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ASPECTOS JURÍDICOS DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL: Descriminalização ou Despenalização da conduta? O Artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006.

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Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS Curso de Direito

Coordenação de Monografia e Pesquisa

PEDRO HENRIQUE DE CASTRO FIQUENE

ASPECTOS JURÍDICOS DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL: Descriminalização ou Despenalização da conduta? O Artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006.

BRASÍLIA 2011

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PEDRO HENRIQUE DE CASTRO FIQUENE

ASPECTOS JURÍDICOS DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL: Descriminalização ou Despenalização da conduta? O Artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006.

Monografia do curso de graduação em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do UNICEUB.

Orientador: Marcus Vinícius Reis Bastos.

BRASÍLIA 2011

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Dedico este trabalho ao meu pai, Paulo Roberto Barbosa Ferreira, e à minha mãe, Marluce Araújo de Castro, que sempre me apoiaram e incentivaram, dando-me todo o suporte necessário para que eu chegasse a tão esperada conclusão da minha jornada acadêmica.

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Agradeço a Deus por ter tornado esse momento possível, enchendo-me de bênçãos todos os meus dias. Aos meus pais, fundamentais tanto na formação da minha vida acadêmica, quanto como pessoa. Muito obrigado pelos momentos de paciência, carinho, apoio e colaboração. Aos professores do Ceub, de modo especial o Promotor de Justiça José Theodoro Corrêa de Carvalho, que me fez abrir os olhos ao problema dos usuários de drogas, e ao Juiz Federal Marcus Vinícius Reis Bastos, meu orientador, que muito colaborou e foi essencial na elaboração desta monografia. Ao advogado André Henrique Lehenbauer Thomé, colega de trabalho que, não só contribuiu em muito para o meu aprendizado no direito, como também ajudou na conclusão do presente trabalho. Por fim, aos meus inesquecíveis amigos que estiveram juntos comigo durante esta longa jornada acadêmica. A todos vocês, o meu mais sincero obrigado!

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A presente monografia tem por finalidade analisar o Art. 28 da nova Lei de Drogas (11.343/2006), no qual, ao retirar a aplicação da pena privativa de liberdade aos usuários de drogas e implementar outras medidas mais benéficas, acabou por instaurar um interessante debate doutrinário acerca da despenalização ou descriminalização da conduta. Desta feita, serão apresentadas os argumentos de cada corrente doutrinária e a posição do STF a respeito de tão polêmica questão, por intermédio do Recurso Extraordinário 430.105, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, sem se olvidar, todavia, de se adentrar no mérito se o legislador agiu acertadamente ao prever tal medida.

PALAVRAS-CHAVE: Entorpecentes. Porte para consumo próprio.

Descriminalização. Despenalização.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 4

1. CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS LEIS DE DROGAS NO BRASIL 6 1.1. Conceito de drogas e seus efeitos ... 6

1.2. Evolução Histórica ... 11

2. POLÍTICA CRIMINAL DE DROGAS NO BRASIL E NO MUNDO ... 18

2.1. As políticas criminais de drogas ao redor do mundo ... 18

2.1.1.Modelo Norte americano ... 20

2.1.2.Política da redução de danos ... 22

2.1.3.Justiça terapêutica ... 26

2.1.4.Medidas alternativas ... 28

2.2. A política criminal adotada pelo Brasil ... 35

3. O TRATAMENTO DADO AOS USUÁRIOS DE DROGAS, À LUZ DA NOVA LEI 11.343/2006. ... 40

3.1. Art. 28 da Lei nº. 11.343/2006: Despenalização ou descriminalização do usuário? ... 40

3.1.1.Da descriminalização da conduta ... 42

3.1.2.Da despenalização da conduta ... 46

3.1.3.O entendimento do Supremo Tribunal Federal ... 53

3.2. Da natureza jurídica da sanção imposta ao usuário de drogas ... 56

3.3. Art. 290, CPM: antítese jurídica do Art. 28 da Lei Antidrogas. ... 58

CONCLUSÃO ... 60 REFERÊNCAS ... Erro! Indicador não definido.

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INTRODUÇÃO

O presente projeto de pesquisa busca analisar a Lei nº. 11.343, de 23 de Agosto de 2006 – a chamada nova Lei Antidrogas – que, por meio do seu artigo 75, revogou a antiga legislação que tratavam do tema, quais sejam: Lei no 6.368/1976, de 21 de outubro de 1976, e a Lei no 10.409/2002, de 11 de janeiro de 2002.

Dentre as diversas novidades e aspectos polêmicos que envolvem a nova norma, destaca-se o artigo 28, que diz respeito à conduta do porte de drogas para o consumo pessoal. Nele, o legislador viu por bem retirar a pena privativa de liberdade (detenção e reclusão) para o usuário, antes prevista no Art. 16 da Lei nº. 6.368/1976, e estabelecer novas sanções ao agente.

Deste modo, há um significativo debate na doutrina acerca da ocorrência de despenalização ou de descriminalização de tal conduta. Inquestionavelmente, o polêmico tema suscita questões sociais, morais, econômica, jurídicas, médicas e sanitárias e deve, portanto, ser debatido.

Assim sendo, por meio da análise não só da doutrina, mas também da jurisprudência de nossos tribunais, em especial o posicionamento do Pretório Excelso sobre a questão, buscar-se-á, da maneira mais abrangente possível, esclarecer os pontos controversos que culminaram com a edição deste comando legal, visando avaliar exaustivamente toda a polêmica que envolva a matéria, de tal modo que fique bem delimitada a natureza da política criminal adotada pelo legislador brasileiro no que tange à inovação na Lei de Drogas.

A pesquisa será dividida em 3 capítulos, abordando-se, primeiramente sobre o conceitos das drogas e seus efeitos nos organismos das pessoas, bem como a evolução histórica da Lei de Drogas no Brasil, de modo que se possa conhecer como se chegou à atual Legislação Antidrogas.

No terceiro capítulo, dada a grande importância de reflexão sobre o tema, em razão do impacto direto na vida e convivência da sociedade, e consequente

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relevância do tema no universo do direito, serão debatidas as políticas criminais adotadas no Brasil e no mundo.

Esclarecidas as questões preliminares essenciais para a perfeita compreensão da matéria, no quarto capítulo adentrar-se-á no mérito da questão do tratamento dado aos usuários por meio da Lei 11.343/2006, especialmente no que tange a despenalização/descriminalização da conduta e sua respectiva natureza jurídica, fazendo, ainda um comparativo com o Art. 290 do Código Penal Militar, que também dispõe sobre a matéria, entretanto no âmbito militar.

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1. CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS LEIS DE DROGAS NO BRASIL

Antes de se dar início à questão a qual se funda o presente projeto de monografia, qual seja, a descriminalização ou despenalização do usuário de drogas na legislação brasileira, é de suma importância apresentar os conceitos que a doutrina apresenta sobre o verbete “drogas” e suas conseqüências nos organismos das pessoas. Em seguida, será abordado um breve histórico de como e quais foram as transformações da legislação brasileira no que se refere à política de drogas até se chegar na atual, ora em debate.

