• Nenhum resultado encontrado

O enfrentamento político dos conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "O enfrentamento político dos conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas"

Copied!
91
0
0

Texto

(1)

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental

O ENFRENTAMENTO POLÍTICO DOS CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DE

USINAS HIDRELÉTRICAS

Brasília - DF

2012

(2)

TÂMARA TENÓRIO BORGES DE CARVALHO PIMENTEL

O ENFRENTAMENTO POLÍTICO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental.

Orientadora: Profª. Ph.D. Renata Marson Teixeira de Andrade

(3)

Dissertação de autoria de Tâmara Tenório Borges de Carvalho Pimentel, intitulada “O

ENFRENTAMENTO POLÍTICO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

DECORRENTES DA IMPLANTAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília, em 28 de junho de 2012, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

____________________________________ Professora Ph.D. Renata Marson Teixeira de Andrade

Orientadora

Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental - UCB

____________________________________ Professor Dr. Paulo Ricardo da Rocha Araujo

Examinador Interno

Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental - UCB

____________________________________ Dr. Luis Carlos Ferreira

Examinador Externo

Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

(4)

À Deus, toda a glória!

(5)

Agradeço à professora Renata, minha orientadora, pelo auxílio e, acima de tudo, pela amizade.

À Agência Nacional de Energia Elétrica, pelo investimento nesta pesquisa.

Aos examinadores Paulo Ricardo e Luis Carlos, pela disponibilidade de materiais e pelas sugestões, que tanto auxiliaram na elaboração deste trabalho.

(6)

PIMENTEL, Tâmara Tenório Borges de Carvalho. O enfrentamento político dos conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas, 2012. 91 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental) - Programa de Planejamento e Gestão Ambiental – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

Este trabalho tem por objetivo avaliar a evolução da gestão dos conflitos socioambientais decorrentes da geração de energia hidrelétrica no Brasil da década de 1970 até os dias atuais. Para tanto foram selecionados 06 conflitos socioambientais ocorridos na implantação de grandes barragens para geração de eletricidade no Brasil e no mundo, escolhidos com base no relatório elaborado pela CMB (2000) e no livro de Mc Cully (2007); posteriormente, analisou-se a gestão dos conflitos socioambientais em três usinas hidrelétricas no Brasil, UHE Sobradinho e UHE Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e UHE Belo Monte, situada no rio Xingu, escolhidas para fins de estudo de caso comparativo, de acordo com os critérios: período histórico em que ocorreram a implantação e os conflitos; visibilidade e repercussão através da mídia; capacidade de mobilização dos atores e interferência sobre a política do meio ambiente e direitos humanos; disponibilidade de dados e informações. Os resultados corresponderam à construção de um quadro comparativo, que apresentou as principais características de cada uma das três usinas – UHE Sobradinho, UHE Itaparica e UHE Belo Monte – com a posterior análise dos conflitos desencadeados em cada caso. Ao final do trabalho ilustra-se, por meio de um diagrama, a evolução dos conflitos socioambientais em usinas hidrelétricas no Brasil, da década de 1970 até os dias atuais, enfatizando-se a influência do contexto sociopolítico sobre as políticas públicas e sobre a gestão de conflitos. Finalmente, conclui-se que: houve maior inclusão social no processo decisório inerente aos projetos hidrelétricos ao longo do tempo, em decorrência do avanço da legislação ambiental e da incorporação dos instrumentos de gestão de conflitos, como a negociação e a mediação; a democratização permitiu um crescente controle social sobre as ações e políticas públicas; a existência dos movimentos sociais é vital para reforçar a proteção, bem como a inclusão da população atingida e menos favorecida nas decisões a elas pertinentes.

(7)

This study aims to evaluate the evolution of the management of environmental conflicts arising from the generation of hydroelectric power in Brazil in the 1970s to the present day. Therefore, we selected 06 environmental conflicts occurring in the deployment of large dams for electricity generation in Brazil and the world, chosen based on the report by the CMB (2000) and the book of Mark Cully (2007); then we analyzed the management of environmental conflicts in three hydropower plants in Brazil, Sobradinho and Itaparica, located in the São Francisco, and Belo Monte, located on the Xingu River, chosen for the comparative case study, according to the criteria: historical period that occurred in the deployment and conflict; visibility and impact through the media; ability to mobilize actors and political interference with the environment and human rights; and availability of data and information. The results corresponded to the construction of a comparative table, which presented the main characteristics of each of the plants chosen for the comparative case study

– Sobradinho Dam, Itaparica Dam and Belo Monte Dam - for later analysis. At the end of the work is illustrated by means of a diagram, the evolution of environmental conflicts in hydroelectric plants in Brazil, from the 1970s to the present day, emphasizing the influence of sociopolitical context on public policy and the management conflict. Finally, we conclude that: there was greater social inclusion in decision-making inherent in hydropower projects over time, due to the advancement of environmental legislation and the incorporation of the instruments of conflict management, such as negotiation and mediation; democratization allows one increasing social control over the actions and policies; and the existence of social movements is vital to ensure protection as well as the inclusion of the affected population and less favored in decisions relevant to them.

(8)

Quadro 1 - Metodologia empregada ... 17 Quadro 2 - Principais impactos socioambientais decorrentes da construção de grandes

(9)

Tabela 1 - Conflitos socioambientais em barragens no mundo. ... 35 Tabela 2 - Área diretamente afetada pela implantação da UHE Belo Monte, conforme

(10)

CAP. 1 - INTRODUÇÃO ... 10

1.1 PROBLEMA DA PESQUISA ... 11

1.2 OBJETIVOS ... 12

1.3 JUSTIFICATIVA ... 13

CAP. 2 - METODOLOGIA ... 15

CAP. 3 - REVISÃO DA LITERATURA ... 18

3.1 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO ... 18

3.2 USINAS HIDRELÉTRICAS (UHE) NO BRASIL ... 19

3.3 RISCOS E VULNERABILIDADE SOCIAL EM BARRAGENS ... 22

3.4 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS ... 26

3.4.1 Gestão de Conflitos ... 31

3.5 CONFLITOS EM USINAS HIDRELÉTRICAS NO MUNDO ... 34

3.5.1 Resistência a barragens na Tailândia ... 38

3.5.2 Protestos contra a barragem de Bakun na Malásia ... 40

3.5.3 Resistência a barragens na Índia ... 41

3.5.4 Barragens nos EUA ... 43

3.5.5 Barragens no Brasil ... 46

3.5.6 Considerações finais ... 48

CAP. 4 - ESTUDO DE CASO COMPARATIVO: UHE SOBRADINHO, UHE ITAPARICA E UHE BELO MONTE ... 49

4.1 UHE SOBRADINHO ... 49

4.2 UHE ITAPARICA ... 52

4.3 UHE BELO MONTE ... 54

4.3.1 Movimentos sociais em torno de Belo Monte ... 58

4.3.3 Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu ... 65

4.3.4 Plano de Atendimento à População Atingida ... 67

CAP. 5 - GESTÃO DE CONFLITOS UHES SOBRADINHO, ITAPARICA E BELO MONTE ... 73

CAP. 6 - CONCLUSÃO ... 82

(11)

CAP. 1 - INTRODUÇÃO

O setor elétrico vem ocupando posição estratégica nos debates nacionais sobre a questão ambiental desde as décadas de 70 e 80, quando foram implantados grandes empreendimentos hidrelétricos que, embora contribuam para o desenvolvimento do país, foram responsáveis por enormes impactos sociais e ambientais (BRASIL, 2006).

