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Legitimidade ativa para a ação de repetição do indébito relativa a "tributos indiretos": uma análise crítica da jurisprudência do STF e do STJ tcc nlfaraújo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

NATALICE LIMA DA FROTA ARAÚJO

LEGITIMIDADE ATIVA PARA A AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO

RELATIVA A “TRIBUTOSINDIRETOS”: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA

JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ

(2)

NATALICE LIMA DA FROTA ARAÚJO

LEGITIMIDADE ATIVA PARA A AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO

RELATIVA A “TRIBUTOSINDIRETOS”: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA

JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

A663l Araújo, Natalice Lima da Frota.

Legitimidade ativa para a ação de repetição do indébito relativa a “tributos indiretos”: uma análise crítica da jurisprudência do STF e do STJ / Natalice Lima da Frota Araújo. – 2014.

69 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Tributário.

Orientação: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

1. Ação de repetição de indébito tributário - Brasil. 2. Direito tributário - Brasil. 3. Impostos - Restituição - Brasil. I. Machado Segundo, Hugo de Brito (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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NATALICE LIMA DA FROTA ARAÚJO

LEGITIMIDADE ATIVA PARA A AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO

RELATIVA A “TRIBUTOSINDIRETOS”: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA

JURISPRUDÊNCIA DO STF E DO STJ

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Carlos Cesar Sousa Cintra

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Alcides Saldanha Lima

(5)

A Deus.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Mônica, pelos seus anos dedicados integralmente à nossa educação e por demonstrar que não há tempo para perseguirmos nossos sonhos e que não há esforço vão. És meu exemplo de garra e obstinação.

Ao meu pai, Carlos Alberto, que há cinco anos acreditou em mim mais do que eu mesma e apoiou incondicionalmente minha decisão de deixar o Curso de Comunicação Social e estudar para o vestibular de Direito na UFC. Sei que sempre me concederá amparo e incentivo.

Aos meus irmãos, Carlos Jr., Lyber e Raul, por serem fonte de orgulho e admiração e pelo amor que sempre demonstraram, de diferentes formas. Vocês são a minha fortaleza.

Aos amigos que a Faculdade de Direito me proporcionou, Álvaro, Bárbara, Jéssica, João, Mariana, Nair, Rafael, Rayan, Rebeca e Raul, pela oportunidade de caminhar ao lado de vocês, pois sei que cada um trilhará uma carreira de sucesso. Vocês são os responsáveis pela trajetória ter sido tão prazerosa.

Ao Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo, por ter me dado a honra de ser monitora da disciplina de Processo Tributário e de orientar-me neste trabalho. Por inspirar-me e reunir os valores que considero mais caros à atividade docente, com sua didática, comprometimento e singeleza.

Ao Dr. Alcides Saldanha Lima, pelo exemplo de magistrado dedicado e pelos valiosos ensinamentos durante o meu período de estágio na 10ª vara federal. Por sua busca incessante por um Judiciário mais efetivo, é, sem dúvida, o profissional em que me espelho.

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RESUMO

A legitimidade ad causam para a repetição do indébito relativa a tributos indiretos foi

analisada desde o seu âmago, objetivando-se a verificação da compatibilidade das premissas adotadas pela jurisprudência com o sistema jurídico brasileiro. Analisaram-se o conceito de tributos indiretos e as definições de repercussão jurídica e repercussão econômica. Compararam-se os entendimentos adotados pelos tribunais superiores concernentes a temas relacionados ao da tributação indireta a fim de demonstrar as incoerências que revelam. Estudaram-se detalhadamente a ação de repetição do indébito e o instituto da legitimidade ativa, enfatizando-se o seu disciplinamento pelo ordenamento jurídico brasileiro. Analisou-se historicamente as teses defendidas perante o STF e o STJ e os entendimentos adotados por esses tribunais no que concerne à legitimidade ativa para a ação de repetição do indébito relativa a tributos indiretos. Refutaram-se as premissas adotadas pela jurisprudência, demonstrando-se que não se inserem validamente no ordenamento jurídico pátrio. Finalmente, avaliou-se a aplicação do art. 166 do CTN, sugerindo-se uma interpretação conforme a Constituição.

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ABSTRACT

The ad causam legitimacy for restitution of overpaid indirect taxes was analized from its

essence, aiming to verify the consistence of the assumptions made by case law with the brazilian legal system. The concept of indirect taxes and the definitions of legal tax shifting and economic tax shifting were analized. The understandings adopted by the superior courts concerning issues related to indirect taxation were compared, in order to demonstrate that it reveals inconsistencies. The restituition of overpaid tax and the ad causam legitimacy were

studied in details, emphasizing its disciplining by the brazilian legal system. The theses defended before STF and STJ and the understandings adopted by these courts regarding the active legitimacy for restituition of overpaid indirect taxes were analized historically. The assumptions made up by the case law were refuted and was shown that they do not fit properly the brazilian legal system. Finally, an interpretation according to the Brazilian Constitution was suggested.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 TRIBUTAÇÃO INDIRETA NO DIREITO BRASILEIRO: CONSIDERAÇÕES GERAIS ... 11

2.1 Critérios de classificação dos tributos em diretos e indiretos ... 11

2.2 Tributos indiretos e a visão do STJ ... 13

2.3 Análise sobre a repercussão do tributo ... 16

2.4 Reflexos da tributação indireta no direito brasileiro ... 25

2.4.1Tributos indiretos e repetição do indébito ... 25

2.4.2Tributos indiretos e imunidades subjetivas ... 26

2.4.3Tributos indiretos e inadimplência do consumidor ... 28

2.4.4Tributos indiretos e base de cálculo das contribuições sobre a receita ou faturamento ... 29

3 A AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE TRIBUTOS INDIRETOS ... 32

3.1 Fundamento constitucional e legal do direito à repetição do indébito tributário ... 33

3.2 Breves comentários sobre o instituto da legitimidade ad causam ... 36

3.3 A jurisprudência do STF acerca da legitimidade ativa para a repetição do indébito de tributos indiretos ... 37

3.4 A jurisprudência do STJ acerca da legitimidade ativa para a repetição do indébito de tributos indiretos ... 41

4 ANÁLISE CRÍTICA DAS PREMISSAS ADOTADAS PELA JURISPRUDÊNCIA ... 48

4.1 Distinção entre preço e tributo ... 48

4.2 A questão do locupletamento ilícito do contribuinte de direito versus o do Estado ... 53

4.3 A aplicação do art. 166 do CTN ... 57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 64

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1 INTRODUÇÃO

O art. 145, §1º, da Constituição Federal de 1988 faz uma recomendação ao legislador ordinário de que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Todavia, a legislação tributária brasileira optou, no que concerne a alguns tributos, por designar como contribuinte pessoa diversa daquela cujo patrimônio a exação pretende alcançar, com o objetivo principal de facilitar a fiscalização e, consequentemente, a arrecadação tributária. É o caso dos impostos que incidem sobre o consumo de bens ou serviços, nos quais se definiu como sujeito passivo o comerciante, industrial ou mesmo o prestador de serviços, e não o consumidor final. Esse fenômeno ficou conhecido doutrinariamente como tributação indireta e dá azo, há muito, a intensos debates na literatura das Ciências das Finanças e do Direito. Reflete-se, ainda, de forma contundente, nas decisões judiciais.

Nesse esteio, o presente trabalho tem por finalidade a análise crítica da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros quanto aos temas relacionados à tributação indireta, mormente no que se refere à legitimidade ativa para propor a ação de repetição do indébito relativa a tributos considerados indiretos. Para tal desiderato, entende-se ser necessário investigar-se a questão desde o seu o âmago.

