se deve reprovar o ato, mas a existência em si mesma. O positivismo naturalista legitimou, de certa forma, o Estado a desmontar as garantias e direitos das pessoas.

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12 Diante dos princípios da insignificância e da culpabilidade, faz-se uma abordagem desses resquícios, aduzindo-se sobre a ilegitimidade dessas manifestações de direito penal do autor.

Feitas essas breves considerações. Passa-se, então, a discorrer sobre o tema em comento.

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13 1 O DIREITO PENAL DO AUTOR

Em primeira análise, importante salientar que o direito penal do autor foi proposto pelos penalistas nazistas e se fundamentava na aplicação da pena em razão do “ser” daquele que pratica a conduta delituosa, e não em razão do ato efetivamente praticado.

Embora não exista um consenso acerca do que seja, de fato, o direito penal do autor, infere-se que, a partir dele, o delito se configura a partir do modo de ser do agente, como uma conseqüência de sua personalidade. Alguns autores aduzem que, de modo imediato à periculosidade do autor, associa-se a pena, inferindo-se, portanto, que o Direito Penal não deve castigar o ato, que, por si só, não expresse muito valor, mas somente uma atitude interiorizada corrompida do agente.

A esse respeito, ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA E SLOKAR1 aduzem que “O ato é apenas uma lente que permite ver alguma coisa daquilo onde verdadeiramente estaria o desvalor e que se encontra em uma característica do autor”.

Diante disso, assevera-se o porquê de o direito penal do autor ser conhecido, também, por direito penal de ânimo, tendo em vista que nele a defesa social, em resumo, é o que justifica a pena.

1ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito

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14 Para ZAFFARONI e PIERANGELI2:

Ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, me que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma forma de ser do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o ser do ladrão.

Surge, concomitantemente ao direito penal do autor, o conhecido tipo de autor, por meio do qual se criminaliza a personalidade, e não a conduta em si. Infere-se dele que não se proíbe a conduta de subtrair coisa alheia móvel, mas o fato de “ser ladrão”; não se coíbe a conduta de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, mas sim o “ser estelionatário”, e assim sucessivamente com os demais tipos penais.

O fato presta-se, portanto, apenas como um ponto de partida ou como um pressuposto da aplicação da pena prevista no Código Penal Brasileiro. Infere-se, ainda, que se possibilitou, de certa forma, a criminalização de uma chamada “má vida” ou “estado perigoso”, independentemente da ocorrência do delito, fazendo-se uma seleção de indivíduos detentores de características estereotipadas, como os dependentes de substâncias tóxicas, os ébrios eventuais e as prostitutas.

Cita-se, para exemplificar, a contravenção penal de vadiagem, prevista no artigo 59, da Lei das Contravenções Penais – Decreto-Lei nº. 3.688, de 3 de outubro de 1941:

Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:

2ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:

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Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.

Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.

Ao se fazer um levantamento das prisões decorrentes de vadiagem no Brasil, tem-se um perfil de pessoas, em sua maioria, de cor e desempregadas, sendo algumas homossexuais, ou seja, pessoas que fazem parte dos grupos dos excluídos socialmente.

A existência do ilícito de vadiagem nada mais é do que um mecanismo de controle do Estado sobre a liberdade do sujeito, fazendo que aquele controle, de forma rigorosa, a ocupação do tempo de forma produtiva do indivíduo, o que, por consequência, afastaria o uso ilícito da liberdade.

Importante salientar, também, a aplicação de medidas administrativas pós-delituais, em virtude de determinadas características do agente, como o fato de ser ”criminoso habitual e incorrigível”.

Ademais, deve-se asseverar a distinção entre os tipos de autor, que são o tipo criminológico e o tipo normativo. No tipo criminológico, primeiramente, o que conta não é um juízo de valor acerca da conduta praticada, mas sim uma constatação empírica de que a personalidade do autor concorda com as características do criminoso habitual.

Em contrapartida, tem-se que a concepção do tipo normativo está caracterizada pelo fato de que a conduta apenas se subsume ao tipo caso esta se ajuste à imagem ou ao modelo de autor. Tal tipo compara o fato concreto com o modelo de conduta representado da ação que se aguarda de um típico autor da conduta delituosa. Diz-se normativo, portanto, tendo em vista que estabelece uma chamada escala de valores, por meio da qual se valoram os fatos realizados pelo agente.

Uma vez definido o direito penal do autor, veja-se a acalorada crítica lançada por ZAFFARONI e PIERANGELI3, os quais aduzem que:

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Um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de uma conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação.

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17 2 INCOMPATIBILIDADE ENTRE O DIREITO PENAL DO AUTOR E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

2.1 O Princípio da Insignificância

Originário do Direito Romano, o princípio da insignificância foi reintroduzido no sistema penal por Claus Roxin, no ano de 1964, na Alemanha, o qual defendeu que este tem, por finalidade, auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, objetivando, assim, excluir do âmbito da incidência da lei as situações consideradas como de “bagatela”.

Acerca do tema, Assis Toledo4 aduz que:

Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.

