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ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE

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Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 9391/2004-4

Relator: DURO MATEUS CARDOSO Sessão: 18 Maio 2005

Número: RL

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: REVOGADA

ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE

INDEMNIZAÇÃO

Sumário

Para que o acidente de trabalho se possa considerar descaracterizado por culpa do trabalhador é necessário que este tenha tido um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma

imprudência e temeridade inútil e indesculpável, embora não intencional e que tal comportamento seja causa única do acidente.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- (MS), intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, CONTRA,

COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, SA, e ASHA, INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, LDA.

II- PEDIU que:

- Seja reconhecido como acidente de trabalho o evento sofrido pela A. em 28 de Fevereiro de 1997;

- Sejam condenadas as RR a pagar à autora, na proporção das respectivas responsabilidades, a pensão devida pela redução da capacidade de trabalho e ganho, bem como na quantia de 1.147.888$00 a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA), referente ao período compreendido entre 28-2-97 e 19-1-99, tudo acrescido de juros de mora.

III- ALEGOU, em síntese, que:

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- Enquanto prestava serviço no interesse e por conta da ré ASHA, como sua trabalhadora, foi vítima de um acidente de trabalho;

- Deste acidente resultaram lesões que lhe determinaram incapacidade permanente parcial para o trabalho;

- A mesma R. havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a ré seguradora, mas apenas em relação a parte da sua

retribuição.

IV- As rés foram citadas e contestaram, dizendo, no essencial, que:

A) A ré entidade patronal:

- Não sabe para onde a A. se deslocava na sua hora de almoço;

- O balcão a que a A. alegadamente se dirigia fica mais longe e implica atravessar a Avenida da República do que a dependência onde está domiciliada a conta da Rede onde sai dinheiro para pagamento dos vencimentos, mais perto das instalações da mesma R;

- Atenta a natureza do acidente, requer a citação do condutor que atropelou a A a título de responsável eventual.

B) A ré seguradora:

- O acidente não pode ser caracterizado como de trabalho, mas antes como de viação, visto ter ocorrido fora do tempo de trabalho, não se encontrando a A.

ao serviço da sua entidade patronal;

- Sem prescindir, sempre estaria o acidente descaracterizado pois o mesmo consistiu em acidente de viação, na produção do qual a A. foi a única

responsável.

V- Notificada, a A. respondeu à requerida citação do condutor do veículo atropelante, pugnando pelo indeferimento de tal pretensão.

Tal citação veio a ser indeferida por despacho de fols. 103 a 104.

VI- O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo veio deduzir pedido de reembolso das prestações de segurança social pagas à A. e emergentes do acidente em discussão nos autos.

Regularmente notificadas, vieram as RR contestar, reafirmando as posições já tomadas nas respectivas contestações aos pedidos da A.

Foi ordenado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade (fols.

131), com constituição de apenso em que, por despacho de fols. 163 do apenso B, a autora foi considerada como afectada de uma IPP de 25%.

VII- O processo seguiu os seus termos, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente do seguinte modo: "Face ao exposto, julgamos a presente acção procedente por provada, e em consequência declaramos como acidente de trabalho o evento sofrido pela A. em 28 de Fevereiro de 1997, condenando as RR a pagar:

- à A., o capital de remição de urna pensão anual de € 8,68, sendo € 6,93 da

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responsabilidade da R. Tranquilidade e o restante da responsabilidade da R Asha;

- ainda ao A. a quantia de € 1.198,68 relativa a indemnizações por incapacidades temporárias, sendo € 5.312,27 da responsabilidade da R Tranquilidade e o restante da responsabilidade da R. Asha;

- ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo a quantia de € 6.845,33, sendo € 5.974,90 da responsabilidade da R. Tranquilidade e o restante da responsabilidade da R. Asha.

A estas quantias acrescem juros de mora contados à taxa legal, desde a data da alta clínica para a pensão e a indemnização por incapacidades temporárias e desde a data para contestar o pedido de reembolso, relativamente à quantia devida ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo.

Custas pelas RR., na proporção de 87,28% para a R. Tranquilidade e 12,72%

para a R. Asha - artigo 446.° do Código de Processo Civil."

A fols. 272 e 273, a autora requereu a rectificação da sentença.