Inicialmente, expor-se-ão as premissas adotadas pela jurisprudência para fundamentar suas decisões. Nesse contexto, analisar-se-ão os critérios estabelecidos para distinguirem-se os tributos em diretos e indiretos, com ênfase no critério econômico. Ademais, investigar-se-á o fenômeno da repercussão do tributo, abordando-se as questões relativas à repercussão econômica e à repercussão jurídica. Finalmente, examinar-se-á o tratamento conferido pela jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros aos temas correlatos ao da tributação indireta, quais sejam: repetição do indébito, imunidades subjetivas, inadimplência do consumidor e base de cálculo das contribuições sobre a receita ou o faturamento. Não se pretenderá, nesse primeiro contato, exaurir a questão, mas tão somente demonstrar a pertinência do presente estudo, sobretudo diante da constatação de que a jurisprudência, não raro, adota entendimentos conflitantes e que não se compatibilizam numa análise sistemática do Direito.

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âmbito da ação de repetição do indébito, precipuamente no que concerne à legitimidade ativa para propô-la. Cuidar-se-á, para tanto, da análise dos fundamentos constitucionais e legais para a referida demanda, bem como das suas hipóteses de cabimento. Comentar-se-á, ainda, o instituto da legitimidade ativa e seu disciplinamento no ordenamento jurídico processual brasileiro. Tudo isso para firmar as bases para uma análise pormenorizada da evolução histórica das teses defendidas perante o STF e o STJ a respeito da questão, bem como dos entendimentos acolhidos por essas cortes.

(13)

2 TRIBUTAÇÃO INDIRETA NO DIREITO BRASILEIRO: CONSIDERAÇÕES GERAIS

A tributação indireta, enquanto técnica que visa facilitar a fiscalização e, consequentemente, a arrecadação tributária, tem suscitado discussões entre juristas e financistas há muito. O tratamento incoerente que a jurisprudência brasileira dá ao tema não contribui para o deslinde das questões que o envolvem; pelo contrário, colabora com a desarmonia do sistema.

A confusão se inicia dos próprios critérios distintivos entre tributos diretos e indiretos, de sorte que alguns afirmam até ser impossível determinar um critério seguro e dotado de cientificidade. Perpassa, ainda, a análise da (im)possibilidade de enquadrar as espécies tributárias numa ou noutra classe.

Como se não bastasse, mesmo carente de clareza e rigor jurídico, a classificação é adotada pelos tribunais superiores e reflete-se na interpretação de diversos temas, dentre os quais serão explorados: repetição do indébito, imunidades subjetivas, inadimplência do consumidor e tributação sobre o faturamento.

Da análise, uma conclusão irrefutável: as premissas adotadas individualmente com relação a cada um desses assuntos não se compatibilizam numa análise sistemática. Soluções antagônicas são adotadas, a depender do interesse arrecadatório do Estado.

Neste capítulo, serão examinadas as “obviedades” não tão óbvias que perpassam o tema da tributação indireta. O objetivo é investigar os fundamentos sobre os quais se ergue o tratamento dado à questão pela jurisprudência, a fim de introduzir o estudo da restituição dos tributos indiretos pagos indevidamente, tema que será abordado com maior profundidade nos capítulos subsequentes.

2.1 Critérios de classificação dos tributos em diretos e indiretos

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critérios, dentre os quais se destacam o técnico-administrativo, o financeiro, o econômico e o da congruência hipótese-riqueza.

Para o critério técnico-administrativo1, tributos diretos seriam os arrecadados com base em fatos registráveis pela administração tributária, de forma semelhante ao que ocorre com relação àqueles sujeitos ao lançamento de ofício. Classificariam-se como indiretos, por sua vez, os tributos com incidência jurídica sobre fatos imprevisíveis para a administração e sobre os quais ela toma conhecimento a partir da declaração do contribuinte, como acontece com os que se submetem à sistemática do lançamento por homologação.

De acordo com o critério financeiro2, considerar-se-iam tributos indiretos aqueles que recaem sobre manifestações de riqueza no momento de sua movimentação, ou seja, os incidentes sobre o consumo de bens e serviços, ao passo que tributos diretos seriam aqueles que oneram a renda no instante da aquisição de sua disponibilidade econômica ou jurídica.

O critério econômico3, por sua vez, toma por base a teoria da translação do ônus financeiro dos tributos. Dessa forma, tributo direto seria aquele cujo encargo econômico recai integralmente sobre o próprio sujeito passivo designado por lei. Por outro lado, o tributo indireto caracterizar-se-ia por ser legalmente devido por um sujeito (“contribuinte de direito”) e economicamente suportado por outro (“contribuinte de fato”), através de sua translação no preço avençado.4

Finalmente, o critério da congruência hipótese-riqueza5 observa o modo pelo qual a hipótese de incidência atinge o fato-signo presuntivo de riqueza. Dessa forma, quando a situação prevista na hipótese de incidência tiver como núcleo a riqueza última, diz-se que o tributo é direto. Seria o caso do IPTU, que onera o patrimônio de

1 NEVIANI, Tarcísio. A restituição de tributos indevidos, seus problemas, suas incertezas. São Paulo:

Resenha Tributária, 1983, p. 62-63.

2 Ibid., p. 64. 3 Ibid., p. 63-64.

4 Para Stuart Mill, o qual influenciou sobremaneira a ideia subjacente ao critério econômico, “Um

imposto direto é aquele cobrado exatamente das pessoas que se tenciona ou se deseja que o paguem. Impostos indiretos são aqueles que são cobrados de uma pessoa, na expectativa ou com a intenção de que esta se indenize à custa de outra, tal como o imposto de consumo ou as taxas alfandegárias. O produtor ou o importador de uma mercadoria é intimado a pagar um imposto sobre esta, não com a intenção de cobrar dele uma contribuição especial, mas com a intenção de taxar, por seu intermédio, os consumidores da mercadoria, dos quais, como se supõe, ele recuperará o montante, aumentando o preço da mesma.” (MILL, Stuart. Princípios de economia política com algumas de suas aplicações à filosofia social. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996, v. 2, p. 395).

5 MELO, Álisson José Maia. Da legitimidade ad causam do consumidor na repetição do indébito dos

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forma imediata. Todavia, quando o fato-signo presuntivo de riqueza é atingido mediatamente, diz-se que o tributo é indireto. De acordo com essa classificação, considerar-se-ia indireto o ITBI, uma vez que, embora também atinja o patrimônio, o faz de forma mediata, pois a situação descrita na hipótese é a transferência de propriedade.6

Feitas essas considerações, cumpre esclarecer que, conquanto parcela da doutrina sugira critérios alternativos para a referida classificação, dotados até de maior rigor jurídico (a exemplo do critério da congruência hipótese-riqueza), é certo que, no âmbito da jurisprudência, é recorrente a atribuição do signos “direto” e “indireto” aos tributos conforme se verifique ou não o fenômeno da repercussão econômica. É possível afirmar, portanto, que o critério econômico é o adotado para fins de classificação dos tributos em diretos e indiretos.

2.2 Tributos indiretos e a visão do STJ

Conforme explicitado, a jurisprudência adota como fundamento para a distinção dos tributos em diretos e indiretos a possibilidade de transferência do ônus econômico para pessoa diversa daquela definida na lei como sujeito passivo da obrigação tributária.

No caso do STJ, cita-se em diversos precedentes7 a doutrina de Marco Aurélio Greco, para quem:

1) Comportam transferência:

1.1)Tributos cujo fato gerador envolva uma dualidade de sujeitos, ou seja, o fato gerador é uma operação, e

1.2)Cujo contribuinte é pessoa que impulsiona o ciclo econômico podendo transferir o encargo para o outro partícipe do mesmo fato gerador.

