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Formação a distância de professores do ensino fundamental: uma nova forma de ensino?

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Academic year: 2017

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FORMAÇÃO A DISTÂNCIA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA NOVA FORMA DE ENSINO?

Miriam Teixeira Frade Almeida

Dissertação apresentada ao Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia

Orientadora: Profa. Dra. Mariza Vieira da Silva

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Profa. Dra. Mariza Vieira da Silva (Orientadora - UCB)

Prof. Dr. Francisco Heitor de Magalhães Souza (Membro Externo)

Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão (Membro - UCB)

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Mariza, minha orientadora, pela paciência, companheirismo e apoio durante todo o nosso tempo de conhecimento e de trabalho.

À minha família, pelo tempo de convívio cedido para a elaboração de minha dissertação.

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SUMÁRIO

Resumo...06

Introdução...08

1. A Análise de Discurso: linguagem e subjetividade...20

2. Formação de professores: um tema para reflexão ...29

3. Proformação...48

4. Conclusões...85

5. Referências bibliográficas...88

6. Anexos Anexo A...96

Anexo B...97

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RESUMO: Neste trabalho, buscamos analisar e discutir a questão da formação de professores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental no Brasil, a partir de artigos de estudiosos contemporâneos da área, e tomando como corpus de descrição e análise uma proposta do Ministério da Educação para um curso de formação de professores à distância, o Programa de Formação de Professores em Exercício, Proformação, enquanto parte das políticas públicas de educação implementadas pelo Governo Federal na década de 90 do século passado. Tomamos como dispositivo teórico e metodológico de leitura e interpretação dos textos selecionados para esta dissertação, a Análise de Discurso da linha francesa fundamentada particularmente, nos trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Puccinelli Orlandi, com o objetivo de apreender e compreender como se constitui uma posição-sujeito, a de professor do ensino fundamental em sua relação com o conhecimento a ser transmitido pela e na escola e sob a forma de ensino à distância, modalidade utilizada no Proformação. Tomando a autoria como principal categoria de análise, para perceber os deslocamentos teóricos e práticos que este Programa pudesse trazer, considerando o objetivo desta dissertação, pudemos concluir, mesmo que provisoriamente, que a posição de sujeito deste professor-cursista é antes e, sobretudo, a de um aluno, deixando mais uma vez de fora do processo de qualificação em serviço a reflexão e a crítica da relação teoria-prática, enquanto elemento constitutivo do trabalho do cotidiano do professor.

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ABSTRACT: This paper intends to analyze and to discuss the question about the 1st to 4th grades teacher’s formation in Brasil. The corpus’s basic readings were contemporary author’s articles about this area and a proposition of the Ministério da Educação for a teacher’s formation course in distance education modality, Proformação, which is part of the brasilian educational public politics. The French form of Analysis of Discourse based mainly on Eni Orlandi’s and Michel Pêcheux’s articles was the theoretical and methodological reference to read this elected articles. These discussion and analysis intend to apprehend the sense’s effects yielded in these text’s readings to understand how a subject-position was constituted, the primary teacher’s one position, which is referred to knowledge and how it is transmitted by and in the school and in a distance teaching modality, that one used at the Proformação. Authorship was the main analysis’s category to realize theoretical and practical dislocations that this program could bring to the discussion. We could conclude temporarily that this course’s teacher subject-position is the student’s one and so this takes out of the qualification process the reflection about the theory-practice relation which is an inherent element of a teacher’s work.

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INTRODUÇÃO

Ser professora, nas primeiras séries do Ensino Fundamental fez com que, observo, agora, me dispusesse a refletir, sistematizar, descrever, analisar e compreender a questão da formação de professores no Brasil, pois o aprender a ler e a escrever sempre fez parte também de nossa história, enquanto aprendiz e enquanto professora.

Trata-se de um trabalho científico, mas, sobretudo, de memória de uma história social, pelo modo que a formação desses mestres vem sendo tratada, nas últimas quatro décadas, em termos de políticas públicas, de programas e projetos, de teorias e tecnologias pedagógicas e psicológicas, e de uma rememoração pessoal, pelo investimento emocional e comprometimento político que sempre marcou nossa atuação ao longo desses quarenta anos de vida profissional.

Gostaríamos, pois, de ao lado do trabalho bibliográfico sobre o tema, retomarmos essa última história de que falamos para observarmos, também aí, as relações entre teorias e práticas, bem como a persistência de certos problemas e desafios na história da educação fundamental em nosso país, buscando assim compreendermos de forma mais abrangente, as condições de produção, de formação e de trabalho do professor, e os conflitos e contradições aí presentes.

Começamos nossa carreira docente na zona rural do Estado do Rio de Janeiro, perto de Santa Cruz, em 1964, como professora do ensino fundamental público, ministrando aulas em uma mesma sala junto a outra professora, com a qual dividíamos as tarefas dentro de sala, para uma turma de alfabetização de 70 alunos. Ela alfabetizava pelo método silábico e oferecia noções de Estudos Sociais e nós dávamos aulas de Matemática e Ciências. Dividíamos o tempo para que pudéssemos oferecer as disciplinas e enquanto uma ministrava a aula, a outra corrigia os trabalhos de casa e os exercícios de sala.

A escola funcionava em três turnos de três horas e meia. Nós trabalhávamos de 11:00 as 14:30 no chamado turno da fome, já que as crianças iam para a escola sem comer e muitas precisavam andar quilômetros para chegar à escola, o que dificultava nosso trabalho.

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íamos à cidadezinha mais próxima para pedir ajuda aos comerciantes locais que, apesar de também serem pobres, nos doavam alimentos e materiais.

Atualmente, retomando essa história, não só nos surpreende o fato de termos conseguido ensinar, apesar de todos os problemas enfrentados, como também nos admiramos de que mais da metade dos alunos tivesse aprendido duas operações matemáticas (soma e subtração), a ler e a escrever. É incrível também sabermos que essas condições são realidade, ainda hoje, nas escolas de zona rural e nas da periferia das grandes cidades.

No ano seguinte, em 1965, ministramos aulas em uma escola pública da periferia do Rio de janeiro, em Jacarepaguá, para crianças especiais (AE). Eram crianças repetentes, com idades que variavam entre nove e treze anos. A maioria sabia ler e escrever, mas apresentava o que se denominava, na época, falhas de alfabetização, como a troca e inversão de letras ao escrever, considerando assim a alfabetização como um processo capaz de por si só produzir falhas.

Essas crianças apresentavam também os considerados problemas de comportamento como agressividade e atitudes desrespeitosas para com colegas e funcionários da escola, evidenciando a presença de um sujeito que sabia o que era um comportamento adequado, e/ou mostravam algum problema no processo de aprendizagem, como também alguma espécie de dispersão da atenção.

Os critérios, empregados para diagnosticar e apontar crianças especiais, eram os resultados de instrumentos utilizados, por exemplo, os testes de aptidão, como o ABC (Monarcha, 2001) e os de inteligência, como a escala Stanford/Binet. Os resultados, em geral, eram corroborados por professores e orientadores por meio da observação e da indicação de comportamentos inadequados e pelo desempenho acadêmico abaixo da média, em concordância, na atualidade, com o que diz Patto (1997) sobre a presença de testes e laudos psicológicos nas escolas públicas de 1º grau.

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Embora o Conselho Federal de Psicologia tenha estado empenhado em avaliar e certificar testes psicológicos que têm sido usados por psicólogos em seu trabalho, buscando garantir a qualidade, eficiência e eficácia dos mesmos, nas escolas, professores e orientadores ainda se servem de teorias e experimentos que, muitas vezes, não dominam muito bem, para encaminhar crianças para determinadas classes ou, então, já as recebem classificadas e, a partir daí, desenvolvem um determinado tipo de trabalho, reforçando e re-alimentando um imaginário de falta, de deficiência, de incompetência sobre essas crianças.