Neste azo, infere-se que o legislador, ao criar o delito de furto, por exemplo, não desejou proteger todo e qualquer tipo de patrimônio, preocupando-se apenas com aqueles que, de fato, apresentam uma relevância maior da lesão causada ao bem jurídico tutelado.

Diante disso, infere-se a relação entre o princípio da insignificância e o princípio da intervenção mínima, por meio do qual se tem que, em um Estado Democrático, a intervenção do Estado na esfera de direitos do cidadão deve ser sempre a mínima possível, com o fulcro de que se permita o seu livre desenvolvimento,

4 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994,

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18 Tem-se o porquê de os princípios da subsidiariedade, acessoriedade, fragmentariedade e insignificância derivarem do princípio da intervenção mínima, tendo em vista que todos apregoam que se defenda o bem jurídico tutelado apenas contra ataques de especial gravidade, que a tipificação das condutas delituosas se dê quando outros ramos do Direito considerarem ilícitas e que não haja punição de ações meramente imorais.

Como defensor dessa corrente, a qual vai de encontro a uma minoria que entende que todo e qualquer bem merece a proteção do Direito Penal desde que haja previsão legal para tanto, não se cogitando, em qualquer caso, do seu valor real, Carlos Vico Mañas5 afirma que:

Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam alcançados os casos leves. O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático político-criminal da expressão da regra constitucional do nullumcrimensine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.

O princípio da insignificância, portanto, orienta a irrelevância penal das infrações penais à pura letra da lei penal que não revelem lesão ou risco de lesão significativa aos bens jurídicos tutelados. Ainda que, formalmente, haja infração, materialmente não haverá crime, tendo em vista que a insignificância da lesão afasta a intervenção penal.

Hodiernamente, não mais se discute a aplicação do supracitado princípio, restando apenas a controvérsia quanto aos requisitos para o seu reconhecimento.

Prevalece-se o entendimento de que esses critérios devem ser objetivos, ou seja, dependem prioritariamente da apreciação do fato considerado de uma perspectiva meramente objetiva, desprezando-se os caracteres específicos do autor. Nesse diapasão, a posição tradicionalmente

5 VICO MANÃS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito

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19 considerada é aquela que leva em consideração o ínfimo desvalor de resultado, em contraponto à gravidade da intervenção penal.

Ademais, não se pode deixar de asseverar o caráter subjetivo do raciocínio relativo à insignificância. É óbvio que não se permite a todos os tipos penais a aplicação do princípio em tela, como é o caso do delito previsto no artigo 121 do Código Penal, o crime de homicídio.

Há infrações penais em que a aplicação do princípio afastará a injustiça do caso concreto, uma vez que se levar em consideração a condição do agente, apenas pela adequação formal do seu comportamento a determinado tipo penal, ocorrerá uma indubitável aberração.

Diante disso, os Tribunais Superiores no Brasil têm entendido que a aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes patrimoniais cometidos sem violência é plenamente plausível, conforme se infere da seguinte ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal:

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não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (HC 96823 / RS 2 T., Rel; Min. Celso de Mello, julgamento: 16/12/2008, publicado no DJe-064 de 03/04/2009).

Em contrapartida, ainda há uma recusa na aplicação do princípio quando do cometimento de crimes patrimoniais violentos. Para tanto, vejam-se os argumentos trazidos em acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

Em crimes praticados mediante violência ou grave ameaça a vítima, como ocorre no roubo, não há falar em aplicação do princípio da insignificância, não obstante o ínfimo valor da coisa subtraída. Precedentes do STJ e do STF (HC 100.528/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., julgado em 10/06/2008, DJe 04/08/2008).

A jurisprudência desta Corte tem proclamado a inaplicabilidade do princípio da insignificância ao crime de roubo, pois se tratando de delito complexo, em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão’” (HC nº 117.436/PE, Relatora a Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 02/03/2009) (STJ, HC 37521/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª T. DJe 03/08/2009).

Em sentido contrário, defendendo a possibilidade da aplicação do referido princípio ao roubo, Antônio de Padova Marchi Júnior6 afirma que:

Como o princípio da bagatela afasta a tipicidade do crime de furto, deve também afastar a tipicidade do crime de roubo, ainda que praticado com violência ou grave ameaça a pessoa. Portanto, se o roubo, delito complexo, cuja objetividade jurídica é a proteção do patrimônio e da liberdade individual ou da integridade física do ofendido, não pode subsistir sem que ocorra lesão significativa a ambos os bens jurídicos protegidos. Se a lesão à liberdade individual for insignificante, a hipótese será de furto; ao contrário, se a lesão patrimonial for insignificante, subsistirá o crime contra a pessoa (ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal, etc.).

Apenas a título de complementação, importante se faz a controvérsia sobre a aplicação do princípio da insignificância na Lei nº. 6.368/06, já revogada. Majoritariamente, a posição jurisprudencial era no sentido de não permitir a sua aplicabilidade quando se tratasse da infração penal tipificada no artigo 12 (“tráfico ilícito de entorpecentes”) do referido diploma legal.