1.1. Conceito de drogas e seus efeitos

De origem controversa, a palavra droga pode ter origem do persa droa (odor aromático), do hebraico rakab (perfume) ou do holandês antigo droog (folha seca, porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais).1

Maria Silvia Có Freitas, citada por Damásio de Jesus, define droga como:

Qualquer substância natural ou sintética, que ao entrar em contato com o organismo vivo, pode modificar uma ou várias de suas funções; é uma substância química que tem a ação biológica sobre as estruturas celulares do organismo, com fins terapêuticos ou não.2

A lei 11.343/2006, em seu Art. 1º, parágrafo único, traz o conceito de drogas, in verbis:

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;

estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.

1 BONJARDIM, Estela Cristina; MACIEL, Ana Claudia. A delicada situação do usuário de entorpecentes na legislação penal brasileira. [on line]. Disponível em:

<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/view/511/509>. Acesso em:

9 set. 2011.

2 _____. Apud JESUS, Damásio E., Direito Penal, Parte Geral, vol. I. Editora Saraiva, 2002, p. 52.

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Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. (grifou-se)3

No comando legal em análise, dois pontos merecem destaque, a saber:

a) Em comparação com as legislações anteriores que tratavam do assunto – Leis nº 6.368/76 e 10.409/2002 –, a terminologia adotada na lei nova foi alterada: antes utilizava-se o vocábulo “substâncias entorpecentes” (Art. 2º), enquanto que atualmente, “drogas”;

Tal nomenclatura é, contudo, objeto de críticas por parte da doutrina.

Segundo Sídio Rosa:

Sinceramente, prefiro a expressão da lei revogada, haja vista que a droga é produto manipulado, quando a política pública se volta contra toda substância entorpecente, ainda que não seja resultante de algum preparo do homem. A maconha, por exemplo, não conta com qualquer produto químico ou elaboração em laboratório, prestando-se ao consumo na sua forma in natura. Na verdade, melhor é a dominação empregada pelo Decreto nº 79.388, de 14.3.1997, em decorrência da que foi utilizada na Convenção de Substâncias Psicotrópicas, assinada em Viena, a 21.2.1971.4

E completa o raciocínio:

Psicotrópico é toda substância que exerce poder sobre o psiquismo da pessoa humana, inibindo-o ou estimulando-o. Destarte, tal palavra se apresenta como melhor, visto que não exige a manipulação ou preparo. 5

b) Analisando-se a parte final do dispositivo, depreende-se que trata-se de uma norma penal em branco, ou seja, depende da complementação de outra norma, pois, por si só, não é capaz de produzir os efeitos desejados.

3 BRASIL. Lei nº. 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 02 abr.

2011.

4 MESQUITA JUNIOR, Sídio Rosa. Comentários à Lei antidrogas: Lei nº 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 4.

5 Ibid.

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Sobre a norma penal em branco, o renomado doutrinador Rogério Greco assim leciona:

Normas penais em branco ou primariamente remetidas são aquelas em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Isso quer dizer que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de ou outro diploma – leis, decretos, regulamentos, etc. – para que possam, efetivamente ser entendidos os limites da proibição ou imposição feitos pela lei penal, uma vez que, sem esse complemento, seria impossível a sua aplicação.6

Ou seja, para que uma substância ou produto seja classificado como droga, não basta que cause apenas dependência, sendo necessário, ainda, que, para produção dos efeitos desejados, esteja em Lei ou lista elaborada pelo Poder Executivo da União. In casu, a norma que complementa o Art. 1º da Lei Antidrogas é a Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA de nº SVS/MS 344/98, de 12 de maio de 1998, órgão este que é uma autarquia sob regime especial, vinculado ao Ministério da Saúde.

Essa é a explicação, por exemplo, do fato de tanto o cigarro quanto a bebida alcóolica não terem o seu consumo proibido no Brasil, pois, muito embora causem dependência aos seus usuários e, por vezes, consequências mais danosas à saúde, as substâncias que os compõem não são tidas como entorpecentes, para fins de aplicação do Art. 28 da Lei.

Sobre tal questão, Luiz Flávio Gomes assim entende:

Assim, mesmo que uma dada substância seja capaz de causar dependência, enquanto não tiver catalogada em lei ou em lista elaborada pelo Poder Executivo da União (Portaria SVS/MS 344/98), não há tipicidade na conduta daquele que pratique quaisquer das ações previstas nos arts. 33 a 39. O mesmo ocorre em relação à aplicação das medidas destinadas ao usuário e ao dependente (Art. 28).7

6 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial / volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa / Rogério Greco. 5 ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2008. p. 70.

7 GOMES, Luiz Flávio (coord.). Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343/06, 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 26.

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É cediço que as drogas, independente de seu tipo, trazem gravosas consequências, não só psíquicas e físicas, ao seus usuários, mas também trazem dependência física e psicológica, podendo levá-los, inclusive, à morte, caso o seu consumo seja exagerado. É o que se chama de overdose.

De acordo com os exames médico-periciais, podemos concluir que ocorrem danos cerebrais e circulatórios provocado pelo uso excessivo de drogas pelos dependentes químicos. Os danos cerebrais podem se dar em decorrência da interação das drogas com os neurotransmissores ou com a própria lesão do neurônio causado pelo uso de drogas. Quanto ao circulatório, as lesões ocorrem nos vasos, nas artérias, nas veias ou por meio do hipofluxo cerebral. Observa-se que esse fenômeno ocorre pela diminuição do sangue na região cerebral. Exames de cunho funcional e de imagem, subsidiados pelos tradicionais exames consagrados pela Medicina Forense, ajudam o perito no diagnóstico quanto às alterações morfológicas e funcionais provocadas no cérebro pelo uso de entorpecentes, em virtude disso, vai contribuir para uma análise mais apurada e conseqüentemente para uma maior apuração quanto à inimputabilidade penal.8

Entretanto, deve-se destacar também os graves efeitos que elas trazem à sociedade, tais como aumento da criminalidade, desestruturação familiar, gastos públicos no combate ao tráfico e no tratamento de usuários, dentre outros possíveis.

Sobre a questão, o Claudinei José Batista assim versa:

A influência das drogas ilícitas permeia todas as circunstâncias sociais e criminais da sociedade mundial. É um problema grave, que incontestavelmente afeta toda a sociedade, movimenta recursos financeiros vultosos, causa danos sociais explícitos e não apresenta perspectiva de solução no curto prazo.9

8 CRUZ, Ana. As Conseqüências das Drogas. TÍTULO ORIGINAL: Por Que Falar De Drogas?

Publicado no Recanto das Letras, em 31/10/2008 [on line]. Disponível em:

<http://recantodasletras.uol.com.br/discursos/1257376>. Acesso em: 13 jul. 2010.