Por esse motivo, um dos princípios basilares do planejamento do setor elétrico é o do desenvolvimento sustentável, ao lado do princípio da segurança do abastecimento e o da modicidade tarifária para os consumidores. Para atender à demanda futura de energia elétrica é que se torna necessária a expansão de sua geração no Brasil, mediante a elaboração e análise de alternativas de implantação de novas usinas, considerando-se os componentes tecnológicos, econômicos e socioambientais (BRASIL, 2006). Moret e Ferreira (2008) corroboram esse raciocínio ao afirmarem que, por ser a energia um fator estruturante da sociedade atual, o planejamento do setor elétrico deve levar em consideração os fatores social, econômico e ambiental.

O grande número de variáveis envolvidas no planejamento para o setor elétrico requer a formulação de políticas públicas complexas. A importância dessas políticas é crescente, visto que o setor elétrico depende de investimentos privados. Portanto, o papel do governo cada vez mais se restringe ao gerenciamento da expansão, cabendo-lhe a tarefa de definir políticas de interesse da sociedade que nem sempre estariam entre as prioridades do setor privado. O dever de suprir a demanda por energia elétrica sem prescindir do desenvolvimento sustentável é do governo. Cabe à sociedade exigir essa atuação responsável por meio dos movimentos sociais, da participação efetiva nas audiências públicas e da eleição de representantes governamentais corretos (GOLDEMBERG; MOREIRA, 2005).

Conforme demonstrado pela literatura, a gestão de conflitos socioambientais relacionados à construção de empreendimentos hidrelétricos envolve uma variedade de atores sociais. A própria democracia tratou de intensificar os conflitos ambientais, haja vista a abertura do processo decisório, que passou a permitir a participação da sociedade civil em etapas específicas, bem como a transparência dos procedimentos intrínsecos.

(12)

forma como são conduzidos esses conflitos. A seguir, um resumo da forma como o trabalho foi estruturado.

Primeiramente será trazida a revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema, explicitando-se os pontos de interesse para a pesquisa, que servirão para contextualizar os casos apresentados posteriormente. Os aspectos abordados são: meio ambiente e desenvolvimento; usinas hidrelétricas no Brasil; riscos e vulnerabilidade social em barragens; conflitos socioambientais na implementação de Usinas Hidrelétricas; gestão de conflitos; e conflitos em usinas hidrelétricas no mundo.

Em seguida, serão apresentados os estudos de caso, com um breve histórico dos conflitos socioambientais desencadeados em cada um, destacando-se as ferramentas de gestão de conflitos utilizadas. Depois de coletados, os dados foram agrupados em uma tabela comparativa, o que facilitou a análise dos dados e a discussão dos resultados encontrados. Ao final do trabalho ilustra-se, por meio de um diagrama, a evolução dos conflitos socioambientais em usinas hidrelétricas no Brasil, da década de 1970 até os dias atuais, enfatizando-se a influência do contexto político sobre as políticas públicas e sobre a gestão de conflitos implementada.

1.1 PROBLEMA DA PESQUISA

Desde a década de 1970, estamos assistindo a ascensão de movimentos ambientalistas, a conseqüente difusão das preocupações com a preservação do meio ambiente e a pressão da sociedade civil. Sobretudo, o movimento de atingidos por barragens e a resistência das populações atingidas por grandes obras do setor elétrico conduziram esse setor a rever as questões sociais e ambientais em seus projetos. A Resolução 01/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que regulamentou a obrigatoriedade de realização de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatórios de Impacto Ambiental (Rima) para fins de licenciamento ambiental, foi uma das mudanças implementadas pelo governo, com vistas a incorporar princípios sociais e ambientais no setor elétrico (VAINER, 2007).

(13)

com as lutas dos atingidos por barragens, as denúncias de movimentos ambientalistas e com o despertar de uma sensibilidade para as questões sociais e ambientais em alguns segmentos do próprio setor elétrico.

Vainer (2007) conclui que o confronto de idéias e projetos sustenta um triplo aprendizado: i) o da democracia, que leva, necessariamente, ao conflito; ii) o da responsabilização social e ambiental crescente do setor elétrico e de suas empresas; iii) o da necessidade de qualificar quadros técnicos e criar os espaços legais e institucionais favoráveis à resolução e/ou explicitação dos novos conflitos e desafios sociais e ambientais associados aos grandes projetos hidrelétricos.

Bermann (2007), por sua vez, ressalta a desconsideração com que são tratadas as populações ribeirinhas atingidas pela implementação de usinas hidrelétricas. Os interesses dessas populações são negligenciados no processo de construção das usinas, uma vez que seu envolvimento no processo decisório é limitado pela falta de transparência e assimetria de informações.

A gestão democrática dos recursos hídricos pressupõe a participação das populações atingidas pelos empreendimentos hidrelétricos no processo de decisão subjacente, mediante a construção de consensos, reconhecendo interesses divergentes que devem ser incorporados no processo de negociação (BERMANN, 2007).

Assim, cumpre-nos investigar se a gestão democrática relativa à construção de usinas hidrelétricas avançou no Brasil desde a década de 1970, período da ditadura militar, onde os direitos dos cidadãos não eram respeitados e não havia liberdade de expressão, até os dias atuais, com a abertura do processo decisório através da democracia. Somente a comparação do passado com o presente será capaz de responder à nossa pergunta-chave: como evoluíram os conflitos socioambientais decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas no Brasil da década de 1970 até os dias atuais?

1.2 OBJETIVOS

(14)

1. Levantar 06 conflitos socioambientais ocorridos na implantação de grandes barragens para geração de eletricidade no Brasil e no mundo, escolhidos com base no relatório elaborado pela World Commission nn Dams (2000) e no livro de Mc Cully (2001);

2. Analisar a gestão dos conflitos socioambientais em três Usinas Hidrelétricas no Brasil, escolhidas para fins de estudo de caso comparativo: UHE Sobradinho e UHE Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e UHE Belo Monte, situada no rio Xingu. Esses empreendimentos foram escolhidos de acordo com os critérios: período histórico em que ocorreram a implantação e os conflitos; visibilidade e repercussão através da mídia, capacidade de mobilização dos atores e interferência sobre a política do meio ambiente e direitos humanos; disponibilidade de dados e informações.

1.3 JUSTIFICATIVA

A necessidade de expansão do setor elétrico brasileiro, com a priorização da hidreletricidade devido ao vantajoso potencial hídrico brasileiro, tem acarretado historicamente situações de conflito dos atores entre si ou com instituições, desencadeando processos que resultam na mobilização da população, no embate político, na contestação junto às câmaras de vereadores e no recurso ao Poder Judiciário. A existência desses conflitos é fator de insegurança para empreendedores quanto à viabilidade de seus investimentos, para cidadãos quanto à segurança de seus direitos e qualidade de vida e para autoridades quanto aos limites de seus poderes de decisão.

(15)

muito da estrutura política do país, que limita ou facilita a implementação de políticas (Swain e Chee, 2004).

Os conflitos socioambientais no setor energético como um todo, são, também, um fator importante para a ANEEL (agência reguladora do setor elétrico), principalmente quanto à tomada de decisões relativas a novas outorgas. As energias renováveis têm ganhado cada vez mais espaço na matriz elétrica nacional, principalmente com o aumento significativo da participação das usinas eólicas. Entretanto, por mais que haja incentivos públicos para aumentar os investimentos em fontes alternativas de energia, a hidráulica ainda será a principal fonte de energia elétrica do Brasil nos próximos anos (EPE, 2011).

(16)

CAP. 2 - METODOLOGIA

A pesquisa aqui apresentada foi baseada em um estudo de caso comparativo, nos termos de Yin (2003). A estratégia de estudo de caso foi adotada por ser a mais adequada para investigar fenômenos contemporâneos no seu real contexto, sendo relevantes as condições contextuais aos fenômenos de interesse (Yin, 2003). A presente pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa e, nos termos de Yin (2003), é exploratório – explicativa em relação aos fins que se propõe, uma vez que busca identificar fatores que contribuem para a ocorrência de determinados fenômenos. A população-alvo da pesquisa constitui-se por uma amostra representativa de Usinas Hidrelétricas (UHE), e os principais conflitos foram selecionados de acordo com critérios de visibilidade e repercussão através da mídia, capacidade de mobilização dos atores e interferência sobre a política do meio ambiente e direitos humanos.