2) Se a Constituição Federal, ao discriminar as competências tributárias, atribui a uma pessoa política a aptidão para tributar evento que não envolva uma dualidade de sujeitos determinados que figurem nos polos de uma relação jurídica certa, da análise do próprio Texto Maior pode-se concluir a impossibilidade jurídica de transferência do encargo. P. ex., imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

6 Explica o autor (MELO, 2012, p. 20): “Em ambos os casos, atinge-se o mesmo tipo de riqueza por

meios distintos. É importante ressaltar, no último exemplo, que não há tributação sobre o patrimônio; embora o valor da transação possa refletir o do bem transferido, não se tributa o acúmulo de renda, mas em verdade sua transferência, visando a atingir o patrimônio.”.

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Se a Constituição contempla uma ‘operação’, caberá então analisar o CTN e a legislação ordirnária para, identificando o contribuinte assim qualificado pelo ordenamento, concluir se o tributo pode ou não comportar transferência do encargo.

3) Não comportam transferência:

3.1)os tributos cujo fato gerador não é uma operação, vale dizer, não engloba uma dualidade de sujeitos; ou

3.2)aqueles que, apesar de terem por fato gerador uma operação envolvendo uma dualidade de sujeitos, indicam como contribuinte de direito pessoa que seja a última da sequência de operações sujeitas ao tributo. Neste caso quem suportou o encargo não terá como transferí-lo, pois não participará de outro fato gerador do mesmo tributo, desta vez na posição de impulsionador da etapa seguinte do mesmo ciclo econômico indicado pela Constituição para fins de incidência tributária.8

Com base nessas premissas, o STJ considera indiretos o IPI9, o ICMS10 e o ISS não fixo11. Todavia, a interpretação, pelo tribunal, da própria doutrina que adota é equivocada. Conforme observa Hugo de Brito Machado Segundo12, a aplicação coerente do raciocínio supramencionado levaria à conclusão de que também seriam indiretos o ITBI, o ITCMD (no que concerne às doações), a CIDE-combustíveis, dentre outros, uma vez que todos eles têm como fato gerador uma operação envolvendo uma dualidade de sujeitos.

No caso da CIDE-combustíveis, o STJ afastou expressamente o seu caráter de tributo indireto consignando que:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CIDE SOBRE COMBUSTÍVEIS. INDÉBITO. CONSUMIDOR FINAL. RESTITUIÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.

8 GRECO, Marco Aurélio. Repetição do indébito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva

(Coord.). Repetição do indébito tributário. São Paulo: Resenha tributária, 1983, p. 286-287.

9 “[...] O ICMS e o IPI são exemplos de tributos que, por sua constituição jurídica, comportam a

repercussão do encargo financeiro (tributos chamados de “indiretos”), razão pela qual sua restituição ao “contribuinte de direito” reclama a comprovação da ausência de repasse do ônus tributário ao “contribuinte de fato”[...]”. (STJ. REsp 1191860/SC, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 14/04/2011).

10 A jurisprudência desta Corte é no sentido de que os tributos ditos indiretos, dentre eles o ICMS,

sujeitam-se, em caso de restituição, compensação ou creditamento, à demonstração dos pressupostos estabelecidos no artigo 166 do CTN, o que não ocorreu na espécie, segundo conclusão obtida pelo Tribunal a quo. [...]” (STJ. REsp 1.209.607/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 12/11/2010).

11 “1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto, a depender da

avaliação do caso concreto. 2. Via de regra, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, nos termos do art. 7º da Lei Complementar 116/2003, hipótese em que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do encargo financeiro ao tomador do serviço. [...]” (STJ. AgRg no Ag 692583/RJ, Primeira Turma, Relator(a) Ministra Denise Arruda, DJ 14/11/05, p. 205).

12 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do tributo indireto: incoerências e contradições.

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1. A legislação da CIDE sobre combustíveis não prevê, como regra, repasse de ônus tributário ao adquirente do produto, diferentemente do ICMS e do IPI, por exemplo. Por essa ótica estritamente jurídica, é discutível sua classificação como tributo indireto, o que inviabiliza o pleito de restituição formulado pelo suposto contribuinte de fato (consumidor final do combustível). [...]13

É verdade que a legislação da CIDE-combustíveis não prevê o repasse do ônus tributário ao adquirente do produto. Todavia, a previsão também não está expressa nas legislações do ICMS e do IPI. Na realidade, o que os três diplomas normativos prevêem é a incidência do imposto ora sobre “operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem no exterior”14 (ICMS), ora sobre “o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria”15 de estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante (IPI), ora sobre “operações [...] de importação e de comercialização no mercado interno”16 de combustíveis (CIDE-combustíveis).

A partir dessa análise, conclui-se facilmente que a CIDE-combustíveis incide sobre operações que impulsionam o combustível da importação ou do refino até o seu consumo, à semelhança do que ocorre com o ICMS e o IPI.17 Ademais, o que a legislação dos três tributos possibilita, igualmente, é uma oportunidade de transferência do encargo financeiro representado pelo tributo ao “contribuinte de fato”, sendo certo que nenhuma delas prevê o repasse do ônus tributário ao adquirente como um direito subjetivo do “contribuinte de direito”. Não se visualiza, portanto, essa evidente distinção entre as legislações do ICMS e do IPI de um lado, e da CIDE-combustíveis do outro, tal qual faz crer o STJ.

Esse é apenas um dos aspectos que demonstra a ausência de clareza da jurisprudência ao delimitar os critérios distintivos entre tributos diretos e indiretos e a incoerência dos fundamentos utilizados para enquadrar as espécies tributárias numa ou noutra classificação.

Somando-se a esse quadro, a edição da Lei nº. 12.741/12, que regulamentou o art. 150, §5º, da Constituição Federal18, evidencia ainda mais a inconsistência desses

13 STJ. AgRg no REsp 1.160.826/PR, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe

14/09/2010.

14 Art. 4º da Lei complementar nº. 87 de 13 de setembro de 1996. 15Art. 47, II, “a”, do CTN.

16 Art. 3º da Lei nº. 10.336, de 19 de dezembro de 2001. 17 MACHADO SEGUNDO, 2011, p. 21.

18CF. “Art. 150, § 5º. A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos

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argumentos. Com o objetivo de esclarecer ao consumidor os impostos que contribuem para a formação do preço, determina que sejam discriminados na nota fiscal os seguintes tributos: ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, COFINS e CIDE-combustíveis. Ora, se o critério distintivo dos tributos indiretos é a possibilidade de sua repercussão econômica e a lei determina que os supracitados devem ser discriminados justamente porque contribuem para a formação do preço, é certo que a jurisprudência do STJ deverá procurar adequar o tratamento dado ao tema. Dessa forma, ao tratar da lei em comento, ou o Tribunal deverá aumentar o leque dos tributos considerados indiretos para contemplar todos aqueles indicados no diploma legal ou deverá arcar com o ônus argumentativo de afastar o caráter indireto desses tributos.

Registre-se que a confusão feita pela jurisprudência demonstra o acerto de Alfredo Augusto Becker, para quem “a verdade é que não existe nenhum critério científico para justificar a classificação dos tributos em diretos e indiretos e, além disto, esta classificação é impraticável”.19

É o que será analisado na sequência.

2.3 Análise sobre a repercussão do tributo

Sintetizando o que já foi exposto, a jurisprudência do STJ é no sentido de que tributo indireto é aquele que incide sobre uma operação e cuja base de cálculo é o preço avençado, o que permitiria a repercussão do ônus econômico do tributo. Isto é, na ocasião da fixação do preço, o “contribuinte de direito” embutiria, “naturalmente”, o custo representado pela exação, o qual seria suportado “verdadeiramente” pelo “contribuinte de fato”.