Gostaríamos de ressaltar, contudo, que no início de nossa docência, a Psicologia, ou melhor, dizendo, uma determinada Psicologia, já se fazia presente, criando condições teóricas e metodológicas, para justificar a utilização de critérios prescritivos para lidar com tipos de alunos diferentes, tipos esses demarcados por essa mesma ciência, com seus experimentos, testes, diagnósticos, introduzidos na escola por professores e orientadores e, muitas vezes, também utilizados por psicólogos no espaço escolar. Patto (1999, p.58) diz que a Psicologia Científica do início do século XX, que foi gerada nos laboratórios de Fisiologia, contribuiu, ao utilizar a teoria da evolução natural, para a descoberta dos mais e dos menos aptos. Deste modo, colaborou para legitimar a asserção de que a vida social possa estar baseada na justiça, escondendo assim “as desigualdades sociais, historicamente determinadas, sob o véu de supostas desigualdades pessoais, biologicamente determinadas”.

Os profissionais envolvidos com a educação, inclusive alguns psicólogos, sem conhecimento dos pressupostos teóricos que sustentaram a elaboração dos materiais utilizados em sala de aula, estabeleciam (e estabelecem) relações entre comportamentos e aprendizagem de modo ambíguo, mas eficaz na produção de estereótipos e preconceitos. Assim, muitas vezes, contribuíam (e contribuem) para obscurecer as verdadeiras questões do fracasso escolar.

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Podemos dizer que, durante nossos primeiros anos de docência, não considerávamos a possibilidade de falhas nem na estrutura de ensino e nem nos métodos de alfabetização e menos ainda na inadequação ou má utilização dos métodos da Psicologia. Se estes métodos fossem bem aplicados e, se ainda assim ocorressem falhas, presumíamos que as causas estariam em outro lugar. Deste modo, as questões eram deslocadas do âmbito da estrutura de ensino e dos métodos para a estrutura interna das crianças, pois não se discutia, quase sempre, sobre a fundamentação destes métodos e técnicas em sua relação com o histórico e o cultural daquelas crianças, relação essa apontada por Roazzi e cols. (1991).

A falta de discussão sobre a base teórica dos métodos de ensino, em geral, era comum neste começo de nossa docência, durante os anos sessenta. A formação pedagógica de professores e de orientadores era superficial e desvinculada da prática docente. Somando-se ao oferecimento de poucas disciplinas práticas, havia o desconhecimento das teorias e técnicas da Psicologia, o que tornava o ensino, em escolas rurais e de periferia, precário e discriminatório. Os testes utilizados para classificar e separar as crianças em diferentes turmas tinham como pressuposto que havia diferenças entre as crianças, mas ao serem evidenciadas essas diferenças, os profissionais de educação as usavam para discriminar os menos aptos (Patto, 1999, p.58).

Nesta época, 1963, recém formada, pensávamos que poderíamos utilizar com as crianças repetentes o mesmo método de alfabetização, o silábico, que havia sido empregado com elas no ano anterior. Só durante o primeiro mês de aulas descobrimos que este tinha sido o método usado para alfabetizá-las. Nossa falta de conhecimento das conseqüências do emprego de determinadas teorias e métodos, e de seus pressupostos, nos fez utilizar este mesmo método durante todo aquele ano, na tentativa de corrigir as falhas da alfabetização, que, provavelmente, se fixaram durante a utilização do referido método, no ano anterior.

Diagnosticar estes alunos como especiais pela descrição de seus comportamentos e atitudes, tratá-los como deficientes em relação aos normais era praxe na época, década de sessenta, e parece que, muitas vezes, ainda o é. Os alunos eram assim indicados para classes especiais, através de observações, aplicação de testes de inteligência e de prontidão (Patto, 1997).

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intelectual e emocional destas crianças classificadas como especiais. Era lá que morriam suas esperanças de aprendizado, já que, desde sua introdução nessas classes, nada se esperava delas e, portanto, nenhum esforço era realizado para modificar sua situação. Essas classes serviam, pois, para o não questionamento tanto das teorias e práticas então dominantes, como do funcionamento escolar, da ausência de condições materiais mínimas de ensino, recaindo, deste modo, sobre o aluno, tomado como especial, a responsabilidade e a culpa pelo próprio fracasso.

Durante o ano de 1966, ministramos aulas a crianças que, através da aplicação do Teste ABC (Monarcha, 2001) não foram consideradas aptas para aprender a ler e a escrever, pois apresentavam, como resultado do teste, pouca coordenação motora e baixa discriminação visual. Eram então, encaminhadas para uma turma à qual, durante o ano, poucas exigências seriam feitas. Permanecemos ministrando aulas para estas turmas, em uma escola rural pública, por três anos, de 1966 a 1968. A maioria destas crianças conseguia reconhecer algumas letras, algumas tentavam escrevê-las, mas as invertiam e ou trocavam e não conseguiam juntar as letras e formar palavras. E, neste período, como professora, víamos repetirem-se as coisas e a sensação de impotência ia se apossando de nós.

Nossas dúvidas sobre a efetividade de métodos de ensino e da formação docente para a consecução do objetivo que pensamos que deva ser o primeiro do ensino fundamental, isto é, “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (Grossi, 1998, p.45), surgiram nesta época, já nos primeiros anos de docência.

Sabíamos pouco sobre teorias pedagógicas e psicológicas, como também sobre métodos de ensino, mas percebíamos que algo não ia bem, não se coadunava, embora tanto as teorias como os métodos, à época, preconizassem que o conhecimento deveria ser dirigido para a experiência e que as atividades concretas ajudariam na consolidação deste conhecimento. No final, essas noções de experiência e de concretude tinham uma ambigüidade, uma opacidade, diríamos em Análise de Discurso (AD), que não conseguíamos atravessar então.

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encontrar palavra mais difícil de pronunciar?). Lidávamos com a linguagem como se as palavras, frases, textos só tivessem sentidos precisos, os nossos.

A Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, durante os anos em que trabalhamos com essas turmas, fornecia apostilas para todas as escolas da rede pública de ensino primário. Ensino fundamental, como dizemos atualmente, é noção utilizada depois da unificação do ensino primário e ginasial. Essas apostilas eram elaboradas com o intuito de dar a conhecer aos professores o modo de confeccionar e de utilizar o material didático fornecido pela Secretaria de Educação.

Já então nos questionávamos sobre o funcionamento do sistema de ensino do Estado, ou ainda, das relações pedagógicas e políticas que se estabeleciam entre o Estado e os professores em se tratando de qualificação em serviço. Havia o objetivo de unificar o método de ensino, por meio do controle do quê e do como ensinar. Se isso podia, por um lado, colaborar para garantir uma certa unidade no trabalho, por outro, havia pouca possibilidade de introduzir algo diferente do proposto.

Recebíamos, na Secretaria Regional de Ensino, treinamento para a utilização das apostilas. Nelas não apareciam nomes de autores ou siglas de órgãos responsáveis por sua elaboração, e chegavam a nossas mãos mimeografadas, pois não havia ainda impressoras pessoais nos anos sessenta. Essas apostilas eram similares às folhas de exercícios mimeografados que entregávamos às crianças, pois várias folhas traziam figuras e dizeres que deveriam ser recortados, pintados e utilizados para a confecção de murais, sobre o tema do mês, em sala de aula. Outras folhas traziam modelos de exercícios que deveriam ser copiados para serem dados para os alunos.

Parece-nos, hoje, que a maneira de qualificar professores para a utilização de material didático, daquela época, na tentativa de unificar o como e o quê ensinar era, na verdade, um modo de exercer controle, de disciplinarização da subjetividade e de estabelecer hierarquias e poder no espaço escolar, homogeneizando e burocratizando o ensino, porquanto deveríamos somente recortar e colar, repetindo o que havia sido determinado. Era assim dificultada nossa reflexão, a partir de nossa experiência, sobre teorias pedagógicas e psicológicas que embasavam as propostas de ensino das políticas de educação do Estado, para buscar uma efetiva relação prática-teoria.

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enunciado como comando para a execução das tarefas, pois assim, ao seguir o modelo, os alunos deveriam poder completar, do mesmo jeito, o restante do exercício.

Na época, 1963, a explicação, embora parecesse até razoável, não nos satisfazia, pois os tipos de comparação que propunham para avaliar a consolidação de conceitos anteriormente ensinados pelas professoras eram, o que hoje tratamos como uma hipótese de escrita produzida pelas crianças, o chamado realismo nominal, como descobrimos mais tarde ao entrar em contato com teorias sobre a escrita.