Segundo a classificação de Little (2001), os conflitos socioambentais decorrem dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural. Assim, considerando que a implantação de empreendimentos hidrelétricos (ação humana) implica impactos socioambientais potenciais geradores de conflitos, o presente trabalho buscou avaliar esses conflitos no decorrer da história, com vistas a demonstrar a evolução das técnicas de gestão aplicadas a esses conflitos.

Primeiramente foram levantados seis conflitos socioambientais ocorridos na implantação de usinas hidrelétricas no mundo e no Brasil, escolhidos com base no relatório elaborado pela World Commission nn Dams (2000) e no livro de Mc Cully (2001), além de terem sido levados em consideração a questão da diversidade regional e o período histórico em que ocorreu a implantação das usinas. Em seguida, foram mapeados os conflitos ocorridos nas UHE de Sobradinho e Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e os conflitos ocorridos na UHE de Belo Monte, localizada no rio Xingu, escolhidos para fins de estudo de caso comparativo.

A coleta dos dados foi realizada mediante revisão de documentos de domínio público, revisão de informações disponíveis em fontes secundárias tais como literatura nacional e internacional, revistas, jornais, sites da Internet, e de documentos internos dos Órgãos Públicos envolvidos, como ANEEL e IBAMA.

(17)

memórias servem para registrar as impressões que vão surgindo na mente do pesquisador à medida que os dados são cumulativamente colhidos e codificados. Já a técnica de display (figura ilustrativa) é utilizada para se chegar às conclusões finais. Trata-se de uma concentração dos dados num único lugar, ordenados segundo categorias, de maneira visual, propiciando o estabelecimento de relações e facilitando a extração de conclusões (MILES; HUBERMAN, 1994). O display no caso deste trabalho correspondeu às tabelas, que tiveram a função de agrupar os dados para facilitar a comparação dos casos e a extração de conclusões, e ao diagrama elaborado ao final da etapa da análise, o qual demonstra de forma clara os resultados da pesquisa.

A partir dos dados históricos coletados e analisados foi possível: (i) traçar um perfil dos conflitos socioambientais desencadeados na construção dos empreendimentos hidrelétricos; (ii) identificar os atores envolvidos em cada conflito; (iii) observar as ferramentas de resolução de conflitos utilizadas; (iv) identificar o impacto das políticas públicas existentes sobre os conflitos; e (v) criar uma tabela sintética com os principais conflitos, suas causas e consequências.

(18)

Quadro 1 - Metodologia empregada

Objetivo Método de Coleta

de Dados

Fonte dos dados Metodologia de Análise Resultados

Análise qualitativa/ exploratório-explicativa;

Introdução: barragens para geração de energia elétrica no mundo e no Brasil;

Revisão bibliográfica qualitativa, pesquisa

documental e

levantamento bibliográfico.

Análise qualitativa/ exploratório-explicativa;

Fontes secundárias: revisão de literatura nacional e internacional, com ênfase na obra de Patrick Mc Cully (Silenced Rivers, 2007), no relatório do The World Commission on Dams (WCD) e no site do International Rivers; artigos científicos e outros livros. Levantar 6 conflitos

socioambientais ocorridos na implantação de grandes barragens para geração de eletricidade no Brasil e no mundo, escolhidos com base no relatório elaborado pela CMB (2000) e no livro de Mc Cully (2007) - levantamento bibliográfico sobre conflitos sociais ocorridos na construção de grandes barragens para geração de energia elétrica no Brasil e no mundo.

Construção de tabela com indicação do país em que ocorreram os conflitos; nome da barragem e do rio em que foi implantada; potência instalada; nº de deslocados; entrada em operação; e movimento social formado.

Revisão da Literatura: definição de conflitos socioambientais e do contexto em que ocorrem no âmbito da implantação de grandes barragens para geração de energia elétrica no Brasil e no mundo; caracterização dos movimentos sociais como impulsionadores desses conflitos; tabela com os principais conflitos; narrativa sobre os movimentos sociais e os conflitos relacionados a construção de grandes barragens para geração de eletricidade no Brasil e no mundo.

Analisar a gestão dos conflitos socioambientais

nas três Usinas

Hidrelétricas escolhidas para estudo de caso no Brasil: Sobradinho e Itaparica, localizadas no rio São Francisco, e Belo Monte, situada no rio Xingu, para fins de estudo de caso comparativo. Esses empreendimentos foram escolhidos de acordo com os critérios: período histórico em que ocorreu a implantação e os conflitos; visibilidade e repercussão através da mídia, capacidade de mobilização dos atores e interferência sobre a política do meio ambiente e direitos humanos; disponibilidade de dados técnicos e informações.

Fontes secundárias: revisão da literatura sobre os conflitos socioambientais nas UHE Sobradinho, Itaparica e Belo Monte; consulta a banco de dados, processos e relatórios da ANEEL; consulta a sites de ONGs, empresas do setor elétrico e Órgãos públicos; notícias em jornais, revistas e sites sobre os conflitos ocorridos nos estudos de caso.

Coleta de dados para caracterização geográfica, ambiental, histórica e conceitual dos conflitos.

Construção de uma tabela comparativa, que deve ser mais detalhada do que a tabela dos conflitos ocorridos no mundo, com a descrição dos dados referentes à barragem, como: localização; potência Instalada; período de implantação; área do reservatório/ nº de pessoas deslocadas; principais movimentos sociais formados; principais causas do conflito e suas consequências para a população ; contexto sociopolítico em que foi implantada; metodologias de gestão de conflitos. Análise dos dados compilados na tabela, permitindo o levantamento de inferências que permitam o alcance do objetivo geral do trabalho.

Discussão: narrativa sobre a evolução dos movimentos sociais e resultados dos conflitos relacionados a construção de grande barragens para geração de eletricidade no Brasil, da década de 70 até os dias atuais. Verificar as metodologias de gestão de conflitos utilizadas em cada caso para fins de comparação,em função do período histórico em que os conflitos ocorreram. Resposta à pergunta-chave da pesquisa:

“como evoluíram os conflitos socioambientais decorrentes da geração de energia hidrelétrica no Brasil da década de 1970 até

os dias atuais?”

(19)

CAP. 3 - REVISÃO DA LITERATURA

3.1 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

A Política Ambiental Brasileira, formalmente instituída pela Lei 6938/1981, foi implantada a partir da representação do país na Conferência do Meio Ambiente, realizada na cidade de Estocolmo, no ano de 1972 (BREDARIOL, 2001). Tem como principais agentes institucionais o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) no plano federal, e os órgãos estaduais de meio ambiente nos estados de maior atividade econômica.

O objetivo principal da Política Nacional do Meio Ambiente, de acordo com a lei, se

refere à “preservação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,

condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (BRASIL, 1981).

Dentre os instrumentos previstos na Lei 6938/1981, destacam-se a avaliação dos impactos ambientais e o licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental é definido pela Resolução CONAMA nº 237/1997 como o:

procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais , consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso (BRASIL, 1997b).

A Resolução CONAMA nº 001/1986, por sua vez, define impacto ambiental como: qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais (BRASIL, 1986).

A avaliação de impactos ambientais é realizada mediante a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e dos respectivos Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), os quais deverão ser realizados nos casos de atividades que impliquem a modificação do meio ambiente, como a construção de barragens com potência instalada igual ou superior a 10 MW (BRASIL, 1986).