A transferência desse encargo é tida como óbvia, dispensando-se discussões aprofundadas acerca das circunstâncias de sua ocorrência. Presume-se, portanto, que ocorre sempre e integralmente, outorgando-se ao “contribuinte de direito” o ônus de produzir diabólica prova em contrário.

Demais disso, enquadram-se como indiretos apenas o IPI, o ICMS e o ISS não fixo, sem justificar-se coerentemente porque se exclui dessa classificação tributos cuja sistemática é semelhante.

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Percebe-se, portanto, que ainda hoje a discussão em torno da repercussão do tributo é marcada pela “simplicidade da ignorância”20, conforme asseverou Seligman ainda em 1910.

A fim de averiguar essas “obviedades” colocadas pela jurisprudência, faz-se necessário tomar o caminho oposto e analisar adequadamente o fenômeno da repercussão do tributo.

Conceituando repercussão econômica, Alfredo Augusto Becker consigna que:

O contribuinte de jure, ao satisfazer a prestação jurídica tributária, sofre um ônus econômico. O contribuinte de jure procurará transferir o ônus econômico do tributo a outras pessoas e isto ocorrerá na oportunidade em que o contribuinte de jure tiver relações econômicas ou jurídicas com estas outras pessoas. A repercussão do ônus econômico do tributo, do contribuinte de jure para uma outra pessoa, poderá ser total ou parcial, bem como poderá ser sobre uma só pessoa ou sobre diversas pessoas.

A pessoa que tiver sofrido a repercussão do ônus econômico do tributo procurará transladar este ônus econômico para outra pessoa. E assim sucessivamente. Este fenômeno da trajetória do ônus econômico do tributo que vai sendo transferido, sucessivamente, no todo ou em parte, sobre uma ou mais pessoas, denomina-se repercussão econômica do tributo. [grifos no original]21

Conforme se percebe, a repercussão econômica do tributo é fenômeno que pode (ou não) ocorrer, total ou parcialmente, sobre uma ou mais pessoas. Isto é, o que determina a possibilidade de o custo representado pela carga tributária ser efetivamente repassado são as circunstâncias econômicas em que a operação negocial é efetuada, e não a ocorrência do negócio jurídico per si. Isso significa, de acordo com Paul Hugon,

[...] que os fatos da repercussão dependem de múltiplas variações da oferta e da procura; integram-se na teoria geral do valor e dos preços: como todos os fenômenos dos preços são complexos, as leis de suas variações não podem ser resumidas em fórmulas simples e certas. [grifos no original]22

Com efeito, a composição do preço é condicionada, precipuamente, à conjuntura econômica, na qual interferem diversos fatores: regime de exploração da

20 SELIGMAN, Edwin Robert Anderson. Théorie de la répercussion et de l'incidence de l'impôt. Paris: V.

Giard & É. Brière, 1910, p. 1.

21 BECKER, 2010, p. 570.

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atividade (monopólio ou livre-comércio), elasticidade da procura, elasticidade da oferta, custo de produção, etc.23

A título de exemplificação, considere-se a rigidez ou elasticidade da procura de determinado produto ou serviço. Se a procura é rígida, como é o caso de bens essenciais à alimentação, higiene, saúde, etc., o comprador tende a ceder ao seu consumo a fim de satisfazer suas necessidades imprescindíveis, de modo que é mais viável ao vendedor transferir o ônus representado pela carga tributária no preço. Por outro lado, se a procura é elástica, ou seja, se o objeto tributado é um bem supérfluo, o consumidor poderá desistir da compra ou mesmo buscar alternativas cujo valor seja mais acessível, obrigando o comerciante a praticar preços competitivos. Para tanto, o vendedor poderá repassar o ônus financeiro do tributo apenas parcialmente ou, ainda, nem transferí-lo.

Sobre outros fatorem que inteferem na repercussão econômica do tributo, Aliomar Baleeiro explica que:

Influi também a circunstância de ser a mercadoria perecível ou durável, de venda permanente ou estacional (seasonal). Há produtos, como o peixe, frutas, etc., que aprodrecem ou se deterioram se não forem utilizados dentro de termo breve, assim como existem artigos cuja procura só é intensa na Páscoa, no Carnaval, em junho (fogos de São João, p. ex.), no inverno ou no verão. Nesses casos, o vendedor não pode se manter intransigente no preço. Prefere ceder em suas pretensões e aguentar parte do ônus tributário. A moda é outro fator que deverá ser levado em conta, de preferência em certos ramos de comércio.

É observação velha de mais de 100 anos a de que os artigos de luxo se aproximam dos indispensáveis em relação à rigidez da procura. Ambas, sob esse ponto de vista, diferem das coisas de relativo ou modesto conforto, cuja procura sofre sensivelmente as variações de preço.

Todas essas fricções podem perturbar o processo da repercussão e invertê-lo24.25

Do exposto, visualiza-se que, embora seja mais provável que, com relação a alguns tributos, a repercussão do ônus financeiro ocorra, tal possibilidade não pode ser encarada como uma obviedade ou muito menos ser elevada ao patamar de presunção jurídica. A situação é de todo absurda, pois acarreta dizer que o Direito tem mais poderes para ditar a composição dos preços do que a lei da oferta e da procura, o que

23 A interferência dessas condições é explicada por Hugon (1902, p. 100-107).

24 Ou, nas palavras de Paul Hugon (1902, p. 95), “o mais forte do ponto de vista econômico conseguirá

provocar a repercussão sobre o mais fraco”.

25 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.

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não é factível num sistema capitalista em que não há tabelamento de preços, como é o caso do Brasil na atualidade.

O que se critica, ressalte-se, é a interpretação que conclui que determinado tributo, por natureza, repercutirá, sem levar-se em consideração que esse fenômeno está mais afeto às Ciências das Finanças que ao Direito.

Nesse sentido, Alfredo Augusto Becker dispõe que:

[...] os fatores decisivos da repercussão econômica do tributo são estranhos à natureza do tributo e determinados pela conjuntura econômico-social. Além disso, a previsibilidade da repercussão econômica e a constatação dos resultados efetivos da repercussão alcançam-se por aproximação ainda distante e nebulosa, mediante utilização de princípios financeiros extremamente complexos e cujos resultados ainda são de natureza macroeconômica.26

Correlata a essa questão, deve-se perquirir, ainda, se a repercussão econômica é fenômeno intrinsecamente relacionado à natureza do tributo. Em outras palavras, dizer se é realmente possível enquadrar uma determinada espécie tributária como direta ou indireta de maneira induscutível e, a partir daí, afirmar que seu ônus financeiro nunca repercute ou é sempre repassado.