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21 Por outro lado, havia uma divergência de entendimentos quando se observava o delito de uso de substâncias entorpecentes:

Tráfico de entorpecentes. Pequena Quantidade. Princípio da Insignificância. Inaplicabilidade. Perigo Abstrato. O delito de tráfico de entorpecente é de perigo abstrato para a saúde pública, fazendo-se irrelevante que seja pequena a quantidade de entorpecente (Precedentes) (STJ, HC 79661/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJe 04/08/2008).

Inaplicável o Princípio da Insignificância ao delito de uso de entorpecentes, tendo em vista tratar-se de crime de perigo presumido ou abstrato, sendo totalmente irrelevante a quantidade de droga apreendida em poder do agente. Precedentes do STJ (RHC 15422/RJ – Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2003/0224006-7 – 5ª Turma – Rel. Min. Laurita Vaz, publicado no DJ de 1º/8/2005, p.472).

Volume de maconha ínfimo, que não permite sequer a confecção de um “fininho”, o fato assume contornos de crime de bagatela (TJRS – AC 686048489 – Rel. Nélson Luiz Púperi – RJTJRS 121/122).

O princípio da insignificância não incide apenas nos delitos materiais ou de resultado, mas também nos delitos de perigo ou de mera conduta, inclusive naqueles em que o bem jurídico atingido é difuso ou coletivo. Dessa forma, em tese, é possível a aplicação deste princípio nos crimes de drogas. (TJRS, AC 70031081110, Rel. Des. OdoneSanguiné, DJ 18/08/2009).

Posse para uso próprio de ínfima quantidade de maconha (0.450g) é fato insignificante, por ausente perigo à saúde pública. Criminalidade de bagatela admitida. Absolvição proclamada. (TJRS, AC70014495311, Rel. Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, DJ 17/07/2007).

Quantidade insignificante. Ausência de perigo à Saúde Pública. Criminalidade de bagatela admitida. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. (TJRS, AC 70019551548, Rel. Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, DJ 30/10/2007).

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22 2.2 O direito penal do autor e o Princípio da Insignificância

Recentemente, foram fixados alguns requisitos para o reconhecimento da insignificância pelos Tribunais Superiores, quais sejam: a mínima ofensividade da conduta; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica e a ausência de periculosidade social da ação. Tais requisitos se encontram explicitados nos HC 92.463 e HC 92.961, ambos do STF e no REsp 1.084.540 do STJ, como se vê abaixo:

E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO

DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O

RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA

CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 5,26% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) -

DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA

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julgado em 16/10/2007, DJe-134 DIVULG 30-10-2007 PUBLIC 31-10-2007 DJ 31-10-31-10-2007 PP-00104 EMENT VOL-02296-02 PP-00281)

HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar --- Lei n. 11.343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar. 9. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida.

(HC 92961, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 11/12/2007, DJe-031 DIVULG 21-02-2008 PUBLIC 22-02-2008 DJ 22-02-2008 PP-00925 EMENT VOL-02308-05 PP-00925). (Grifos nosso)

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24

periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese de furto de uma corrente de prata, avaliada infimamente, a qual foi imediatamente restituída à vítima. 3. O fato de existirem circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como a existência de antecedentes criminais ou reincidência, não são óbices, por si sós, ao reconhecimento do princípio da insignificância. 4. Recurso especial improvido

(STJ, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 07/05/2009, T5 - QUINTA TURMA). (Grifos nosso).

Entendimento não pacificado nos Tribunais Superiores é o de que se deveria levar em conta a primariedade do acusado para o reconhecimento da insignificância, ou seja, a repetição ou a habitualidade da conduta criminosa afastaria a aplicação do referido princípio. Para tanto, vejam-se os julgados a seguir:

Habeas Corpus. 2. Furto. Bens de pequeno valor (R$ 35,00). Mínimo grau de lesividade da conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. 4. Reincidência. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. 5. Ordem concedida.

(HC 109870, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/11/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-099 DIVULG 21-05-2012 PUBLIC 22-05-21-05-2012).

(26)

25 Sustenta-se aqui, no entanto, que não podem ser levadas em conta circunstâncias subjetivas para apreciação do princípio da insignificância, tendo em vista o risco de dessa forma se consagrar um inconstitucional direito penal do autor, punindo-se o sujeito pelo que é e não pelo que faz. Para tanto, veja-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC 106957:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE FURTO (CAPUT DO ART. 155, COMBINADO COM O INCISO II DO ART. 14 DO CÓDIGO PENAL). BIJUTERIAS QUE NÃO SUPERAM O VALOR DE R$ 140,00 (CENTO E QUARENTA REAIS). ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE UM INDIFERENTE PENAL. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ANÁLISE OBJETIVA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Para que se dê a incidência da norma penal, não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo legal. É preciso que a conduta delituosa se contraponha, em substância, ao tipo em causa. Pena de se provocar a desnecessária mobilização de uma máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 2. No caso, a inexpressividade financeira do objeto que se tentou furtar salta aos olhos. Risco de um desfalque praticamente nulo no patrimônio da suposta vítima, que, por isso mesmo, nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento da atipicidade da conduta da acusada. 3. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da ação penal, com a adoção do princípio da insignificância penal. (HC 106957, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 06-12-2011 PUBLIC 07-12-2011)

A Corte Suprema foi extremamente precisa ao aduzir que, para que se dê a aplicação do princípio da insignificância, deve-se realizar, exclusivamente, uma análise objetiva. No caso em epígrafe, observou-se apenas a inexpressividade financeira do objeto que se tentou furtar, tendo-se a constatação de que, caso o crime se consumasse, não provocaria um relevante desfalque no patrimônio da vítima.

