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GURIAS PUNKS EM PORTO ALEGRE: PISTAS PARA PENSAR QUESTÕES DE GÊNERO NAS CULTURAS JUVENIS

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28, 29 e 30 de 2006

Gênero e publicações – ST 01 Angélica Silvana Pereira

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Culturas juvenis – punks - gênero

GURIAS PUNKS EM PORTO ALEGRE: PISTAS PARA PENSAR QUESTÕES DE

GÊNERO NAS CULTURAS JUVENIS

Esta comunicação constitui-se em um recorte sobre questões de gênero, a partir do estudo1 que desenvolvo sobre jovens que adotam a cultura punk como um estilo de vida, em Porto Alegre. No decorrer dos últimos dois anos, venho realizando incursões em diversos espaços públicos da cidade onde tais jovens se encontram para ‘estar juntos’, atribuindo novos significados a estes espaços a partir de suas práticas culturais.

Dentre os espaços que estive, salientarei neste recorte os encontros de tribos urbanas no Parque da Redenção2 ao entardecer dos domingos, bem como as festas punks, chamadas de gigs. Destaco que no estudo que venho desenvolvendo, compus algumas cenas a partir de entrevistas realizadas, além das minhas observações registradas nos diários de campo e de imagens produzidas, selecionadas e extraídas de diversos artefatos culturais, tais como fanzines punks, revistas e jornais.

Para que o leitor possa visualizar as práticas culturais vivenciadas por jovens ditos punks [dentre outros], trago aqui duas cenas : Domingo no Parque e Gigs – a cena cantada, tocada e dançada, nas quais as ‘gurias’punks são tão protagonistas quanto os guris.

Segundo Feixa (1999), as culturas juvenis em muitas sociedades têm sido vistas como fenômenos exclusivamente masculinos, sendo que, para as mulheres, a juventude consiste estar mais voltada a práticas que valorizam a família. Para o autor, nas associações juvenis, no rock e outros estilos musicais e na política, as mulheres aparecem com pouca [ou menor] visibilidade. Entretanto, os papéis de destaque assumidos pelas ‘gurias’ pertencentes a grupos punks em Porto Alegre, evidenciam possíveis subversões sobre questões de gênero presentes em culturas juvenis diversas.

Primeira cena - Domingo no Parque

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diversidade. Pessoas apreciam e compram artesanatos e antigüidades expostos no Brique da Redenção – feira tradicional que acontece em todos os domingos, nas imediações do Parque, exceto em dias muito chuvosos. Além dessa composição de pessoas, o Parque dá seu espetáculo a cada nova estação, mudando de cores, alterando a paisagem, juntamente com os cidadãos e seus modos de estar lá.

Com chuva ou com sol, a partir da metade das tardes de domingo, alguns locais do Parque começam a mudar de cena. Grupos juvenis [guris e gurias] dirigem-se até o Monumento do Expedicionário3, transformando-o num ponto de encontro entre metaleiros/as, roqueiros/as, regueiros/as, black metals, punks e outras agregações juvenis, nas quais a cor preta nas vestimentas é predominante. Antes de a cena estar composta no Parque, ela pode ser vista pelas proximidades do local, quando os/as jovens para lá se dirigem. Chegam em bandos de vários pontos da Grande Porto Alegre, com suas vestimentas predominantemente pretas, usando calçados pesados e acessórios diversos, na cor prata, como colares, correntes, bonés e portando ratos brancos [animais vivos!!], que ganham destaque sobre as roupas pretas. Carregam garrafas pets com bebida alcoólica em seu interior, que são passadas de mão em mão.

Os/as freqüentadores/as do Parque em geral, ao comentar sobre tais aglomerações, chamam todos/as de punks de forma generalizada, talvez pelo fato de terem sido os/as punks, os primeiros a demarcarem aquele território. Olhando de longe, torna-se difícil identificar as diferentes agregações que ali partilham o mesmo espaço. Dentre os/as punks que lá estão, alguns/as deles/as podem ser identificados/as pelo seu visual. Os jovens usam cabelos com penteados estilo moicano, armados com sabão, roupas escuras [geralmente], botas ou coturnos pretos, jaquetas em jeans ou couro decoradas com taxinhas, correntes, frases e palavras de protesto [que muitas vezes são palavrões], correntes presas às calças, muitos piercings e tatuagens. As jovens punks aparecem em número significativo e apresentam características semelhantes. Diferem quanto ao penteado, exibindo cabelos longos, curtos, despenteados, amarrados, com cores fortes e gritantes, em tons avermelhados.