9 BATISTA, Claudinei José. Artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006 Da posse de drogas para consumo

pessoal [on line]. Disponível em:

<http://www.revista.universo.edu.br/index.php/1direitoconstrucao3/article/view/56/56>. Acesso em:

18 out. 2010.

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A dimensão de tal problema atinge proporções mundiais, ou seja, não só o Brasil, mas também vários países ao redor do mundo, sofrem com os graves problemas sociais acarretados pelas drogas. O autor Peter H. Smith, ao tratar sobre os custos decorrentes do comércio de drogas nos Estados Unidos, México e outros países da América Latina, traz uma situação bastante alarmante, senão vejamos:

Las drogas ilícitas plantean problemas políticos intratables. El abuso, adicción y tráfico han causado costos enormes a los Estados Unidos. Se ha calculado que a finales de los ochenta, las ventas anuales de drogas en los Estados Unidos superaban los 110 mil millones de dólares: más del doble de las ganancias sumadas de las 500 compañias de Fortune. La sangría económica por el abuso de drogas y los accidentes ocasionados por ellas se aproxima a los 60 mil millones de dólares anuales. Cerca de 200.000 niños nacen cada año de madres toxicómanas; casi la mitad de estos niños son “bebés del crack”. Mientras tanto, el costo de aplicación de la ley aumenta continuamente, junto com la violencia en las grandes ciudades de los Estados Unidos: especialmente en Washington, D. C., pero también en Miami, Nueva York, Chicago y Los Angeles.

En América Latina, especialmente en los países productores, los costos son igualmente altos. La concentración de recursos económicos y paramilitares en manos de “cárteles” de traficantes ha presentado un gran desafío a la autoridade gubernamental. Los intereses de los traficantes de drogas han tratado de sovacar las instituciones políticas por medio de sobornos, desafíos, intimidación y, en ocasiones, alianzas con movimientos armados guerrilleros. En particular, Colombia ha experimentado los Dolores del

“narcoterrorismo”, abierta guerra emprendida por el cartel de la cocaína de Medellín contra las instituciones políticas. Esta sangrienta confrontación, declarada em agosto de 1989, había causado por lo menos 550 muertes a finales de 1990; después de una serie de intrincadas negociaciones (sumamente controvertidas), el ritmo de los asesinatos por fin se redujo durante 1991.10

Em que pese tal estudo ter ocorrido no final da década de 80 e início dos anos 90, tal problema é, ainda, bastante atual, alcançando cifras ainda maiores, razão pela qual deve-se dispensar uma atenção especial ao caso ora em análise, a fim de evitar que a situação chegue a um ponto onde não se tem mais volta.

Desta feita, há uma importância do operador do direito em analisar os objetivos, efeitos jurídicos e delimitação do alcance prático da nova legislação Antidrogas, colaborando, assim, “com o desenvolvimento de toda uma política de amenização de efeitos negativos, direitos e indiretos, que as condutas delitivas

10 SMITH, Peter H. El combate a las drogas en América - Peter H. Smith (compilador) - Prólogo de Hugo B. Margáin. México, Fondo de Cultura Económica, 1993. p. 37.

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relacionadas às drogas acarretam”11. Concomitantemente a isso, é primordial que a construção de instrumentos legais esteja pautada pelas garantias fundamentais.

Pelo exposto, fixando-se o entendimento de que só serão consideradas drogas aquelas substâncias que estão proibidas por força da Lei, sendo um rol, pois, taxativo, e dos efeitos causados não só ao usuário, mas também à sociedade em geral, devendo, portanto, ser objeto de análise e estudo por parte do operador do direito ao elaborar e aplicar a norma, torna-se possível passar para o próximo ponto a ser debatido no presente projeto de monografia: a política criminal de drogas no Brasil e no mundo.

1.2. Evolução Histórica

Primeiramente, é de se destacar que o uso de drogas advém desde os primórdios da humanidade. Ou seja, o homem conhece, desde a antiguidade, os efeitos negativos e positivos de tais substâncias que podem tanto salvar, quanto destruir vidas. Segundo Tadeu Lemos:

Há indícios de que o homem usa esse tipo de substância há mais de dez mil anos antes de Cristo (período neolítico), provavelmente como uma forma de vivenciar experiências místicas ou curar seus males. Por muitos séculos as drogas mais usadas pelo homem foram o ópio, a cannabis e o álcool, sempre associadas a suas possíveis propriedades terapêuticas ou em rituais místicos, como uma forma de aproximação com os deuses. Porém, com o passar dos anos, o uso passou a adquirir um caráter recreativo e abusivo.12

Ricardo Ubaldo Moreira e Moraes relata que:

A utilização de drogas pelo ser humano já ocorria desde as civilizações antigas, como os egípcios e os maias, inclusive os índios brasileiros, que já possuíam técnicas para fabricação rudimentar de substâncias calmantes,

11 BATISTA, Claudinei José. Artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006 Da posse de drogas para consumo

pessoal [on line]. Disponível em:

<http://www.revista.universo.edu.br/index.php/1direitoconstrucao3/article/view/56/56>. Acesso em:

18 out. 2010.

12 LEMOS, Tadeu. Ações e Efeitos das Drogas de Abuso. In: Prevenção ao uso indevido de drogas/

Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Diretoria de Políticas e Programas Educacionais. Coordenação de Desafios Educacionais Contemporâneos. – Curitiba:

SEED – Pr., 2008. p. 152 – (Cadernos temáticos dos desafios educacionais contemporâneos, 3).

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alucinógenas ou curativas, retiradas, basicamente, de frutos, cascas de árvores e fluidos de animais.13

Entretanto, somente no final do século XIX é que se tem um primeiro registro de discussão sobre as drogas na humanidade. Segundo Moraes:

No cenário internacional, deve ser ressaltado que o primeiro registro de discussão sobre o tema teve, na realidade, conotações políticas. No final do século XIX, a China despontava como grande produtora de ópio, causando temor na Inglaterra, a grande potência econômica da época.

Os ingleses, para evitar o crescimento econômico da China, instituíram diversas medidas sancionatórias à produção e comércio do ópio, como os Tratados de Nanquin e Tientsin, aproveitando-se da chamada Guerra do Ópio, iniciada pelo próprio governo chinês14

No Brasil, contudo, a questão foi pela primeira vez abordada pelo Código Penal Republicano de 1890 que, muito embora punisse quem colocasse à venda ou ministrasse as “substâncias venenosas” – nomenclatura dada às drogas na época –, nada dispôs sobre os seus usuários.

Entretanto, ainda era adotada uma concepção do modelo sanitário, e o uso de drogas invadia todos os tipos de classes e podiam ser encontradas com facilidade nas prateleiras das farmácias15.

