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colóquio terramoto de lisboa. arqueologia e história

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Revista da Associação

dos Arqueólogos Portugueses

Volume 68 2016

colóquio

terramoto de lisboa. arqueologia e história

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(3)

arqueologia experimental:

reflexões e apologia

de um método a potenciar em portugal

Resumo

O texto reúne várias reflexões propiciadas por um estudo de Arqueologia Experimental sobre cerâmicas. Reflec‑

te sobre o método científico/experimental, alguns aspectos do pensamento científico da Arqueologia e sobre a articulação entre Arqueologia, Arqueologia Experimental e experiencial. Depois incide no estudo experimental mencionado, sobre cerâmicas, frisando o seu contributo para a compreensão do modelo de cadeia operatória de produção cerâmica no Bronze Final. Por fim analisa brevemente alguns aspectos da investigação e divulga‑

ção da Arqueologia Experimental em Portugal, que tem crescido nos últimos anos, e que se considera dever ser incentivada.

Palavras-chave: Arqueologia Experimental, Cerâmica do Bronze Final, Arqueologia experiencial e didáctica.

Abstract

Following an experimental study about pottery this text reflects upon Experimental Archaeology. It recalls the scientific/experimental method, some aspects of scientific Archaeological thought and links between Archae‑

ology, Experimental Archaeology and experiential archaeology. Then, it addresses the aforementioned experi‑

mental study on pottery, emphasising its contribution to the understanding of LBA’s pottery production “chaine opératoire” model. Finally it briefly addresses some aspects of the increase in Experimental Archaeology’s ap‑

plication in Portugal, considering that it should be further encouraged.

Keywords: Experimental Archaeology, Late Bronze Age pottery, Experiential and didactic archaeology.

Ana Bica Dias Osório

ana.bica.osorio@gmail.com

(4)

1. INTRODUÇÃO: O OBSERVADOR, O OBJECTO E A PRÁTICA

Durante o desenrolar do estudo que culminou no trabalho “Gestos e Materiais: Uma abordagem inter‑

disciplinar sobre cerâmicas com decorações bruni‑

das do Bronze Final / I Idade do Ferro” (OSÓRIO, 2013, 2017) o esforço necessário à classificação desses materiais deparou ‑se com taxonomias de classificação diversas e por vezes de difícil articu‑

lação. O próprio contacto com os manuais síntese mais referenciados (RyE (1981); ShEPPARD (1985);

RICE (1991); SInOPOLI (1991); ORTOn et al. (1993);

SCARCELLA (2011), etc.) tanto contribuía para acla‑

rar alguns aspectos como levantava questões sobre se os artefactos estariam a mostrar a característica indicada pelo autor X, a indicada pelo autor y, ou se não era nada disso. Ao mesmo tempo, as descrições dos materiais de muitos sítios arqueológicos, produ‑

zidas por vários autores, começaram a gerar dúvidas sobre a forma como alguns termos técnicos estariam por vezes a ser utilizados, sobressaindo as dúvidas sobre: “brunido”, “engobe”, “pós ‑cozedura”, “co‑

zedura oxidante”, “cozedura redutora”, “fabrico”

vs. “pasta” etc.

A certa altura, porém, ficou claro que os prin‑

cipais problemas nasciam da inexperiência práti‑

ca da investigadora na produção de recipientes cerâmicos, o que limitava o pensamento crítico, a compreensão das observações e classificações e a capacidade de as comunicar. Ao colocar a “prática”

e o “processo” no centro do estudo passou a haver necessidade de uma observação da prática e dos processos, o que só se poderia obter na etnografia ou na experimentação. Por isso, nas conclusões do trabalho (OSÓRIO, 2017, 403 ‑404) acabou por se considerar que há vantagens em que a descrição técnica das propriedades dos objectos seja me‑

diada pela compreensão das causas ‑efeitos dos processos de produção (e também do uso e pós‑

‑deposicionais).

O desejo inicial de compreensão foi de índole

“experiencial” mas acabou por se tornar “experi‑

mental” (REynOLDS, 1999; CUnnInGhAM et al.,

2008, p. v ‑viii,) quando se compreendeu o benefí‑

cio de gerar conhecimento reprodutível. Através da

“prática”, a Arqueologia Experimental permite uma aproximação entre “investigador” e “objecto de es‑

tudo” mas este “objecto de estudo” pode e deve estar integrado num programa de investigação que delimite as variáveis a observar e as controle, de modo a obter dados úteis para outros investiga‑

dores. Além disso os fenómenos que a experiência pode abarcar tanto podem dirigir ‑se a situações territorial, cronológica ou culturalmente específicas como ser abrangentes e explorar a diversidade pos‑

sível. É esse o valor de um método

1

.

Simultaneamente, a aproximação entre qual‑

quer “observador”, a “prática” e o “objecto”, a tal vertente experiencial, permite que a Arqueologia Experimental se dirija à dinamização de públicos.

Alguns autores têm enfatizado a distância entre as vertentes “experiencial” e “experimental”, propon‑

do que o termo Arqueologia Experimental se res‑

trinja ao seu valor de método científico (REynOLDS, 1999). no entanto neste texto considera ‑se que a Arqueologia Experimental se pode dedicar às duas vertentes da experiência, a utilização metódica, que diz respeito à investigação, e o valor comunica‑

tivo da experiência didáctica, que diz respeito aos contextos de divulgação (da mesma forma que não se baralha o sentido do termo entre experiências científicas para estudar um assunto e experiências de base científica, demonstrativas de princípios em sala de aula). O grande potencial didáctico da Ar‑

queologia Experimental não tem escapado a alguns arqueólogos e museus, pois pode constituir uma ferramenta activa, que permite transcender a apren‑

dizagem meramente visual ou descritiva, mediar ou ultrapassar a linguagem hermética da Arqueologia e ainda proporcionar momentos lúdicos.

no caso da sua utilização metódica, este texto

1

Do grego metá (reflexão, raciocínio, verdade) e hódos (caminho, direcção). É a etimologia e o interesse da sua inter‑

pretação para a arqueologia que explica porque é que aqui a Ar queologia Experimental é geralmente referida como método.

Reconhece ‑se no entanto que possui já fundamentação teórica e

prática suficiente para se considerar uma disciplina.

(5)

considera que, ao complementar os estudos arque‑

ológicos no processo de autocrítica taxonómica, de autocrítica interpretativa e de divulgação/dina‑

mização patrimonial a Arqueologia Experimental é um método que merece maior atenção e deve ser potenciado em Portugal. É pois muito justo que se questione a insipiência da sua aplicação em estudos nacionais (AMARO, 2008) e não só no caso de cerâ‑

micas pré ‑históricas. Recentemente porém observa‑

‑se um aumento do interesse pela Arqueologia Ex‑

perimental no país, que interessa acompanhar.

Em seguida é traçada uma reflexão sobre as ca‑

racterísticas do método experimental e vantagens da sua aplicação em Arqueologia (2.). Apresentam‑

‑se depois algumas reflexões sobre alguns proce‑

dimentos e experiências realizados no âmbito do estudo das cerâmicas com decorações brunidas proto ‑históricas do ponto de vista da investigação e da divulgação/didactização públicas (3.). num outro ponto apresenta ‑se uma abordagem ao estado da Arqueologia Experimental em Portugal nos últimos anos (4.), antes de traçar algumas conclusões (5.).

2. REFLEXÕES SOBRE O MÉTODO EXPERIMENTAL, A ARQUEOLOGIA E A ARQUEOLOGIA EXPERIMENTAL

A utilização do método científico/experimental

2

, como foi constituído desde meados do séc. XVII

3

, tem sido muito justamente apontada como base dos avanços científicos e tecnológicos das centúrias subsequentes. O seu impacto é tão grande e gene‑

ralizado na sociedade contemporânea que pode parecer supérfluo dedicar ‑lhe algumas linhas em jeito de síntese. no entanto, uma vez que este texto reflecte sobre a Arqueologia Experimental enquan‑

to método julgou ‑se fundamental trazê ‑lo ao centro da reflexão.