(20)

A Carta Magna inovou ao dedicar um capítulo inteiro ao meio ambiente. Por esse motivo, Silva (2004) afirma que todo "o capítulo do meio ambiente é um dos mais importantes e avançados da Constituição de 1988". O tema ambiental é discutido ao longo de toda a Constituição Federal, sendo o art. 225 o ponto principal de um regime constitucional dedicado, em vários tópicos, à gestão dos recursos ambientais.

Primeiramente, o inciso LXXIII, do art. 5º da Constituição Federal, traz o meio ambiente como garantia fundamental de qualquer cidadão, permitindo a proposição de ação popular para anular ato lesivo ao meio ambiente, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento das custas judiciais e do ônus da sucumbência. Nesse instante pode-se notar a importância que o constituinte concedeu ao meio ambiente, visto que permitiu a qualquer cidadão a impetração de ação com a finalidade de proteção ambiental.

Já o art. 225 da Constituição Federal postula o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um novo direito fundamental da pessoa humana, uma vez que ele é necessário tanto para proporcionar saúde física, como uma qualidade de vida digna (MILARÉ, 1998).

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Ao atribuir ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a qualificação jurídica de bem de uso comum do povo quis o poder público deixar claro que o meio ambiente é um bem pertencente à coletividade e, portanto, indisponível, tanto para o Poder Público como para o povo. Essa ideia de indisponibilidade do meio ambiente vem reforçada pela necessidade de preservação do meio ambiente em atenção às gerações futuras, motivo pelo qual as atuais gerações não podem dispor do patrimônio ambiental (SOUZA et al, 2010). Por isso, cabe ao Estado assegurar o equilíbrio harmonioso entre o homem e o meio ambiente em que vive, devendo sempre o interesse de proteção ao meio ambiente, por ser um interesse público, prevalecer sobre os interesses individuais privados.

3.2 USINAS HIDRELÉTRICAS (UHE) NO BRASIL

(21)

construção de uma barragem e pela consequente formação de um reservatório (BERMANN, 2007). O parque gerador brasileiro há muitos anos é essencialmente hidrelétrico. O baixo custo dessa energia aliada à riqueza natural hidrográfica levou o Brasil a ter uma posição de destaque na geração de energia hidrelétrica no cenário mundial (SILVEIRA; REIS, 2001). Segundo o Relatório do Banco Mundial (2008), as Usinas Hidrelétricas continuarão a desempenhar um papel predominante na matriz elétrica brasileira, estimando-se que em 2015 serão responsáveis por aproximadamente 75% da eletricidade no País. Essa predominância é determinada principalmente pelo fato de o Brasil possuir um dos maiores potenciais hidrelétricos no mundo: um total de 260 mil MW, dos quais pouco mais de 30% (trinta por cento) estão em operação ou construção (BRASIL, 2008).

De acordo com o mais recente Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) produzido pela EPE (BRASIL, 2011a), o percentual de participação do conjunto das fontes renováveis de energia (hidráulica, eólica, biomassa, entre outras) vai aumentar na matriz energética brasileira nos próximos dez anos. No entanto, a priorização das usinas hidrelétricas e das fontes alternativas no horizonte de planejamento depende principalmente do licenciamento ambiental. A restrição imposta pelas dificuldades de se obter o necessário licenciamento ambiental para empreendimentos hidrelétricos implica a expansão da geração através de projetos termelétricos que, além de contribuir para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, acarretam a elevação das tarifas e, sobretudo, a perda de uma importante vantagem comparativa do País frente ao enorme potencial hidrelétrico ainda inexplorado (BRASIL, 2011a).

Dois órgãos de governo são responsabilizados pela regulação de empreendimentos hidrelétricos. Por um lado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), criada com a edição das Leis nº 9.074/95 e 9.427/96 e do Decreto nº 2.335/97, tendo como principais atribuições regular e fiscalizar o setor elétrico, garantindo sempre a competição do setor. A ANEEL surgiu em substituição ao antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), que foi extinto no processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro, e é ela quem autoriza e fiscaliza todas as etapas da vida de uma usina, dos estudos para desenvolvimento do projeto à operação (BRASIL, 2011a).

(22)

de aproveitamentos hidrelétricos em articulação com o Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS (BRASIL, 2000).

Mais recentemente, foi criado um novo órgão de apoio ao Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que tem suas atribuições definidas pela Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004, incluindo, dentre elas, a execução de estudos para definição da Matriz Energética e planejamento da expansão do setor elétrico (geração e transmissão), bem como a promoção dos estudos de potencial energético, incluindo inventário de bacias hidrográficas, e a promoção dos estudos de viabilidade técnico-econômica e socioambiental de usinas hidrelétricas, além da obtenção da Licença Prévia Ambiental para aproveitamentos hidrelétricos (BERMANN, 2007).

Nos grandes empreendimentos hidrelétricos está sempre presente a ideia das vantagens comparativas proporcionadas por esses projetos, apontados como uma alternativa de suprimento energético de caráter renovável, não poluente, altamente eficiente, além de seu reservatório poder ser utilizado para múltiplos usos (BERMANN, 2007). Contudo, a implantação de uma usina hidrelétrica muitas vezes requer a inundação de grandes áreas de terras agrícolas, florestas, campos e pastagens; além disso, um grande número de pessoas são deslocadas de suas terras, e a paisagem natural é substancialmente alterada (TUNDISI, 2007). Bermann (2007) ressalta a insustentabilidade dos empreendimentos hidrelétricos, devido a uma série de problemas físico-químico-biológicos decorrentes de sua implantação e operação, bem como a alteração das características ambientais do local de construção. Quanto às questões sociais, o mesmo autor ressalta a desconsideração com que são tratadas as populações ribeirinhas atingidas pelas obras. Os interesses dessas populações são negligenciados no processo de construção das usinas, uma vez que seu envolvimento no processo decisório é limitado pela falta de transparência e assimetria de informações. O reconhecimento dos aspectos negativos associados à construção de uma usina hidrelétrica leva à necessidade de se promover a implementação de instrumentos, por meio de políticas públicas específicas, que mitiguem os impactos relacionados a esse tipo de empreendimento (SILVEIRA; REIS, 2001).

(23)

sendo parte desse custo repassado ao consumidor final. Segundo o Relatório do BIRD (2008), os custos de se lidar com as questões ambientais e sociais no desenvolvimento de empreendimentos hidrelétricos no Brasil representam 12% do custo total da obra.

Por outro lado, como visto anteriormente, os custos financeiros não internalizam o que é incomensurável, por exemplo, a diminuição da qualidade de vida e impactos na cultura e

modus vivendi da população ribeirinha. Desta maneira, aconselha-se observar as mudanças na

paisagem e outros aspectos ambientais importantes que afetem o social, os quais devem ser incluídos nos custos do projeto no momento da tomada de decisão, inclusive aquelas decisões associadas à escolha de alternativas para geração de energia elétrica: usinas hidrelétricas x outras fontes alternativas de energia. Por esse motivo, Tundisi (2007) salienta a necessidade de se elaborarem estratégias de longo prazo que conciliem a produção da hidreletricidade com a preservação ambiental, assim como prevenção e mitigação dos impactos sociais gerados.

Tundisi (2007) alega, ainda, que, embora a construção de empreendimentos hidrelétricos traga impactos socioambientais, ao longo do tempo, esses impactos negativos são minimizados pela expansão das economias regionais, uma nova organização socioeconômica e adaptações da flora e fauna dos reservatórios a essas novas condições.

3.3 RISCOS E VULNERABILIDADE SOCIAL EM BARRAGENS

Importante salientar, ainda, os riscos inerentes à implantação de barragens, especialmente as de grande porte. Segundo Soriano e Valencio (2009), os riscos, que representam a relação entre ameaça e vulnerabilidade, são o produto entre a probabilidade de ocorrer um evento desastroso. Ressaltam que falhas em barragens representam riscos que podem se configurar em desastres, uma vez que seu colapso implica inundações e destruição à sua jusante, gerando todo um risco para a população que habita no local.