Esta conceituação faz parte dos pressupostos de teoria que propõe que “a escrita representa o nome do desenho” (Ferreiro & Teberosky, 1989, p.68) e que esta “etiquetagem constitui um momento evolutivo importante no desenvolvimento da conceitualização da escrita”. Esta afirmação das autoras nos permite fazer um contraponto a Foucault (1981/2000, pp.165-166), desde que este nos fala da “grande utopia de uma linguagem perfeitamente transparente em que as próprias coisas seriam nomeadas sem confusão”.

Naquele momento de início de carreira, 1963, contudo, esta questão era tratada como relação entre conceitos, como maior/menor, perto/longe e outros. Vejamos um exemplo de exercício:

Marque o que é maior: (desenhos de)

um elefante - um avião - um rato - um cavalo.

Os alunos, que residiam em área rural, nunca tinham visto nem um elefante e nem um avião, mas como o desenho do avião parecia menor em comparação com o do elefante, era o avião a resposta certa para eles, mas errada para a escola. Podemos verificar, ao observarmos livros didáticos atuais, que esse tipo de enunciado ainda está sendo empregado.

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quer pela reflexão e análise, quer pelo confronto efetivo com a experiência e a realidade dos alunos.

No presente, nos perguntamos qual teriam sido estas teorias de base. O método de alfabetização que utilizávamos era o silábico. Então, de que pressupostos teóricos partia este método para afirmar que, conhecendo o nome das letras e formando sílabas, as crianças seriam capazes de juntar estas sílabas, e deste modo formar palavras e conseguir ler e entender o que estavam lendo?

Nesta retomada histórica de parte de nossa experiência profissional, fomos encontrando pontos que pareciam ser de fundamental importância para o delineamento deste trabalho de mestrado, pela natureza e pelo seu caráter repetitivo, pelas discrepâncias e dissimetrias que apontavam, pelas teorias e conceitos que envolviam os campos disciplinares da Pedagogia e da Psicologia, pela relação entre prática pedagógica e prática política que não deixavam de se mostrar, pela posição de sujeito-professor que parecia sempre trazer sentidos divididos e conflitivos.

Essa trajetória, rapidamente explicitada, colocava como central a linguagem e seu funcionamento, a escrita e seu aprendizado, mas também o modo de leitura e de interpretação do professor em relação a sua prática, as relações entre o saber e o poder, entre saber fazer e poder fazer. Buscávamos, pois, uma teoria e uma metodologia que orientasse nosso trabalho de análise e trouxesse possibilidades de outras leituras e compreensão das questões que, desde muito, provocavam nossa curiosidade e estimulavam nossa vontade de tentar compreendê-las.

A Análise de Discurso da linha francesa, criada por Michel Pêcheux, na década de 60 do século passado, pela articulação entre três campos disciplinares, o Materialismo Histórico, a Lingüística e a Psicanálise, tendo como objetivo construir uma teoria materialista da subjetividade, foi o dispositivo teórico de leitura e interpretação que buscávamos, e dele trataremos no capítulo inicial.

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Fomos, então, delineando e demarcando melhor nosso interesse. Inicialmente sabíamos que queríamos trabalhar com o ensino das séries iniciais do ensino fundamental para compreender como se estruturava e funcionava historicamente no Brasil. Aos poucos, nesse rememorar e no contato com o dispositivo teórico da AD, com a bibliografia da área, bem como formulando certas questões, fomos concentrando nossos esforços na construção de um objeto discursivo centrado no processo de ensino-aprendizagem: a posição de sujeito professor em sua relação com o conhecimento, com o Estado e a sociedade. Mas era preciso avançar um pouco mais.

Como essa posição se constituía via formação-qualificação, via políticas públicas de educação? Ao pensarmos na relação dessa posição de sujeito-professor com o conhecimento e o Estado, uma outra questão se apresentava neste recorte. Como veio (e vem) se dando a formação desse profissional? Que políticas públicas de formação de professor o Estado veio (e vem) implementando? Que objeto de conhecimento é esse a ser transformado em comportamentos e competências?

Novas políticas educacionais foram sendo propostas desde o início de nossa docência em 1963. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB/61) estava recém promulgada e dez anos depois ocorre a LDB/71, mas como nos fala Cury (Brasil, 2003, p.15) na apresentação da LDB/96, esta lei, por meio de seu artigo 92, ao revogar todas as leis de educação anteriores, “estaria se propondo a ser uma espécie de marco zero da história?” Contudo, já adiantando uma resposta, não acreditamos ser possível apagar a história, mesmo que tenha sido tão negativa como foi a história da escolarização no Brasil.

É necessário, então, que apontemos as estratégias utilizadas na LDB/96 (Brasil, 2003) para recomendar e disciplinar modos pelos quais o ensino deverá se instituir a partir de sua promulgação e para compreender se as mudanças propostas oferecem condições de produzir, ou não, transformações na educação brasileira, ou se, por um deslocamento, propõem algo diferente, mas mantêm obscurecido o mesmo.

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muitas vezes, sua presença, que se mostra no uso de testes, de técnicas de avaliação e de intervenção, têm causado mais prejuízo do que têm ajudado na produção de ensino de qualidade.

A LDB/96 (Brasil, 2003), ao referendar as políticas sociais brasileiras, tem estendido à educação as novas exigências das relações de trabalho. O eixo de competências tem sido utilizado para dar uma nova articulação aos conteúdos do processo de ensino e aprendizagem da Educação Básica e, tem-se mostrado também como um modo de consolidar as relações de trabalho na área educacional. As escolas têm exigido aos professores as mesmas competências requeridas aos trabalhadores, tema a que retornaremos no capítulo dois. Não nos devemos esquecer que competência está correlacionada à competição, e, tanto nas empresas como na educação, essa parece ser a maneira pela qual é entendida competência. É importante compreendermos então, se a utilização, na área de educação, desse conceito de competência tem produzido mudanças de qualidade, ou não.

Cury (Brasil, 2003) nos diz que é preciso estar atento para as novas propostas da LDB/96 para avaliar em que medida essas mudanças são inovadoras. Parece-nos, assim como para Cury, que a flexibilidade recomendada pelas novas relações produtivas está presente em determinadas proposições da lei. O que merece uma reflexão aprofundada.

É na proposta de descentralização das competências, na elaboração de propostas pedagógicas das instâncias federativas, de setores governamentais e de instituições de ensino, bem como na desescolarização do ensino, que essa flexibilidade se presentifica. Mas se, por um lado, pode ser vista como uma abertura à criatividade e à desburocratização, por outro, com “o deslocamento de responsabilidades para baixo” e com o “descompromisso de dever do Estado”, pode contribuir para a manutenção da “precariedade dos sistemas” de ensino, imputando a culpa, pelo fracasso, às comunidades, escolas e indivíduos (Brasil, 2003, pp.115-116).

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Desenvolvimento da Educação (FNDE), para analisarmos sua proposta, o que faremos no capítulo três.

Ao buscarmos textos sobre educação à distância nos deparamos com variadas referências em relação a um livro de Michael Moore, escrito com outro autor, Greg Kearsley (Moore & Kearsley, 1996). Livro do qual transcrevemos a definição de educação à distância:

Distance education is planned learning that normally occurs in a different place from teaching and as a result requires special techniques of course design, special instructional techniques, special methods of communication by electronic and other technology, as well as special organizational and administrative arrangements.

E que traduzido livremente diz:

Educação a distância é aprendizagem planejada que normalmente ocorre em um lugar diferente daquele de ensino e como resultado requer técnicas especiais de plano de curso, de técnicas instrucionais, de métodos de comunicação por tecnologias eletrônicas e outras, assim como arranjos organizacionais e administrativos especiais.