2

Introduz ‑se aqui esta dicotomia científico/experimental para não entrar em discussões metodológicas sobre diferenças entre este método e os das ciências sociais e humanas.

3

Atribuído ao pensamento e trabalho de Galileu Galilei, René Descartes, Francis Bacon, William Gilbert, Isaac newton etc.

O método científico/experimental parte da re‑

colha cuidadosa de dados (autenticados e validados pelo conhecimento de cada época) sobre o objecto de estudo. Em seguida procede ao tratamento dos dados e procura estabelecer relações causais entre eles de modo a inferir, por indução ou dedução, hipóteses ou modelos interpretativos. nessa fase algumas ciências desenvolvem uma etapa de tes‑

tes experimentais da hipótese/modelo (no caso da Matemática esta fase corresponde a demonstrações lógicas). Para isso estabelece ‑se um ou vários gru‑

pos de controlo e também grupos experimentais comparativos. nestes últimos alteram ‑se variáveis, para verificar se o modelo se confirma. Quando este é confirmado é ainda preciso que, reproduzindo as mesmas condições, os resultados possam ser repli‑

cados por outros. Se os dados analíticos das várias experiências são compatíveis e se a hipótese/mo‑

delo pode ser replicada, é considerada válida.

no séc. XX, o impacto do “Princípio da incerte‑

za” de heisenberg na mecânica quântica desafiou o positivismo determinista gerado pelo método científico/experimental dos sécs. XIX e XX, introdu‑

zindo leis estatísticas (probabilidade) e provando que há um certo grau de indeterminismo inerente, à escala de observação quântica. As provas a que o método científico/experimental foi sujeito desde então permitiram ‑lhe porém adaptar ‑se aos novos conceitos sem abdicar dos seus princípios funda‑

mentais (BERnARDO, 2013, p. 23 ‑24), pelo que so‑

breviveu e de certa forma se reforçou.

Assim, no método científico/experimental a

enunciação das condições em que os dados são

sucessivamente adquiridos é crucial, não só para

formular a hipótese/modelo mas para estabelecer

as variáveis a medir na etapa experimental e poder

compará ‑las em várias experiências. A inovação e

avanços na investigação têm sido contínuos devido

aos seus próprios resultados que têm conduzido à

melhoria dos instrumentos de aquisição de dados,

dos procedimentos de tratamento dos mesmos, ou

à formulação de novas hipóteses/modelos. Como

se percebe, o método científico/experimental

alicerça ‑se na comparação mas é a reprodutibilida‑

(6)

de que o valida, tornando ‑se a base alargada do co‑

nhecimento (divulgado depois através do ensino).

A Arqueologia, constituída como disciplina cien tífica desde o séc. XIX (muito embora com im‑

portantes alterações teóricas e práticas desde en‑

tão), também parte da recolha cuidadosa de dados (autenticados e validados pelo conhecimento da época) sobre o objecto de estudo, procede ao tra‑

tamento dos dados e procura estabelecer relações (não só causais) entre eles para inferir hipóteses ou modelos interpretativos. Pode ainda comparar os dados de análise de múltiplos objectos de estudo e verificar a sua semelhança ou dissemelhança. O que não pode fazer (bem como outras ciências, naturais ou sociais) é ter um grupo no qual introduz variações para experimentar efeitos. Possui apenas um grupo já formado e estático, os vestígios arqueológicos, que para gerar conhecimento tem de ser observado e descrito. não é possível reproduzir as condições que envolveram a sua criação, não se conhecem completamente as variáveis envolvidas nessa cria‑

ção, nem as alterações que posteriormente sofreu e não é possível introduzir ‑lhe variações para ver como se comporta. Acresce ainda a parcimónia e parcialidade desse grupo face ao tipo de interpreta‑

ções e representações que se deseja produzir.

A impossibilidade de observação directa do passado para conhecer as sociedades preceden‑

tes (um dos objectivos) não permite observar todas as variáveis envolvidas na formação dos objectos de estudo (as evidências materiais/físicas por elas deixadas) e isso tanto ocorre em sociedades pré‑

‑históricas, que apenas legaram evidências mate‑

riais/físicas, como em sociedades históricas que além disso legaram algum conhecimento escrito.

A irreprodutibilidade dos fenómenos obriga a que mesmo no estudo das materialidades/realidades físicas a arqueologia recorra a inferências lógicas de vários tipos, entre as quais inferências de abdução e analogia, e não possa repousar apenas nas inferên‑

cias dedutivas e indutivas que o método científico/

experimental advoga.

Assim, quando a partir dos vestígios físicos se passa à interpretação do comportamento humano,

a arqueologia tem de considerar que a interacção deste com a matéria é mediada por contextos so‑

cioculturais, económicos e técnicos envoltos em pressupostos que ultrapassam a causalidade lógi‑

ca e provêem de outros tipos de pensamento, tais como a tradição, o empirismo e o pensamento não lógico (ex. simbólico). Apesar de o ser humano poder recorrer a estratégias e processos de pensa‑

mento de vária índole, não pode porém transcen‑

der os constrangimentos da própria matéria. O que pode é lidar com eles de formas que hoje desco‑

nhecemos e para as quais não temos um referencial de descodificação. Assim, depois de a Arqueologia identificar e propor hipóteses e modelos interpre‑

tativos, através dos seus tipos de inferências espe‑

cíficos, é importante avaliá ‑los e criticá ‑los, pelo menos do ponto de vista material, para perceber se podiam funcionar e como, ou se há que repensá ‑los e introduzir outras variáveis que expliquem melhor o registo arqueológico.

É por isso que a Arqueologia Experimental se torna verdadeiramente útil na explicação da forma‑

ção dos vestígios arqueológicos físicos, permitin‑

do compreender uma parte importante do registo arqueológico, ao testar os limites da interpretação (ASChER, 1961). Para além do seu carácter interac‑

tivo de relação com a matéria, permite a criação de grupos experimentais de comparação (para con‑

trastar com o grupo de controlo original, os vestí‑

gios arqueológicos) onde se podem introduzir e al‑

terar as mais diversas variáveis, tais como: variações físico ‑químicas, variações nos processos técnicos de produção/construção e uso, variações nos pro‑

cessos de destruição/decomposição, etc.

Deste modo, não é de estranhar que as raízes da Arqueologia experimental se encontrem no perío‑

do de constituição da Arqueologia como disciplina científica, no séc. XIX. Os primeiros exemplos nas‑

ceram de estudos sistemáticos em que os investiga‑

dores recorreram também à experimentação como no caso de Sven nilsson, na Dinamarca; Flaxman Spurrell, John Evans e John Lubbock ou Augustus Pitt Rivers, na Inglaterra; Edouard Lartet na Fran‑

ça; Jackob heierli, na Suíça; e por Frank Cushing,

(7)

George Sellers ou Joseph McGuire nos Estados Unidos (AShER, 1960; GIARDInO, 2012; FLORES &

PARDEKOOPER, 2014). A grande maioria destes tra‑

balhos foi dedicada à pré ‑história antiga e incidiu na reprodução de líticos. Outros porém tiveram como tema os efeitos pós ‑deposicionais na formação dos sítios arqueológicos ou a metalurgia. note ‑se ainda que, no caso pioneiro de Sven nilsson, os testes ex‑

perimentais foram acompanhados pela procura de paralelos etnográficos, revelando como desde o iní‑

cio a experimentação tem andado de mãos dadas com a etnografia.