(24)

Segundo Porto (2007), a concretização do risco em termos de efeitos à saúde dependerá de três aspectos: da magnitude do perigo ou ameaça; da probabilidade da ocorrência; e da extensão da vulnerabilidade das populações e territórios afetados (área espacial atingida e número de pessoas expostas afetadas).

Relacionando a vulnerabilidade com os riscos ambientais, Porto (2007) afirma que a vulnerabilidade social expressa a extensão dos danos ou perigos que um sistema passa a sofrer com as mudanças. Do ponto de vista humano e social, a vulnerabilidade resulta não apenas da sensibilidade de certos sistemas, mas do modo como as pessoas, populações e sociedades irão se adaptar às mudanças.

Esse mesmo autor afirma que o conceito de vulnerabilidade sempre apresenta uma característica territorial, pois sempre se refere a grupos sociais específicos que, em um dado território, encontram-se mais expostas e fragilizadas em sua capacidade de compreender e enfrentar os riscos (PORTO, 2007). No caso do presente estudo, o conceito de vulnerabilidade se manifesta na perda afetiva e material das pessoas que são remanejadas de suas terras para viabilizar a construção de empreendimentos hidrelétricos, conforme estudo realizado no rio São Francisco por Andrade (2006).

Porto (2007) sugere dois tipos de vulnerabilidade social: (1) vulnerabilidade populacional: corresponde a grupos sociais específicos, mais vulneráveis a certos riscos, dependendo de características e discriminações raciais, étnicas, de classe e de gênero, ou ainda à sua inserção em territórios e setores econômicos particulares; (2) vulnerabilidade institucional: relacionada à ineficiência de uma sociedade e suas instituições em sua capacidade de regular, fiscalizar, controlar e mitigar riscos ocupacionais e ambientais, em especial no tocante a grupos e territórios vulneráveis.

(25)

Porto (2007) aponta a necessidade de ampliar-se a visão e o diálogo entre especialistas e a sociedade para resolver problemas em contextos vulneráveis. Afirma, ainda, que a construção de sociedades saudáveis, socialmente justas e ecologicamente sustentáveis dependerá da capacidade de cientistas, técnicos e cidadãos unirem ciência, ética e políticas públicas na análise e enfrentamento dos grandes desafios da atualidade.

Acselrad, Mello e Bezerra (2009), por sua vez, salientam que a injustiça ambiental é definida como o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos riscos ambientais provenientes do desenvolvimento sobre os grupos étnicos desprovidos de poder. Essa injustiça ambiental impulsionou o surgimento dos Movimentos por Justiça Ambiental, que lutam pelo direito a um meio ambiente seguro,

sadio e produtivo para todos, onde o “meio ambiente” é considerado em sua totalidade,

incluindo suas dimensões ecológicas, sociais, políticas e econômicas.

Por sua vez, Herculano (2002) discute teoricamente o conceito de Justiça Ambiental, propondo ser uma peça-chave para introduzir, aprofundar e organizar, nos estudos acadêmicos e na militância ambientalista, a perspectiva das desigualdades sociais. Herculano (2002, p. 2) define justiça ambiental como:

o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.

Enquanto que injustiça ambiental é entendida como “o mecanismo pelo qual

sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis” (HERCULANO, 2002, p. 2).

(26)

processos de “exportação da injustiça ambiental”1 (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA

,

2009).

Entretanto, o tema justiça ambiental ainda é incipiente e de difícil compreensão no Brasil, principalmente pelo fato de que as extremas injustiças sociais brasileiras encobrem e naturalizam a exposição desigual à poluição e o ônus desigual dos custos do desenvolvimento. Herculano (2002) cita alguns fatores genéricos e ideológicos que têm contribuído para dificultar a percepção das injustiças ambientais, da distribuição desigual dos riscos ambientais entre países e entre classes sociais e etnias dentro de cada país: (i) o conservacionismo de uma corrente do movimento ambientalista, que acredita que os problemas ambientais são

“democráticos”, por atingirem a todos, quando, na verdade, estes riscos são escalonados, ainda espacializados e, justamente porque empurrados para a população mais fragilizada, ficam sem solução; (ii) o produtivismo generalizado e também assumido pelo movimento operário, que incorpora a busca pelo crescimento ou por sua retomada, sem questionar suas implicações; (iii) um pragmatismo imediatista que cria a força uma cumplicidade involuntária dos trabalhadores que, em nome da sua sobrevivência econômica, mantêm um quadro de injustiça crônica e de aceitação resignada das fatalidades ambientais.

Segundo Herculano (2002), o aumento das desigualdades sociais leva a um consequente aumento das desigualdades no acesso a um ambiente natural e saudável. Os riscos da deterioração são empurrados para as parcelas mais vulneráveis da sociedade e depois mitigados por políticas compensatórias. Contudo, essas políticas compensatórias não são sempre bem-sucedidas, uma vez que acidentes não são compensáveis. As políticas necessárias são aquelas que integram as visões das diversas áreas que compõem a temática ambiental, produzindo um efeito sinérgico, rumo ao desenvolvimento sustentável (HERCULANO, 2002).

Saliente-se, ainda, a importância do papel da mídia e dos meios de comunicação de massa, que concedem voz aos menos privilegiados, que são também os mais vulneráveis e os mais atingidos pelas grandes barragens. Os meios de comunicação divulgam para o público global os riscos associados às grandes barragens, conectando atores além de fronteiras (BECK, 2008).

(27)

3.4 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Segundo Deutsch (1973 apud ALMEIDA, 2003), para se estudar o conflito, deve-se partir das seguintes variáveis: (1) as características das partes no conflito; (2) a relação de uma parte com a outra; (3) a natureza da questão que dá origem ao conflito; (4) o ambiente social em que ocorre o conflito; (5) o público interessado no conflito; (6) as estratégias empregadas pelas partes; e (7) as consequências do conflito para cada parte.

Com relação às funções desempenhadas no conflito, esse mesmo autor ressalta que elas podem ser positivas ou negativas. Caso o conflito previna a estagnação de uma relação, ele pode ser considerado positivo, uma vez que estimula novos interesses e a curiosidade, explorando a capacidade de cada indivíduo (DEUTSCH, 1973 apud ALMEIDA, 2003).

O conflito pode ser classificado, ainda, segundo duas classes de processos: os cooperativos, onde a interdependência implica ganhos mútuos; e os competitivos, em que a relação é inversa, onde uma das partes sai ganhando e a outra sofrendo prejuízos (DEUTSCH, 1973 apud ALMEIDA, 2003). O autor destaca ainda, como consequências de processos cooperativos de resolução de conflitos, o fato de a comunicação ser mais efetiva, haver uma maior coordenação de esforços e um maior sentimento de aceitação de ideias.

Com relação aos conflitos socioambientais, Little (2001, p. 107) os caracteriza como disputas entre grupos de atores sociais que possuem distintas formas de se relacionar e interagir com o meio natural. Além disso, “cada ator social tem sua própria forma de

adaptação, ideologia e modo de vida, que entram em choque com as formas dos outros grupos

dando assim a dimensão social do conflito socioambiental”. Para este autor, os conflitos socioambientais podem ser classificados em três principais tipologias a depender se as disputas ocorrem em torno i) do controle sobre os recursos naturais, ii) dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural e iii) do uso dos conhecimentos ambientais.

(28)

particulares, seus atores sociais e seus nós próprios de conflito”. Portanto, “o tratamento, e

possível resolução dos conflitos, precisam ser precedidos por uma etapa de pesquisa e análise das raízes e causas do mesmo” Little (2001, p. 115).

O conflito pode nascer, ainda, de disputas entre as classes sociais detentoras do capital e aquelas detentoras da força de trabalho, devido a interesses divergentes quanto à apropriação de riquezas, quanto ao reconhecimento social e quanto à detenção de poder. Nesse caso, os diferentes grupos sociais se enfrentam nos campos econômico, político e social (NASCIMENTO, 2001 apud FARIA, 2004b).