O tema foi devidamente problematizado por Alfredo Augusto Becker, para quem:

A antiguidade e simplicidade desta classificação, bem como a natureza político-fiscal de seu critério, com o decorrer do tempo, foram imprimindo a cada espécie de tributo o batismo de direto ou indireto, de tal modo que, pela simples enunciação do nome, uns tributos são imediatamente considerados diretos e outros indiretos. Por sua vez, a repercussão econômica do tributo indireto é aceita como um fato necessário e óbvio. [grifos no original] 27

Tomando-se como exemplo o Imposto de Renda, sabe-se que a doutrina e a jurisprudência afirmam categoricamente tratar-se de tributo direto. Todavia, a realidade fática mostra que até mesmo esse imposto pode ser economicamente suportado por sujeito diverso daquele definido na lei como contribuinte ou responsável. No caso do IRPF, utiliza-se como exemplo clássico o do profissional liberal que cobra um preço diferente nas hipóteses em que o cliente exige ou não recibo, denotando claramente que na segunda o desconto representa parcela do imposto que deixará de pagar por não

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incluir a receita em sua Declaração Anual de Rendimentos.28 Em se tratando de IRPJ calculado sobre o lucro presumido, também é possível cogitar-se da repercussão, tendo em vista que, ao incidir sobre um percentual da receita, seu valor é desde logo conhecido e poderá ser “embutido” nos preços dos bens ou serviços.29

Da mesma forma, o imposto dito indireto nem sempre sofrerá repercussão e, quando ocorrer, esta nem sempre será integral. Conforme já exposto, o fenômeno da repercussão é determinado, na realidade, pela conjuntura econômica. A esse respeito, de maneira bastante didática, Hugo de Brito Machado Segundo exemplifica:

Suponha-se, por hipótese, que o preço do sorvete em uma determinada sorveteria seja R$ 2,00. Com a instituição de um (imaginário) imposto sobre a venda de sorvetes, no valor de R$ 0,50, haveria repercussão integral do ônus do tributo se o preço do sorvete passasse a R$ 2,50, mas normalmente não é isso que ocorre. O preço poderia continuar em R$ 2,00 (se a procura pelo sorvete fosse pequena), ou passar a R$ 2,20, ou R$ 2,25. Vale dizer, economicamente, o ônus restou repartido entre comprador e vendedor.30

Na sequência, o autor destaca que a repercussão não é fenômeno típico do custo tributário e muito menos do custo inerente a certos tributos, de sorte que pode ocorrer em relação a qualquer custo que onere a atividade de produção, comercialização ou prestação do serviço.31 Ora, de fato, a regra no sistema capitalista é a transferência da maior parcela possível dos encargos ao consumidor final. Assim, não só os tributos (e não só os indiretos), como também as despesas com folha de pagamento, energia, aluguel, etc., podem e devem ser repassados. Sem esse elemento, a própria atividade comercial restaria inviabilizada, uma vez que inexistente a possibilidade de lucro, e todas as empresas estariam fadadas à falência. Todavia, reitere-se, a transferência da totalidade dos custos da atividade econômica ao consumidor final, conquanto ideal, nem sempre é possível.

De tudo o que foi exposto, deve-se ressaltar que a repercussão econômica do tributo submete-se a condições de mercado, de forma que não é possível estabelecer critérios apriorísticos a fim de determinar se irá ou não acontecer. Em decorrência disso, é inviável firmar uma classificação rígida dos tributos em diretos e indiretos com fundamento na repercussão econômica e enquadrar as espécies tributárias numa ou

28 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito

(Coord.). Tributação indireta no direito brasileiro. São Paulo/Fortaleza: Malheiros/ICET, 2012, p. 184.

29 Ibid., p. 188.

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noutra classe para, a partir daí, presumir juridicamente a ocorrência de um fenômeno que só será determinado casuisticamente e por circunstâncias econômicas. Menos razoável ainda é utilizar-se dessa presunção como subterfúgio à restrição de direitos, como é o caso dos do “contribuinte de direito” no âmbito da repetição do indébito, conforme será demonstrado ao longo deste trabalho.

Confira-se, a esse respeito, trecho do voto no Ministro Aliomar Baleeiro, no bojo do RE 45.977, verbis:

[...] do ponto de vista científico, os financistas ainda não conseguiram, depois de 200 anos de discussão, desde os Fisiocratas do século XVIII, um critério seguro para distinguir o imposto direto do indireto.

O mesmo tributo poderá ser direto ou indireto, conforme a técnica de incidência e até conforme as oscilantes e variáveis circunstâncias do mercado, ou a natureza da mercadoria ou do ato tributado. [...]

À falta de um conceito legal, que seria obrigatório ainda que oposto à evidência da realidade dos fatos, o Supremo Tribunal Federal inclina-se a conceitos econômico-financeiros baseados no fenômeno da incidência e da repercussão dos tributos indiretos, no pressuposto errôneo, data venia, de que, sempre, eles comportam transferência do ônus do contribuinte de jure para o contribuinte de facto.32

Conclui-se, portanto, que a classificação taxativa dos tributos em diretos e indiretos com fundamento na possibilidade de sua repercussão econômica é imprecisa, de forma que não é possível atribuir a cada espécie tributária uma alcunha sem se considerar que, a depender da situação que se analise, a (in)ocorrência da transferência não será tão óbvia. Dessa forma, não é a natureza jurídica do tributo que determina a sua repercussão, mas as circunstâncias econômicas em que ocorre o fato gerador.

Em contraponto, alguns autores sustentam que há, sim, critérios jurídicos que permitam identificar os tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro. É o caso de Sacha Calmon Navarro Coelho, para quem:

Quando o CTN se refere a tributos que, pela sua própria natureza, comportam a transferência do respectivo encargo financeiro, está se referindo a tributos que, pela sua constituição jurídica, são feitos para obrigatoriamente repercutir, casos do IPI e do ICMS, entre nós, idealizado para serem transferidos ao consumidor final. A natureza a que se refere o artigo é jurídica. A transferência é juridicamente possibilitada. [grifos no original]33

32 STF. RE 45.977/ES, Segunda Turma, Relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ 22/02/1967, p. 295. 33 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro:

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Nesse esteio, diz-se que foram juridicamente construídos para repercutir os tributos para os quais a Constituição Federal previu a não cumulatividade.34 Sustentando essa tese, Misabel Abreu Machado Derzi explica que:

O raciocínio jurídico é simples. Se a Carta brasileira impõe a observância do princípio da não-cumulatividade, de tal sorte que o contribuinte (comerciante) deve compensar com o imposto incidente sobre as operações que realizar o imposto relativo às compras por ele efetuadas, então ela assegura, como de resto o fazem os demais países que adotam tributo similar, que o contribuinte, nas operações de venda que promova, transfira ao adquirente o ônus do impostos que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele creditar-se do imposto que suportou em suas aquisições (embora na posição de adquirente apenas tenha sofrido a transferência e nada tenha pessoalmente recolhido aos cofres públicos). Assim todo adquirente (exceto o consumidor final, não contribuinte) tem o direito, constitucionalmente expresso, de deduzir o imposto que lhe foi transferido pelo vendedor ou promotor da operação. Portanto o princípio, consagrado na Lei Fundamental, autoriza único entendimento: o ICMS não deve ser suportado pelo contribuinte (comerciante, industrial ou produtor); o ICMS, por licença constitucional, onera o consumidor – não contribuinte – que não pode repassar o custo do imposto. [...]

Como se observa, falamos de repercussão jurídica e não de repercussão econômica. Se a repercussão jurídica corresponde à econômica, essa é uma coincidência desejável ou desejada pelo legislador, mas apenas uma coincidência que muitas vezes não ocorre. Trata-se de simples presunção que fundamenta a norma. [grifos no original] 35

Tomando por base esses raciocínios, algumas considerações merecem destaque. Em primeiro lugar, pelo que já foi exposto, discorda-se que há tributos feitos para, obrigatoriamente, repercutir. Tanto é assim que todos os tributos podem ou não sofrer transferência do respectivo encargo financeiro a depender das condições de mercado em que o fato gerador ocorre.

Todavia, e isso já se reconheceu anteriormente, com relação a algumas espécies tributárias a possibilidade de repercussão é mais clara, o que não significa que se possa presumir que sempre ocorrerá. Nesse contexto, a técnica da não cumulatividade é apenas um dos fatores que evidencia essa probabilidade. Isso porque, frise-se, ao sujeito passivo não é outorgado o direito subjetivo de proceder à transferência do ônus tributário. Há, apenas, uma oportunidade de economicamente fazê-lo, assim como

ocorre com relação a qualquer tributo.36 Não se configura, portanto, a chamada

34 A sistemática da não cumulatividade é prevista constitucionalmente para o IPI (art. 153, § 3º, II), o

ICMS (art. 155, § 2º, I), os impostos residuais (art. 154, I) e para algumas das contribuições sociais para a seguridade social e a depender da atividade econômica (art. 195, § 12).