A Primeira Convenção Internacional do Ópio, ocorrida em 23 de janeiro de 1912, e que culminou na assinatura do Convênio da Haia, foi um marco histórico no controle internacional de drogas, regulando acerca da produção e a comercialização da morfina, heroína e cocaína.

Em 1932, porém, por intermédio do Decreto 20.930, de 11 de junho do referido ano, passou a criminalizar a posse ilícita das drogas e punir quem violasse os regulamentos sanitários.

13 MORAES, Ricardo Ubaldo Moreira. Nova Lei Antidrogas: Principais inovações da Lei nº.

11.343/2006. [on line]. Disponível em:

<http://www.investidura.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=574:nova-lei- antidrogas->. Acesso em: 2 set. 2011.

14 Ibid.

15 BATISTA, Nilo. Política criminal com derramamento de sangue. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 20, 1997, p. 133.

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Pouco tempo depois, o Decreto n°. 2.994, de 17 de Agosto de 1938,

“promulga a Convenção para a repressão do trafico ilícito das drogas nocivas, Protocolo de Assinatura e Ato final, firmado entre o Brasil e diversos países, em Genebra, a 26 de junho de 1936, por ocasião da Conferência para a repressão do trafico ilícito das drogas nocivas”.

A Convenção de Genebra a qual o aludido Decreto faz referência, e que cujo seu inteiro teor estava anexo a este, previa, em seu Art. 2o, que:

Cada uma das Altas Partes contratantes se compromete a baixar as disposições legislativas necessárias para punir severamente, e sobretudo com pena de prisão ou outras penas privativas de liberdade, os seguintes atos:

a) fabricação, transformação, extração, preparação, detenção, oferta, exposição à venda, distribuição, compra, venda, cessão sob qualquer título, corretagem, remessa, expedição em trânsito, transporte, importação e exportação dos estupefacientes, contrarias às estipulações das referidas Convenções;

b) participação intencional nos atos mencionados neste artigo;

c) sociedade ou entendimento para a realização de um dos atos acima enumerados;

d) as tentativas e, nas condições previstas pela lei nacional, os atos preparatórios.16

Destarte, ainda no ano de 1938, o Brasil promulgou em 25 de novembro o Decreto-Lei 891, no qual, além de aprovar a lei de fiscalização de entorpecentes, estabeleceu, em seu Art. 27, que a toxicomania foi tida como doença compulsória, passível de internação que, dependendo do caso poderia, ser obrigatória ou compulsiva:

Art. 27 - A toxicomania ou a intoxicação habitual, por substâncias entorpecentes, é considerada doença de notificação compulsória, em caráter reservado, à autoridade sanitária local.17

16 BRASIL. Decreto-Lei 891, de 25 de Novembro de 1938. Disponível em

<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-2994-17-agosto-1938-348813- publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 02 set. 2011.

17 BRASIL. Decreto n°. 2.994, de 17 de Agosto de 1938. Disponível em

<http://www.anvisa.gov.br/legis/decreto_lei/891_38.htm>. Acesso em: 02 set. 2011.

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Contudo, no meio período que houve até a entrada em vigência do Código Penal Brasileiro em 1942 (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro), novos decretos foram editados. Segundo Ubaldo:

Em 1941 foi promulgado novo Decreto-lei, de n°. 3.114 (alterado em 1946 pelo Decreto-lei n°. 4.647), que criou a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes e prevendo sua composição (art. 1°); sujeitando o trânsito de substâncias entorpecentes à licença concedida por esta Comissão (art.

2°) e alterando alguns dispositivos do Decreto-lei n°. 891/38 (arts. 3° e 4°).

Em 1942 foi editado o Decreto-lei n°. 4.720 que fixou normas gerais para o cultivo de plantas entorpecentes, e para a extração, transformção e purificação de seus princípios ativo-terapêuticos.18

O Código Penal Brasileiro, ainda em vigor, trazia à época, em seu Art.

281, a diferenciação entre as condutas de tráfico e consumo, tal qual como ocorria Decreto de 20.930, de 1932. Entretanto, tal dispositivo veio a ser modificado posteriormente pelo Decreto (385/68), onde houve a equiparação do usuário ao traficante, sendo assim ambos penalizados de formas idênticas.

Porém, somente a partir na década de 70, instituía-se um sistema proibicionista coroado pela política criminal antidrogas brasileira, advogando que para uma dada harmonização da sociedade seria necessária uma lei penal opressora, alcançando, assim, o controle social desejado.19

Após esta sequência de leis e decretos, alcançou-se a lei 5.726/71, que veio a modificar o Código Penal vigente, quanto ao seu artigo 281 e respectivos parágrafo nos mesmos moldes do decreto 385/68, determinando um sistema penal próprio, de rito sumário, e que seria apenas subsidiado pelo Código de Processo Penal.20

18 MORAES, Ricardo Ubaldo Moreira. Nova Lei Antidrogas: Principais inovações da Lei nº.

11.343/2006. [on line]. Disponível em:

<http://www.investidura.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=574:nova-lei- antidrogas->. Acesso em: 2 set. 2011.

19 CARVALHO, Salo de. A política criminal das drogas no Brasil: do discurso oficial às razões da descriminalização. 2. ed. Rio de Janeiro: LUAM, 1997. p. 25

20 BONJARDIM, Estela Cristina; MACIEL, Ana Claudia. A delicada situação do usuário de entorpecentes na legislação penal brasileira. [on line]. Disponível em:

<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/view/511/509>. Acesso em:

9 set. 2011.

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No ano de 1976, então, foi editada a Lei nº 6.368, onde criminalizava o porte de drogas, sem diferenciar, ainda, o usuário do traficante. Em seus Arts. 1o a 11 apresentava as regras de prevenção, tratamento e recuperação (Capítulos I e II), enquanto que nos Arts. 12 a 19 dispunha sobre os crimes e penas (Capítulo III) e, por fim, nos Arts. 20 a 35, estabelecia os procedimentos criminais a serem adotados para as aludidas infrações (Capítulo IV), acompanhado, em seguida, das disposições gerais (Capítulo V).

O Art. 16 da referida Legislação, por exemplo, impunha ao usuário a pena de detenção de 6 meses a 2 anos, sem prejuízo do pagamento de multa no valor de 20 a 50 dias-multa, in verbis:

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.21

Sobre a Lei 6.368/76, Ricardo Rodrigues Gama entende que:

Foi um progresso, sendo atestada pelo longo tempo de vigência. Desta forma, ressalta, ainda que tal norma conseguisse atingir o objetivo de sua época ao iniciar a política de prevenção e repressão das práticas de tráfico e uso de drogas.22

Contudo, este não é o mesmo entendimento de Bonjardim e Maciel.