Acselrad, Mello e Bezerra (2009), asseveram que as disputas socioambientais concretas opõem diversos modos de apropriação da natureza, o que expõe seu caráter democrático. “A questão ambiental não representa necessariamente um entrave ao

desenvolvimento, mas uma dimensão constitutiva de um modelo de desenvolvimento que se quer democrático e inclusivo” (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Assim, tem-se que

o conflito pode ser visto como uma forma de exposição dos problemas e uma chance de procurar melhorar as formas de apropriação e utilização do meio ambiente.

Esses mesmos autores argumentam, ainda, que os conflitos socioambientais são originados pelas diferenças socioeconômicas desencadeadas pelo avanço da apropriação privada e pela adoção de esquemas de ocupação em larga escala de um lado, e de outro lado pelas lutas sociais, que questionam essa concepção capitalista, expressa pela produção de divisas a qualquer custo (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2008).

Para Leff (2000), os conflitos ambientais são desencadeados por interesses divergentes quanto à utilização e apropriação dos recursos naturais e levam a sociedade a pensar de uma maneira mais voltada para o desenvolvimento sustentável. Esses conflitos não serão resolvidos pela ciência ou pela ecologia, mas sim pelas diferentes formas de enxergar o ambiente, pela diversidade cultural e pelo saber ambiental. A participação da sociedade é fundamental para a gestão ambiental, e o diálogo de saberes produzido pelas diferentes culturas e identidades auxiliará na resolução dos conflitos ambientais.

Para Ormeño e Saavedra (1995 apud BREDARIOL, 2001, p. 58) os conflitos

ambientais são definidos como “a incompatibilidade de interesses que emerge como um resultado da prevenção ou reparação de danos”. Esses autores reconhecem três atores envolvidos nesses conflitos: os que provocam o dano, os que recebem os danos e as agências reguladoras.

(29)

estratégias e táticas políticas, Assim, os conflitos ambientais aparecem como base para a construção das políticas ambientais (BREDARIOL, 2001). Quando se referem especificamente aos conflitos em políticas públicas, Little (2001) e Bredariol (2001) afirmam que duas partes principais são envolvidas: os decisores políticos e a população. Cite-se, por exemplo, a discussão a respeito do novo código florestal, em que movimentos sociais e organizações da sociedade civil lançaram carta de repúdio à Medida Provisória (MPV) nº 558 editada pela Presidenta Dilma Roussef em janeiro de 2012, apontando que essa MPV extinguiu ilegalmente vastas áreas de unidade de conservação (UC) na Amazônia para abrigar canteiros e reservatórios de grandes hidrelétricas sem estudos técnicos e qualquer consulta às populações afetadas e à sociedade brasileira em geral. Isso demonstra a preocupação da sociedade com a preservação ambiental e sua vontade de participar ativamente do processo decisório inerente às políticas públicas ambientais (AMIGOS DA TERRA, 2012).

A boa notícia é que esses conflitos têm um potencial significativo para transformar, tornando-se um importante catalisador para a mudança social positiva. A figura a seguir, ilustra essa relação entre conflitos socioambientais e políticas públicas:

Figura 1 - Conflitos socioamabientais em políticas públicas: governo x população

Fonte: Free Your Mind and Think (2012).

(30)

Bucci (1996 apud FREITAS FILHO; CASAGRANDE, 2008, p. 430) define políticas públicas como:

arranjos institucionais complexos, expressos em estratégias formalizadas ou programas de ação governamental, visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados, e resultam de processos conformados juridicamente.

Segundo Loureiro et al (1992 apud LAYRARGUES, 2000) as políticas públicas na área ambiental serão efetivas somente se os atores sociais e os conflitos nela envolvidos estiverem claramente determinados.

Agra Filho (2008) salienta que o papel do governo na resolução dos conflitos socioambientais não abrange a coordenação efetiva do processo ou a construção de um consenso, mas se restringe, tão somente, a identificar medidas que minimizam as preocupações ambientalistas. Agra Filho (2008) afirma que o governo tem atuado como uma parte interessada na viabilização dos projetos de usinas, uma vez que sua preocupação primordial é o desenvolvimento do país, ficando a sustentabilidade ambiental em segundo plano. Assim o papel do governo na mediação de conflitos fica sem sombra de dúvida pendendo para os interesses privados e não da sociedade afetada.

A prática da avaliação dos impactos ambientais no Brasil negligencia a questão da justiça social e se mostra omissa em relação à equidade ambiental, por apresentar uma abordagem precária e reducionista das questões sociais na elaboração dos diagnósticos. Na fase de análise dos impactos ambientais os aspectos sociais favoráveis são exacerbados e os desfavoráveis são, geralmente, subdimencionados (AGRA FILHO, 2008, p. 135).

Essa tímida atuação do governo com relação à implementação de políticas públicas voltadas à diminuição dos impactos socioambientais pode ser explicada pela captura dos Órgãos públicos pelo poder econômico das grandes empresas privadas, o que tem comprometido a autonomia soberana na condução e aplicação de políticas públicas dos agentes políticos (FREITAS FILHO; CASAGRANDE, 2008).

Dessa forma, pode-se afirmar que a consolidação do setor elétrico brasileiro depende de um Estado de interesse social e ambiental forte, capaz de promover os pilares necessários à sua expansão sem prescindir, contudo, da criação de instrumentos de mercado que diminuam as assimetrias de poder e de informações entre os atores envolvidos (FROTA, 2001).

Aos planejadores de políticas públicas cabe informar à sociedade que a disponibilização de energia elétrica na quantidade demandada implica impactos ambientais e, consequentemente, a potencialização dos conflitos deles decorrentes, os quais precisam ser

(31)

Diante disso, o mesmo autor afirma que as decisões sobre a implantação de determinado empreendimento que cause impactos ambientais cabe à sociedade, cabendo ao Estado apenas o papel de conduzir o processo.

Moret e Ferreira (2008) argumentam que os conflitos no setor elétrico surgiram por causa da apropriação da cadeia de energia pelo poder econômico “transformando-a somente em benefícios econômicos com acumulação de capital”.

Para Araújo et al. (2000), os conflitos socioambientais entre governo e a população atingida por barragens ocorre, principalmente, em decorrência de problemas que envolvem a avaliação incompleta dos processos de transferência de populações afetadas e das repercussões sociais peculiares às grandes obras. Assim, Araújo et al. (2000) concluem que essas avaliações, incompletas ou incompatíveis quanto aos custos e à duração do empreendimento, terminam por acirrar os conflitos.

Diante desse contexto, o mais importante a se considerar é a participação das populações atingidas no processo de decisão inerente à implantação de usinas hidrelétricas. Nessas situações, o princípio majoritário adotado como procedimento democrático não tem validade, uma vez que os efeitos da instalação desses empreendimentos atingem uma minoria. Assim, “deve-se adotar a construção de consensos, reconhecendo interesses divergentes que

devem ser incorporados no processo de negociação” (BERMANN, 2007).

Para que os conflitos em políticas públicas contribuam para uma mudança social positiva, eles precisam ser bem geridos, e essa gestão depende muito da estrutura política do país, que limita ou facilita a implementação de políticas. Sobre esse assunto, Swain e Chee (2004, p. 96) afirmam que:

A estrutura política de um Estado consiste na cultura política local, estrutura e desenho institucional, bem como o envolvimento e as influências da sociedade civil e participação pública. A gestão pública de conflitos políticos em uma sociedade democrática é diferente da gestão dentro de uma sociedade não democrática.