Apesar da precocidade dos estudos experimen‑

tais na prática Arqueológica, o seu desenvolvimen‑

to foi bastante desigual em quantidade, cronologia e temática, como dá conta o livro Experiments Past:

Histories of Experimental Archaeology (FLORES &

PARDEKOOPER, 2014) relativamente à Europa. no pós ‑2ª Guerra Mundial a actividade experimental aumenta e surgem importantes desenvolvimentos metodológicos assentes na análise estatística (ex.

estudos de François Bordes, em França, ou de Don E. Crabtree nos Estados Unidos) e na discussão e tentativa de delimitação das práticas e fundamen‑

tação teórica (ex. AShER, 1961; COLES, 1967). no entanto muitos autores consideram que é só em 1973 que a disciplina é finalmente bem definida, com o trabalho de John Coles: Archaeology by Ex­

periment, (COLES, 1973).

Desde então a Arqueologia Experimental tem continuado a evoluir significativamente, através de contributos fundamentais de inúmeros autores, entre os quais se destacam os de Peter Reynolds (1994, 1999) ou os de Michael Schiffer e James Skibo (1986, 1994), entre muitos outros. no caso destes últimos é relevante indicar que o seu traba‑

lho se tem relacionado intimamente com as corren‑

tes interpretativas comportamentalistas, cuja tónica analítica repousa na observação etnográfica e etno‑

arqueológica e no estudo experimental controlado da variabilidade inerente ao comportamento hu‑

mano e seu efeito prático nos materiais (MARSh &

FERGUSOn, 2010).

Regressando à discussão do método e sua apli‑

cação é interessante recordar que em 2012, num congresso em Granada, se questionava se a inter‑

pretação de dados da Arqueologia Experimental, podia ir além da analogia. na linha do que aqui se discute tem de se assumir que a analogia

4

é a única forma de inferência possível quando se comparam coisas com temporalidades muito distintas (ves‑

tígios arqueológicos vs resultados experimentais contemporâneos). no entanto a Arqueologia Ex‑

perimental permite criar modelos hoje, baseados em experiências contemporâneas, que podem ser contrastados com os modelos interpretativos arque‑

ológicos também gerados hoje, e pode fazer isso ao longo da diacronia futura, actualizando ‑se.

Embora a analogia tenha de estar presente na in‑

terpretação do passado (o que não é um verdadeiro problema (SChIFFER, 2013), ela não tem de estar presente no apuramento dos modelos e taxonomias contemporâneos pois nessa etapa podemos recor‑

rer a raciocínios dedutivos ou indutivos. É aí que a Arqueologia Experimental é útil, pois permite testar os limites materiais e causais da interpretação actu‑

al. Assim, pode constituir‑se como uma ferramenta de crítica hermenêutica suficientemente aberta para expandir discursos e modelos.

há três aspectos em que esta utilidade ficou mui‑

to clara no trabalho experimental realizado (OSÓ‑

RIO, 2013, 2017): no apuramento da taxonomia; na identificação de variáveis a observar e seus possí‑

veis efeitos nos processos de humanização da ma‑

téria que podem ter reflexo em propriedades dos vestígios arqueológicos; na identificação de etapas e lógicas operativas dentro de esquemas interpre‑

tativos e no apuramento desses mesmos esquemas interpretativos (como o de cadeia operatória).

4

no raciocínio por analogia começa ‑se com uma seme‑

lhança comprovada (através da análise e comparação de dados) a partir da qual se infere uma semelhança não comprovada (ex.

integração cronológica; interpretação daquilo que ocorreu no

passado). A analogia é considerada por alguns autores como um

caso especial de indução mas não integra premissas, ou produz

conclusões, gerais.

(8)

3. REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO

EXPERIMENTAL EM TORNO DE CERÂMICAS PROTO -HISTÓRICAS

Um tema de reflexão que aqui se gostava de abor‑

dar emana directamente do contexto em que o trabalho de investigação (OSÓRIO, 2013, 2017) de‑

correu (Grupo de Estudo de Materiais do Departa‑

mento de Engenharia Mecânica da FCTUC) e onde o pensamento é fortemente ancorado no método científico/experimental. nesse contexto a cada dia era clara a necessidade de comunicar e expor as particularidades das interrogações e observações arqueológicas através de raciocínios dedutivos difí‑

ceis de estabelecer no caso de muitas interrogações arqueológicas. É frequente que outras disciplinas/

ciências não entendam as observações arqueológi‑

cas, as preocupações com certos detalhes em detri‑

mento de outros, e que considerem as próprias ob‑

servações como especulativas, mesmo quando os arqueólogos sabem que provêem da observação directa de factos concretos do registo arqueológico que até são frequentemente repetitivos.

A possibilidade de acrescentar analogias ex‑

perimentais ao estudo arqueológico torna ‑se en‑

tão interessante também como forma de facilitar a comunicação entre ciências e permitir um maior entendimento de algumas problemáticas arqueoló‑

gicas, por parte de não especialistas na área. Esta comunicação é ainda de maior importância quan‑

do a arqueologia deseja recorrer a algumas dessas ciências para análises instrumentais de vestígios arqueológicos, e aumenta quando os resultados dessas análises são depois interpretados através de analogias sem referencial no presente. De facto uma vez que o entendimento da diacronia e da variabili‑

dade do comportamento humano não é genérico em todas as ciências, e aliás constitui uma das espe‑

cificidades e mais ‑valias da Arqueologia na reflexão sobre essas mesmas ciências (SChIFFER, 2013), fa‑

cilitar a comunicação permite e tem permitido de‑

senvolvimentos relevantes.

3.1. O contributo da investigação experimen- tal para a compreensão da cadeia operatória de produção cerâmica no Bronze Final:

O início da investigação experimental sobre cerâ‑

micas proto ‑históricas não partiu de um programa de investigação estabelecido “a priori”. O seu pla‑

neamento foi sendo paulatino e emanou do en‑

quadramento teórico (estudo da cadeia operatória de produção) e da metodologia prática (análise macroscópica e arqueométrica). não se pretende aqui repetir o que foi dito e escrito sobre os proce‑

dimentos e resultados do programa experimental executado (OSÓRIO, 2013, 2017, cap. 6) mas é útil reflectir em breves linhas sobre os seus principais contributos à compreensão da cadeia operatória de produção.

O conjunto de experiências derivou da análi‑

se do grupo de referência ou controlo/vestígios arqueológicos e tanto incluiu experiências de imi‑

tação/reprodução (tentando aproximar ‑se o mais possível das propostas do modelo arqueológico de produção proposto para o Bronze Final) como tes‑

tes sobre variáveis físicas específicas em contextos diferentes dos do modelo (matérias ‑primas avulsas, recursos laboratoriais). É evidente que os objectos do grupo experimental tiveram depois de ser anali‑

sados através da mesma metodologia analítica apli‑

cada às cerâmicas arqueológicas, embora apenas nos aspectos relacionados com as perguntas espe‑

cíficas que lhes eram colocadas.

As questões sobre as quais se debruçou o estu‑

do experimental foram muito diversas e não é possí‑

vel ou desejável discuti ‑las todas aqui, pelo que este texto se dirige àquelas que mais alteraram a percep‑

ção do modelo conceptual da cadeia operatória de produção de cerâmicas que se pode aplicar ao Bronze Final

5

(Fig. 1). As principais questões abor‑

dadas são: As matérias ‑primas disponíveis nos sítios

5

Embora o universo preferencial do estudo tenham sido cerâmicas decoradas por brunimento (e as cerâmicas decoradas possam ter tido funções práticas diferentes de outras cerâmicas) é de notar que também se estudaram fragmentos sem decora‑

ção, para comparação, e que na fase experimental o modelo de

cadeia operatória foi abordado de forma ampla.