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Os investimentos no visual punk são características dessa cultura. Segundo Abramo (1994), através do seu visual, os/as punks aparecem nas cidades de forma espetacularizada. Os/as punks que observei para compor meu estudo não evidenciaram grandes elaborações em torno dos significados atribuídos a sua indumentária. Argumentam que as suas vestimentas têm como objetivo romper com aquilo que é pré-estabelecido e passar mensagens de revolta, desgosto e resistência.

Embora reconhecendo a importância do visual punk, muitos/as dos/as punks com os/as quais conversei, não atribuem importância maior aos elementos ligados à aparência [em suas falas], e sim à capacidade de estar na luta, de resistir e de ter atitude. Alguns textos de fanzines4 e alguns relatos de jovens punks são veementes ao afirmarem que os/as jovens que se apropriam apenas do visual punk, não são considerados punks. São chamados/as de punks de boutique, ou seja, não comungam da cultura punk ‘verdadeira’.

Ao passo que as jovens adeptas da cultura punk podem ser identificadas e ganham visibilidade entre seus pares, outras tribos ou movimentos movimentam-se no sentido de preservar a idéia naturalizada de que as culturas juvenis dizem respeito ao masculino. O excerto de um diálogo que tive num domingo, com dois jovens adeptos do gênero musical black metal5 demonstra esta posição:

Pesquisadora: Tá, mas porque os black metals são contra punks, assim? Voz 1 (21 anos): Bah, a nossa ideologia é totalmente contra, assim.

Voz 2 (17 anos): O nosso negócio é mais opressivo e do punk é contra a opressão.

Homossexualismo e lesbianismo, homem com homem, mulher com mulher nós não aceitamos, né. Nós somos radical! Os punks já aceitam, né...

Voz 1 (21 anos): Anti-drogas, né. Nós somos anti-drogas.

Voz 2 (17 anos): É, nós somos anti-drogas, né. No máximo só vinho, cachaça.. Só

bebida.

Pesquisadora: Nem cigarro, nada? Voz 1 (21 anos): Não, não.

Voz 2 (17 anos): Ah, cigarro, tem... tem cara que usa, mas aí nós não

consideramos verdadeiro black metal.

Voz 2 (17anos): O black metal tem pouca gente, assim. Principalmente mulher, é

mais restrito. Tem menos mulher, é bem restrito.

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delicado, ‘sentimental’. Isso supõe que meninas não devem gostar do gênero musical heavy metal ou outros considerados ‘pesados’, como o punk rock, hardcore...

Ao longo do tempo, muitas culturas juvenis são vistas e tratadas de forma hegemônica, com discursos semelhantes aos da ciência, das doutrinas religiosas e da educação, ou seja, numa ótica masculina, branca, heterossexual. Segundo Louro (2000), este modo de narrar as juventudes pode ser resultado de jogos de poder nem sempre claramente enunciado, em que nas ‘outras’ identidades culturais, alguns são invisibilizados ou representadas sob formas subordinadas ou marginalizadas.

Segunda cena: Gigs – a cena tocada, cantada, dançada...

Segundo o Dicionário Houaiss (p. 329), gig é um compromisso assumido por músicos de jazz [especialmente por uma noite], ou o lugar em que se dará essa exibição musical. A primeira vez que ouvi falar em gig, foi através de uma estudante que me procurou na sala onde trabalho numa escola pública de Porto Alegre [sala do SOE – Serviço de Orientação Educacional]. As gigs [a pronúncia entre os punks varia entre guigs e gigs] são festas, momentos de encontros dos punks com sua música, com o seu grupo, através de shows de bandas. A jovem assim descreve as gigs:

A gig surgiu quando os punks sentiram necessidade de expressar seu ódio e revolta contra a sociedade. Aí os punks iam pra lá, faziam seu som, se produziam, cantavam, gritavam, encontravam os parceiros de luta. (Excerto retirado do diário

de campo de junho/2004).

Como o relato da jovem evidencia, as gigs são eventos muito importantes dentre as práticas culturais punks. Muitas vezes, as gigs são realizadas em lugares inusitados, como galpões, porões, garagens, casas abandonadas e na rua. As gigs não precisam de palco e podem ser realizadas em espaços improvisados e também em bares podem ocorrer as gigs.

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O que mais chamou minha atenção, foi uma das bandas que se apresentou, a qual é composta por três jovens e uma jovem que assume o papel de vocalista. Na medida em que as letras aumentavam o seu tom de crítica e inconformidade frente ao sistema capitalista, a opressão e os problemas sociais, os/as jovens animavam-se a dançar a música punk de modo muito diferente do convencional.