Swain (2002) afirma que em regimes democráticos, a experiência de oposição a políticas públicas são mais bem-sucedidas do que nas autocracias. A estrutura e a cultura de um Estado democrático são ajustadas de forma a responder aos conflitos de maneira conciliatória. Por outro lado, os regimes autoritários geralmente suprimem a oposição pública, contando com controle coercitivo.

(32)

esses países acabem por construir as grandes barragens para exportar energia elétrica para os países onde impera a democracia e, por esse motivo, não se permite a construção deliberada de barragens ou qualquer empreendimento que implique remanejamentos em larga escala.

A abertura do processo político favorece a presença efetiva das populações atingidas em todas as etapas do processo decisório adjacente, inclusive nas questões relativas a reassentamentos. Essa participação, por outro lado, não ocorre nos regimes autoritários, em que se verificam práticas autoritárias e excludentes (ARAÚJO et al., 2000).

3.4.1 Gestão de Conflitos

Com relação aos mecanismos de gestão de conflitos ambientais, Vivacqua (2005) destaca que existem dois tipos: os judiciais e os extra-judiciais. O primeiro tipo é aquele solucionado no Poder Judiciário, por meio da utilização de mecanismos legais que permitem a participação da sociedade na defesa do meio ambiente. No segundo são utilizadas técnicas de negociação, em que a resolução do conflito ocorre por meio de acordo entre as partes.

Para Bredariol (2001), o desenvolvimento de pessoas, grupos e sociedades, está diretamente relacionado à capacidade de criar e resolver os conflitos, que estão presentes em todas as relações humanas. Para isso, existem os métodos de resolução de conflitos que, segundo esse autor, se dividem em dois grupos: aqueles provenientes das teorias da comunicação dos grupos, definidos como comportamentais; e os métodos de estruturação de problemas, que utilizam as teorias de decisão.

Os métodos das teorias da comunicação dos grupos envolvem a participação de um mediador neutro para apoio à resolução do conflito. Esse método é utilizado no caso de existirem interesses contraditórios que dividem as partes e, por esse motivo, necessitam da intervenção de uma terceira parte, neutra, que ajude as partes a chegarem a um acordo (BREDARIOL, 2001).

(33)

Vivacqua (2005) salienta que a resolução dos conflitos mediante negociação e é muito mais vantajosa e econômica do que a resolução de conflitos na esfera judicial, que além de demorada, é dispendiosa. O autor cita ainda, a arbitragem, como ferramenta auxiliadora na resolução de conflitos fora da esfera judicial. Exemplo de arbitragem utilizada pelo governo é a constituição de comissões e grupos que atuam como árbitros na resolução de conflitos, como os Comitês de Bacia Hidrográfica, criados pela Lei nº 9433/97, que arbitram em primeira instância os conflitos relacionados aos recursos hídricos.

Costa (2003) também propõe a utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, definidos como aqueles independentes do monopólio estatal, e cita três principais: (1) negociação: acordo encontrado pelas próprias partes; (2) mediação: negociação facilitada por um terceiro; e (3) arbitragem: substituição da vontade das partes por um terceiro. Os objetivos dos métodos alternativos de resolução de conflito são atender os interesses das duas partes envolvidas e pacificar o conflito de uma maneira mais eficiente, visando sempre o caráter educativo do processo preventivo de novos conflitos.

Dentre as formas de se abordarem os conflitos, Costa (2003) relata a autotutela (solucionados pela força), a autocomposição (solucionado pelas partes) e a heterocomposição (solucionados por um terceiro). Dentro dessa classificação, tem-se a heterocomposição estatal e a alternativa, podendo ser vinculante (protegido pela coercibilidade estatal) ou não. Dentro da classe vinculante ressalta-se a arbitragem. Já no lado da autocomposição, em que as partes não têm uma solução imposta, tem-se a mediação e a negociação (COSTA, 2003).

Costa (2003) cita a privacidade e a liberdade de decidir sem a intervenção de terceiros como principais vantagens da negociação. É também o método menos custoso e de maior controle sobre os resultados.

Já Acselrad, Mello e Bezerra (2009) criticam a resolução de conflitos baseada na negociação, afirmando que “o encaminhamento do conflito não se dá pela discussão sobre

aquilo que é justo ou injusto, mas pela maior ou menor capacidade dos agentes de

barganharem seus interesses, tidos como foro provado”. Nesse argumento eles acrescentam que quando o litígio envolve atores sociais com acentuada desigualdade de poder, a resolução negociada de conflitos pode operar como uma tecnologia de desmobilização social. Ponderam ainda que em certos casos a negociação não impede o agravamento dos conflitos, e o consenso estabelecido harmoniosamente, ao mesmo tempo em que reduz o nível de agressividade entre os atores, encobre os conflitos, que permanecem latentes.

(34)

processo e a valorização da autonomia da vontade e da boa-fé. Pode ser classificada de duas formas: mediação avaliadora ou conciliação, onde o mediador assume uma postura de análise e avaliação em busca de propostas razoáveis; e a mediação simplesmente compositora, em que o mediador apenas trabalha técnicas de comunicação, sem opinar ou propor soluções. O que define a utilização de um ou outro método é a natureza do conflito. Como a mediação não é um método vinculante, ou seja, a condução do processo depende somente da vontade das partes, a garantia do cumprimento do acordado é a elaboração de um contrato. Não obstante todas as vantagens presentes nos processos mediativos, estes apresentam a desvantagem de os participantes poderem utilizá-los como jogo tático de descoberta de informações para o ajuizamento de uma ação e serão infrutíferos se uma das partes não cooperar (COSTA, 2003). A arbitragem é mencionada como método impositivo, uma vez que se trata de um método decisório e vinculante, pois o judiciário garante sua coercibilidade2, sendo classificado como um procedimento muito rígido. É o único método dessa natureza admitido no Brasil e regulamentado pela Lei nº 9.307/96. As principais vantagens da arbitragem são sua rapidez procedimental e a eficácia de sua decisão. O árbitro é escolhido por sua especialização técnica, tendo, por isso, uma visão profunda do problema (COSTA, 2003).

Quanto aos métodos de resolução de conflitos adotados pelo setor elétrico, ressalta-se o código de águas (Decreto 24.643, de 10.07.1934) como o marco estruturante desse setor, tendo instituído as bases da fiscalização e da resolução de conflitos. O Decreto nº 2.335/973, por sua vez, que instituiu a ANEEL, dispõe sobre a resolução de conflitos no setor elétrico, tratando-se de uma previsão abrangente, da qual partem portarias e resoluções que a regulamentam, que resultam na aplicação do arbitramento, da mediação e da arbitragem (COSTA, 2003).

No arbitramento há um aperfeiçoamento do conteúdo contratual, sem haver conflito de interesses. A sistemática do arbitramento segue um processo público e condicionado à

2 As decisões tomadas com base na arbitragem são definitivas, sendo seu resultado imposto a ambas as partes. O resultado não pode ser questionado e sua aplicação é obrigatória. O próprio poder judiciário trata de garantir sua execução. Por esse motivo diz-se tratar de um método vinculante, pois a decisão não é passível de ser alterada ou questionada.

3 Art. 18. A atuação da ANEEL para a finalidade prevista no inciso V do art. 3º da Lei nº 9.427, de 1996, será exercida direta ou indiretamente, de forma a:

I - dirimir as divergências entre concessionários, permissionários, autorizados, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e os consumidores, inclusive ouvindo diretamente as partes envolvidas;

II - resolver os conflitos decorrentes da ação reguladora e fiscalizadora no âmbito dos serviços de energia elétrica, nos termos da legislação em vigor;

III - prevenir a ocorrência de divergências;

IV - proferir a decisão final, com força determinativa, em caso de não entendimento entre as partes envolvidas;

(35)

comprovação, por parte dos agentes envolvidos, de que não chegaram a um acordo entre si. Entretanto, Costa (2003) ressalta que o arbitramento adotado pelas Agências Reguladoras não passa de um processo administrativo, uma vez que é utilizado por um Órgão da Administração que atua impondo uma decisão sobre o administrado, bastando o surgimento desses atos para que sua prestação torne-se exigível. Em se tratando de contratos administrativos de longo prazo, a arbitragem é uma garantia necessária para que o contrato possa sobreviver às várias transformações na economia. Nesse sentido, o artigo 23 da Lei nº 8.987/95 explicita a necessidade de se estabelecer no contrato administrativo cláusula que defina foro e modo amigável de solução de divergências entre as partes (COSTA, 2003).