Dessa sentença recorreu a ré Seguradora (fols. 274 a 280), apresentando as seguintes conclusões:

1. Tendo a A. atravessado 6 filas de trânsito da faixa central da Av. da

República, em Lisboa, quando os semáforos apresentavam luz verde para os veículos, e tendo cortado a linha de marcha do táxi que circulava na 6ª fila (fila do BUS), tem de concluir-se que voluntariamente adoptou um

comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, inútil, grave e indesculpável.

2. A A. bem sabia que não podia adoptar tal conduta, que punha em causa a sua integridade física e a de terceiros.

3. O taxista não estava obrigado o prever que a A., violando as normas do Código da Estrada, fizesse aquela travessia e fosse cortar a sua linha de marcha.

4. O comportamento da A. foi grave e indesculpável e foi a única causa do acidente.

5. E porque o acidente ocorreu exclusivamente por falta grave e indesculpável da A., não há lugar a reparação, nos termos da alínea b) do nº 1 da Base VI da Lei 2127.

6. Ainda que assim se não entenda, o que por mera hipótese se admite, não pode a Ré ser condenada a pagar à A. as indemnizações por ITA de 28/2/97 a 19/1/99 (data da alta) e a pagar ao Centro Regional de Segurança Social o subsídio de doença que este centro Regional pagou à A. no período de 28/2/97 a 11/10/99.

7. Nem a A. pode receber 2 vezes as indemnizações por ITA: Da Ré e do C.R.S.

Social.

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8. Por outro lado, tendo a A. tido alta em 19/1/99, data a partir da qual pode exercer plenamente a sua actividade profissional, a baixa dada pelo C.R.S.

Social a partir desse data nada tem a ver com o acidente dos autos.

10. Ainda de acordo com a sentença, embora o salário transferido para a Ré fosse de 56.000$00 x 14 meses, a Ré foi condenada a pagar uma quantia mensal superior a 80.000$00 no período de ITA.

11. Foi feita uma errada interpretação e aplicação do disposto na alínea b) do nº 1 da Base VI da Lei 2127 de 3/8, na alínea d) do nº 1 e do nº 1 do art. 8º do Dec. Lei nº 132/88 de 20 de Abril.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença e proferido acórdão em que se declara que o acidente ocorreu exclusivamente por culpa grave e indesculpável da A., portanto, não indemnizável.

Se assim se não entender, o que por mera hipótese se admite, deve a

Recorrente ser condenada a pagar ao Centro Regional de Segurança Social o subsídio de doença que este pagou à A. de 28/2/97 a 19/1/99, calculado sobre o salário transferido de 56.700$00 x 14 meses, absolvendo-se a Ré quanto ao pedido das indemnizações por ITA reclamadas pela A., uma vez que esta já recebeu do C.R.S. Social, com o que será feita a costumada Justiça.

VIII- A autora apresentou as contra-alegações de fols. 303 a 311 em que pugna pela manutenção do decidido embora com as rectificações já anteriormente requeridas.

Também o ISSS contra-alegou (fols. 316 a 318) defendendo a manutenção do decidido.

IX- Por despacho de fols. 324 a 326, o decisório da sentença recorrida foi rectificado passando a ter a seguinte redacção: «Face ao exposto, julgamos a presente acção procedente por provada, e em consequência declaramos como acidente de trabalho o evento sofrido pela A em 28 de Fevereiro de 1997, condenando as RR a pagar:

- à A, o capital de remição de uma pensão anual de €762,21, sendo € 609,77 da responsabilidade da R. Tranquilidade e o restante da responsabilidade da R. Asha;

- ainda à A, a quantia de € 5.725,64 relativa a indemnizações por

incapacidades temporárias, sendo € 4.580,51 da responsabilidade da R Tranquilidade e o restante da responsabilidade da R Asha;

- ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo a quantia de € 6.845.33, sendo € 5.974,90 da responsabilidade da R. Tranquilidade e o restante da responsabilidade da R Asha.

A estas quantias acrescem juros de mora contados à taxa legal, desde a data da alta clínica para a pensão e a indemnização por incapacidades temporárias

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e desde a data para contestar o pedido de reembolso, relativamente à quantia devida ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo».

IX- Correram os Vistos legais.

X- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, não impugnada e que aqui se acolhe, é a seguinte:

1- No dia 28 de Fevereiro de 1997 a A. trabalhava para a 2.ª R (ASHA, Lda.), sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante contrato de trabalho;

2- O local de trabalho da A. era no estabelecimento denominado «Pensão Residencial Capital», que constitui a sede da referida R.;

3- A A. auferia a retribuição mensal de Esc. 56.700$00, acrescida de igual importância a título de subsídios de férias e de Natal, de Esc. 10.000$00 x 11 meses de subsídio de assiduidade e ainda de Esc. 375$00 x 22 x 11 meses de subsídio de refeição;

4- No dia 28 de Fevereiro de 1997, pela 14.50 horas, a A. foi vítima de um acidente que consistiu no facto de ter sido atropelada pelo veículo automóvel de matrícula 28-...-FT, conduzido por (M), que circulava na Avenida da

República no sentido Sul-Norte;

5- O embate deu-se quando a A. pretendia atravessar a Avenida da República;

6- A R. patronal tinha a responsabilidade pela reparação das consequências do acidente de trabalho transferida para a R. seguradora, por apólice n.°

00031378, nos termos constantes de fls. 14 a 18, que aqui se dá por reproduzida;

7- Nenhuma das RR. pagou à A qualquer quantia a título de indemnização pelo período em que esteve temporariamente incapacitada para trabalhar;

8- A retribuição da A era paga mediante cheque bancário à sua ordem;

9- A fim de que o valor da retribuição estivesse disponível na data do seu vencimento e embolsar o numerário correspondente, a A. devia deslocar-se ao estabelecimento bancário sacado, onde procedia ao levantamento de tal

cheque;

10- O acidente descrito na al. D) dos factos já dados como assentes a fls. 130 deu-se quando a A., na sua hora de almoço, se deslocava ao Banco Espírito Santo, sito na Avenida da República, a fim de levantar o cheque destinado ao pagamento do salário do mês de Fevereiro;

11- O embate deu-se quando a A. pretendia atravessar a Avenida da República;

12- A Avenida da República tem 10 filas de trânsito, sendo 5 em cada sentido;

13- A faixa de rodagem central tem 3 filas em cada sentido e as faixas de rodagem laterais têm 2 filas em cada sentido;

14- Quer as faixas de rodagem laterais, quer a faixa de rodagem central contêm semáforos e passadeiras para peões devidamente assinaladas;

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15- A A. atravessou 2 filas laterais do lado poente;

16- O veículo táxi circulava na fila destinada ao BUS (transportes públicos) que se deparou com a A. à sua frente, vinda do lado esquerdo onde se encontravam veículos automóveis imobilizados, não conseguindo parar a tempo de evitar o embate;

17- O semáforo encontrava-se com luz verde para os veículos que circulavam no sentido do referido táxi;

18- Em consequência do acidente referido, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo pagou à A., no período de 28 de Fevereiro de 1997 a 11 de Outubro de 1999, subsídios de doença no valor de Esc.

1.372.366$00.

XI- O Tribunal da Relação tem competência para conhecer tanto de questões de direito como de facto, sendo que no quadro da apreciação da matéria de facto pode alterar a decisão do Tribunal de 1ª instância, nos precisos termos constantes do art. 712º- 1 do CPC.

No caso que nos ocupa encontra-se provado por acordo das partes o período de tempo durante o qual a autora se encontrou temporariamente incapacitada para o trabalho (de 28/2/97 a 19/1/99) e qual a natureza dessa incapacidade (ITA). Tratou-se de factualidade alegada pela autora na petição inicial (art.

17º, a fols. 71), não impugnada na contestação da ré seguradora e expressamente aceite na contestação da ré ASHA (art. 15º a fols. 87).

Este facto tem grande relevância para o cálculo da indemnização devida por incapacidade temporária, sendo absolutamente anómalo que na sentença recorrida se tenha condenado as rés a pagar indemnizações por incapacidades temporárias no montante de € 5.725,64 sem se ter dado como provado tal necessária factualidade e sem se sequer invocar no teor da sentença o tipo de incapacidade (ITA ou ITP) e o período temporal em que ocorreu.

Assim, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 712º-1-a) , 713º- 2 e 659º- 2, todos do CPC, a redacção do facto nº 7 é alterada passando a ser nos seguintes termos: "Nenhuma das RR. pagou à A qualquer quantia a título de indemnização pelo período em que esteve temporariamente incapacitada para trabalhar (ITA de 28/2/97 a 19/1/99)."

XII- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante (ré), são as seguintes as questões que se colocam no presente recurso:

A 1ª, se o acidente não é reparável por ser devido a culpa grave e indesculpável da sinistrada, actuando como única causa do acidente.