Desta feita, não haveria o sentimento de impunidade por parte da vítima com o reconhecimento da atipicidade material da conduta pelo reconhecimento do princípio da insignificância, assim, apenas a título exemplificativo, como no caso do reconhecimento do princípio da adequação social.

(27)

26 observar somente, para tanto, os requisitos objetivos, ou seja, sem se levar em consideração quem praticou a conduta delituosa, por seu histórico ou por sua profissão, enfim, pelo que, de fato, o agente é.

2.3 O direito penal do autor e a sua aplicação no Superior Tribunal de Justiça – Caso Concreto

A Defensoria Pública de Minas Gerais, no HC 192242 – STJ, fez um pedido de trancamento de ação penal em desfavor de um policial militar acusado de furtar uma caixa de chocolate. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ - entendeu ser a conduta do agente extremamente reprovável, pelo fato de o infrator ser um policial militar e estar fardado no momento do cometimento do crime.

Ora, além de aplicar o direito penal do autor na referida decisão, o STJ feriu o princípio da isonomia, este garantido pela Constituição Federal Pátria. Não se pode considerar uma conduta crime simplesmente pelo fato de ser este ou aquele o agente que o cometeu.

A denúncia do caso em comento aduz que o policial militar, no horário de serviço, entrou em um supermercado, colocando a caixa de chocolates dentro do colete à prova de balas. O policial, aparentemente, havia pagado por somente três maçãs, três bananas e uma vitamina, saindo sem pagar pela mercadoria objeto do suposto crime.

Tal entendimento vai de encontro ao que afirma Giuseppe Bettiol7:

na discussão à volta da noção do crime, isto é, para saber se ela deve ser constituída pela lesão de um bem jurídico ou pela violação de um dever, deve dar-se prevalência à lesão do bem jurídico, porque a noção de dever não pode ter uma autonomia funcional própria. O dever só se especifica em contacto com os interesses protegidos e são estes que lhe transmitem a relevância (...) A subjetivação do crime, se tende a excluir a relevância do bem jurídico, não pode

7 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal – parte geral. Tradução: Fernando de Miranda. Coimbra:

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27

constituir um progresso, e deve, por conseguinte, ser decididamente repudiada

Com base na aplicação do princípio da insignificância, a defesa do policial pediu, então, o trancamento da ação penal por indubitável ausência de justa causa para a persecução penal. O Ministro Gilson Dipp, relator do supracitado “Habeas Corpus”, aduziu que: “O policial representa para a sociedade confiança e segurança”, para fundamentar sua decisão. Veja-se:

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28

reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. VIII – Na hipótese dos autos não se verifica a presença de todos os requisitos para a aplicação do princípio em comento. Conquanto possa se afirmar haver a inexpressividade da lesão jurídica provocada – por ser considerada ínfima a quantia alegada pela impetrante R$ 0,40 (quarenta centavos de Real) – verifica-se na hipótese alto grau de reprovabilidade da conduta do paciente, policial militar, fardado, que, no seu horário de serviço, subtraiu uma caixa de chocolates, colocando-a dentro de seu colete à prova de balas. IX – O policial militar representa para a sociedade confiança e segurança. A conduta praticada não só é relevante para o Direito Penal como é absolutamente reprovável, diante da condição do paciente, de quem se exige um comportamento adequado, ou seja, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral. X – No art. 240, § 1º do Código Penal Militar, criou o legislador uma causa de diminuição de pena ao furto atenuado, havendo a permissão – caso o agente seja primário e de pequeno valor a coisa furtada – para que o juiz da causa substitua a pena, a diminua ou considere a infração como disciplinar. Note-se que o dispositivo não pode ser interpretado de forma a trancar a ação penal, como quer a impetrante, sendo certo que competirá ao juiz da causa, após o processamento da ação penal, considerar ou não a infração como disciplinar. XI – Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.

(HC 192242 – MG (2010/0223704-5), Relator(a): Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, julgado em 22/03/2011, DJe-RT vol. 908, p. 507, PUBLIC 04-04-2011)

Tamanho é o absurdo a aplicação do direito penal do autor que, em caso semelhante, o próprio Superior Tribunal de Justiça decidiu pelo trancamento de ação penal contra acusado de furtar 41 (quarenta e uma) barras de chocolate, avaliadas em R$ 164,00 (cento e sessenta e quatro reais), tendo em vista considerar que o Direito Penal não deve se importar com bagatelas que não causam lesão relevante ao bem jurídico tutelado.