Escolhemos a modalidade de ensino a distância, também, por ser aquela que tem surgido como mediadora para o ensino em cursos de formação de professores em exercício. O consultor do Programa Proformação é Michael G. Moore, diretor do Centro Americano de Estudos em Educação à Distância e consultor nessa área para instituições de diversos países. O Boletim do Programa de Formação de Professores em Exercício (Moore., 2001, p.3) divulgou um texto de Moore, do qual transcrevemos parte a seguir, no qual esse autor diz que a estrutura do Proformação é muito sofisticada. Diz Moore:

Nesse sentido, o Proformação poderia ser objeto de estudo de educadores de outros países assim como modelo para futuros treinamentos de professores no Brasil e no exterior.

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A análise de materiais impressos para a utilização pelos cursistas, durante a realização do curso Proformação, nos levou à compreensão de como se dá parte do processo de subjetivação do sujeito-professor do ensino fundamental na modalidade de ensino à distância. Podemos ali observar o funcionamento de uma função do sujeito, a de autor, que vem produzindo e reproduzindo um discurso pedagógico autoritário e em que a assimetria entre os sujeitos que participam do processo de ensino e de aprendizagem é uma constante.

Este trabalho criou condições para que compreendêssemos que as possibilidades de uma proposta de ensino produzir rupturas e transformações na educação, mais precisamente, na formação de professores de Educação Fundamental, não está submetida apenas à adoção de novas tecnologias, mas antes e, sobretudo, no modo de apropriação desses novos instrumentos no confronto com os pressupostos teóricos e metodológicos, que os sustentam, bem como no trabalho de reflexão e crítica dos diferentes campos disciplinares, comprometidos com a formação do professor das séries iniciais.

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1 – A ANÁLISE DE DISCURSO: LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE

A contribuição da Análise de Discurso – AD, enquanto um dispositivo de leitura, como nos mostra Orlandi (1999a, pp.9-10), é colocar-nos “em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem”. Diz essa autora que “a entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os sentidos e o político. Não temos como não interpretar”. Assim, os textos, que serão objeto de nossa reflexão e análise, nos capítulos que se seguem, já estão interpretados, os sentidos já têm determinadas direções e já estão filiados a determinadas formações discursivas. Cabe, então, ao analista do discurso compreender os gestos (simbólicos) de interpretação ali existentes, bem como os efeitos de sentido – efeitos ideológicos – que constituem as posições de sujeito ali representadas.

A AD é um referencial teórico e metodológico de leitura e interpretação de textos. Trata “o próprio da língua através do papel do equívoco, da elipse [omissão de palavras que se subentendem], da falta” (Pêcheux, 1997a, p.50). A AD, para poder aproximar-se deste equívoco, constrói um dispositivo teórico (conceitos já estabelecidos) e a partir da noção de efeito metafórico, “o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual” (Pêcheux, 1997c, p.96), constrói um dispositivo de análise de seu objeto de estudo: o discurso. Esse deslizamento de sentido entre uma palavra e outra é constitutivo do sentido dessas palavras e, na análise de um texto, podemos observar essa repetição do mesmo através de formas diversas no jogo da paráfrase e da polissemia, caracterizando um processo de produção de um determinado discurso. Metáfora significa, pois, transferência de sentido na relação dos elementos que compõem uma estrutura lingüística.

O dispositivo teórico busca compreender o lugar da interpretação, pois não há relação direta do homem com o mundo, para poder esclarecer a relação entre ideologias, filiações identificadoras de discursos outros, “presença de uma ausência necessária” (Orlandi, 1999a, p.34) e a determinação histórica. Há uma relação, pois, entre a concepção de deslize, próprio da ordem do simbólico, e a de ideologia. Trata-se de uma leitura que remete a outros textos, ao não-dito, mas também ao já-dito, que relaciona a situação presente à história.

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próprio de outras metodologias de análise de textos, como a Análise de Conteúdo. Não, há, pois, um conteúdo prévio, anterior à linguagem, que se manifestaria em uma língua dada. Os sentidos não estão colados às palavras, eles se produzem nas relações de interlocução, nas relações entre sujeitos. A língua é a forma material em que se produzem os processos discursivos. Atravessar esta opacidade da linguagem é a tarefa do analista de discurso, compreendendo o que foi dito, enunciado, em relação ao que não foi dito, mas que também significa; e assim dizer da incompletude da linguagem, negando o princípio da literalidade dos sentidos da e na linguagem.

A constituição de uma subjetividade específica, a do sujeito-professor de ensino fundamental em sua relação com o conhecimento, é uma questão recorrente desde a época de nossas primeiras atividades de docência e, no presente, surge como ponto importante a ser perscrutado neste trabalho. Daí a importância da noção de acontecimento, que vem articular-se à de estrutura. Em que medida o acontecimento desse Proformação, em seu contexto de atualidade, permite-nos re-construir o espaço de memória em que se constitui, se reproduz e se transforma, uma história da formação do professor no Brasil. Há, pois, uma opacidade deste acontecimento que é preciso desvelar, descrevendo e compreendendo as discursividades que trabalham este acontecimento das e nas políticas públicas de educação, e os processos de subjetivação que aí se dão.

Rego e Mello (2002, p.10), sustentando-se em Ortega, dizem que o professor parte de seu “sistema de idéias e crenças sobre educação” para exercitar suas práticas, e a AD chama a nossa atenção para a eficácia do imaginário, colocando em questão o estatuto do sujeito falante como senhor e origem de sua fala e capaz de controlar plenamente suas intenções. (Orlandi, 1999a, p.41). Para a AD não são os sujeitos empíricos que funcionam no discurso, mas, sim, suas posições discursivas produzidas por formações imaginárias, como já afirmava Pêcheux em seu primeiro modelo de AD, em 1969 (Pêcheux, 1997c).

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Quadro I: Formações Imaginárias

Expressões que designam as formações imaginárias

Significação da expressão

Questão implícita cuja “resposta” subentende a

formação imaginária correspondente Imagem do lugar de A para

o sujeito colocado em A

“Quem sou eu para lhe falar assim?”

I A (A) A

I A (B)

Imagem do lugar de B para o sujeito colocado em A

“Quem é ele para que eu lhe fale assim?”

Imagem do lugar de B para o sujeito em B

“Quem sou eu para que ele me fale assim?”

I B (B) B

I B (A)

Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em B

“Quem é ele para que me fale assim?”

Quadro II: Referente

Expressões que designam

as formações imaginárias

Significação da expressão

Questão implícita cuja “resposta” subentende a formação imaginária correspondente A I A (R)

“Ponto de vista” de A sobre R

“De que falo assim?”

B I B (R)

“Ponto de vista” de B sobre R

“De que ele me fala assim?”

Estas formações imaginárias fazem parte das condições de produção do discurso, para Pêcheux (1997c), na medida em que essas condições compreendem os interlocutores (eu/tu), a situação (aqui-agora) e o contexto histórico mais amplo, estando aí incluída a ideologia. Podemos dizer também que a memória, parte da história, também faz parte do processo de produção de discurso. Para Pêcheux, a memória seria aquilo que, “face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ de que sua leitura necessita” (em Achard & cols., 1999, p.52), como podemos observar no acontecimento do Proformação. Diz ele que não devemos nos referir a um começo do processo discursivo, pois “um discurso se conjuga sempre sobre um discurso prévio” (Pêcheux, 1997c, p.77), assim o orador, ao aludir a algum acontecimento faz ressurgir outros, antecipando mais ou menos, de alguma maneira, o impacto que seu dizer poderia ter sobre o que o outro vai pensar.

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sentido entre locutores. Daí podermos falar em ressurgimento em relação ao processo discursivo.

Seguindo a proposta de Pêcheux (1997b), podemos notar que ele refere-se a esse ressurgimento de outros discursos como determinado pelo interdiscurso (um outro conceito fundamental de sua teoria): conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos, é o já dito em ação. Acresça-se a isso, o fato de a língua, enquanto um sistema com autonomia relativa porque afetado pela história, não ser um sistema fechado, ser, portanto, passível de equívocos, permitir falhas, como diz Orlandi (1999a). Há, pois, a intertextualidade, o interdiscurso, a estrutura e o acontecimento.

Desse modo, diz Orlandi (1999a, p.37), “nem os sujeitos, nem os sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados”. Assim, há possibilidade de uma mesma expressão possuir significados diferentes. Neste caso temos o processo de polissemia em andamento. O processo contrário seria a paráfrase que se relaciona à estabilização do sentido. É nessa relação entre o mesmo e o diferente, nessa relação de complementaridade entre os dois processos, o polissêmico e o parafrástico, que “o sujeito significa e se significa”, e que o deslizamento de sentidos funciona, uma palavra por outra.