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A 2ª, se a 1ª questão for improcedente, se a condenação no pagamento de indemnização por ITA à autora e ao CRSS está incorrecta, porque duplica o recebimento de indemnização à sinistrada e porque condena no pagamento ao CRSS relativamente a um período temporal para além da alta daquela.

XIII- Apreciando.

QUANTO À 1ª QUESTÃO.

Invocou a ré seguradora a descaracterização do acidente por culpa grave e indesculpável da sinistrada, nomeadamente por a mesma ter atravessado a via pública com os semáforos a emitirem luz vermelha para os peões.

Para se saber se se estará perante uma situação de descaracterização de acidente de trabalho, ou seja, se apesar de o acidente ser "enquadrável objectivamente na Base V, não é indemnizável, em virtude da verificação das circunstâncias que o descaracterizam"- Des. Cruz de Carvalho, "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais", ed. 1980, pag. 39-, importará ter presente o disposto na Base VI da LAT.

Dado que se tratam de factos impeditivos do direito da sinistrada à reparação, incumbia à entidade responsável a prova da sua existência, nos termos do art.

342º-2 do CC- veja-se, por exemplo, o Ac. do STJ de 23/6/04, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 04S608 e o Ac. do STJ de 18/1/05, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 04S3151.

A alínea b) do nº 1 da Base VI da LAT, ao referir que não dá direito a reparação, o acidente que provier exclusivamente de falta grave e

indesculpável da vítima, tem de ser conjugada com o art. 13º do DL nº 360/71 de 21/8 que, por sua vez, estabelece que "não se considera falta grave e

indesculpável da vítima do acidente, o acto ou omissão resultante da

habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão".

A lei considera, pois, indemnizáveis os acidentes resultantes de negligência, imprudência, imprevidência, distracção, esquecimento de uma ordem, e comportamentos análogos, abrangidos na figura jurídica de culpa em sentido genérico, como a simples e involuntária inobservância daquela diligência que se deveria ter empregado, e que se tivesse sido empregada teria impedido a realização do facto danoso. Para a exclusão a que nos referimos é preciso que haja um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil, indesculpável, mas

voluntária, embora não intencional. É necessário que tal comportamento seja a causa única do acidente, o que não sucederá no caso de concorrência de culpa da entidade patronal ou do seu representante, ou quando seja possível concluir que mesmo sem tal comportamento o acidente sempre se verificaria (Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, ed. 1980,

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pag. 42).

Aquele comentador, no «Prontuário da Legislação do Trabalho», actualização nº 39, pag. 22, diz-nos ainda o seguinte: «Quanto ao conceito de falta

indesculpável, em 1941 a Cour de Cassation francesa deu uma definição de tal modo satisfatória que nunca no essencial foi posta em causa... "A falta

indesculpável deve entender-se como uma falta de uma gravidade excepcional, derivando de um acto ou omissão voluntária, da consciência do perigo que deve ter o seu autor e da falta de qualquer causa justificativa"- (vejam-se também, por exemplo, o citado Ac. do STJ de 23/6/04 e o Ac. do STJ de 16/6/04, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 03S3401).

Feliciano Tomás de Resende, in "Acidentes de Trabalho e Doenças

Profissionais", Pag. 22, considera que a falta grave e indesculpável será "um comportamento temerário reprovado por um elementar sentido de prudência".

Por culpa grave tem-se entendido a falta de cuidado ou diligência própria da generalidade dos homens, ainda os menos cuidadosos ou menos diligentes.

Por culpa indesculpável, um acto ou omissão voluntária, injustificado pelo exercício da profissão ou das ordens recebidas que constituem um perigo

grave conhecido pela vítima (V. Cruz de Carvalho, ob. citada, pag. 42 e Ac. Rel.

Porto de 12/10/81, Col. 1981, T. 4, pag. 258).

Tem também a jurisprudência entendido, desde há muito, que a culpa da vítima tem de ser apreciada em concreto, casuisticamente, em relação a cada caso particular- (veja-se entre outros, por exemplo, o Ac. do STA de 9/12/75, AD nº 170, pag. 184; AC. do STA de 21/1/74, AD nº 147, pag. 567; Ac. do STA, AD, nº 138, pag. 905; Ac. Rel. Porto de 12/5/80, Col. 1980, T 3, pag. 137; e os citados Acs. do STJ de 23/6/04 e de 16/6/04). Importará então ponderar se se poderá considerar que a sinistrada/autora procedeu ao atravessamento da Av.

da República com o semáforo a emitir luz vermelha para os peões.