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arqueológicos permitiriam a produção de recipien‑

tes funcionais? A presença de argilossilicatos nas cerâmicas arqueológicas resultaria de processos pós ‑deposicionais ou poderia dever ‑se ao processo de produção? Cerâmicas cozidas a baixas/médias temperaturas poderiam ser funcionais?

Relativamente à avaliação de possíveis matérias‑

‑primas é de notar que, infelizmente, o estudo ar‑

queométrico não pôde ser complementado com análises químicas que validassem melhor a equiva‑

lência entre as argilas recolhidas e os fabricos das cerâmicas arqueológicas. Apesar disso, o estudo petrográfico e por Difracção de Raios ‑X (DRX) per‑

mite identificar os elementos não plásticos e ou‑

tros minerais presentes nas amostras, reflectindo características do substrato geológico da área de recolha e/ou a adição de elementos não plásticos como “tempero”. Esta análise mostrou que algu‑

mas fracções argilosas recolhidas nos próprios sí‑

tios arqueológicos eram mineralogicamente muito semelhantes a certos fabricos evidenciados nas ce‑

râmicas arqueológicas/ “grupo de controlo”. Além disso o estudo por DRX

6

a quente permitiu estudar as transformações que esses solos sofriam com o acréscimo de temperatura e compará ‑los também com as cerâmicas.

Inicialmente não se tinha pensado que os solos argilosos dos próprios sítios arqueológicos pudes‑

sem ser usados na produção. As várias teorias de circunscrição de áreas de captação de recursos ten‑

dem a delimitar áreas vastas e o facto de os oleiros não recolherem as matérias ‑primas no próprio sítio onde habitam (actualmente e nas informações etno‑

gráficas relacionáveis com os sítios em estudo), nem as recolherem nos sítios arqueológicos em causa, não tinha sugerido se quer essa hipótese

7

. no en‑

tanto, a comparação mineralógica entre amostras

6

Permite estudar as transformações fásicas e mineralógicas que ocorrem com o calor, nos intervalos térmicos estipulados.

7

É interessante como essa foi uma das questões levantadas na arguição do trabalho: “Porquê é que decidiu estudar os solos dos sítios arqueológicos?” A questão foi muito pertinente, para avaliar se tinha sido um pré ‑conceito introduzido no trabalho. na verdade porém o pré ‑conceito tinha sido o oposto.

de solos de um dos sítios arqueológicos (Outeiro do Circo), estudadas para compreender outro as‑

sunto (OSÓRIO et al., unpub.), revelou semelhan‑

ças muito significativas entre os solos e as cerâmicas desse sítio. Assim, desafiou o pré ‑conceito da inves‑

tigação até aí, pois na altura procuravam ‑se referên‑

cias etnográficas a barreiros usados na região sem ter considerado avaliar o próprio sítio.

numa conversa com um oleiro local, António Mestre, de Beringel (próximo do Outeiro do Circo) este tinha afirmado que o barro do Outeiro do Cir‑

co não era bom para a olaria. Porém, o facto de as práticas deste oleiro (modelação à roda, cozedura oxidante em forno controlado, produção em quan‑

tidade significativa para o mercado) serem muito di‑

ferentes das propostas no modelo arqueológico de produção atribuído ao Bronze Final (modelação ma‑

nual por várias técnicas, cozedura em fogueira aber‑

ta ou fechada, produção para autoconsumo com hipótese da existência de trocas de vários tipos), justificava que as argilas do sítio arqueológico fos‑

sem estudadas experimentalmente. nessas experi‑

ências interessava analisar e testar as propriedades práticas do solo argiloso e ainda recorrer à reprodu‑

ção das técnicas indicadas nos modelos propostos para o Bronze Final. Por isso assim se fez e chegou‑

‑se à conclusão de que a imitação técnica permitia produzir cerâmicas funcionais (OSÓRIO, 2017, pp.

340, 772) com as matérias ‑primas do sítio.

O tema é interessante porque questiona a re‑

levância das informações recentes, geradas em contextos de produção técnica muito distintos, em detrimento da análise de proximidade. Entre outras coisas, o trabalho analítico e as experiências mostra‑

ram como ambos devem ser considerados, já que a percepção dos oleiros repousa em vários critérios (ex. ARnOLD et al., 2001, 71) que podem ser modi‑

ficados ao longo do tempo.

A verificação experimental desta possibilidade levou depois a recolher mais amostras de sedimen‑

tos que pareceram argilosos em alguns outros sítios (que também eram casos de estudo) e a compará‑

‑los com as cerâmicas desses mesmos sítios. num

outro caso foram identificadas semelhanças signifi‑

(10)

cativas (Arraiolos) mas em outros não (Los Conceji‑

les, Alange). Foi ainda interessante perceber que os solos que mostraram semelhanças eram amostras provenientes de escavação e os dissemelhantes

8

foram recolhidos à superfície (não contemporâne‑

os com os materiais estudados). Esta informação é importante para que se renove o interesse na reco‑

lha de amostras de solos locais (em níveis arqueo‑

lógicos coetâneos aos materiais) durante a etapa de escavação, para comparação posterior com os universos cerâmicos.

Outro tema relevante para o estudo da cadeia operatória partiu dos dados arqueométricos. A aná‑

lise por DRX revelou que os fabricos cerâmicos apre‑

sentavam minerais argilosos identificáveis, cuja estru‑

tura cristalina podia não ter sido alterada pelo calor.

O problema que este dado coloca é que a partir de cerca dos 550ºC/700ºC (a temperatura específica depende do tipo de mineral argiloso) a estrutura cristalina dos minerais começa a ser alterada, com a perda da “água

9

” estrutural. Por isso, em cozeduras feitas a temperaturas acima desse intervalo térmico, estes minerais não deveriam surgir na análise por DRX

10

. A sua presença poderia então ser um indica‑

dor útil para aferir que as temperaturas de cozedura utilizadas tinham ficado abaixo desse patamar, e/ou que a duração das cozeduras tinha sido muito curta e não tinha alterado completamente os materiais (afec‑

tando sobretudo as superfícies mas sem ter tempo para penetrar completamente no interior).

A utilização de cerâmicas com cozeduras nestes patamares térmicos levanta vários problemas de or‑

dem prática, sobretudo quando se considera a sua utilização para cozinhar ou conter líquidos, pois as argilas não estão completamente transformadas em

8

Apesar disso verificou ‑se que permitiram a modelação e cozedura pelas mesmas técnicas do modelo do Bronze Final, produzindo peças funcionais (OSÓRIO, 2017, p. 768).

9

Esta “água” é diferente da que é responsável pela hidra‑

tação, está contida na microestrutura dos minerais e na verdade corresponde a grupos hidroxilos (Oh) cuja especificidade não se quer explorar aqui (cf. OSÓRIO, 2017, pp. 78 ‑80).

10

Técnica que permite identificar as fases/minerais através da análise da sua a estrutura cristalina.

cerâmica (sinterização), estão mal agregadas e, em contacto prolongado com líquidos, podem levar à desintegração da peça. Além disso apresentam uma porosidade elevada que dificulta a condução do calor para o interior dos recipientes, podendo impedir a ebulição.

há porém outra explicação científica para a pre‑

sença de argilossilicatos com estrutura cristalina nas cerâmicas arqueológicas. Esta prende ‑se com a rei‑

dratação a que essas cerâmicas estiveram sujeitas durante o período deposicional e que poderia per‑

mitir que a estrutura de minerais incompletamente transformados pelo calor (meta ‑estáveis) se “rege‑

nerasse” e voltasse a adquirir a “água” estrutural (num processo denominado reidroxilação). Assim, a identificação destes minerais argilosos poderia ter ocorrido nessa fase e não se atribuiria à etapa de produção. Ora há um grupo de cerâmicas par‑

ticularmente susceptível a este fenómeno, as que são feitas com argilas de tipo esmectítico, como são precisamente as do Outeiro do Circo (e de outros casos de estudo abordados, embora com presença menos significativa).