A posição de sujeito-professor, deste modo, é efeito de processos de identificação em que a imagem que temos de um professor e a que ele tem dele mesmo procedem de “relações sociais [que] se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de poder” (Orlandi, 1999a, p.42).

Ao tomar a AD como referencial teórico e metodológico, esta reflexão e análise sobre a formação de professores na modalidade a distância irá se delinear em direção ao que, neste referencial, chama-se posição-sujeito: uma posição enunciativa, ou seja, de fala, que se constrói historicamente. Podemos então dizer que a posição de sujeito-professor se constituiu ao longo da instituição do processo de escolarização no Brasil, e será ocupada, necessariamente, por todos aqueles que atuam, irão atuar ou atuaram em uma escola, para mediar a relação do aluno, uma outra posição de sujeito, com o conhecimento.

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anteriormente mencionado. E, aquilo que o aluno imagina de si mesmo, de seu interlocutor e do objeto de conhecimento vão estar submetidos à “imagem que ele deve fazer do lugar do professor”.

Authier-Revuz (1998, p.107) acrescenta algo a essa reflexão sobre o que seja conhecimento, ao dizer que, na constituição do discurso de divulgação do conhecimento “operam as representações do discurso científico de produção de conhecimentos e do discurso pedagógico de transmissão institucional de conhecimentos” Para a autora, essa divulgação tem o objetivo de corrigir os males advindos da “falta de saber” do outro e servirá para transitar entre o dizer dos cientistas e o dos leigos. Na escola, sendo um espaço privilegiado de circulação de conhecimentos, podemos dizer, parafraseando a autora, que essa falta de saber está nos alunos e, no caso de um curso como Proformação, nos professores, que aí ocupam o lugar de alunos.

O discurso de divulgação jornalística de textos científicos surge de um texto científico e para que continue a ser assim considerado é dito de uma certa maneira, com determinada “organização textual”, que o faz circular com uma disposição como a seguinte: “eu digo que eles dizem X para que vocês o saibam”, como nos diz Orlandi (2001, p.27). Esta autora mostra que o funcionamento se sustenta em: “Você não conhece X, você sabe que X”. Podemos, assim, relacionar essas observações sobre a divulgação jornalística do saber científico com o discurso pedagógico e a divulgação do saber escolar em cursos de qualificação.

Estas questões relativas ao conhecimento levam-nos a citar Vaz (1993, p.42) que diz que o conhecimento plasmado na demonstração pela Matemática, promoveu a racionalidade como atributo e deste modo possibilitou, muito tempo depois, a este sujeito racional colocar a ciência como centro de “seu universo simbólico”, o que veio a promover grandes transformações no desenvolvimento da sociedade ocidental. Poderíamos, então, pensar até que ponto, no campo da Psicologia, diferentes teorias plasmaram-se tendo como referência esse racionalismo articulado – ou não – ao positivismo.

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ser considerada como ciência, exigiu que a Psicologia cristalizasse o objeto como invariante para poder estudá-lo. Ao fixar esse objeto no tempo, suprimindo sua historicidade (Henry, 1994), apagou o sujeito e calou sua voz, para poder controlá-lo e investigá-lo.

Essa evidência de sentido é aquela preconizada pelas ciências naturais ao naturalizar aquilo que é produzido na relação do histórico e do simbólico. Para Orlandi (1999a, p.95), a certeza de entendimento é um efeito da ideologia, “mecanismo estruturante do processo de significação”.

Para avançarmos na compreensão da teoria, precisamos retomar a questão do sujeito, foco de nosso trabalho, em relação ao sujeito intencional e consciente, que sabe sempre o que diz-escuta, lê-escreve, dominando completamente a linguagem e a língua, como meros instrumentos e códigos, respectivamente. Vamos fazê-lo trazendo uma noção proposta por Pêcheux (1997c): a de esquecimento, esquecimento nº 1 e esquecimento nº 2. O esquecimento nº 1 procede da maneira como somos afetados pela ideologia e pelo inconsciente, processo que é apagado, esquecido para o sujeito empírico, nos faz ter a impressão que somos a origem do que dizemos, nos faz esquecer que outros sentidos já falam no que dizemos. O nº 2 produz uma ilusão referencial, aquela que nos leva a imaginar que o que dissemos só poderia ter sido dito com aquelas palavras, assegurando uma relação natural entre as palavras e as coisas. Esse tipo de esquecimento não é totalmente inconsciente; muitas vezes, buscamos outras palavras para particularizar o que queríamos dizer.

Para compreendermos o tratamento dado ao discurso, pela AD, podemos trazer Foucault (1997, p.31) que, de um outro lugar, diz que:

não se busca, sob o que está manifesto, a conversa semi-silenciosa de um outro discurso: deve-se mostrar porque não poderia ser outro, como exclui qualquer outro, como ocupa, no meio dos outros e relacionado a eles, um lugar que nenhum outro poderia ocupar.

Sem a pretensão de esgotar a descrição de todas as relações que possam aparecer em um texto, Foucault (1997, p.33) nos diz que é preciso “numa primeira aproximação, aceitar um recorte provisório”, o que fizemos, inicialmente, nessa dissertação ao empreendermos uma análise discursiva do tema.

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ser outros, mas não qualquer um, pois inscritos no que AD chama de formações discursivas, “aquilo que, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada - determina o que pode e deve ser dito”. (Pêcheux, 1997b, p.160). Em suma, “os sentidos não se esgotam no imediato. Tanto é assim que fazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores” (Orlandi, 1999a, p.50).

Orlandi (1997a, p.75) mostra-nos ainda que há uma “política do silêncio”, que se diz X para não se dizer Y, e o intuito é de apagar a relação com outras formações discursivas que queremos evitar. E o local é a interdição do dizer, a proibição de determinadas palavras “para se proibirem certos sentidos” (Orlandi, 1997a, p.78), pois ao mudar de formação discursiva, mudam-se os sentidos das palavras. As formações discursivas são heterogêneas, não são blocos homogêneos, suas fronteiras são fluidas, podem derivar de formações de configuração religiosa, jurídica, pedagógica, científica, moral, econômica, e deste modo, constituem-se também em pontos de ancoragem para a análise (Orlandi, 1999a).

Como já dissemos anteriormente, o sujeito da AD não é um sujeito empírico, mas, sim um sujeito de linguagem, uma posição histórica. Na sociedade atual, a forma-sujeito histórica é a da contradição, pois se um forma-sujeito, imaginariamente, “determina o que diz”, é também “determinado pelo Estado” em sua constituição como sujeito (Orlandi, 1999a, pp.50-51), a que chamamos de sujeito jurídico, um sujeito livre para submeter-se às leis.

Orlandi (1999a, p.75) acrescenta que uma das funções do sujeito, a da autoria, é a mais afetada pelas instituições e onde os procedimentos disciplinares do Estado são mais aparentes. O autor deve ser “considerado como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência”, como nos diz Foucault (1970/1999, p.26), ao mesmo tempo em que é efeito da sociedade capitalista. Deste modo, o texto precisa ser “coerente, não-contraditório e seu autor deve ser visível, colocando-se na origem de seu dizer” (Orlandi, 1999a, p.75). O sujeito se submete e, ao mesmo tempo, apresenta-se como livre, tendo, pois, a ilusão de ser a origem de seu dizer, como já apontamos em parágrafo anterior.

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vestígios, pistas do não dito, do já-dito em outros lugares, independentemente de cada indivíduo (Ginzburg, 1989).

A língua “é condição de possibilidade do discurso” e base para análise dos processos discursivos, e o discurso, a “palavra em movimento”, (Orlandi, 1999a, p.22). A AD procura “compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história” (p.15). Essa compreensão de língua e de discurso: efeito de sentidos entre locutores e parte do funcionamento geral da sociedade, movimento, foi o que nos fez ir ao encontro da AD como referencial teórico e metodológico de leitura e de interpretação de textos.