Segundo as autoras:

Destarte, a nova lei detinha-se da mesma forma que a anterior à detenção, à prevenção e à punição ao uso de drogas. A diferença mais gritante entre a nova lei e a anterior seria em respeito aos crimes e as penas, disciplinados agora no capitulo III da lei 6368/76. Enquanto a lei antiga penalizava da mesma forma tanto o tráfico quanto o consumo, a nova lei agravou a pena para o traficante e abrandou a mesma em relação ao usuário. Porém continua tão repressiva e tão confusa quanto a anterior, não contendo em seus dispositivos uma definição razoável do que a vem a ser traficante, ou seja, como diferenciar o usuário do traficante? Em que circunstâncias esta lei não dará margens às injustiças sociais que são cometidas reiteradamente em nosso país, condenando pessoas de bens, cujo único erro é o consumo de drogas. Esta lei já nasce com o peso de substituir

21 BRASIL. Lei nº. 6.368, de 21 de Outubro de 1976. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6368.htm>. Acesso em: 10 set. 2010

22 GAMA, Ricardo Rodrigues. Nova Lei sobre drogas. Lei nº 11.343/06 Comentada. Campinas:

Russel Editores, 206, p. 26.

(19)

então uma lei inexeqüível pelas suas proposições; nasce sem muita discussão legislativa em virtude do seu caráter de urgência; nasce sem preocupação com a problemática social; nasce propondo-se a tentar resolver o problema das drogas, sem proporcionar meios de fazê-lo.23

Com a edição da Lei 9.099, de 26 de setembro de 2005, no qual dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, previu-se a possibilidade de imposição de penas alternativas àqueles crimes cuja pena máxima não ultrapassasse o limite de 2 anos. Dessa forma, preenchido tal requisito, tornou-se possível aos usuários utilizarem-se de tais benefícios, podendo transacionar com o Ministério Público, desde que o réu não fosse reincidente dentro do período de 5 anos.

Em 2002, com a promulgação da Lei nº 10.409, em 11 de janeiro, buscou- se substituir a anterior sobre o tema – Lei nº 6.368/76, contudo sem lograr êxito. Isso porque a nova lei, face a presença de diversos conflitos e contradições, foi alvo de vários vetos por parte do Congresso Nacional, evitando-se assim a progressão de novas perspectivas sociais.

À título exemplificativo, todo o Capítulo III – Dos Crimes e das Penas – que englobava os artigos 14 ao 26 – fora vetado, sob o argumento da existência de vício de inconstitucionalidade do Art. 21 (afronta ao Art. 5, incisos XXXIX, XLVI, XLVII, alínea “b”, CF), tendo em vista que deixou de fixar normas precisas quanto a limites e condições das penas cominadas, contaminando, também, os Arts. 19 e 20 da referida lei. Ademais, ainda nas razões do veto, no que se refere ao Art. 14, a inclusão dos verbos “financiar” e “traficar ilicitamente” contêm o risco, ainda que remoto, de provocar profunda instabilidade no ordenamento jurídico.

Desta feita, não tendo sido alcançado o seu objetivo, a lei vigorava em sua parte que não fora vetada – referente ao procedimento investigatório e processual (Capítulos IV e V) – juntamente com a antiga legislação – em sua parte material. Diante desse impasse, sobreveio a necessidade de se criar uma única lei

23 BONJARDIM, Estela Cristina; MACIEL, Ana Claudia. A delicada situação do usuário de entorpecentes na legislação penal brasileira. [on line]. Disponível em:

<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/RFD/article/view/511/509>. Acesso em:

9 set. 2011.

(20)

que tratasse sobre o assunto, o que culminou com a edição da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que, em seu Art. 75, revogou as normas anteriores.

A nova legislação, indubitavelmente, tem uma tendência prevencionista e busca a reinserção do usuário, punindo severamente o tráfico de drogas. Segundo Luiz Flavio Gomes:

A partir da nova legislação criou-se o SISNAD – Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, onde sua tarefa é articular, integrar, organizar e coordenar toda política brasileira concernente à prevenção do uso indevido de drogas, atenção e reinserção social dos usuários e dependentes assim como com a repressão à produção e tráfico ilícito de drogas.24

Na referida norma, em seu Art. 28, o legislador viu por bem retirar a pena de prisão prevista anteriormente, e punir o usuário com medidas distintas da preventiva de liberdade, tais como tratamentos ou advertência sobre os efeitos da droga. Em razão disso, levantou-se na doutrina uma discussão acerca da despenalização ou descriminalização da conduta, matéria esta, que será debatida no presente projeto.

24 GOMES, Luiz Flávio (coord.). Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343/06, 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 7.

(21)

2. POLÍTICA CRIMINAL DE DROGAS NO BRASIL E NO MUNDO

Indubitavelmente, é de suma importância a análise da questão apresentada, tendo em vista que se trata de um assunto de ordem pública, carecendo de especial atenção não só dos legisladores e juízes no exercício da atividade jurisdicional, mas também da população como um todo. Isso porque o consumo de drogas tem crescido a passos largos na sociedade brasileira, devendo tal conduta ser reprimida de maneira eficaz pelo Estado.

Portanto, não só as implantações de políticas preventivas tornam-se necessárias, mas também as repressivas, por meio da criação de métodos que ressocializem o usuário perante à comunidade, evitando, assim, sua marginalização na sociedade, o que pode trazer gravosas e conhecidas consequências, como por exemplo, o crime e outras anteriormente tratadas.

Passa-se a analisar, então, os tipos de política criminal adotados em outros países, em especial os Estados Unidos e alguns europeus, fazendo-se, ainda, ao final, uma comparação com a política adotada pelo Brasil, de modo a se verificar se o nosso país seguiu a tendência mundial.

2.1. As políticas criminais de drogas ao redor do mundo

Antes de se adentrar ao tema, é de suma importância trazer à baila o conceito de política criminal. Acerca de tal termo, Eugenio Raúl Zaffaroni e Nilo Batista trazem os seguintes conceitos:

A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos.25

Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem novas ou antigas propostas do direito penal, das revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema

25 ZAFFARONI, E. R; PIERANGELI, J. H. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 2ª ed.

Revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999 – (RT Didáticos). p. 132.

(22)

penal, dos avanços e descobertas da criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se política criminal.26

O autor Claudinei José Batista aduz que a política criminal trabalha com duas vertentes, quais sejam: uma de caráter prático e outra de caráter teórico/crítico.

A primeira diz respeito à definição e programação da proteção dos bens jurídicos considerados relevantes, enquanto que a segunda, trata do aprimoramento dos mecanismos de proteção, servindo de orientação a doutrinadores, executores e legisladores, com vistas a prevenir, reprimir e aplicar sanções às diversas modalidades de criminalidade.