Sabemos, como resulta da matéria de facto provada, que a sinistrada, no dia 28 de Fevereiro de 1997, pela 14.50 horas, foi atropelada pelo veículo

automóvel de matrícula 28-...-FT, conduzido por (M), que circulava na Avenida da República no sentido Sul-Norte. O embate deu-se quando a A. pretendia atravessar a Avenida da República, a qual tem 10 filas de trânsito, sendo 5 em cada sentido, sendo que a faixa de rodagem central tem 3 filas em cada

sentido e as faixas de rodagem laterais têm 2 filas em cada sentido. Quer as faixas de rodagem laterais, quer a faixa de rodagem central contêm semáforos e passadeiras para peões devidamente assinaladas. A autora atravessou nessa altura 2 filas laterais do lado poente (factos nºs 4, 5, 11, 12, 13, 14 e 15).

O veículo táxi, que circulava na fila destinada ao BUS (transportes públicos) deparou-se com a autora à sua frente, vinda do lado esquerdo onde se

encontravam veículos automóveis imobilizados, não conseguindo parar a

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tempo de evitar o embate, encontrando-se o semáforo com luz verde para os veículos que circulavam no sentido do táxi (factos nºs 16 e 17).

Destes factos provados poderemos concluir que a sinistrada cometeu um facto ilícito e culposo ?

Entendemos que não.

Por ilicitude entende-se a infracção de um dever jurídico, quer se

consubstancie na violação de um direito de outrém, quer na violação de um preceito da lei tendente à protecção de interesses alheios. Assim a primeira hipótese contempla os casos mais nítidos de ilicitude civil (decorrentes da violação de direitos subjectivos de personalidade, reais, familiares ou de

propriedade industrial). Já a segunda compreende as violações de normas que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos

titulares um direito subjectivo a essa tutela; ou ainda as normas que tendo também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes. Além disso, a previsão destas normas abrange ainda a violação das que visam prevenir, não a produção do dano concreto, mas o simples perigo de dano em abstracto.

Importa pois, distinguir a ilicitude que se reporta ao facto do agente, à sua actuação, do efeito danoso que dele decorre.

Ora, nesta segunda variante possível da ilicitude cabe precisamente a violação das regras de trânsito por parte de um peão, uma vez que as respectivas

normas protegem interesses particulares, sem contudo lhes conferirem um verdadeiro direito subjectivo. Assim, desde que ocorra a violação de uma desta normas legais, em cujo fim reconhecidamente se conta a tutela dos interesses particulares, e desde que o dano daí resultante se tenha registado no circuito privado de interesses que essa norma visa tutelar, o facto será ilícito (Prof.

João de Matos Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", Vol. I, 7ª ed., Almedina, 1991, pags. 520 a 532).

É regra estradal básica que os peões não podem iniciar o atravessamento de vias se os semáforos estiverem a emitir luz verde para os mesmos.

A apelante sustenta que a autora atravessou a via com sinal vermelho para os peões porque, para o taxi, os semáforos estavam a emitir luz verde (facto nº 17).

É certo que no domínio da responsabilidade por factos ilícitos, para prova da culpa, é bastante que se possa estabelecer factualidade, que, segundo os princípios da experiência comum torne muito verosímil a mesma.

Porém, a factualidade apurada não permite, com segurança, nem mesmo segundo as regras da experiência comum, extrair tal conclusão.

De facto, para se chegar à consequência pretendida pela ré, haveria de se ter provado que a autora, ao iniciar a travessia, tinha já o semáforo a emitir luz

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vermelha para os peões.

Pode muito bem o semáforo ter ficado verde para o táxi quando a autora já completava a travessia. Ideia até reforçada pelo facto dos restantes

automóveis imobilizados nos restantes corredores de trânsito da faixa de rodagem se encontrarem, na altura do acidente, imobilizados (facto nº 16).

Mas em concreto e com certeza não sabemos.

Não se apurou, pois, se a autora, em rigor, desobedeceu a alguma estatuíção do Código da Estrada.