Ora, percebe-se, claramente, que aquela decisão foi tomada única e exclusivamente pelo fato de o agente ser policial militar. Observa-se a disparidade em casos semelhantes por este Tribunal Superior. Para tanto, veja-se esta decisão:

PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO DE 41 BARRAS DE CHOCOLATE CUJO VALOR PERFAZ A QUANTIA DE R$ 164,00 (CENTO E SESSENTA E QUATRO REAIS). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONCEDIDA A ORDEM PARA TRANCAR A AÇAO PENAL AJUIZADA CONTRA O PACIENTE.

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29 2. As circunstâncias fáticas ou relativas à pessoa do paciente são irrelevantes na aplicação do princípio da insignificância. 3.Concedida a ordem para trancar a ação penal ajuizada contra o paciente. (HC nº 100.403/ES, Relator Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), j. em 16/04/2009.).

Segundo o desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Celso Limongi, o princípio da insignificância é aplicado de maneira constante, em especial por ser o Direito Penal fragmentário.

Depreende-se, da análise dos autos do caso em comento, que a caixa de chocolate Garoto fora restituída em perfeito estado de conservação ao supermercado onde o furto teria acontecido. Após ter sido o agente preso em flagrante, o juiz de primeira instância concedeu liberdade provisória. Após examinar a denúncia, o juiz, então, rejeitou-a e aplicou o princípio da insignificância.

O Ministério Público, por sua vez, interpôs recurso, o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Para a Corte Estadual, dever-se-ia dar prosseguimento ao feito, tendo em vista a necessidade de se investigar se o indivíduo era primário, bem como para examinar as circunstâncias de fato, principalmente, porque as cortes superiores não reconhecem o princípio da insignificância quando o acusado tem registro de prática reiterada de crimes contra o patrimônio.

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30 3 A ILEGITIMIDADE ENTRE O DIREITO PENAL DO AUTOR E O PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

3.1 O Princípio da Culpabilidade

Primeiramente, faz-se mister asseverar que a culpabilidade diz respeito ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta ilícita e típica praticada pelo agente. Para tanto, veja-se o que aduz Santiago Mir Puig8 sobre o conceito de culpabilidade:

Desde von Liszt, a doutrina absolutamente dominante acolheu o termo “culpabilidade” para exigir a possibilidade de imputação do injusto a seu autor. Pois já faz tempo que se vem levantando vozes contrárias à conveniência desse termo. A expressão “imputação pessoal” tem a vantagem de que deixa mais claro que nesta segunda parte da teoria do delito se trata de atribuir (imputar) o desvalor do fato penalmente antijurídico ao seu autor: não se castiga uma “culpabilidade” do sujeito, senão se exige que o fato penalmente antijurídico, o único que o direito deseja prevenir, seja imputável penalmente ao seu autor.

Percebe-se da doutrina supracitada que há uma divergência entre as expressões “imputação pessoal” e “culpabilidade”, mas é importante asseverar que é esta última a que predomina entre os doutrinadores.

Ainda acerca do conceito de culpabilidade, importante aduzir as palavras de Francisco de Assis Toledo9:

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31

Deve-se entender o princípio da culpabilidade como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apoia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, “agir de outro modo”.

Ademais, sabe-se que o princípio da culpabilidade não se encontra no rol dos princípios chamados constitucionais expressos, podendo ser extraído do texto constitucional, principalmente do princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Olga Sãnchez Martinez10 elenca alguns princípios que, também, podem ser concebidos como fonte constitucional do princípio em comento. Senão vejamos:

Mais diversos ainda são os preceitos constitucionais aos quais se atribui o implícito reconhecimento do princípio da culpabilidade. Alguns o contemplam na ideia de dignidade da pessoa humana, outros no livre desenvolvimento da personalidade, outros no valor justiça ou na segurança jurídica, também se entende contido no princípio da legalidade e na presunção de inocência, ou na configuração do Estado como social e democrático de direito, e, finalmente, no princípio da reinserção social do delinquente.

Alguns doutrinadores aduzem que o princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais, quais sejam, culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico de crime, culpabilidade como princípio medidor da pena e culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, o da responsabilidade penal sem culpa.

No primeiro sentido, tem-se que a culpabilidade é a terceira característica ou o elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo analisada após somente o estudo do fato típico e da ilicitude. Após se chegar à conclusão de que a conduta do agente é, de fato, típica e ilícita, inicia-se uma nova abordagem, a fim de que se infira sobre a possibilidade ou não de censura sobre o fato praticado. A culpabilidade, nesse sentido, é um juízo normativo (juízo de valor), consistente na censura ou reprovação social que recai sobre um fato típico e ilícito (o chamado “injusto penal”).

10 MARTÍNEZ, Olga Sanchez. Los principios em elderecho y la dogmática penal. Madrid:

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32 Já acerca do segundo sentido, tem-se, após se concluir que o fato praticado pelo agente é típico, antijurídico e culpável, a certeza da existência da infração penal, estando o agente, teoricamente, condenado. Com isso, deverá o julgador, por sua vez, encontrar a pena correspondente à infração praticada, observando-se, como parâmetro, a culpabilidade do agente.