Uma vez que não existiam meios na altura para estudar a reidroxilação, cuja explicação científica ainda não é consensual (OSÓRIO, 2017, pp.78 ‑79), o estudo experimental foi dirigido à compreensão da possibilidade de produzir “cerâmicas” funcionais a temperaturas que não ultrapassassem os 700ºC e em ciclos temporais curtos (cerca de 1h de fogo aceso, seguido de “abafamento”), testando em se‑

guida se era possível utilizá ‑las para cozinhar. Se tal não fosse possível a explicação de que a presença dos argilossilicatos nas cerâmicas se devia a pro‑

cessos pós ‑deposicionais sairia reforçada. Como se verá, porém, não foi esse o caso, uma vez que se ve‑

rificou a possibilidade de utilizar cerâmicas cozidas a temperaturas médias/baixas para a contenção de líquidos e para cozinhar.

na investigação experimental as peças pro‑

duzidas na etapa de modelação (com argilas dos sítios arqueológicos ou não), e também alguns ro‑

los experimentais (de solos arqueológicos), foram

cozidas em fogueiras abertas ou fechadas (tipo

(11)

“soenga”). A temperatura dentro das fogueiras foi controlada com recurso a termopares, ou termopa‑

res juntamente com barras pirométricas (duas estra‑

tégias de medição térmica que serviram de controlo uma à outra). Intencionalmente, em todos os casos, a temperatura de cozedura só atingiu um máximo de 700ºC/500ºC em certas áreas da fogueira. Es‑

sas temperaturas foram intermitentes e nunca se alongaram por mais de 30 ‑40 minutos. Em certas zonas da fogueira a temperatura foi ainda menor (OSÓRIO, 2017, pp. 760 ‑763). Ao mesmo tempo procedeu ‑se à comparação entre fogueiras com atmosferas bastante ricas em carbono e outras com atmosferas irregulares, alternadamente oxidantes e ricas em carbono (o objectivo destas era produzir atmosferas oxidantes mas o resultado das práticas utilizadas produziu atmosferas com demasiado car‑

bono em determinadas alturas).

Após a cozedura realizou ‑se um conjunto de testes experimentais relacionados com a etapa de uso, para aferir se as peças podiam ser utilizadas no contacto com líquidos ou em práticas culinárias.

O resultado dos testes (em que as peças foram sem‑

pre colocadas directamente em cima da fogueira ou brasas, por vezes apoiadas em pedras) mostrou cenários diferentes:

a) as peças sem fissuras que foram cozidas em am‑

bientes extremamente ricos em carbono per‑

mitiram atingir a ebulição muito depressa e era possível cozinhar;

b) várias peças sem fissuras cozidas em atmosferas irregulares, quando eram cheias com água, fica‑

vam húmidas e não permitiam a ebulição;

c) várias peças de cozedura irregular revelaram que tinham microfissuras invisíveis e, quando coloca‑

das sobre a fogueira, iam apagando as brasas.

d) As peças que tinham fissuras evidentes não fo‑

ram testadas quanto à utilização sobre o fogo.

A diferença entre estes resultados tem várias im‑

plicações:

a) O facto de as peças muito negras permitirem a contenção de líquidos e ainda cozinhar sugere que a deposição do carbono durante a sua própria co‑

zedura tapa significativamente a porosidade das pe‑

ças, diminuindo ‑a. Esta observação é reforçada por trabalhos de outros investigadores (SKIBO et al., 1997, p. 315; LOnGACRE et al., 2000; SChIFFER et al., 1994). no caso de algumas destas peças, quan‑

do foram lavadas, antes do uso, observou ‑se que a água da lavagem lhes escorria pelas superfícies sem ser absorvida, revelando as propriedades hidrófo‑

bas do carbono e a sua capacidade de impermea‑

bilização. É expectável porém que estas proprieda‑

des hidrófobas diminuam com o uso (PICÓn et al.

1995, p. 204) pelo que a continuidade da sua utili‑

zação exige que a porosidade interior ou superficial seja tapada com outros materiais, derivando possi‑

velmente do uso.

b) no caso das peças que não permitiam obter ebulição (mas que podiam ser usadas na contenção de líquidos) foi possível recuperar a sua utilidade para esse efeito recorrendo a outro tipo de materiais. Estas peças tinham absorvido

11

muita água e o seu corpo estava húmido. Assim, ao mesmo tempo que o fogo ia secando a água, esta era prontamente substituída pela que o recipiente ainda continha. Ao evaporar e ser prontamente substituída por mais água, esta impedia uma transmissão de calor eficaz que produ‑

zisse as temperaturas necessárias à ebulição dos con‑

teúdos do recipiente. Este problema foi resolvido, porém, através do revestimento das superfícies das peças com alguns tipos de matérias orgânicas como a gordura (no caso azeite mas outras gorduras devem ter o mesmo efeito) ou o amido (papa de farinha de trigo integral com água) (OSÓRIO, 2017, pp. 343‑

‑345), referidos na bibliografia etnográfica e também já testado (no caso da gordura vegetal) em trabalhos anteriores (SChIFFER et al. 1994, p. 202).

c) e d) relativamente às peças com microfissuras ou fissuras um pouco mais significativas, estas po‑

deriam facilmente ser usadas como contentores de sólidos. no entanto, foi possível recuperar algumas delas para a contenção de líquidos utilizando outra matéria orgânica identificada em bibliografia etno‑

11

A absorção foi medida de forma muito simples controlan‑

do apenas quantos dl de água eram introduzidos na peça e es‑

vaziando a peça 10 minutos depois para medir a água que ainda

lá estava.

(12)

gráfica: a cera de abelha, que é bastante fácil de aplicar depois de derretida (OSÓRIO, 2017, p. 345).

não se chegou a explorar a sua aplicação em peças sem fissuras ou microfissuras, para uso sobre o fogo, por se considerar que derreteria, mas será interes‑

sante testar isso no futuro.

É interessante reflectir no facto de algumas pe‑

ças cozidas a baixas/médias temperaturas requere‑

rem que a porosidade fosse “tapada” para permitir a ebulição dos conteúdos. há muito que se discute a importância do tratamento superficial das peças para a sua “impermeabilização”, no entanto, o con‑

tributo das condições de cozedura

12

e a existência de práticas posteriores à cozedura com essa finali‑

dade tem sido abordada com menos frequência.

O trabalho experimental levou então à conscien‑

12

Para além da atmosfera rica em carbono há outro fenóme‑

no que pode ser relevante. Alguns autores levantam a hipótese de as resinas do próprio combustível poderem contribuir para a selagem da porosidade (SKIBO, 1992 in BECK, 2010, p. 51).

Infelizmente porém esta variável não foi controlada durante as experiências, o que é um aspecto que se gostaria de aprofundar.

cialização de que, as “lógicas de funcionamento” e a performance dos materiais dependem da articu‑

lação entre as várias técnicas empregues na cadeia operatória, e que, dentro de determinadas cadeias operatórias, o modelo pode requerer a existência de uma etapa de “selagem” (como é o caso da utili‑

zação de cozeduras em fogueira).

Intencionalmente não se quis chamar impermea‑

bilização a essa etapa e atribuiu ‑se ‑lhe a designação de “selagem” (Fig. 1) devido ao efeito prático que tem de isolar/selar um corpo “cerâmico” que pode estar apenas parcialmente cozido e ainda bastante poroso. Esta etapa deve estar presente no modelo de estudo deste tipo de cerâmicas pois pode fazer parte intrínseca da “lógica funcional” de materiais produzidos a baixas/médias temperaturas.