Assim, a delimitação do material para análise “não segue critérios empíricos, mas teóricos”, como aponta Orlandi (1999a, p.62), o que significa que a constituição do corpus implica em outras noções, as de linguagem, de língua, de sujeito, de sentido. Está diretamente relacionada com o objeto de estudo da AD. Como o texto não é fechado, a incompletude é constitutiva da linguagem e a língua tem uma autonomia relativa porque afetada pela história, surge a possibilidade de sentidos múltiplos, da polissemia. Esses sentidos não deixam marcas, só “pistas” (Ginzburg, 1989, p.150), como já dissemos. Só é possível observá-los, espreitá-los “indiretamente por métodos (discursivos) históricos, críticos, des-construtivistas” (Orlandi, 1997a, p.47).

O discurso é um objeto teórico a que se tem acesso através dos enunciados dos textos. Discurso não é fala. E o texto é a unidade de análise, a materialização do discurso. A significação é construída, não se efetua em uma linha reta, não está apenas lá no texto; os sentidos podem ser muitos, mas não qualquer um, pois há injunções históricas, discursivas, de linguagem que restringem suas possibilidades, no entanto permitem equívocos e deslizes de significação (Orlandi, 1997a).

Nesta dissertação, não pretendemos atender à exaustividade de análise, mas sim, recortar e analisar, não dados empíricos, pois estes já resultam de uma construção, mas fatos de linguagem que irão constituir o corpus para análise. Para a AD “decidir o que faz parte do corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas” (Orlandi, 1999a, p.63).

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outros, em outras condições, afetados por diferentes memórias discursivas” (Orlandi, 1999a, p.65).

Compreender como se constitui a forma-sujeito professor do Curso de Formação de Professores do Ensino fundamental, no Curso Proformação, oferecido pelo MEC na modalidade a distância, e a relação desse sujeito-professor com o conhecimento é o que pretendemos com a análise que apresentamos nessa dissertação, para assim “apreender os mecanismos pelos quais fixam-se certos sentidos e não outros” (Orlandi, 1999b, p.21).

Nosso encontro com textos lidos tem sido transformado pela AD, que tomando a Lingüística como ancoragem teórica propõe o abandono da noção de função e a adoção da de funcionamento, noção essa ilustrada através do jogo de xadrez por Saussure (1915/1999). Nesse jogo, como no jogo da língua, o deslocamento de posição de qualquer peça se dá na relação de uma com outra e nos leva por outros caminhos; e compreender como um objeto simbólico produz sentidos é explicitar e descrever seu funcionamento em um texto, colocando o dito em relação ao não-dito e ao dito em outro lugar, em outros textos.

Cabe aqui enfatizar que este funcionamento da língua se dá a despeito do indivíduo empírico que não tem controle completo sobre o funcionamento da língua e deixa “pistas” (Ginzburg, 1989, p.150) em sua organização, que podem nos revelar aspectos que passam despercebidos em outros tipos de análise e, deste modo, nos levam à ordem significante. O importante, segundo Orlandi (1996), é compreender o modo de funcionamento da língua, sem deixar de lembrar que deste funcionamento, além do aspecto lingüístico, também fazem parte as condições de produção que são os interlocutores e a situação de enunciação, bem como o contexto sócio-histórico mais amplo.

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2 - FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM TEMA PARA REFLEXÃO

Nossos questionamentos, do início de nossa docência, sobre o funcionamento do sistema de ensino e das relações pedagógicas, ou melhor, das relações políticas que se estabeleciam (e se estabelecem) entre o Estado e professores estiveram presentes durante os quarenta anos de nossa docência e nos mantiveram na busca da compreensão de como se realizavam (e se realizam) essas relações.

Foi, quase sempre, árdua a tarefa de delinear nossas questões para que o trabalho bibliográfico pudesse realizar-se. Aos poucos, fomos imprimindo recortes provisórios, como nos indicava Foucault (1997), para podermos prosseguir na busca de compreensão dessas relações. Essa procura levou-nos ao encontro de vários autores sobre o tema de formação de professores e, é sobre questões abordadas por esses autores e que fazem parte de nossas reflexões que se realiza nossa revisão bibliográfica a seguir.

Podemos começar esta reflexão sobre o tema, tomando o artigo de Rocha (2000) que mostra que mudanças produzidas na divisão social do trabalho pelo mundo industrial imprimiram, na sociedade ocidental, um novo perfil sócio-econômico e político baseado em preceitos de racionalização, serialização e especialização. Pretendemos compreender como a escola, como uma das instituições que tarda a implementar mudanças, pois utiliza dispositivos que pedagogizam as relações e o conhecimento, formalizando-os em referência a modelos socialmente aceitos como normais, tem lidado com as novas propostas das políticas de educação. Esta pedagogização se configura como produção e reprodução de divisões, de hierarquizações que naturalizam o saber, considerando-o como “verdade universal”.

Foucault (1981/2000) diz que este modo de compartimentalizar, de naturalizar o conhecimento é uma das heranças da maneira pela qual se desenvolveram as ciências humanas e sociais no intuito de se estabelecerem como ciências naturais. Seguindo seu texto, podemos afirmar que este modo de conceber conhecimento reproduz o método dedutivo e linear das ciências físicas e matemáticas e da Biologia, dividindo o conhecimento em categorias, concebidas como verdadeiras, separando os saberes e graduando-os como se uns fossem mais importantes que outros.

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des-historicizados, nos quais tanto não existe mais história quanto as histórias passam a ser história natural.

Temos, aqui, uma primeira questão importante a ser pensada sobre o processo histórico de constituição da posição do sujeito-professor em relação ao conhecimento, isto é, aquilo que deverá ser ensinado e aprendido, ou seja, o referente do discurso pedagógico e que, em se tratando das séries iniciais é fortemente marcado pelos conhecimentos psicológicos.

Teorias de desenvolvimento, como as de Piaget, Montessori e outras, bem como perspectivas cognitivo-evolucionistas e de processamento de informação têm servido de base para a elaboração de planos de curso que têm sido implementados no ensino tanto público como privado (Lourenço Filho, 1930/2002). Assim, pensamos que o discurso pedagógico, ao se pautar nessas teorias, tem contribuído para que a evolução seja tomada como modelo para descrever e adotar etapas de desenvolvimento como universais, hierarquizando o conhecimento, determinando o que deve, ou melhor, o que pode ser ensinado e aprendido em determinadas faixas de idade.

A des-historicização do conhecimento, ao longo de nossa história, que tem vindo pela pedagogização e psicologização do saber, e pela medicalização (Patto, 1988) da falta de saber, levando à culpabilização do aluno por não aprender, necessita ser explicitada, compreendida e, mesmo, denunciada. Essas foram questões vividas por nós, mas não compreendidas no início de nossa trajetória como professora primária, e que vão apontando para uma história da produção e circulação do conhecimento dos campos da Educação e da Pedagogia, e de suas alianças e confrontos, que é preciso compreender.

É importante lembrar, ainda, que, para a AD, no processo de interlocução entre professor e aluno, o referente é um objeto imaginário construído histórica e socialmente (Ver quadro p. 20). Resta, pois, sabermos do que estamos falando quando discutimos sobre conhecimento na escola, ou seja, sobre objeto de ensino, sobre alfabetização, sobre conteúdos, ou mesmo sobre competências.

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enquanto memória-esquecimento do dizível que se dá em um tempo e espaço discursivos, isto é, tempo e espaço de linguagem.

Poderíamos pensar, então, nessa des-historicização como resultante de uma relação, ao longo da história, entre práticas pedagógicas e científicas em que os efeitos ideológicos e políticos de certos paradigmas dominantes se apagam, levando e elevando o conhecimento à esfera do divino, sabedoria verdadeira e incontestável, como acontece, quase sempre, com testes, diagnósticos, avaliações utilizadas nas escolas.

Voltando ao artigo de Rocha (2000), podemos dizer que a cultura estabelecida na sociedade ocidental impõe modos de ser e de agir pelas relações institucionalizadas, em que sujeitos se constituem no e pelo funcionamento de um imaginário em que as representações são tratadas como verdades pela imposição de hábitos e atitudes esperados como adequados. Adequados para as instituições do Estado, pois que pela disciplina e pela ordem controlam seu tempo, seu espaço e confirmam o sujeito na repetição do mesmo.