35 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 11.

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 889-890.

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repercussão jurídica do tributo, assim considerada a situação em que normas jurídicas elegem como sujeito passivo pessoa distinta daquela cuja capacidade contributiva a exação pretende alcançar e, ao mesmo tempo, outorgam-lhe meios jurídicos de reter ou

reaver o tributo pago.37

Tanto é que, se se considerasse que a não cumulatividade é critério para distinguir os tributos “feitos pra repercutir”, a contrario sensu estar-se-ia afirmando que

os tributos cumulativos não o são. Todavia, a análise sistemática do Direito mostra que “o tributo pode ser cumulativo e ser pago por um sujeito passivo que tem o direito de cobrar o tributo de um terceiro. Isso sim é repercussão jurídica, e pode estar presente no

tributo independentemente de ele ser ou não ser não cumulativo” [grifos no original]38. Sobre a distinção entre repercussão econômica e repercussão jurídica, Hugo de Brito Machado Segundo explica que:

É preciso diferenciar, aqui, duas formas de “transferência” do ônus de um tributo: uma econômica (presente em todos os tributos, ainda que de forma mais clara nos ditos “indiretos”) e outra jurídica (que pode estar presente em qualquer tributo, seja ele direto ou indireto).

Na primeira, a transferência do ônus se dá no âmbito da fixação dos preços, que, por serem livres, podem ser majorados por aquele que passa a ser obrigado ao pagamento de um novo tributo. Há, aqui, uma oportunidade de transferência, mas não um direito subjetivo de proceder a ela. Se o mercado permitir, o ônus será integralmente transferido. Aliás, pode mesmo ocorrer de o preço ser majorado em patamares que até mesmo superam o novo ônus tributário. Mas em qualquer caso o terceiro para o qual é transferido esse ônus estará pagando, juridicamente, preço, regido pelas normais contratuais correspondentes. [...]

Já, tratando-se de repercussão jurídica, não. Ao sujeito passivo assegura-se o direito subjetivo, e não apenas a oportunidade, de exigir de terceiro não apenas o preço, mas, junto com ele, algo que tem natureza jurídica de tributo. É o que ocorre, v.g., na generalidade das situações de responsabilidade tributária por retenção. [grifos no original]39

Especificamente sobre a repercussão jurídica, Alfredo Augusto Becker ensina que:

A fim de contrariar, ou favorecer, a repercussão econômica de um determinado tributo, o legislador, ao criar a incidência jurídica do tributo, simultaneamente, cria regra jurídica que outorga ao contribuinte de jure o direito de repercutir o ônus econômico do tributo sobre outra determinada pessoa. Desde logo, cumpre advertir que esta repercussão jurídica do tributo,

37 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012b, p. 425. 38 MACHADO SEGUNDO, 2011, p. 90-91.

39 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação indireta no direito brasileiro. In: MACHADO,

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de modo algum, significa a realização da repercussão econômica do mesmo. Esta repercussão econômica pode ocorrer apenas parcialmente ou até não se realizar, embora no plano jurídico tenha se efetivado. [grifos no original]40

Na sequência, o autor distingue dois sistemas de repercussão jurídica do tributo: por reembolso ou por retenção na fonte. Entende tratar-se de repercussão jurídica por reembolso a situação em que a lei outorga ao contribuinte de jure o direito

subjetivo de receber de outra determinada pessoa o reembolso do montante do tributo

por ele pago, como é o caso das concessionárias de serviço público, as quais têm, por força de disposição legal, o direito de exigir do usuário a tarifa, enquanto contraprestação pelo serviço prestado, mais o ICMS, cujo valor correspondente é destacado na fatura. Já a repercussão jurídica por retenção na fonte consistiria na outorga legal ao contribuinte de jure do direito de compensar o montante do tributo com

determinado débito que tiver com uma pessoa, tal como ocorre nas hipóteses de retenção pelo empregador do valor referente ao Imposto de Renda devido pelo empregado.41

Diante de tudo o que foi exposto, conclui-se que a classificação de tributos em diretos e indiretos com fundamento na repercussão econômica do ônus representado pela exação é casuística, ou seja, o mesmo tributo poderá ser enquadrado numa ou noutra classificação a depender da situação que se analise. Dessa forma, não é possível fixar critérios jurídicos que definam quais tributos são “feitos para repercutir” de modo a presumir que sempre ocorrerá.

Por esse motivo, a repercussão jurídica do tributo, nos moldes delineados, é fenômeno que não se relaciona com o fato de este ser considerado direto ou indireto. Exemplificando-se essa ideia, tem-se que:

a) O Imposto de Renda repercute juridicamente quando recolhido através da sistemática de retenção na fonte, mas não é considerado indireto se não repercutiu economicamente;

b) O ICMS repercute juridicamente por reembolso quando pago no âmbito da concessão do serviço público de fornecimento de energia elétrica e é considerado indireto pois também repercutiu economicamente;

c) O IPI não repercute juridicamente por submeter-se à não cumulatividade (não há direito subjetivo nem ao reembolso nem à retenção), mas será

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indireto se o seu ônus financeiro for transferido no preço pago pelo consumidor final.

A importância dessa distinção ficará clara ao analisarem-se os limites interpretativos do art. 166 do CTN42 no terceiro capítulo deste trabalho.

2.4 Reflexos da tributação indireta no direito brasileiro

A classificação de tributos em diretos em indiretos com fundamento no critério econômico, conforme já se demonstrou, é, por si só, tormentosa e carece de rigor jurídico. Apesar disso, é adotada pela jurisprudência e reflete-se na interpretação de diversos institutos jurídicos.

Analisar-se-á, nesta seção, a repercussão das compreensões acerca da tributação indireta nos seguintes temas: repetição do indébito, imunidades subjetivas, inadimplência do consumidor e tributação sobre o faturamento.

Quanto ao tema da repetição do indébito, será tratado de forma meramente expositiva, pois a análise das incoerências que permeiam as conclusões da jurisprudência será objeto dos capítulos subsequentes. Todavia, a pertinência de descrever nesta seção o tratamento atual do assunto reside na possibilidade de comparar as premissas estabelecidas quanto a esse tema com os pressupostos adotados pelo STJ com relação aos demais.

Ao final, ao analisar-se a coerência sistemática dos pressupostos adotados com relação a cada um dos assuntos individualmente considerados, verificar-se-á, sem maior esforço, que o mesmo argumento tem sido utilizado ou refutado na medida em que favoreça ou contrarie os interesses arrecadatórios, o que não corresponde às garantias inerentes a um Estado Democrático de Direito.

2.4.1 Tributos indiretos e repetição do indébito

Ao interpretar o art. 166 do CTN, o STJ entende que se aplica aos tributos ditos indiretos (conforme já se expôs, IPI, ICMS e ISS não fixo). Dessa forma, a

42 CTN. “Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo

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legitimidade ativa do “contribuinte de direito” para pleitear a repetição do indébito está condicionada à prova do não repasse do ônus econômico do tributo ou, em sendo o caso de a translação ter efetivamente ocorrido, à autorização do “contribuinte de fato”, pois este é que teria efetivamente suportado o dano decorrente do tributo indevido.