A mediação na ANEEL é atribuição da Superintendência de Mediação Administrativa Setorial, resumindo-se a uma audiência, na qual se tenta a composição amigável, seguida de uma imposição de conduta pela própria ANEEL caso não se chegue a um acordo (COSTA, 2003). A mediação adotada pela ANEEL não pode ser considerada uma mediação pura, uma vez que as partes sabem que terão uma decisão, seja tomada por elas mesmas ou pelo mediador, caso a autocomposição seja frustrada. Contudo, essa postura da Agência não é considerada ruim, pois é uma opção diante da desigualdade entre as partes (quando há o consumidor de um lado e a concessionária de outro, por exemplo). Ademais, considera-se válida a posição adotada pelas Agências Reguladoras, visto que o contexto brasileiro é diferente do contexto estrangeiro, de onde os métodos alternativos de resolução de conflitos são originários. Assim, por mais que esses métodos tenham sido importados, eles devem ser ajustados à realidade nacional, para que seus efeitos sejam proveitosos (COSTA, 2003).

No presente estudo, serão utilizados os métodos de resolução alternativa de conflitos definidos por Costa (2003) para comparar os três estudos de caso. Assim, será verificado se os métodos de negociação, mediação e/ou arbitragem foram adotados em cada um dos casos e como facilitaram e/ou influenciaram a gestão dos conflitos.

3.5 CONFLITOS EM USINAS HIDRELÉTRICAS NO MUNDO

Os conflitos socioambientais em grandes barragens são desencadeados, dentre outros fatores, pelos impactos sociais e ambientais negativos advindos de sua construção (MC CULLY, 2001, p.xv).

(36)

mais acelerada, motivada pelo apoio do Banco Mundial (GLOBALIZATION ..., 2001). Mas foi no final dos anos 1980, que ambientalistas e sociólogos começaram a desempenhar um papel mais importante no processo de planejamento, e por meados dos anos 1990 a participação das populações afetadas e das ONGs nesse processo tornou-se mais significativo (MC CULLY, 2001). A existência dos movimentos sociais contra a construção de barragens é muito importante para reforçar a proteção, bem como a inclusão da população atingida e menos favorecida nas decisões a elas pertinentes. Os exemplos de movimentos sociais antibarragens na Tailândia, Malásia, Índia, EUA e Brasil, demonstram a evolução dos conflitos socioambientais contra barragens em diferentes regiões do mundo, e as respectivas consequências nas políticas públicas ambentais e sociais desses países.

Tabela 1 - Conflitos socioambientais em barragens no mundo.

País Barragem Rio Deslocados

Potência Instalada (kW) Movimento social formado Entrada em operação Principais causas do

conflito Contexto sociopolítico

Brasil

Machadinho Uruguai 15.700 1.140.000 CRAB 2002 Desalojamento de pessoas

Democracia; o sucesso do CRAB implicou na melhora das medidas compensatórias dos atingidos, bem como na diminuição do número de pessoas reassentadas.

Tucuruí Tocantins 30.000 8.370.000 CABA 1984

Desalojamento de pessoas; contaminação da água e declínio do número de peixes Ditadura militar; população atingida falhou em conseguir significativas concessões.

Tailândia Pak Mun Mun 8.500 136.000

Associação dos Pobres (AOP), moradores, ONGs, organizações estudantis, acadêmicos e ambientalistas; lançamento da campanha

“Deixe o rio

Mun correr

livre”.

1994

(37)

País Barragem Rio Deslocados Potência Instalada (kW) Movimento social formado Entrada em operação Principais causas do conflito Contexto sociopolítico

EUA Grand Coulee Columbia 5.700 6.809.000

Não havia movimento ambientalista anti-barragens organizado à época. O movimento foi consolidado somente em 1950, com a implantação da barragem de Echo Park. 1941 Redução da população de salmão, desencadeando fortes modificações na pesca e na alimentação de tribos indígenas localizadas na região; inundação de cemitérios indígenas; deslocamento de tribos indígenas e população ribeirinha. Democracia; crise econômica vivida pelo país em decorrência da Grande Depressão; a construção = empregos; a usina foi inaugurada na época da Segunda Guerra Mundial; a geração de energia primordial, principalmente para a fabricação de alumínio e produção de plutônio para bomba atômica.

Índia Sarovar Sardar Narmada 320.000 1.450.000

Narmada Dharangrast Samiti (NDS); Narmada Bachao Andolan (NBA). 2011 Remanejamento em larga escala; os estudos ambientais para o projeto não foram realizados e o número de pessoas a serem deslocadas não era conhecido.

Democracia; a pressão do movimento social implicou a retirada do Banco Mundialdo projeto; líderes políticos afirmaram que os projetos que implicassem remanejamentos em larga escala não seriam mais implementados na Índia.

Malásia Bakun Balui 9.000 2.400.000

Coalizão entre ONGs, Comitê da População da Região de Bakun, Sahabat Alam Malaysia-SAM (Amigos da Terra) e comunidades indígenas. 2011 Danos ecológicos resultantes do desmatamento; ameaça de um possível colapso da barragem; sedimentação à montante; aumento de doenças; remanejamento em larga escala.

Ditadura; o regime político autoritário da Malásia concedeu ao governo todo o poder para suprimir a oposição aberta ao projeto da barragem de Bakun.

Fonte: Mc Cully (2001) e World Commission on Dams (2000).

O livro do Mc Cully, Silenced Rivers (2001), é fundamental neste capítulo, uma vez

Imagem

tabela com os principais  conflitos; narrativa sobre os  movimentos sociais e os conflitos  relacionados a construção de  grandes barragens para geração  de eletricidade no Brasil e no  mundo
Figura 1 - Conflitos socioamabientais em políticas públicas: governo x população
Tabela 1 -  Conflitos socioambientais em barragens no mundo.
Tabela 2 - Área diretamente afetada pela implantação da UHE Belo Monte, conforme EIA/RIMA, maio/2009  Área Diretamente Afetada – ADA
+6

Referências

Documentos relacionados

■ Faith related articles by locally and nationally acclaimed authors. ■ Stories about the Faith and Good Works of

Angie Edell Campos Lazo 2 Resumo: Este artigo tratará sobre a crise dos direitos humanos no mundo ocidental, fazendo uma análise dos direitos sociais e a aplicação dos

ORGANIZADOR AE: CONHECIMENTOS, CAPACIDADES E ATITUDES O aluno deve ser capaz de: AÇÕES ESTRATÉGICAS DE ENSINO ORIENTADAS PARA O PERFIL DOS ALUNOS (Exemplos de ações a

10m Grande grupo - Reflexão conjunta sobre o trabalho realizado nesta sessão... SESSÃO Nº 5 Objetivos específicos: Promoção do gosto

Direitos de propriedade mais seguros podem também contribuir para solucionar alguns dos problemas mais enraizados do Brasil rural, tais como violência e conflitos relacionados

Este trabalho tem como objetivo discutir os conflitos socioambientais decorrentes da construção da barragem e da desapropriação de terras para a inundação, nas

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Gini e Pobreza, análise da contribuição financeira pela exploração de recursos hídricos para geração de energia

Nessa formulação meta-enunciativa, NS explicita (contextualiza) de que ordem é a sua fala: é da ordem das idéias, do pensamento, estabelecendo, assim, uma orientação