A respeito da submissão escreve Foucault (1987/2002, p.125), ao afirmar que a disciplina “é o momento em que nasce uma arte do corpo humano”, “uma maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe”. Segundo Foucault, vários processos vindos de diferentes lugares repetem-se, copiam-se, e terminam conjugando-se para delinear um método geral de disciplinamento. Diz esconjugando-se autor que podemos encontrar esse método nas escolas, nos espaços hospitalares e militares, na indústria, aí onde a disciplina se define pelo lugar ocupado em uma hierarquia e pela distância que separa um dos outros.

Nesta posição-sujeito, o sujeito permanece, quase sempre, no mesmo, na homogeneidade, pois a multiplicidade, a heterogeneidade aparece como sinalização de desordem, de loucura, de desestabilização das instituições. Como funciona esse processo de disciplinarização da subjetividade nos cursos de formação de professores? Que novas maneiras de disciplinarização o espaço da linguagem virtual, a educação à distância, traz na formação dos cidadãos de uma sociedade como a brasileira? Essas são algumas questões que procuraremos responder no capítulo que se segue em que analisamos o Proformação.

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tanto amoldada, como fadada a assujeitar-se ao Estado, pois o movimento, a transformação pode engendrar o descontrole, a desordem.

O sujeito moderno do capitalismo é o sujeito-jurídico, sujeito a direitos e deveres, moldado na coerência (não-contradição), conformado na responsabilidade, e que tem a ilusão de que, por sua vontade, controla o que diz e o que é (Orlandi, 1999c). Mas é também sujeito-consumidor que se submete ao mercado, na ilusão de estar dando vazão a sua vontade, ao seu desejo, cultivando um individualismo exacerbado, que vem se contrapor à posição do sujeito cidadão, um sujeito social. Podemos dizer mesmo que o Estado, principal via de satisfação das necessidades básicas de educação, transporte, saúde e de gestão dessa contradição entre o que é privado e o que é público, vem contribuindo para privatizar cada vez mais os espaços públicos.

Podemos observar que o desmonte do Estado, patrocinado por políticas neoliberais que promovem a privatização, tem permitido a diminuição dos direitos sociais nos centros mais favorecidos e, em contraparte, tem confirmado paternalismos e clientelismos nas regiões de menor renda, por meio da utilização do Estado para obtenção de votos como temos visto e como Cury (Brasil, 2003) nos mostra com propriedade na apresentação da LDB/96.

Cury (Brasil, 2003) também nos fala, em relação ao que propõe a LDB/96, sobre a noção de eqüidade e de idiossincrasia que tem tomado espaço nessa lei, e que Kuenzer (2003, p.54) também foca em seu texto ao dizer que o princípio da eqüidade se constitui no “tratamento diferenciado segundo as demandas da economia”.

Poderíamos dizer que o professor, uma vez submetido ao Estado, alicerçado, por um lado, pela Psicologia, ao considerarmos três das principais abordagens que sustentam esse campo disciplinar: a psicométrica, a desenvolvimentista e a cognitiva, (Roazzi & cols., 1991), que o diz universal, enquanto sujeito consciente e responsável pelo que é, diz e faz; e, por outro, pela Pedagogia que o limita na e pela repetição do já dito e do já feito, aparece como intérprete e guardião deste tipo específico de processo de subjetivação pelo próprio trabalho que desenvolve. Ele reproduz a ilusão de controle, acredita que tem o poder de guardar o conhecimento para transmiti-lo depois, e tem a ilusão de que a sua interpretação é a verdadeira. Neste processo ele se subjetiva e reproduz este conhecimento, questão à qual retornaremos mais adiante.

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sentidos – e os sujeitos – não fossem múltiplos, não pudessem ser outros, não haveria necessidade de dizer”, e pensamos que a linguagem seria sempre repetição.

É importante lembrarmos do que Freitas (1992, pp.94-95) diz:

O Estado – legítimo representante dos interesses do capital – sabe que os professores são peças fundamentais na reestruturação da escola e, sem o envolvimento destes, qualquer reformulação está condenada ao insucesso – daí seu permanente esforço para cooptá-los.

Para falarmos do sujeito-professor podemos também trazer o que dizem Guattari & Rolnik (1986, p.27) sobre os trabalhadores. Esses autores dizem que para fabricar um operário especializado, e pensamos que acontece o mesmo com o sujeito-professor, não contribuem somente as escolas profissionais, mas também tudo pelo que se passou antes, que chega pela linguagem, pela família, enquanto “sistemas de conexão direta” com as grandes máquinas de produção, de controle social.

Para Guattari & Rolnik (1986, p.27), o lucro capitalista é a produção da subjetividade, “bem manufaturado às expensas tanto do trabalho assalariado fora da produção como também do trabalho não assalariado, sobretudo o das mulheres”, e ainda daquele trabalho da esfera da fábrica (indústria). Para esses autores, existe uma subjetividade mais ampla que não é a soma das subjetividades individuais e que eles denominam de “subjetividade capitalística” (Guattari & Rolnik, 1986, p.34), e que “resulta do entrecruzamento de determinações coletivas de várias espécies, não só sociais, mas econômicas, tecnológicas, midiática, etc”.

Uma posição-sujeito, diríamos em AD. Podemos então, entender a constituição desta forma de individualização do sujeito como determinada pelas relações históricas, ideológicas, quer dizer, de linguagem, em uma sociedade dada.

Observamos que esta subjetividade capitalística encobriria e deslocaria sentidos, favorecendo a formação do sujeito da moral e não o da ética, pois desviaria a atenção de acordos estabelecidos entre crenças, preconceitos e discriminações que se refletem nos “rituais esperados”, na escola, como nos diz Rocha (2000, p.195), rituais esses que, raramente, são denunciados e refletidos. Nos textos, sob análise, relacionados à formação de professores e ao Proformação, há, pois, mais de uma posição de sujeito funcionando: aliando-se e confrontando-se.

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democratização do ensino como promotoras de mais um desvelamento dos “privilégios educacionais do que uma consolidação progressiva da distribuição de igualdades educacionais”. Para esse autor, a nova lei de educação deverá e deveria servir como instrumento “descolonizador e emancipador” dos estudantes e dos professores.

É interessante lembrar que o termo laicização vem de “laico”, “leigo”, “irmão leigo”: um sacerdote desqualificado, aquele que não tem acesso ao saber da elite sacerdotal. Essa relação da palavra “laicização”, com a religião, é ressaltada por Brandão (1986, p.13), em texto sobre professores leigos, no qual diz que no Brasil, leigo no assunto é aquele que não entende nada de um tema, “a massa dos fiéis”. Vemos aí formações discursivas, ideológicas, entrecruzando-se e produzindo sentidos e práticas.

Podemos, ainda, fazer uma ponte entre a “massa dos fiéis” de que nos fala Brandão e a “massa homogênea” de locutores da qual nos diz Silva (2002, p.6). Essa autora, ao analisar um recorte dos PCNs de 1ª a 4ª séries (Silva, 2002, p.4), relativo à Língua Portuguesa, do qual parte está reproduzida a seguir, para referir-se às competências cognitivas, conceito esse que, segundo essa autora, é preponderante em outros documentos que fazem parte da LDB/96, utiliza o termo massas homogêneas de locutores de outras classes, para apontar como as políticas de educação, ao utilizar determinados conceitos, determinam uma forma de falar como a adequada e “as desigualdades se legitimam no patamar de uma diversidade lingüística homogeneizada e naturalizada” (Silva, 2002, p.4), e assim universalizam o sujeito. Deste modo, como nos mostra Silva, gestos de interpretação tornam-se possíveis.

...A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é reproduzir o efeito pretendido.

Retomando o artigo de Fernandes (1989), observamos que à época da publicação desse artigo, a política nacional de educação estava sendo elaborada pelo Ministério da Educação (MEC), sendo promulgada em 1996 e, somente começou a servir de parâmetro para a construção de propostas curriculares de escolas públicas e particulares em 1998, com a publicação dos PCNs. No entanto, nestes oito anos após a promulgação da lei de que Florestan nos fala, 2004, não podemos ainda afirmar que esse instrumento legal tenha servido para descolonizar e emancipar professores, alunos e a escola.