Figura 1 – Cadeia operatória técnica, aplicável ao Bronze Final, e ciclo das cerâmicas arqueológicas.

(13)

no caso das matérias orgânicas testadas que produziram bons resultados, importa dizer que tan‑

to o amido como a gordura poderiam estar presen‑

tes nas refeições confeccionadas permitindo selar a porosidade durante o uso e obter efeitos seme‑

lhantes a determinados tratamentos de superfície e à aplicação intencional de substâncias selantes or‑

gânicas, como mostraram as experiências de Chris‑

topher Peirce (1999, p. 132). Assim, pelo menos do ponto de vista da performance dos materiais, não há necessidade de uma “consciencialização” por parte dos oleiros(as) da importância dessa etapa.

A necessidade existe porém do ponto de vista do modelo de interpretação arqueológica, pois ex‑

plica como é que este tipo de materiais podia fun‑

cionar. Além disso é importante indicar que a infor‑

mação etnográfica revela práticas específicas que mostram como, pelo menos em certas sociedades que cozem as suas cerâmicas em fogueiras, a etapa é consciente, assumindo até por vezes um cariz sim‑

bólico (OSÓRIO, 2013, 2017, pp. 83 ‑88; AMARO &

ROSSELLÓ, 2013 pp. 104).

Os resultados destas experiências desafiam muito claramente a interpretação da presença de ar‑

gilossilicatos nas cerâmicas como resultado de pro‑

cessos pós ‑deposicionais. É claro que não provam que a reidroxilação dos corpos cerâmicos não ocor‑

ra, nem que não se deva à fase pós ‑deposicional.

no entanto apresentam uma explicação alternativa e credível, na qual os argilossilicatos presentes nas cerâmicas são remanescentes directos dos proces‑

sos de produção e podem ser até indicadores das temperaturas de cozedura / ciclos curtos de coze‑

dura. Este tema é muito interessante e merece ser melhor aprofundado no futuro com mais s experi‑

ências dirigidas não só à produção mas também à deposição e período subsequente.

Outra informação relevante que resultou des‑

tes testes e que teve impacto na reformulação da cadeia operatória de produção, decorreu de um erro de concepção das experiências iniciais e per‑

mitiu uma aprendizagem importante. De facto, nas primeiras experiências, depois de secar as peças por um período prolongado (dois meses) estas fo‑

ram directamente colocadas na fogueira, que foi acesa. O erro não demorou a revelar ‑se, com as pe‑

ças a estalar e a lançar lascas para fora da fogueira.

A supressa gerou a necessidade de explicar o que tinha acabado de ocorrer. Constatou ‑se então que os exemplos etnográficos de cozedura em foguei‑

ra mostravam invariavelmente uma fase em que as cerâmicas eram dispostas durante algum tempo ao redor da fogueira, ou assentes em estrados sobre o fogo, sem contacto directo com ele. Verificou ‑se ainda, no registo dos termopares da fogueira, que a temperatura tinha subido aos 200 ‑600ºC em me‑

nos de 5 minutos, gerando um enorme choque tér‑

mico e acentuada perda de humidade, pelo que era evidente que as peças tinham de explodir.

O erro revelou que não se tinha dado a devida atenção a esta etapa, pois também não fazia parte da conceptualização teórica da cadeia operatória que nessa altura coordenava o trabalho. Compreendeu‑

‑se então que era necessário adicionar uma etapa de

“pré ‑cozedura” ao modelo (Fig. 1). Ao reflectir sobre este erro é de notar que os oleiros contemporâneos com quem se contactou no estudo não recorriam a esta etapa e após secar muito bem as peças ao ar dispunham ‑nas directamente no forno (de duas câ‑

maras, uma para o fogo e outra para as peças) para cozer. A diferenciação de câmaras no forno permitia que as peças não estivessem em contacto directo com as flutuações térmicas do fogo e as peças iam aquecendo paulatinamente com o forno, sem pro‑

duzir choques térmicos. no caso das fogueiras po‑

rém a lógica operativa tem de ser outra e há necessi‑

dade de uma etapa prévia que permita que as peças percam alguma da sua humidade remanescente, reduzindo o choque térmico, antes de contactarem directamente com as flutuações do fogo. Fica então patente o risco de não dominar as práticas e de mis‑

turar sequências operativas de produção que recor‑

rem a estruturas e lógicas empíricas muito distintas.

3.2. A “experiência” em actividades de divul- gação e didactização

Além da investigação, a certa altura também se per‑

cebeu o interesse e envolvência que a vertente ex‑

(14)

periencial da Arqueologia Experimental poderia ter junto do público, permitindo abordar os materiais arqueológicos cerâmicos de uma forma prática e en‑

volvente, potenciar a participação das populações e sensibilizá ‑las para o conhecimento e protecção do seu património. Este era aliás um dos objectivos traçados para o Projecto Outeiro do Circo (PORFÍ‑

RIO & SERRA, 2012) pelo que se planeou uma se‑

quência de actividades, dirigidas ao público geral, a executar em conjunto com os outros membros do Projecto

13

. O conjunto destas actividades foi gene‑

ricamente intitulado FaCta (fogo, água, Cerâmica e ar) mas assumiu vários subtítulos consoante os sítios para onde foi posteriormente adaptado.

O planeamento das actividades prático ‑didác‑

ticas tinha (e tem) como objectivo didáctico explorar vários aspectos: apresentar materiais arqueológicos de sítios arqueológicos próximos de cada público;

sensibilizar as populações para as características do trabalho arqueológico no geral (e particularmen‑

te para etapas de estudo menos visíveis do que a escavação); envolver as populações nas questões científicas do estudo de materiais arqueológicos e dar ‑lhes a oportunidade de participar; concretizar um evento activo, apelativo e lúdico.

As actividades foram planeadas de acordo com as etapas da cadeia operatória de modelação e co‑

zedura e por isso consistem em duas Oficinas que partem da introdução ao tema e identificação das principais questões, para o desafio directo de ex‑

perimentar reproduzir ou imitar as práticas atribu‑

ídas aos períodos pré e proto ‑histórico. São ainda complementadas com a observação de material didáctico antigo ou experimental (físico e/ou escri‑

to) para comparação e registo.

A actividade decorreu pela primeira vez em 2013 em Mombeja (Beja) e após o seu grande sucesso procurou dar ‑se ‑lhe maior mobilidade, de modo a poder aplicá ‑la em vários sítios. na ausência de um enquadramento institucional, foi necessário dar ‑lhe um enquadramento empresarial que comportasse

13

Eduardo Porfírio, Miguel Serra, Sofia Silva e Diana Fernandes.

as exigências inerentes à mobilidade e execução.

A actividade foi então adaptada e realizada também em Arouca (2015), no ATL de Penedo Gordo (Beja) (2015) e, mais recentemente, em nelas (2017), em colaboração com entidades ou arqueólogos locais.

Apesar do interesse que tem suscitado, as dificulda‑

des logísticas e financeiras que a mobilidade implica têm limitado significativamente a sua disseminação.

Outra actividade de divulgação, neste caso tam‑

bém com uma vertente analítica significativa (como aliás foi o primeiro FaCta em Mombeja), foi um pro‑

jecto de nome comprido, financiado pela Associa‑

ção dos Arqueólogos do Algarve (AAA)

14

, dirigido a alunos da Licenciatura em Arqueologia. Intitulou ‑se

“Tu fazes, eu parto… juntos colamos. Contributos da Etnografia e da Arqueologia Experimental na inter­

pretação de cerâmicas e realizou ‑se no Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra em 2013.

neste caso a actividade pretendeu envolver e di‑

namizar o interesse pela Arqueologia Experimental, e pelo seu método específico, junto de alunos que poderiam vir a ser profissionais da área. Por isso, as actividades foram mais aprofundadas, controladas, e as três Oficinas dirigiram ‑se a mais etapas da ca‑

deia operatória: Modelação, Cozedura, Selagem e Uso, culminando na fractura das peças. neste caso a didactização teve uma forte componente de iden‑

tificação das variáveis a testar, foram implementadas várias técnicas de controlo e registo e foi enfatizada a observação e comparação de resultados entre os grupos experimentais. Alguns dados, provenientes das experiências mais controladas destas sessões, foram depois considerados no trabalho já mencio‑

nado (OSÓRIO, 2013, 2017).