Nesse sentido, observe-se o que traz Juan Cordoba Roda11:

Uma segunda exigência que se deriva do princípio da culpabilidade é a correspondente ao critério regulador da pena, conforme o juízo de que a pena não deve ultrapassar o marco fixado pela culpabilidade da respectiva conduta.

Na aplicação da pena, o julgador deverá obedecer as regras do critério trifásico previstas no artigo 68 do Código Penal. Encontrar-se-á, primeiramente, a chamada pena-base, devendo-se analisar todas as condições judiciais elencadas no artigo 59 desse diploma legal, sem exceção:

Art. 59. O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Dito isso, atenta-se ao fato de que a primeira das condições a ser aferida pelo magistrado é a culpabilidade. Esta, tendo sido condenado o agente, terá uma função mediadora da sanção penal que a ele será aplicada, devendo, ainda, ser realizado outro juízo de censura sobre a conduta praticada, não podendo, por óbvio, a pena extrapolar o limite imposto pelo Código Penal Brasileiro ao fato típico, antijurídico e culpável pelo agente praticado.

Por fim, acerca do último sentido, tem-se que, para que determinado resultado seja atribuído ao agente, faz-se necessário que sua conduta tenha sido culposa ou dolosa. Os resultados que não foram causados mediante dolo ou culpa pelo agente não podem ser a ele atribuídos, tendo em vista que a responsabilidade penal deverá ser sempre subjetiva, de acordo com o princípio da culpabilidade.

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33 Acerca do tema, preleciona Gevan Almeida12:

no direito penal moderno e condizente com um Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF) não há lugar para responsabilidade objetiva, o versari in reillicita, do direito canônico medieval. Nullapoenasine culpa. O Código Penal brasileiro adotou este salutar princípio, ao prescrever que o crime pode ser doloso ou culposo e que “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado, ao menos culposamente” (arts. 18 e 19). Este princípio, por conseguinte, proscreve qualquer espécie de responsabilidade objetiva, como, por exemplo, a causação do resultado por caso fortuito ou força maior, porquanto a relação de causalidade (art. 13) tem que ser analisada, levando-se em conta se houve dolo ou culpa.

Importante salientar, ainda, que, nesse sentido fundamental, a culpabilidade deve ser entendida somente como um princípio em si, tendo em vista que, por ter sido adotado no Brasil a teoria finalista da ação, a culpa e o dolo foram deslocados para o tipo penal, não pertencendo mais ao âmbito da culpabilidade, a qual é composta, conforme preleciona boa parte dos doutrinadores, pelo potencial conhecimento da ilicitude do fato, pela exigibilidade de conduta diversa e pela imputabilidade.

3.2 A ilegitimidade do direito penal do autor com fulcro nos princípios da legalidade e da culpabilidade

Primeiramente, faz-se importante aduzir que o direito penal do autor macula o princípio da legalidade, tendo em vista que possibilita que sejam censurados atos anteriores, de cunho subjetivo, estranhos à conduta ilícita praticada pelo agente. Nesse contexto, veja-se o que afirma Paulo Bonavides13 acerca do referido princípio:

O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar

12

ALMEIDA, Gevan. Modernos movimentos de política criminal e seus reflexos na legislação brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 32-33.

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34

um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança, e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibussolutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.

A determinação dos tipos penais é um aspecto essencial e inerente à preservação da legalidade. Apenas uma concepção anti-garantista, fundada no substancialismo, no insondável subjetivismo judicial e no direito penal do autor, pode prescindir da clareza e certeza dos términos com que se definem os delitos.

Nesse sentido, afirma Sérgio Rebouças14:

Assim, emerge da vertente comentada um princípio de fato que se compreende como a exigência de que os tipos penais não se construam, por imperativo de clareza e determinação, sobre meras características pessoais e subjetivas do sujeito (Direito Penal do Autor), e sim sobre condutas (ações ou omissões). Embora às vezes se situe em planos distintos daqueles do mandato da certeza, entende-se aqui o princípio do fato enquanto vinculado à exigência de determinação dos tipos penais, tendo em vista que um tipo de autor jamais poderia oferecer elementos objetivos, claros e determinados, com atitude, em última análise, para assegurar a exclusividade legal na tarefa de definição de fatos penalmente típicos.

Diante disso, tem-se que o direito penal do autor é ofensivo à vertente de certeza (Lex certa) do princípio da Reserva Legal, enquanto exigência de que os tipos penais se construam com base em fatos descritos com clareza, a fim de possibilitar a exata compreensão do comportamento proibido por parte dos destinatários da norma.

Por outro lado, a doutrina tem asseverado que o direito penal do ato ou do fato é que é o corolário básico do princípio da culpabilidade, aduzindo que ninguém é culpado de forma geral, mas somente em relação a um fato ilícito específico. Para tanto, veja-se o que dizem ZAFFARONI, ALAGIA e SLOKAR15:

14REBOUÇAS, Sérgio. Principio Constitucional de Legalidad y Expansión Del Sistema Penal:

Niveles de Efectividad de La Garantía de Reserva Legal em Del Derecho Penal Del Riesgo. In: BONAVIDES, Paulo (Dir.) Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2014, nº. 15, PP. 501-544, esp. 510.