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indispensável, pois poderão ser utilizadas tanto como instrumentos desta emancipação proposta por Fernandes (1989), como para a reprodução da discriminação e da exclusão da maior parte de nossa comunidade.

Fernandes (1989, p.131) propõe que a educação escolar deveria restaurar ... certos processos históricos que foram interrompidos pelo Estado Novo, pela ditadura militar e pela Nova República, como p.ex., [...] auto-emancipação cultural da escola, do sistema de ensino e da nação, [...] de modo a vincular a universidade e a pesquisa à promoção de novos modos de ensinar que possam libertar nosso ensino da ingerência de pedagogias estrangeiras.

A cada ano letivo que passa temos visto decrescer a quantidade de alunos nos cursos de Magistério, como também o nível de exigência desses cursos, tanto nos colégios públicos quanto nos privados. O levantamento desses dados estatísticos (INEP & IBGE, 2003) nos está sendo útil para estimar, de algum modo, a verdadeira dimensão sobre com quem e com qual quantidade de futuros professores poderemos contar, para realizar uma mudança na qualidade da escolarização de nossa população.

A atual política nacional de educação tem ressaltado, recomendado e utilizado o conceito de competências, no plural, em sua proposta de ensino. Para Isambert-Jamati (2002), a utilização do plural é uma maneira de acentuar sua diversidade, seus múltiplos sentidos como nos traz a AD. As empresas, tanto na França como no Brasil, têm reproduzido as novas exigências das relações de trabalho do mercado globalizado e têm certificado essas competências como necessárias para um profissional ocupar um emprego. São tidas como requisito individual, mas não dizem respeito a uma só categoria de profissionais, pois não se arrolam como passíveis de reivindicação por qualquer categoria. Essa autora ainda mostra que tanto podem ser desenvolvidas em outros trabalhos como até fora da profissão.

Algumas dessas competências são citadas por Kuenzer (2003, pp.36-37), como por exemplo, capacidade de lidar com a incerteza, capacidade de comunicar-se, não só em sua língua, mas também dominar uma língua estrangeira, o inglês, saber resolver problemas utilizando princípios científicos, capacidade de buscar aperfeiçoar-se continuamente e outras.

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interessante observar que, também aqui, vemos que a “psicologia prática”, e referimo-nos a uma expressão utilizada por essa autora, tem tido papel relevante no empréstimo, nem sempre explícito, de alguns conceitos que por virem recomendados, não só por essa ciência, mas também pela Pedagogia, trazem ares de cientificidade a expressões comuns, pondo-as em evidência em certos meios, como no ensino, escolarizado ou não.

Temos aqui um ponto importante a ser explorado em outro trabalho, aquele que diz respeito à ética na pesquisa, ao modo como, em geral, tem ocorrido a apropriação de teorias e de tecnologias importadas por nossas políticas, sejam sociais ou educacionais.

Outros pontos importantes, para serem utilizados como comparação em relação a dados do Brasil, são apresentados no texto de Rego & Mello (2002). Esse texto mostra os resultados de estudos recentes de autores de vários países sobre formação de professores e traz, ainda, como anexo, uma descrição de como se dá essa formação na França, Inglaterra, Alemanha, Portugal e Estados Unidos.

Segundo Rego & Mello (2002), a organização do mundo atual exige uma reformulação da escola e um novo perfil de professor. Esta nova ordem mundial, segundo essas autoras, está baseada na globalização, na propagação de tecnologias de informação e no fortalecimento dos direitos de cidadania, direitos que, no entanto, como temos observado, têm sofrido recuos em suas conquistas, em alguns países desenvolvidos, por questões de segurança, depois do atentado de onze de setembro nos Estados Unidos.

Kuenzer (2003) também nos fala sobre o tema da globalização, mas acrescenta que no Brasil, que passa por uma crise econômica e institucional, a adoção da lógica da economia tem causado impactos negativos sobre a educação. Os investimentos públicos em educação têm sido mais direcionados para o ensino fundamental, deixando aberto para a iniciativa privada, o investimento em ensino técnico, médio e superior.

Essa diferença de direção dos investimentos é questão interessante a ser analisada, Afinal, será que essa preocupação do Estado, que se mostra no aumento maciço de vagas no ensino fundamental, não seria uma maneira de, por um lado escolarizar os trabalhadores e, por outro deixar aberto, para a iniciativa privada, o canal para escolarizar os incluídos de modo diferenciado?

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Temos aí postas algumas questões que já sinalizávamos na introdução. No caso do Brasil, as políticas determinadas pelas instâncias governamentais, apesar de apresentarem propostas que se dizem centradas na participação democrática, não têm aberto quase nenhum espaço para a participação do professor nas decisões, deixando de criar condições para o exercício da autoria por parte do sujeito professor, questão que analisamos nesta dissertação.

Para Rego & Mello (2002) as expectativas relativas ao perfil do professor podem ser descritas em relação às suas características pessoais, à sua formação intelectual e profissional. Quanto às características pessoais, Rego & Mello (2002, p.5) propõem que o professor deva ter “sólida formação científica e cultural, domínio de sua língua materna e das novas linguagens da tecnologia associados ao domínio dos conhecimentos de sua especialidade”. Kuenzer (2003) indica que essas são competências exigidas dos trabalhadores, em geral. Deste modo, o professor parece e, na verdade, é mais um trabalhador, só que da educação. Como formá-lo então? Ou melhor, como reunir competências de áreas específicas de forma interdisciplinar e de docência em uma mesma formação?

Em relação à formação profissional do professor, segundo Rego & Mello (2002, p.21), ele deve ter, entre outras características, o saber para “trabalhar em equipe, construir e implementar projetos coletivos que contribuam para o projeto pedagógico de sua instituição”. E, o Proformação, em seu Guia Geral (Cunha, 2002a) confirma essa recomendação ao propor como objetivo que o professor cursista elabore um projeto de trabalho relativo a algum aspecto de sua realidade local.

Rego e Mello (2002, p.21) descrevem em seu texto outras competências que o professor deve ter como, por exemplo: “saber fazer e refletir sobre o que faz com intenção de melhorar sua prática, saber agir na urgência e decidir na incerteza” e outras. E que Kuenzer (2003), mais uma vez, aponta como aquelas indicadas para os trabalhadores do mundo globalizado. Este é um indício de como as relações de produção se reproduzem na escola, via professor.

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aqueles que possam contribuir para aumentar a produtividade, o que tem gerado competitividade e um embate entre a solidariedade grupal e o individualismo.

Ao considerar o processo de internacionalização do capital e a reestruturação do processo produtivo, notamos que esse individualismo vem carregado, mas chega disfarçado pelo projeto de qualificação por competências, o que tem acirrado a competição por uma vaga no mercado de trabalho. Os departamentos de recursos humanos das empresas e órgãos da administração direta e indireta, atualmente departamentos de gestão de pessoas, gerenciados por administradores, engenheiros ou psicólogos, têm se servido do conceito de empregabilidade para transferir para o trabalhador o encargo com sua qualificação. Assim surgiram os programas de qualidade. Voltaremos a essa reflexão sobre competências ao analisarmos o Programa Proformação.

Isambert-Jamati (2002, p.130), em seu texto, diz ter a impressão que são “os meios de formação de adultos” que dão ênfase à noção de competências e que essa noção foi deslocada para os meios de educação. Ela aponta “certos piagetianos” como tendo introduzido esse conceito para dizer que: “as competências se constroem graças ao estado de evolução atingido pelo sujeito”. (Isambert-Jamati, 2002, p. 132). E assim o individualismo está posto, outra vez, em discussão.

Rego & Mello (2002) se referem a Gajardo para fazer um balanço das políticas adotadas na região da América Latina e Caribe, na última década do século XX. Segundo essas autoras, este estudo afirma que o atual panorama educativo, apesar dos problemas, é mais favorável do que em décadas passadas, e indica que as mudanças efetivadas estão funcionando de alguma forma.

Referências

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