Não obstante, trata ainda a questão da humanização da execução penal, que consiste na idéia de ressocializar o condenado através de determinadas medidas/pressupostos essenciais, ou seja, nas palavras de Batista:

Deve-se procurar aplicar a melhor forma, prática e teórica, de reeducação com a finalidade e facilitar sua reinserção na sociedade. Os pressupostos básicos para o processo são: humanização das prisões, progressão penal promovendo maior contato com o mundo real, profissionalização e integração com a comunidade e busca de medidas alternativas à prisão.27

Ainda sobre política criminal, o jurista Luiz Flávio Gomes relata que há quatro tendências possíveis que dizem respeito à questão do tráfico e, conseqüentemente, do uso de drogas, senão vejamos:

a) modelo norte-americano: prega a abstinência e a tolerância zero. De acordo com a visão norte-americana, as drogas constituem um problema policial e particularmente militar; para resolver o assunto, adota-se o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas; "diga não às drogas"

é;

b) modelo liberal radical (liberalização total): a famosa revista inglesa

"The Economist", com base nos clássicos pensamentos de Stuart Mill, vem enfatizando a necessidade de liberar totalmente a droga, sobretudo frente ao usuário; salienta que a questão da droga provoca distintas conseqüências entre ricos e pobres, realçando que só pobres vão para a cadeia;

26 BATISTA, N. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p.

27 34.

BATISTA, Claudinei José. Artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006 Da posse de drogas para consumo

pessoal. [on line]. Disponível em:

<http://www.revista.universo.edu.br/index.php/1direitoconstrucao3/article/view/56/56>. Acesso em:

18 out. 2010.

(23)

c) Justiça terapêutica: propugna pela disseminação do tratamento como reação adequada para o usuário ou usuário dependente. “É patente a confusão que faz entre o usuário e o dependente“;

d) modelo da "redução de danos" (sistema europeu): em oposição à política norte-americana, na Europa adota-se uma outra estratégia, que não se coaduna com a abstinência ou mesmo com a tolerância zero.28

Nos subtópicos a seguir, buscar-se-á aprofundar em cada um desses modelos, ainda que suscintamente, de modo que fique bastante claro os argumentos defendidos por cada um deles.

2.1.1. Modelo Norte americano

O modelo norte-americano adota uma política repressiva, pautada no forte proibicionismo em relação às drogas. Ao longo dos anos, os Estados Unidos elaborou leis cada vez mais rígidas, prevendo severas penas aos usuários e traficantes de drogas.

Para se ter uma idéia, no ano de 1956 a proibição chegou ao ápice, com a introdução da pena de morte pelo governo federal, aplicável em tese a qualquer pessoa acima de dezoito anos que fornecesse heroína a um menor de idade (embora aparentemente ninguém tenha sido executado com base nesse estatuto).

Como se não bastasse, as “sentenças mandatórias mínimas” no caso de drogas (mandatory minimum sentences) foram estendidas para dez anos.29 No ano de 1988, com a Anti-drugs Abuse Act, os traficantes seriam punidos com a pena de morte.

A opção pelo modelo proibicionista nos EUA foi positivada com a edição da primeira legislação ocidental que punia o uso e a venda de psicoativos, o Harrison Act de 1914, e também pela implementação da política da “Lei Seca”, entre 1919-1933, considerando ilícito o consumo e a venda de álcool no país.30

28 GOMES, L. F. Nova lei de tóxicos não prevê prisão para usuário. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1141, 16 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8790>. Acesso em: 24 mai. 2010.

29 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 52.

30 Ibid. p. 50.

(24)

Entretanto, historicamente, após a edição de vários decretos e leis com fundo proibicionista, tal modelo foi marcado pelo fracasso em relação à efetiva redução do consumo de drogas. Pelo contrário, no decorrer dos anos houve um substancial aumento com relação ao seu consumo, através da transferência da comercialização da venda de entorpecentes para o mercado ilícito, sendo que tal estatística só tende a crescer com este tipo de política.

Segundo Boiteux:

Tais medidas até hoje não surtiram efeito; pelo contrário, pois se detectou o constante aumento da demanda e da oferta por drogas. Foram então investidos milhões de dólares pelos EUA em repressão, fumigação de cultivos nos países produtores, compra de armamentos, fortalecimento das polícias, construção de penitenciárias e operações internacionais na América do Sul, em especial na Colômbia, com o reforço da atividade militar no combate às drogas.31

Contudo, mesmo diante de sua inefetividade, o modelo norte-americano, também conhecido como “war on drugs”, influenciou a política criminal de alguns países, dentre eles o Brasil, e intentou, ainda, elaborar um modelo internacional único, com a Convenção da ONU de 1961 sobre entorpecentes.

Ainda hoje, a repressão aos entorpecentes integra a política exterior dos EUA, que são o maior mercado consumidor de drogas no mundo, e impõem aos países produtores meta de redução e erradicação das culturas proibidas. Para isso, não poupa esforços nem dinheiro, e ameaça com cortes de ajuda militar e econômica aos países em desenvolvimento que não se amoldem à sua política de drogas.32

Atualmente, toda a codificação sobre drogas nos Estados Unidos, crimes e sanções, encontra-se no título 21 – “Food and Drugs” – do United States Code (US Code), dotando, inclusive, certa semelhança com a lei brasileira.

31 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 55.

32 Ibid. p. 56.

(25)

Na referida legislação, a posse de drogas é considerada crime e está prevista no Art. 844-a – Unlawful acts; penalties –, cujas penas dependerão de fatores como tipo de droga consumida, quantidade apreendida, reincidência do usuário, consistindo desde multa administrativa com valores que podem chegar até US$ 10 mil (aplicável por o máximo duas vezes) até a pena de reclusão de vinte anos, aplicável ao usuário de crack.

Diante da conduta de se prever penas de prisão aos usuários, sendo os Estados Unidos, junto com a Rússia, os maiores encarceradores do planetam com mais de dois milhões de presos, Boiteux conclui então que “trata-se de uma política contraditória, que não vem colhendo vitórias, não obstante continue ser seguida na esfera internacional, tendo em vista a importância geopolítica dos Estados Unidos como potência no mundo atual”33.

Ainda a mesma autora:

O objetivo visado pelo legislador americano de dissuadir os delinqüentes por meio das duras penas previstas em lei, no entanto, não vem sendo alcançado, diante dos números divulgados pelo último relatório mundial de drogas editado pela ONU, que demonstra que não foi reduzida a oferta ou a demanda por drogas, apesar do enorme número de presos.34

Contudo, diante do evidente fracasso no que se refere às políticas proibicionistas, encabeçadas, como visto anteriormente, pelo modelo norte- americano, passou-se a refletir-se sobre a questão das drogas, especialmente no que tange à prevenção e da epidemiologia.

2.1.2. Política da redução de danos

Diante de tal cenário, surge então, no final de década de 80, a chamada

“política de redução de danos”, que visa basicamente reduzir os danos à saúde em consequência de práticas de risco provenientes do uso de drogas, sendo, portanto, uma estratégia de saúde pública.

33 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 56-57.

34 Ibid. p. 62.

(26)

Destarte, trata-se de uma política direcionada àquelas pessoas que já tiveram um primeiro contato com a droga, onde a política preventiva, a primeira a ser adotada para se evitar os problemas decorrentes de seu uso, através da divulgação de informações, esclarecimentos, palestras e campanhas, veio a falhar, não tornando-se mais efetiva a essa pessoa.