15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal: parte

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35

O Direito penal de ato concebe o delito como um conflito que produz uma lesão jurídica, provocado por um ato humano como decisão autônoma de um ente responsável (pessoa) ao qual se lhe pode reprovar, e, portanto, retribuir-lhe o mal na medida da culpabilidade (da autonomia de vontade com que atuou).

A culpabilidade refere-se a um fato determinado, respeitando-se, por óbvio, a autonomia de vontade do agente. Diz-se que a culpabilidade, no direito penal do fato, constitui um juízo sobre a relação do autor para com o fato efetivamente realizado, e não em função da personalidade do agente. De acordo com Claus Roxin16, “um ordenamento jurídico que se baseie em princípios próprios de um Estado de Direito liberal se inclinará sempre em direção a um Direito penal do fato”.

O que se observa do princípio da culpabilidade é que o legislador constituinte optou, nitidamente, pelo direito penal do fato, não sendo possível, portanto, tipificar, tampouco sancionar o caráter ou modo de ser, uma vez que, no Direito Penal Pátrio, não se deve julgar a pessoa, mas exclusivamente seus atos. Com efeito, observe-se o que aduzem Eugenio Raúl Zaffaroni e José Enrique Pierangeli17:

um Direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação.

Diante disso, infere-se que os defensores do direito penal do autor deveriam defender que é suficiente a atitude interna para castigar o autor, e não ter que aguardar o cometimento do ilícito penal.

Essa idéia foi trazida pelos defensores da Teoria Sintomática do Delito, a qual assevera que o Direito Penal não serve para proteger um bem

16 ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de

lateoríadel delito. Traducción y notas: Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y Garcia Conlledo y Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p.177.

17ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro:

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36 jurídico em especial, mas sim a coletividade, a sociedade como um todo. Assim, pune-se o agente que praticou o crime impossível, por exemplo, pelo fato de trabalhar com um critério de periculosidade, ou seja, característica subjetiva.

Como asseveram alguns doutrinadores, a distinção entre o direito penal do fato e o direito penal do autor não apresenta, somente, valor doutrinário e didático. Na prática, há várias disposições legisladas que caracterizam o direito penal do autor, como os antecedentes, a reincidência e a personalidade, mas isso não significa que este deve ser adotado indiscriminadamente.

Importante asseverar que a principal implicação do princípio da culpabilidade é não recepcionar uma culpabilidade que não esteja fundamentada no direito penal do fato, fazendo-se essencial que se mude o entendimento do Direito Penal e, por conseqüência, que se situe o fato delituoso ao lado e por cima da pessoa do autor.

Por algumas vezes, o Tribunal Constitucional Espanhol frisou o acima explicitado ao asseverar: “que não seria constitucionalmente legítimo um direito penal de autor que determinasse as penas em atenção à personalidade do réu, e não segundo a culpabilidade deste na comissão dos fatos”. Para tanto, vejam-se as sentenças abaixo:

SENTENCIA

I. ANTECEDENTES (...)

Rechaza, asimismo, elAbogadodel Estado lainvocacióndel artículo 15, pueséste se refiere a las penas ensímismas, conindependenciadel grado de antijuridicidad de lasconductas. Invoca a este respecto diversas Sentencias del Tribunal Europeo de Derechos Humanos. Considera a continuaciónelAbogadodel Estado laposibleviolacióndel principio de igualdad consagrado enel art. 14 al establecerse penas diferentes para conductas que pudieranconsiderarse iguales desde elpunto de vista de laantijuridicidad. (SENTENCIA 65/1986)

SENTENCIA

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e) El art. 15 de laConstituciónprohíbe, al igual que el art. 3 del Convenio de Roma, de 4 de noviembre de 1950, y el art. 5 de laDeclaración Universal de Derechos Humanos, de 10 de diciembre de 1948, los tratos degradantes, y al merecer tal calificaciónel trato dispensado por el legislador a losdelincuentes que, habiendocumplidola pena o penas impuestasen Sentencia firme, recaenenel delito, debeconsiderarse inconstitucional el art. 10.15 del Código Penal. Y constituyeun trato degradante el que el legislador dispensa al sujeto reincidente que cometióun segundo o sucesivos delitos, trashaber extinguido laresponsabilidad criminal nacida de los anteriores, porque veta al juzgadorlaposibilidad de imponerlela pena legalmente prevista para unhecho concreto ensu grado mínimo. En este sentido, la pena es degradante encuanto coloca al penado que debierahaber sido reintegrado enelejercicio de todos sus derechos como ciudadano -art. 73 de laLeyOrgánica General Penitenciaria- al mismonivel que el reo que tiene penas pendientes de cumplimiento, cuyosderechos, tratándose de penas privativas de libertad, se encuentran recortados conforme el art. 25.2 de laConstitución. Pena degradante, en definitiva, es pena no justificada por el logro de fines legítimos, que ocasiona al reo unpadecimiento inútil para élmismo y para lasociedad, dada lapresumibleimposibilidad de obtener fines de prevención general o especial que no se hayan logrado conla pena anterior, efectivamentecumplida, o conla pena correspondiente al último delito, sinnecesidad de agravarla conforme a lasreglasdel art. 61 del Código Penal. (SENTENCIA 150/1991).