Por consequência lógica, poder-se-ia concluir que já que se nega a legitimidade ativa ao “contribuinte de direito” e que se considera que o “contribuinte de fato” seria o sujeito efetivamente lesado, este seria, então, a parte legítima para pleitear a restituição. Todavia, nessa circunstância, o STJ entende que o “contribuinte de fato”, por não compor a relação jurídico-tributária, também não possui legitimidade ativa para a repetição do indébito, criando-se curiosa situação em que alguém teria poderes para autorizar algo que não pode fazer em nome próprio.

Consoante já sinalizou-se, as incoerências desse racicínio serão melhor explicitadas nos capítulos subsequentes.

2.4.2 Tributos indiretos e imunidades subjetivas

De acordo com Hugo de Brito Machado, “imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato ou em detrimento de determinada pessoa”43, hipóteses em que se diz que a imunidade é objetiva ou subjetiva, respectivamente.

Em sendo o caso de a entidade imune participar da operação negocial na qualidade de “contribuinte de direito”, v.g. quando uma instituição religiosa pratica o

comércio de itens ligados à religião, o STF entende que a imunidade abrange os tributos incidentes sobre os produtos vendidos pela entidade, desde que a receita decorrente da operação seja revertida no atendimento de suas finalidades institucionais.44

Já nas situações em que a entidade imune integra o negócio como “contribuinte de fato”, a jurisprudência da Suprema Corte oscilou. Em um primeiro momento, considerava-se que, em sendo o adquirente uma entidade imune, o imposto não era devido. Nesse sentido é o trecho do voto do Ministro Barros Monteiro, proferido no bojo do RMS 17.380, verbis:

43 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 234.

44 Cf. STF. RE 210.251-EDv/SP, Tribunal Pleno, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 28/11/2003, p. 11 e

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Sendo o imposto de consumo eminentemente indireto, que, visando ao fato da circulação de mercadorias, recai, a final, sobre o comprador, contribuinte de fato, não passam o fabricante e o produtor, contribuintes de direito, de meros agentes arrecadadores de tributos, para atender-se, tão somente, ao mecanismo de sua arrecadação.

Se assim é, parece evidente que, em uma transação em que uma das partes for pessoa de direito público, na posição de consumidor, gozando de imunidade tributária, [...] não há tributo a ser arrecadado ou valor a ser adiantado.45

Posteriormente, o STF reformou esse entendimento, passando a consignar, nos termos do voto do Ministro Bilac Pinto no RE 68.741/SP, que:

Não se pode opor à forma jurídica a realidade econômica e que a relação tributária se estabelece unicamente entre o poder tributante e o contribuinte ou responsável, nos termos da lei. De acordo com a nova interpretação, a figura do “contribuinte de fato” passou a ser considerada estranha à relação jurídica tributária, não podendo nela intervir, a qualquer título.46

Sobre o assunto, editou-se, ainda, a súmula 591, segundo a qual “a imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.”.

Sinteticamente, para efeito de reconhecimento de uma imunidade subjetiva, leva-se em consideração tão somente o “contribuinte de direito”. Se este for uma entidade imune, não incidirão tributos indiretos sobre as operações negociais que realizar. Todavia, se o “contribuinte de direito” não tiver as prerrogativas da imunidade subjetiva, os tributos indiretos serão devidos, ainda que o “contribuinte de fato” seja entidade imune.

Embora se reconheça que, no âmbito do tema das imunidades subjetivas, a jurisprudência do STF é coerente, o mesmo não pode ser afirmado ao cotejarem-se as premissas expostas no RE 68.741/SP com as adotadas quanto à repetição do indébito. Com relação às imunidades, entende-se que a realidade econômica não pode ser oposta à realidade jurídica, ignorando-se, para tanto, a figura do “contribuinte de fato”. Todavia, no que concerne à repetição do indébito, faz-se justamente o oposto: eleva-se a realidade econômica a um patamar jurídico a ponto de negar-se a restituição ao “contribuinte de direito” por ter repassado o ônus representado pela exação ao “contribuinte de fato”, conquanto se tenha afirmado no voto supratranscrito que sua figura deve ser “considerada estranha à relação jurídica tributária, não podendo nela intervir, a qualquer título”.

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2.4.3 Tributos indiretos e inadimplência do consumidor

Tendo em vista o entendimento do STJ já exposto segundo o qual o “contribuinte de fato” é quem “verdadeiramente” arca com o ônus financeiro do tributo, situação interessante é aquela em que o consumidor deixa de pagar o preço avençado, tornando-se inadimplente.

A aplicação coerente desse entendimento conduziria à conclusão lógica de que quando o “contribuinte de fato” fosse inadimplente, não se poderia exigir quantia alguma do “contribuinte de direito”, tendo em vista que não teria recebido o tributo daquele a quem “verdadeiramente” cabe o seu pagamento.47

Não obstante, a jurisprudência entende de modo diverso. Para o STJ, a inadimplência do “contribuinte de fato” não interfere na obrigação tributária, pelo que o “contribuinte de direito”, sujeito passivo da relação jurídico-tributária, não pode invocá-la para se eximir do dever de pagar o tributo. Entende-se, portanto, que “os pactos privados não influem na relação tributária, pela sua finalidade plurissubjetiva de satisfação das necessidades coletivas, não sendo lícito ao contribuinte repassar o ônus da inadimplência de outrem ao Fisco”48e que “a exigência tributária não está vinculada ao êxito dos negócios privados”.49

A esse respeito, Hugo de Brito Machado Segundo assevera que:

[...] em relação a uma efetiva prestação de serviço (de comunicação), ou a uma efetiva operação relativa a circulação de mercadoria, ou à saída de um produto industrializado do estabelecimento fabricante, a desconsideração da inadimplência do comprador, para o fim de desobrigar o vendedor de recolher o tributo, representa nítida contradição com as premissas segundo as quais quem efetivamente “arca” com o tributo indireto é o consumidor, sendo dele a capacidade contributiva a ser alcançada com a tributação. Se a transferência do ônus para o consumidor final é juridicamente relevante para impedir a restituição do indébito ao contribuinte vendedor, não parece haver razão para que seja tida como juridicamente irrelevante no caso de inadimplência desse mesmo consumidor, para o efeito de desobrigar o contribuinte vendedor do recolhimento daquilo que não recebeu. [...]

A rigor, se o que o contribuinte “de fato” paga é preço, que juridicamente independe do ônus tributário incidente sobre o contribuinte “de direito” (que, com ou sem tributo, teria o direito de estabelecer o mesmo preço para suas mercadorias), sua inadimplência realmente não tem qualquer efeito sobre o dever jurídico do comerciante de recolher o ICMS, por exemplo. Mas, se assim é, tampouco a inadimplência do contribuinte “de direito”,

47 MACHADO SEGUNDO, 2011, p. 57.

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relativamente ao imposto, deveria configurar apropriação [indébita]. E menos ainda a possibilidade de repercussão econômica do ônus tributário poderia ser justificativa para se indeferir ao contribuinte “de direito” a restituição do tributo pago indevidamente. [grifos no original]50

Mais uma vez, reconhece-se que o entendimento do STJ é adequado quando analisado o tema individualmente. De fato, o sujeito passivo da obrigação tributária é o “contribuinte de direito” e a ele cabem os direitos e deveres inerentes à relação jurídico-tributária. Até mesmo por força do art. 118 do CTN51, a inadimplência do consumidor não pode ser arguida pelo “contribuintede direito” para fins de se eximir da obrigação tributária.

A coerência está presente porque parte-se da premissa de que a relação de direito privado firmada entre o “contribuinte de direito” e o “contribuinte de fato” é distinta da de direito público estabelecida entre o “contribuinte de direito” e o Fisco. Dessa forma, a invalidade da primeira não implica a da segunda. Ademais, o “contribuinte de fato” deve ser desconsiderado, para todos os efeitos, da relação jurídico-tributária, uma vez que não a compõe.