Um dos aspectos muito significativos destas ses‑

sões didácticas (sobretudo as mais controladas) foi o seu potencial também para a investigação, sobre o qual também se pode reflectir de forma útil. Es‑

14

Também com a colaboração dos colegas do Projecto Outeiro do Circo e ainda com o apoio logístico e/ instrumental do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra, particu‑

larmente da Doutora Raquel Vilaça, dos centros de I&D CEMUC

e CEAACP e cedência de espaço pela Misericórdia de Coimbra.

(15)

tes contextos podem ser úteis à investigação por permitirem que o investigador, ao invés de se situar dentro das suas práticas e das que experimental‑

mente tem ensaiado, possa sair delas, como obser‑

vador, e aperceber ‑se do que fazem outros quando exploram os materiais. Embora a maioria dos(as)

“oleiros(as)” destas actividades fosse completa‑

mente inexperiente (e talvez por isso mesmo), a sua abordagem à preparação das matérias ‑primas, à modelação ou reprodução formal e a alguns por‑

menores da cozedura e uso revelou não só muitas dificuldades e pré‑conceitos, como também mos‑

trou soluções inesperadas que se tornaram variáveis a analisar no futuro.

De facto, como muito bem sintetizou Eduardo Porfírio “…é relativamente frequente os participan‑

tes salientarem no objecto pormenores e caracterís‑

ticas diferentes daquelas que são valorizadas pelo arqueólogo” (PORFÍRIO, 2015, p. 42) e são essas que tentam imitar recorrendo aos seus recursos mentais, desligados do discurso arqueológico. Por exemplo, um dos aspectos em que ficou patente a diferença entre arqueólogos e não arqueólogos du‑

rante as experiências de modelação foi o facto de os arqueólogos, ou estudantes de arqueologia, ao re‑

plicar formas do Bronze Final, acentuarem frequen‑

temente as carenas das peças, a tal ponto que estas ou se deformavam, ou tinham um aspecto comple‑

tamente diferente das que queriam reproduzir. Esta preocupação esteve muito menos presente em não arqueólogos que, ou ignoraram completamente as carenas, ou criaram pequenos ressaltos, a esse nível mais próximos do aspecto das peças arqueológicas (e em outros bastante distintos).

4. A ARQUEOLOGIA EXPERIMENTAL EM PORTUGAL

Os trabalhos de investigação portugueses que re‑

correm à Arqueologia Experimental são ainda es‑

cassos. no entanto a quantidade de estudos e publicações sofreu um incremento significativo, pelo que a aceitação e aplicação deste método em Portugal parece estar a mudar. De modo a quanti‑

ficar as publicações sobre este assunto relativas a Portugal decidiu ‑se consultar a base de dados on‑

line da EXARC

15

sobre bibliografia de Arqueologia Experimental (FLORES & PARDEKOOPER, 2014) para ver o que dela constaria. A pesquisa às publica‑

ções sobre Portugal embora tivesse remetido para múltiplos textos permitiu identificar apenas sete publicações com dados de investigações experi‑

mentais relativas a Portugal. A essas sete referências somam ‑se aqui várias outras indicadas na lista de

“Referências bibliográficas a trabalhos de Arqueo‑

logia Experimental em Portugal” individualizada na Tabela 1, no fim do texto. O seu conhecimento deri‑

va do interesse da autora e de alguma pesquisa, que é assumidamente não exaustiva, mas que se pensa poder dar mote à reflexão e servir de base explora‑

tória a quem queira conhecer o que já foi feito.

É de notar que a quase totalidade (30) dos 33 trabalhos aqui referenciados, em que a Arqueologia Experimental é relevante na investigação ou poten‑

ciadora de didactização, data do séc. XXI, alguns ainda do final do primeiro decénio (6) e a maioria já do segundo (24). Ou seja, são trabalhos particu‑

larmente recentes. Esta situação não significa que anteriormente não se tenham feito observações ou testado experimentalmente alguns princípios.

Por exemplo, nos anos 70 e no caso das cerâmicas com decorações brunidas Gil Migueis de Andrade assume ter ensaiado a técnica de brunir

16

, que ob‑

servou entre os oleiros de Estremoz (VICEnTE &

AnDRADE, 1971, p. 232). num outro artigo tam‑

bém de Gil Migueis de Andrade, mas agora com Gustavo Marques (MARQUES & AnDRADE, 1974, p. 140), os autores indicam ter recorrido ao “ensaio

15

A EXARC (European Exchange on Archaeological Re‑

search) é uma organização internacional, sem fins lucrativos e sedeada na holanda, dedicada à Arqueologia Experimental e a “Museus Arqueológicos a Céu ‑aberto” (Archaeological Open Air Museums), razão pela qual é afiliada do ICOM. A base de dados bibliográfica pode ser consultada em https://exarc.net/

bibliography (consultada em Setembro de 2017).

16

Provavelmente por isso, revela no seu trabalho uma melhor

compreensão dos processos de brunimento e seus diferentes

efeitos do que vários trabalhos posteriores, o que se reflectiu na

classificação dos artefactos.

(16)

experimental do processo de fabrico” de recipien‑

tes, no entanto não descrevem as experiências. Esta situação repetiu ‑se certamente em inúmeros casos aqui não coligidos e que evidenciam como a com‑

ponente experimental esteve presente em estudos anteriores. no entanto, não deixou de constituir um aspecto lateral ao desenvolvimento da Arqueologia nacional. É de referir ainda que frequentemente este tipo de experiências foi mais experiencial do que ex‑

perimental (CUnnInGhAM et al., 2008, p. v ‑viii), gerando evidentes vantagens individuais mas pro‑

duzindo descrições difíceis de comparar, pelo que não permitem produzir publicações sistemáticas que constituam um saber cumulativo controlado.

A investigação em Arqueologia Experimental em Portugal parece estar num ponto de partida e viragem, que se deseja que prospere e que será

muito interessante acompanhar. Sem querer aqui comentar artigos específicos é interessante notar que os temas de investigação revelados nesta com‑

pilação de artigos (que se reitera não ser exaustiva) mostram uma incidência variada mas que tem recaí‑

do sobretudo no estudo da produção e uso de arte‑

factos. Como se observa na Fig. 2, há estudos sobre líticos, cerâmicas, metais e fauna, mas é de notar a ausência de vidros, vidrados, pigmentos e argamas‑

sas. Os estudos que incidem sobre processos pós‑

‑deposicionais são raros, representados apenas por um único estudo de tafonomia, e não se identificou nenhum especificamente sobre a formação de sítios arqueológicos, embora os estudos da produção de líticos e de cerâmicas indiquem pistas que podem ser úteis nesse sentido. Relativamente à Arte, no caso a rupestre, apenas se identificou um estudo.