Segundo a autora Elisângela Melo Reghelin:

O modelo ou estratégia preventiva de redução de danos é uma tentativa de minimização das consequências adversas do consumo de drogas, do ponto de vista da saúde e de seus aspectos sociais e econômicos sem, necessariamente, reduzir esse consumo.35

Ou seja, segundo tal teoria não se exige necessariamente a imediata cessação total do uso das drogas, mas sim a sua redução até que se chegue ao desejável momento de abstinência, a médio-longo prazo, havendo, portanto, um controle médico-sanitário sobre as drogas.

Desta forma, há um ideal contrário àquele preconizado pelo proibicionismo, buscando-se sempre a reinserção social do usuário de drogas e a melhoria das suas condições de vida. Contudo, nada impede que tal política seja adotada em conjunto com o proibicionismo, desde que, segundo Boiteux, “assuma uma modalidade menos radical, e admita uma maior interferência médico-social na problemática da droga36”.

35 REGHELIN, Elisângela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido de drogas injetáveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 74. In: RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 69.

36 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 69.

(27)

São algumas medidas adotadas pela política de redução de danos das drogas:

i) educação e informação sobre os riscos aos usuários;

ii) distribuição de seringas;

iii) acolhimento do dependente e disponibilização de tratamento médico voluntário;

iv) criação de narco-salas, ou locais de consumo permitido;

v) implementação de programas de substituição;

vi) prescrição de heroína a viciados;

vii) programas de reinserção social e de melhoria da qualidade de vida dos viciados.37

Dentre tais estratégias que visam a reinserção/redução de danos ao usuário, sem dúvidas, as mais polêmicas e, consequentemente, mais difíceis de ser aceitas, em um primeiro momento, pela sociedade, é a criação de narco-salas, substituição das drogas e a prescrição de heroína a viciados.

As “narco-salas” são “locais onde os usuários podem fazer uso de entorpecentes (especialmente heroína), de forma limpa e segura, sem o risco de repressão policial, e ainda obter informações para se conscientizarem dos riscos do uso, evitar overdoses e a contaminação”38. Muito embora não exista registros no Brasil, as narco-salas são uma realidade em alguns países da Europa, tais como Suiça, Alemanha, Holanda e Espanha, bem como, mais recente, na Austrália e Canadá.

A substituição, segundo Boiteux:

É uma forma de tratamento médico para dependentes de opiáceos (em especial de heroína) baseada na utilização de substância semelhante ou idêntica à droga normalmente consumida como forma de reduzir os riscos desse consumo e facilitar o processo de desintoxicação. Pode ter duas formas: i) manutenção, em que se fornece ao paciente uma quantidade suficiente para reduzir comportamentos de risco e danos relacionados com o consumo; ii) desintoxicação, em que a quantidade de droga é reduzida gradualmente até ser atingido o consumo zero.39

37 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 70.

38 Ibid. p. 71.

39 Ibid. p. 72.

(28)

Já a prescrição de heroína, adotada pela Suíça, como o próprio nome já diz, o médico acaba por prescrever tal droga ao viciado, com vistas a evitar a aumentar a sua auto-estima e consequente melhoria das condições de vida, por meio de um atendimento médico adequado e com riscos calculados, bem como inibir a aquisição de tal droga no mercado ilícito, evitando-se, por exemplo, outros crimes que possam advir de tal conduta. Esta medida, contudo, carece de maiores cuidados. Segundo o autor Marcos Baptista:

Esse aspecto parece um dos mais sensíveis a serem desenvolvidos com a acuidade clínica pelas estratégias de redução de danos. Se não atentarmos a isso, estaremos reduzindo os danos, é verdade, entretanto mantendo o toxicômano toxicômano40

O importante, em verdade, é que a doutrina da redução de danos vem demonstrando ótimos resultados, principalmente nos países da Europa, onde, com exceção da Suécia, por ser berço de tal política, já vem adotando desde o século passado. Resultado disso é que houve uma manutenção estável do número de usuários de droga entre os jovens, redução da marginalização dos viciados, bem como a proteção do bem estar físico e mental de tais pessoas em tais países.

Corroborando com tal conclusão, Caballero considera que, tanto sob o plano sanitário, como no social, essa política é largamente preferível ao modelo da proibicão-repressão, diante das evidências de os programas de redução de danos terem levado à redução dos riscos em geral, e especificamente mostraram-se eficazes na reducão da contaminacão do vírus da AIDS/HIV entre usuários de drogas injetáveis.41

Em meados dos anos 90, o modelo preventivo na modalidade de tratamentos de substituição, já estava implementando em todos os países europeus,

40 BAPTISTA, Marcos. A política de substituição e a psicanálise: seria essa política um tráfico do Nome-do-Pai. In: BAPTISTA, CRUZ, MATIAS (Org.). Drogas e Pós-Modernidade: faces de um tema proscrito. V. 2. Rio de Janeiro: UERJ/FAPERJ, 2003, p. 219-221. In: RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 73.

41 CABALLERO, Francis; BISIOU, Yann. Droit de la drogue. Paris: Dalloz, 2000, p. 111-116. In:

RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 77.

(29)

sendo a Holanda e a Suíça considerados os países mais avançados nessa política.

A Alemanha, Espanha, Itália, Áustria e Luxemburgo já vêm aplicando esse modelo há algum tempo. Mesmos os países de legislação penal mais repressiva da Europa, como Grécia, Finlândia, além da Noruega, já possuem alguns programas como esses, embora sua cobertura seja limitada, o que pode ser explicado pela forte influência do modelo proibicionista nesses países.42

É de se destacar, contudo, em que pese os Estados Unidos adotar uma política repressiva, nada impede que alguns Estados adotem algumas medidas de redução de danos, tal qual como fizeram Columbia e Nova Iorque no ano de 1992.

Dessa forma, mesmo que muito criticada pelos países que adotam a política proibicionistas, sob a alegação de que se estaria, em verdade, incentivando o consumo de droga, é inegável que a redução de danos, ainda que polêmica e, portanto, distante de ser implementada em todos os países, vem sendo mais efetiva quanto aos seus resultados práticos, razão pela qual é a tendência a ser seguida no futuro quanto à solução do problema das drogas.

2.1.3. Justiça terapêutica

Há ainda um terceiro modelo denominado “Justiça terapêutica”. Tal política consiste basicamente em uma imposição de uma pena de tratamento substitutiva à de prisão para o usuário de drogas. Segundo Giacomini, a Justiça terapêutica:

Consiste em um conjunto de medidas que visam à possibilidade de infratores usuários ou dependentes de drogas (e que em razão delas tenham cometido crimes) receberem tratamento, ou outro tipo de terapia, buscando-se evitar a aplicação de pena privativa de liberdade, modificando seus comportamentos delituosos para comportamentos socialmente adequados.43

42 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 76.