Não se mostra também provado ter a autora violado o dever objectivo de cuidado, cautela ou prudência, cuja observância as circunstâncias lhe impunham e de que era capaz ou que tenha agido com imperícia e

inconsideração, pelo que não está demonstrado que, com a sua actuação, a autora criou a dinâmica causal do acidente, pelo menos, com a sua "omissão do dever geral de diligência, destinado a evitar o prejuízo alheio" - Dário Martins de Almeida, "Manual de Acidentes de Viação", 2ª ed., pag. 202.

Em consequência, também não se vê, deste modo, e em face do apurado, uma temeridade inútil ou indesculpável, ou uma falta de gravidade excepcional, não se podendo concluir pela existência de culpa grave e indesculpável da autora.

Consideramos, deste modo, inexistir descaracterização do acidente, nos termos da Base VI-1-b) da LAT, como se decidiu em 1ª instância.

QUANTO À 2ª QUESTÃO.

Relativamente ao pagamento em duplicado das indemnizações por ITA.

Ficou provado que a autora esteve em situação de ITA entre 28/2/97 e 19/1/99 (facto nº 7) e que em consequência do acidente referido, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo pagou à A., no período de 28 de Fevereiro de 1997 a 11 de Outubro de 1999, subsídios de doença no valor de Esc. 1.372.366$00 (facto nº 18).

Mas, como consta do decisório rectificado, o Mmº Juiz a quo condenou as rés seguradoras e entidade patronal, a título de indemnizações por incapacidade temporária, a pagar à autora a quantia global de € 5.725,64 e,

simultaneamente, condenou as mesmas rés a pagar ao CRSSLVT um total de € 6.845,33.

Trata-se de condenação em duplicado, desprovida de base legal.

A sentença recorrida fez apelo ao disposto no art. 8º-1 do DL nº 132/88 de 20/4, normativo aliás invocado pelo ISSS no seu petitório inicial (juntamente com o DL nº 59/89 de 22/2), mas depois não retira as consequências da condenação no reembolso à Segurança Social.

Assim, tendo até a autora já recebido da Segurança Social, mais do que teria a receber das rés, não pode receber em duplicado. Note-se que nos termos do

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art. 8º-1 do DL nº 132/88 de 20/4, a Segurança Social assegura ao sinistrado a concessão provisória das correspondentes prestações resultantes de

indemnizações por acidente de trabalho, pelo que se está perante prestações que visam ressarcir a mesma realidade.

Acresce que nos termos do art. 16º do DL nº 24/84 de 14/8, no caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos

regimes de Segurança Social com o de indemnização infortunística a suportar por terceiros, "as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhe caiba conceder".

Deste modo, não pode subsistir a condenação das rés que foi feita na sentença recorrida a favor da autora com fundamento em indemnização por

incapacidades temporárias.

Manter-se-á, todavia, a condenação das rés no reembolso à Segurança Social, pelo menos, até ao montante da sua responsabilidade global (€ 5.725,64).

Relativamente ao pagamento de indemnizações por ITA para além da data da alta da sinistrada.

Tem a apelante novamente razão.

Resulta do facto provado nº 7 que a situação de incapacidade temporária da autora cessou a 19/1/99. E ficou provado que o ISSS pagou à autora subsídios até 11/10/99.

Desconhece-se a razão pela qual a Segurança Social continuou a pagar

subsídios posteriormente a 19/1/99, mas é elementar que as rés, seguradora e entidade patronal, não têm de suportar reembolsos que excedem as suas responsabilidades legais emergentes de acidente trabalho. O que aliás resulta do disposto no art. 8º-3 DL nº 132/88, onde se estabelece que o direito de reembolso tem como limite o valor da indemnização.

Assim, a condenação das rés a favor da Segurança Social terá de ser alterada com redução para o limite máximo de € 5.725,64.

XIV- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação julgar parcialmente

procedente a apelação e, em consequência altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

A) Absolvem as rés do pedido da autora de pagamento de indemnização por incapacidades temporárias;

B) A condenação das rés ao CRSSLVT é no montante de € 5.725,64, sendo € 4.580,51 da responsabilidade da ré seguradora e € 1.145,13 da

responsabilidade da ré entidade patronal;

C) Absolvem as rés do restante peticionado pelo CRSSLVT;

D) Confirma-se, no mais, a sentença recorrida.

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Custas da apelação a cargo da ré seguradora, na proporção de 1/2, mantendo- se as custas fixadas em 1ª instância.

Lisboa, 18 de Maio de 2005 Duro Mateus Cardoso

Guilherme Pires Sarmento Botelho

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