Os trabalhos sobre estruturas/edificado aqui coligidos embora afirmem recorrer a utensílios e materiais contemporâneos foram resultado de estu‑

dos aprofundados de reprodução, por modelação computacional da morfologia e soluções estruturais (baseando ‑se na informação arqueológica existente e considerando múltiplas variáveis) testando experi‑

mentalmente e de forma controlada uma das solu‑

ções de reconstrução e, num dos casos, testando também a sua utilização. Faz todo o sentido que a

modelação computacional preceda este tipo de estudos porque as variáveis a considerar são inú‑

meras e as oportunidades e custos de produção estrutural são muito diferentes da produção artefac‑

tual. Além destes trabalhos é de evidenciar que se têm reconstruído muitos outros monumentos, mas essas reconstruções estão mais relacionadas com preocupações de conservação e restauro e, que a autora tenha conhecimento, não pretendem obter informação experimental ou funcional.

Figura 2 – Comparação dos temas e períodos das publicações sobre Portugal.

16 14 12 10 8 6 4 2 0

Didática e museologia Arte

Estruturas/edificado Fauna (alimentação e uso) Fauna (tafonomia) Metais (produção e uso) Cerâmica (produção e uso) Líticos (produção e uso)

Paleolítico Mesolítico neolítico Calcolítico I. Bronze I. Ferro Romano Medieval Sem cronol.

(17)

Outro aspecto significativo, revelado pela Fig. 2, é a maior incidência de estudos relacionáveis com o Paleolítico, essencialmente representados por estu‑

dos de líticos (na linha do que ocorreu inicialmente na Europa) mas também de fauna. Para os outros períodos, porém, os estudos são mais episódicos, embora a profundidade/complexidade de alguns possa até ser significativamente maior. Salienta ‑se ainda o facto de aqui não se terem identificado es‑

tudos relativos ao período Medieval e posteriores.

É de questionar se isso resulta dos limites desta amostra de publicações, ou se o legado de fontes escritas (mais directas que as materiais) por parte dos períodos históricos, suscitará menos interesse pela Arqueologia Experimental junto dos especialis‑

tas nacionais destes períodos. Como se terá perce‑

bido pela abordagem deste texto considera ‑se que a Arqueologia Experimental pode ser útil a qualquer período histórico, desde que as questões emanem da investigação específica do mesmo.

É ainda relevante olhar para os autores dos estu‑

dos, sobretudo no que concerne o seu enquadramen‑

to institucional, pois para já tem um reflexo significati‑

vo nas épocas ou tipos de materiais mais estudados.

É pois de notar que a actividade experimental mais constante tem sido desenvolvida em instituições de Ensino Superior ou Museus, de que são exem‑

plos dinâmicos o Instituto Politécnico de Tomar / Museu de Arte Pré ‑histórica de Mação, a Universida‑

de do Algarve e o Museu do Côa, todas com grande ênfase na investigação da Pré ‑história antiga.

Além da investigação é importante referir ain‑

da que a vertente didáctica da componente expe‑

riencial da Arqueologia Experimental também tem sido desenvolvida no país (como reflecte a Fig. 2) e não é de estranhar que alguns dos centros onde se tem produzido a investigação aqui mencionada estejam ligados também à divulgação. De facto a experiência acima descrita do FaCta é apenas um exemplo, bastante modesto, da didactização que tem ocorrido no país com recurso à arqueologia ex‑

perimental (e também a reconstituições). De facto, há projectos de muito maior fôlego, assentes em contextos institucionais com outra dimensão. É pois

de destacar a actividade didáctica desenvolvida no Museu do Côa; a do Museu de Arte Pré ‑histórica de Mação (com o seu projecto denominado Andaka­

tu); ou o trabalho desenvolvido na Quinta do Rou‑

xinol, ligado ao Centro de Arqueologia de Almada.

Como exemplos de reconstituições experienciais são de mencionar ainda as reconstituições em torno do “Clã de Carenque” pela ARQA (Associação de Arqueologia e Protecção do Património da Ama‑

dora), as actividades desenvolvidas pelo Museu de Portimão em Alcalar, em torno da Pré ‑história; ou as actividades em torno da Citânia de Briteiros desen‑

volvidas pela Sociedade Martins Sarmento.

5. CONCLUSÃO

Após reflectir sobre algumas características do método científico/experimental o texto discutiu algumas vantagens da sua aplicação como com‑

plemento ao pensamento arqueológico, através do método da Arqueologia Experimental. O facto de o método permitir a produção de “grupos experi‑

mentais”, cujas variáveis podem ser alteradas como se desejar, permite depois a sua comparação com os “grupos de referência ou controlo” que são os vestígios arqueológicos. Este processo pode permi‑

tir não só um apuramento da taxonomia de classifi‑

cação arqueológica, como permite ainda contrastar aspectos importantes dos modelos arqueológicos contemporâneos (produzidos pelo estudo dos mesmos vestígios arqueológicos de acordo com o pensamento próprio da Arqueologia), gerando um processo de autocrítica que se considera útil e que pode ser contínuo.

Em seguida, partindo de exemplos de experi‑

ências concretas, o texto explorou alguns aspectos de desafio e contraste gerados pela utilização des‑

te método durante o trabalho: “Gestos e Materiais:

Uma abordagem interdisciplinar sobre cerâmicas com decorações brunidas do Bronze Final / I Idade do Ferro” (OSÓRIO, 2017). neste âmbito foi enfa‑

tizado o contributo da Arqueologia Experimental

para a melhoria do modelo de cadeia operatória de

produção de cerâmicas do Bronze Final aí desen‑

(18)

volvido, bem como algumas informações e hipó‑

teses relevantes relativas a estudos ceramológicos, que poderão ser verificadas e mais aprofundadas no futuro com outros estudos.

Por fim o texto reflectiu sobre o aumento de tra‑

balhos de investigação e divulgação que recorrem à Arqueologia Experimental em ou sobre Portugal, evidenciando que esta parece viver um momento de viragem e expansão no país, o que interessará acompanhar. De facto, como nota Martín Schiffer (2013, p.7), se uma das especificidades do pensa‑

mento arqueológico é colocar questões sobre a in‑

teracção entre as pessoas e os artefactos, é possível questionar a ligação contemporânea nacional tão forte à descrição externa dos objectos e alguma re‑

sistência à experimentação na criação e apuramen‑

to das interpretações. Sobretudo quando se consi‑

dera que a experiência (ao identificar, sistematizar e simplificar variáveis) pode ajudar à própria observa‑

ção e descrição.

Esta é no fundo a “provocação” que a autora aqui queria deixar, não para saber o porquê, mas para reflectir se, de facto, não há interesse em olhar mais frequentemente para os vestígios do passado como exemplos passiveis de imitação, com poder informativo acerca dos processos de interacção humana que os geraram. Se se concluir que sim, é

importante ainda reflectir sobre como é que o in‑

cremento da actividade científica experimental em Portugal pode evitar (e aprender com) os percalços e percursos da disciplina/ método, tais como: a de‑

pendência da iniciativa pessoal, a falta de estrutura de experiências desarticuladas, a não integração de modelos teóricos, a não criação ou síntese de mo‑

delos teórico ‑práticos.

Uma vez que já existem conceptualizações teórico ‑metodológicas bem fundamentadas, nas quais esta disciplina e método estão assentes, e que também existem organizações internacionais que pretendem ultrapassar alguns dos problemas enunciados, será interessante que a investigação e didactização da Arqueologia em Portugal se lhes associe com maior proximidade, através dos seus actores principais. Desta perspectiva interessa ainda que a aplicação deste método seja estruturada no programa de ensino nacional de Arqueologia com maior amplitude do que até agora. Simultaneamen‑

te parece aqui claro que o sucesso da actividade lú‑

dica e de dinamização patrimonial propiciado pela vertente experiencial da Arqueologia Experimental potencia a comunicação a vários níveis, acompa‑

nhando um certo “espírito da época”, pelo que se vê todo o interesse em que essa vertente continue a ser explorada e ampliada.

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Tabela 1 – Referências bibliográficas a trabalhos de Arqueologia Experimental em Portugal

Referências

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