Conforme Shuker (1999), música punk é praticamente ‘indançável’. Contudo, constatei que a música punk pode ser considerada ‘indançável’ de acordo com o que tradicionalmente é entendido como dança. Nas gigs, além de terem sua música, os/as punks têm a sua dança [chamada de pogo], que se constitui em gestos bruscos e aparentemente agressivos, como chutes, socos, movimentos e vibrações corporais intensos, os quais possivelmente, tenham como significado, a manifestação do seu profundo gosto por aquela música. Pude observar que quando estão dançando, a banda aproxima-se ainda mais do seu público, o qual canta junto e partilha o microfone com quem está no vocal, borrando as fronteiras [tradicionais] entre público e artista.

Na medida em que uma jovem assume o vocal de uma banda de punk rock, percebe-se uma subversão quanto ao posicionamento do feminino na referida cultura. Uma garota fazia o papel considerado muitas vezes como o de maior destaque de uma banda - o vocal - que na maioria das vezes é assumido por homens. Em muitas bandas, as mulheres assumem a função de baking vocal. No movimento punk, embora as mulheres permaneçam ainda na posição de minoria [quantitativamente falando], elas têm aparecido de forma significativa, assumindo a protagonização de muitas práticas. Também pode-se identificar algumas práticas planejadas, organizadas e endereçadas às mulheres dentro da cultura punk, tais como oficinas de auto-defesa feminina e fanzines produzidos por e para mulheres.

Da subversão...

A partir dos relatos trazidos nesse texto, pude constatar que as culturas juvenis tem tornado visíveis outras formas de masculinidade e de feminilidade. Muitas vezes, jovens se narram, são narrados, se representam e são representados com outros significados menos dicotomizados, mais plurais e complexificados, de acordo com determinados espaços sociais e dos papéis que assumem. Isso não significa que se tenha deixado de reafirmar a ótica branca, masculina, heterossexual e ocidental. Pode permitir, no entanto, um reconhecimento das nossas condições de vida como sujeitos com identidades complexas, inacabadas, móveis e relacionais (Hall, 1997).

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Para autores como Feixa (1999), Reguillo (1999), Valenzuela (1999), Garbin (2001) dentre outros, não podemos falar em juventude, e sim em juventudes, pois não cabe mais narrar os jovens como se todos estivessem no mesmo lugar ocupando a uma mesma posição.

O recorte sobre a cultura punk apresentada nesta comunicação traz a subversão de modelos pré-estabelecidos sobre modos de ser/estar homem e mulher [jovens] na sociedade, como possível pista para se problematizar e discutir diversas culturas juvenis que habitam espaços e tempos contemporâneos.

Referências bibliográficas

ABRAMO, H.W. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994. FEIXA C. De culturas, subculturas y estilos. In: ____. De jóvenes, bandas y tribus. Barcelona: Ariel, 1999. P. 84–105.

GARBIN, E. M. www.identid@desmusicaisjuvenis.com.br: um estudo de chats sobre música da Internet. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, 2001.

HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, v.22, n 2, jul./dez., p.17, 1997.

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LOURO, Guacira Lopes. In: Lopes, Eliane M. et. Al. (orgs). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

MAGALHÃES, H. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2003. REGUILLO, Rossana. Las culturas juveniles: un campo de estudio; breve agenda para la dicusión. In: Revista Brasileira de Educação, n. 23, p. 36-60, maio/jun/jul/ago, 2003.

SHUKER, Roy. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999.

VALENZUELA, José M. Identidades juveniles. In: CUBIDES, Humberto J.; TOSCANO, María Cristina L.; VALDERRAMA, Carlos Eduardo H., (ed.). Viviendo a toda: jóvenes, territorios culturales y nuevas sensibilidades. Fundación Universidad Central, Santafé de Bogotá: Paidós, 1998. P. 38-45.

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Parque localizado na zona central da cidade, próximo aos bairros Bom Fim e Ciade Baixa.

3

Monumento localizado em uma das entradas do Parque da Redenção em homenagem aos expedicionários gaúchos que lutaram nos campos da Itália durante a II Guerra Mundial.

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Fanzine: revista de fãs feito por fãs, para fãs – contração de fanatic megazine. É uma forma de expressão impressa independente, elaborada artesanalmente, através de recortes, colagens, desenhos, geralmente fotocopiadas, sobre qualquer assunto. O primeiro fanzine de que se tem notícias, segundo Magalhães (2003) é da década de trinta, surgiu nos EUA e foi sobre ficção científica. O primeiro fanzine punk foi elaborado por um bancário de 19 anos, na Inglaterra, após assistir a um show da banda musical Ramones. Hoje o fanzine faz parte da cultura punk e, geralmente, é trocado por outro fanzine, pois contrariamente a grande mídia, não visa lucro.

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Referências

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