Não se mostra possível, então, a combinação do direito penal do autor com o direito penal de fato. Diz-se, ainda, que é impossível conciliar o determinismo para a formulação do juízo de censura com o livre-arbítrio aristotélico.

Reprova-se, portanto, o agente pelo ato concreto praticado, e não como um fato que resulta de uma conduta de vida.

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38 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infere-se, a partir do exposto, a incompatibilidade do direito penal do autor no Direito Brasileiro, seja ele relacionado ao princípio da insignificância, ao princípio da legalidade ou ao princípio da culpabilidade.

Conforme já sustentado, acredita-se, veementemente, que não podem ser levadas em conta circunstâncias subjetivas para a apreciação do princípio da insignificância, pois se corre o risco de se consagrar um inconstitucional direito penal do autor, punindo-se o sujeito pelo que é e não pelo que faz.

Conclui-se, ainda, que o princípio da culpabilidade constitui, indubitavelmente, um dos pilares de todo e qualquer Estado que seja intitulado Estado Democrático de Direito. Dizer, portanto, que uma culpabilidade cuja censura se consubstanciasse na conduta de vida do agente ou no caráter do sujeito, e não no ato propriamente feito é um completo absurdo.

Tal entendimento, se assim o fosse, macularia o princípio da dignidade humana, do qual decorre o princípio da culpabilidade. Para tanto, veja-se que o Estado não tem o direito de interferir no íntimo das pessoas, buscando mudá-las, deve ele apenas exigir que suas leis sejam obedecidas, sendo-lhe indiferentes os motivos dessa obediência. No julgamento do Recurso Extraordinário 58352318, o STF declarou a não recepção do artigo 2519 da Lei de Contravenções Penais (LCP).

18EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Sentença condenatória por infração ao art. 25 da Lei

de Contravenções Penais. Questão da recepção dessa norma pela Constituição Federal. Relevância. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão de recepção, pela Constituição da República, do art.

25 da LCP.

(RE 583523 RG, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 02/10/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-10 PP-02011 )

19Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou

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39 Fazendo-se uma breve análise desse artigo, aduz-se que a decisão dessa Corte não poderia ter sido outra, uma vez que punir o autor por ser ou ter características diferentes é nitidamente adotar o direito penal do autor.

Importante salientar que a decisão do STF foi unânime pela não recepção do artigo 25 da Lei de Contravenções Penais, já que a Corte Suprema adotou o entendimento de que este vai de encontro aos regramentos constitucionais vigentes, frisando-se, ainda, que tal dispositivo faz menção à outra época, não cabendo sua adoção hodiernamente, conforme aduziu o Relator Gilmar Mendes20.

Nota-se, diante disso, qual o entendimento do Supremo Tribunal Federal, qual seja, o de que a Constituição Federal de 1988 não admite o direito penal do autor.

Ademais, não se pode deixar de reconhecer a dificuldade em se transformar um sistema penal em um puro direito penal do fato, como se não pudesse, em hipótese alguma, ser reprovada a pessoa do criminoso. Analisando-se a moderna doutrina, vê-se que, de fato, nenhum sistema apresenta tal pureza.

O que, verdadeiramente, há são sistemas que mais se aproximam de um direito penal do autor ou de um direito penal do fato. O que se exige, portanto, é uma significativa mudança de postura por parte dos operadores do Direito, os quais devem submeter o Direito Penal ao processo de concretização constitucional.

Percebe-se, diante de todo o exposto, que o discurso penal é de ato, mas o exercício do poder punitivo é de autor. Diante disso, encerra-se o presente trabalho de conclusão de curso com as palavras de Nilo Batista no

chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima:

Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.

20Não há como deixar de reconhecer o anacronismo do tipo penal que estamos a analisar. Não se

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40 livro de Salo de Carvalho21: “ai de vós, penalistas, que proclamais o direito penal do autor quando aplicais a pena! Ai de vós que vos louvarem, porque assim procederam seus pais os falsos profetas”.

Para efeito de caracterização da responsabilidade penal (especialmente a tipicidade e a própria culpabilidade), não se pode prescindir do direito penal do fato.

A consideração das características subjetivas do autor opera na quantificação (na dosimetria) da resposta penal (fixação da pena concreta), em caso de condenação, âmbito em que já não há risco de esvaziamento ou diminuição das finalidades garantistas associadas a princípios como os da reserva legal e da culpabilidade. Nesse caso, o que se exige é a motivação judicial quanto à quantificação da pena, sendo esse o elemento de controle da atuação do poder punitivo do Estado.

21 CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,

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41 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Gevan. Modernos movimentos de política criminal e seus reflexos

na legislação brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

BETTIOL, Giuseppe. Direito penal – parte geral. Tradução: Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra Editora Ltda, 1970, 1ª ed., t. II.

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CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código penal comentado. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

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COSTA, Fernando José da; COSTA JR., Paulo José da.Código penal

comentado. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

(43)

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Referências

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