43 GIACOMINI, Eduarda. A Justiça Terapêutica como alternativa ao Sistema Penal Brasileiro. In:

Âmbito Jurídico, Rio Grande, 62, 01/03/2009 [on line]. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5978>. Acesso em 19 set.

2011.

(30)

Muito embora considerada por muitos como uma medida humanista, que visa conscientizar o usuário de que ele possui problemas tanto legais – pelo cometimento da infração penal do Art. 28 da Lei 11.343/2006 –, quanto de saúde – decorrente do uso das drogas, Rodrigues faz ferrenhas críticas a tal política.

Segundo ela:

Baseada no modelo das Drug Courts norte-americanas, pretende manter o usuário dentro do controle estatal, com instrumentalização do tratamento de desintoxicação, previsto e imposto como único meio de se evitar a prisão. O Poder Judiciário atua como “facilitador” do tratamento e, através da ameaça de prisão, pretende impor um novo tipo de comportamento ao usuário, como forma de padronização e “cura”, objetivando a abstinência total por parte do agente. A cura é vinculada ao sistema penal, vista como uma solução para todos os males.44

Reghelin entende que:

A pena de tratamento é autoritária e ignora diferenças na abordagem terapêutica, ao igualar os usuários ocasionais, eventuais e dependentes, e desconsidera as diferenças entre drogas leves e pesadas, notadamente em relação aos consumidores de cannabis, que em nada se assemelham aos usuários de drogas pesadas. Os defensores dessa proposta preferem ignorar não ser a maioria dos usuários dependentes químicos, mas sim usuários ocasionais ou eventuais, não havendo sequer fundamentação científica para se impor tal medida compulsória.45

Ou seja, o usuário basicamente não terá a escolha em se quer se tratar ou não, tal qual como ocorre na política na redução de danos. Nesta medida, o Estado autoritariamente impõe a sua vontade sobre o individuo, prevendo a pena de prisão caso não cumpra o tratamento que lhe fora imposto, demonstrando uma clara violação aos princípios da privacidade e da intimidade. Seus críticos, portanto, entendem que tal medida é inconstitucional, razão pela qual entendem pela sua não implementação.

44 RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 79.

45 REGHELIN, Elisângela Melo. Redução de danos: prevenção ou estímulo ao uso indevido de drogas injetáveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 165. In: RODRIGUES, Luciana Boiteux Figueiredo. Controle penal sobre as drogas ilícita: o impacto do proibicionismo no sistema penal e na sociedade. 237 f. Tese (Doutorado em Direito). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. p. 80.

(31)

2.1.4. Medidas alternativas

No que se refere às medidas alternativas possíveis para se tratar o problema de drogas, há quatro correntes que discorrem sobre o assunto: (I) Liberação total da venda e do consumo de drogas; (II) Legalização e regulamentação da venda de drogas; (III) Legalização do consumo individual de todas as drogas; e (IV) Descriminalização do uso de drogas com a manutenção da proibição na esfera administrativa.

A seguir serão apresentados, resumidamente, os argumentos e críticas de cada corrente, segundo a visão do Promotor de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, José Theodoro Corrêa de Carvalho.

I) Liberação total da venda e do consumo de drogas

Argumentos: Alega que a guerra contra as drogas é ineficaz, não só pelo aumento do consumo e do tráfico, mas também pelo fracasso de medidas ressocializadoras, sendo que a única solução seria liberar totalmente a venda e consumo de drogas.

Crítica: De Carvalho critica tal posicionamento, pois:

II) Legalização e regulamentação da venda de drogas

Argumentos: Com a legalização e regulamentação da venda de drogas, além de se combater o tráfico, poderá oferecer um entorpecente que será submetido a controles de qualidade, evitando, assim, possíveis overdoses pela má-qualidade

46 DE CARVALHO, José Theodoro Corrêa. Descriminalização das drogas: será o que a sociedade

quer? [on line]. Disponível em:

<http://www.mpdft.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=2524&Itemid=93>.

Acesso em: 30 out. 2010.

Desistir de criminalizar uma conduta danosa, devido à falta de sucesso no combate, equivale a permitir que a atividade se alastre, gerando grave perigo à sociedade. O abolicionismo penal ainda não apresentou uma solução substitutiva que seja eficaz na manutenção da convivência social harmoniosa, sendo recomendável, por enquanto, que a redução da criminalidade em geral seja buscada com educação e políticas sociais, paralelamente ao aprimoramento do modelo de persecução penal vigente.46(grifo nosso)

(32)

do produto. Não obstante, haveria o recolhimento de impostos sobre a compra e venda das drogas, que seriam revertidos para o tratamento de usuários.

Crítica: O promotor critica tal tese, porque:

Se a venda de drogas fosse regulada, controlada e tarifada é certo que haveria limites de idade para compra, limite de toxidade das drogas e preço mais alto, o que indica que seguiria existindo um mercado paralelo, controlado pelos traficantes, para venda de drogas mais fortes e mais baratas. O problema da criminalidade continuaria existindo e a facilidade de acesso às drogas levaria ao aumento do número de consumidores. Quanto ao argumento de que haveria mais tributos destinados ao tratamento, parece risível que se permita o incremento do número de dependentes sob a justificativa que haveria mais dinheiro para o sistema de saúde. Melhor que não se estimule o aumento do número de usuários.47 (grifo nosso)

III) Legalização do consumo individual de todas as drogas

Argumentos: As drogas poderiam ser utilizadas para o consumo individual, assim como ocorre com o álcool e o tabaco. Não obstante, alega que trata-se de uma liberdade individual exercida pelo próprio cidadão em fazer o que quiser com o seu próprio corpo (Princípio da Alteridade), não podendo o Estado interferir em tal esfera. Tal restrição ao consumo estaria ferindo então um dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, qual seja, o da liberdade.

Crítica: José Theodoro afirma que tais direitos fundamentais não são absolutos, podendo o Estado interferir na esfera individual do cidadão na hipótese de, por exemplo, tal direito violar o alheio. Ademais, entende que pelo fato das drogas alterarem o funcionamento normal do cérebro, existe uma grande possibilidade de gerar graves danos não só ao próprio usuário, mas também às pessoas próximas a ele. Sobre esta questão em específico, o explica “que a droga retira justamente o que seria o argumento para permitir-se seu consumo: a liberdade. Quem é viciado em drogas perde a liberdade de escolher seu próprio destino e passa a ser controlado pelo vício”48. Ademais, uma eventual liberação aumentaria consideravelmente a procura pelas drogas, incentivando-se, assim, o

47 DE CARVALHO, José Theodoro Corrêa. Descriminalização das drogas: será o que a sociedade

quer? [on line]. Disponível em:

<http://www.mpdft.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=2524&Itemid=93>.

Acesso em: 30 out. 2010.

48 Ibid.

Referências

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