Todavia, cotejando-se novamente essa premissa com as adotadas quanto ao tema da repetição do indébito, percebe-se flagrante incompatibilidade.

2.4.4 Tributos indiretos e base de cálculo das contribuições sobre a receita ou faturamento

Outro ponto cuja análise é relevante diz respeito à apuração da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a receita ou faturamento (v.g. PIS e COFINS).

Deve-se perquirir se, para a jurisprudência, incluem-se ou não os valores relativos a tributos indiretos eventualmente repercutidos no preço.

De acordo com o argumento fazendário, o valor recebido pelo “contribuinte de direito” é, em sua integralidade, preço, e, portanto, receita, devendo-se ignorar que parte dessa quantia possa ser relativa a tributos que repercutam economicamente. Dessa forma, o valor total pago pelo “contribuinte de fato” integrará a base de cálculo do tributo incidente sobre a receita ou faturamento.

50 MACHADO SEGUNDO, 2011, p. 60-61.

51CTN. “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica

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No mesmo sentido, o STJ firmou entendimento, consolidado através das súmulas 6852 e 9453, segundo o qual a parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo desses tributos.54

O cotejo desse raciocínio com o adotado quanto à repetição do indébito leva à conclusão de que, de acordo com o STJ, para fins restituição de tributo indireto pago indevidamente, considera-se que parte do que o “contribuinte de direito” recebeu do “contribuinte de fato” é tributo, efetivamente suportado por este, motivo pelo qual se nega a legitimidade ativa daquele para pleitear a repetição. Todavia, em se tratando da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a receita ou o faturamento, o “contribuinte de direito” recebeu do “contribuinte de fato” preço, integralmente, de sorte que pouco importa se nele estão “embutidos” quaisquer tributos indiretos, e é o valor total que deve ser considerado receita.

O raciocínio carece de coerência. Conforme aponta Hugo de Brito Machado Segundo:

Das duas uma. Ou o preço pertence ao comerciante, e o tributo, pago com o valor obtido com ele, é dívida do comerciante (devendo ser devolvido ao comerciante quando pago de maneira indevida), ou então o preço pertence só em parte ao comerciante, parte na qual não se compreende o tributo devido à Fazenda. Se essa segunda opção é a acolhida na interpretação do art. 166 do CTN e no trato da restituição do indébito do tributo indireto, não pode haver a incoerência de se escolher a primeira forma de compreensão do problema quando se trata de discutir a base de cálculo do PIS e da COFINS. Afinal, o direito é um só, e uma tese, quando verdadeira nos casos em que beneficia a Fazenda Pública, não pode se tornar falsa sempre que sua aplicação coerente beneficiar o contribuinte.55

Realmente, é incongruente sustentar que o “contribuinte de direito” não tem direito à restituição do tributo que pagou indevidamente sob o fundamento de que quem efetivamente paga é o “contribuinte de fato” e, ao mesmo tempo, considerar esse mesmo valor como receita daquele. Se a quantia representada pelo tributo faz parte de sua esfera jurídica, outorgam-se ao contribuinte de jure tanto direitos quanto obrigações.

Isso significa que lhe cabe tanto incluí-la na base de cálculo dos tributos incidentes sobre o faturamento e adimplir a obrigação tributária independentemente do pagamento pelo “contribuinte de fato”, como pleitear a repetição das quantias pagas indevidamente a esse título.

52 Súmula 68 do STJ: A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.”.

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O que não se pode aferir coerentemente, numa visão sistemática do Direito, é que ao contribuinte de jure sejam outorgados apenas os ônus inerentes à relação

jurídico-tributária e que os direitos dela decorrentes sejam inexercíveis, de modo que, na prática, simplesmente desapareçam.

(34)

3 A AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE TRIBUTOS INDIRETOS

Utilizando-se como paradigma a classificação das tutelas jurisdicionais quanto à finalidade do provimento pretendido, estas podem ser de conhecimento, executivas ou cautelares.

A tutela de conhecimento tem por objetivo a afirmação da existência ou inexistência do direito invocado pela parte ou, nas palavras de Liebman, a declaração, pelo órgão jurisdicional, de quem tem razão e quem não tem56. Para tanto, o Estado-juiz avalia os fatos, enuncia as normas a ele aplicáveis e, por fim, promove o acertamento da situação jurídica existente entre as partes, seja condenando uma delas a determinada prestação, declarando situação preexistente ou (des)constituindo relação jurídica. Ressalte-se que, em determinados casos, mais de um desses provimentos é possível simultaneamente.

Por sua vez, a tutela executiva pressupõe a existência do direito, fundado em título judicial ou extrajudicial, e presta-se à satisfação da obrigação posta em Juízo. Dessa forma, “é a atividade através da qual os órgãos judiciários visam a produzir coativamente um resultado prático equivalente ao que outra pessoa deveria ter produzido em cumprimento a uma obrigação jurídica”.57

Finalmente, considera-se cautelar a tutela que “se destina a assegurar, a garantir o curso eficaz e o resultado útil das outras duas, concorrendo assim, indiretamente, para a consecução dos objetivos gerais da jurisdição”.58

Nesse contexto, a ação de repetição do indébito consiste em tutela de conhecimento, de iniciativa do contribuinte, que tem por finalidade o reconhecimento do direito à restituição em face da Fazenda Pública, de tributo pago indevidamente, seja em virtude de ausência de amparo legal que fundamente o pagamento, seja em razão de tributo pago com sustentáculo em lei inválida ou inconstitucional.

O presente capítulo tem por objetivo inicial traçar um panorama da ação de repetição do indébito, evidenciando-se seus fundamentos constitucionais e legais, bem como explicitando-se suas hipóteses de cabimento.

56 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985, v. 1, p. 164.

(35)

Posteriormente, analisar-se-á o instituto da legitimidade ad causam em seus

aspectos gerais. Só então terá se firmado o embasamento teórico que permita a compreensão e a análise da evolução da interpretação jurisprudencial acerca da legitimidade ativa para as ações de repetição do indébito relativa a tributos indiretos.

Nesse ponto, far-se-á uma exposição histórica dos entendimentos esposados tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da possibilidade de deferimento do pedido de restituição ao “contribuinte de direito” e ao “contribuinte de fato”.

A finalidade deste capítulo é, antes de tudo, compreender o quadro atual para só então, no capítulo subsequente, tecerem-se os comentários acerca da adequação da atual interpretação jurisprudencial sobre o tema ao ordenamento jurídico vigente.

3.1 Fundamento constitucional e legal do direito à repetição do indébito tributário

Tendo em vista o objetivo deste trabalho, faz-se necessário perquirir os fundamentos que embasam o direito à restituição do tributo pago indevidamente. A pertinência dessa investigação consiste em obterem-se meios para averiguar se a interpretação jurisprudencial dominante acerca do tema tem se prendido aos alicerces constitucionais e legais desse direito ou se, em certa medida, os ignora, restringindo o direito à restituição a ponto de torná-lo inócuo.

Analisando-se primeiramente a Constituição, alguns doutrinadores, a exemplo de Hugo de Brito Machado59 e Hugo de Brito Machado Segundo60, apontam no princípio da legalidade tributária61 o fundamento para a repetição do indébito. Ora, se a obrigação tributária decorre da lei e só em virtude dela é que os tributos são devidos, em inexistindo lei que sustente a cobrança do tributo ou em sendo essa lei inválida, a manutenção, pelo Estado, de valores indevidamente pagos é inconstitucional, implicando a obrigação de restituí-los.

59 MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação e análise crítica. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.).

Repetição do indébito e compensação no direito tributário. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 1999, p. 11.

60 MACHADO SEGUNDO, 2012b, p. 421.

61 CF. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

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