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Crença religiosa e sexualidade: um estudo com mulheres atuantes em movimentos da Igreja Católica

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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA

MESTRADO EM PSICOLOGIA

CRENÇA RELIGIOSA E SEXUALIDADE: um estudo com mulheres atuantes em movimentos da Igreja Católica.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Psicologia, da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.

RENATA GOMES NETTO

ORIENTADORA: Profª. Drª. MARTA HELENA DE FREITAS CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. ROBERTO MENEZES DE OLIVEIRA

(2)

Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, sob a orientação da Professora Doutora Marta Helena de Freitas.

Examinada e aprovada pela banca:

___________________________________________

PROFª. Drª. MARTA HELENA DE FREITAS (presidente)

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

_____________________________________________________

PROF. Dr. ROBERTO MENEZES DE OLIVEIRA (vice-presidente)

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

_________________________________________________________

PROF. Dr. ADRIANO FURTADO HOLANDA (membro)

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

________________________________________________________

PROFª. Drª. CLAUDIENE SANTOS (membro)

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

________________________________________________________

PROFª. Drª.TÂNIA MARA DE ALMEIDA (suplente)

(3)

VI - Pensar em Deus

Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos, Como os regatos e as árvores, E Deus amar-nos-á fazendo de nós Belos como as árvores e os regatos, E dar-nos-á verdor na sua primavera, E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...

IX - Sou um Guardador de Rebanhos

Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz.

(4)

Para Eduarda Netto,

Sol dos meus dias escuros.

Para os meus pais, que investiram tudo em um ideal de educação

e não mediram esforços para que seus

filhos buscassem os caminhos do saber.

Vocês podem não entender o significado desse título,

sua hierarquia e valor num ambiente acadêmico.

Pode ser difícil, também, compreender a minha luta por essa conquista,

mas são, sem sombra de dúvidas, os maiores responsáveis por ela.

Para Claudia e Alessandro,

parceiros de pai e mãe,

que contribuíram para ser o que sou.

Para Vinícius, que nessa jornada foi companheiro

em todos os sentidos.

(5)

É muito bom chegar ao final de uma jornada e ter tanto a agradecer. Quero

começar agradecendo minhas raízes profissionais.

Ao Pimenta, professor de Educação Artística, quem primeiro me fez pensar em

subjetividade.

Ao Eugênio Prado, por incentivar minha escrita.

Ao Délcio e ao Maurinho (in memorian), todas as palavras se perdem tamanho o carinho e a amizade. Saudades!

À Jaqueline Moreira, Lilany Pacheco, Tânia Ferreira, Cassandra França, Paola

Biasoli, Sandra Francesca e Tânia Mara, por serem espelhos profissionais.

À tia Mônica, pelos inúmeros mimos no final da noite, após longa jornada de

trabalho. Por cuidar dos cães e das plantas e principalmente por me amar tanto

e me dar a felicidade de ter duas mães.

À Marilene Andrade Borges, com quem vislumbrei pela primeira vez a

possibilidade de cursar um mestrado.

À Walderez, Nathália, Luiz Carlos, Fernanda, Carlinhos, Aninha, Lucas, Leliane

e Fernando, que “nos” acolheram em suas casas inúmeras vezes, cedendo

suas camas e nos enchendo de carinho nessa longa jornada. O apoio de vocês

foi fundamental nesse processo!

À tia Te, João Carlos e Carol, pela torcida e apoio em momentos importantes.

Aos amigos Fábio, Cecília, Malu e Gabi por suportarem inúmeros nãos e

mesmo assim não desistirem de mim. Obrigada pelo carinho e amizade de

(6)

terras distantes.

À Cilésia, pela amizade que surgiu e pelo apoio incondicional à minha

formação.

À Dani, que do outro lado do mundo me socorreu nas madrugadas fazendo

traduções, e principalmente pela amizade que voltamos a cultivar.

À Déa, amiga querida que tive o prazer de reencontrar na etapa final, me

mostrando que uma amizade verdadeira supera qualquer distância e tempo.

Obrigada por me encorajar nos momentos de total desespero pré-banca!

À tia Cida, mãe-madrinha, que com seu colo e carinho tem o poder de curar

todos os meus males. Ao tio Jessé, que me adotou e cuidou durante todos

esses anos. A todos de Sabará, muito obrigada! Quisera eu que todos os

lugares fossem o porto tranqüilo e seguro que encontro aí.

À Claudia, mistura de mãe e irmã, sempre a cuidar meus passos. Espero poder

recuperar o tempo que ficamos distantes...

Ao professor Márcio pelas valiosas conversas.

Aos colegas da FINOM: Darcília, Carlos, Alex, Juliana, Valéria, Gilson, Viviane,

José Eduardo, Vera, Walkíria, Célia, Elda, Pedro e Carlinha, com os quais pude

compartilhar momentos de desespero e angústia, mas também dividir alegrias

e conquistas.

Ao Vico, que fez dos meus sonhos, os seus, me acompanhando e crescendo

comigo nessa jornada. Que assumiu essa loucura junto com nosso casamento,

(7)

comigo suas asas.

À Helô e Rey, casal maravilhoso! Pessoas que nos fazem acreditar que vale a

pena acreditar em ser humano. Vocês foram fundamentais na etapa final para

não me deixar desistir!

Falando em desistência, muito obrigada à Marta Helena de Freitas, orientadora

do meu trabalho, por não desistir de mim e me segurar, mesmo que através do

mais tênue fio, e também por suportar questões além da orientação.

Ao Roberto Menezes, co-orientador, obrigada também por não desistir do meu

trabalho e ajudar a concretizá-lo.

Aos membros da banca de qualificação e defesa Adriano Furtado Holanda,

Claudiene Santos e Tânia Mara de Almeida, que trouxeram contribuições

(8)

O presente trabalho teve por objetivo compreender as possíveis relações entre as modalidades de crença religiosa segundo J. B. Pratt e a vivência da sexualidade de mulheres atuantes em movimentos da Igreja Católica em Paracatu/MG. Para realizá-lo, foram utilizados o Questionário Pratt sobre a crença religiosa e entrevistas semi-estruturadas para Investigar a sexualidade feminina. A metodologia de análise inspirou-se na orientação fenomenológica.

No decorrer do trabalho, procurou-se traçar um percurso dos estudos da psicologia da religião e da sexualidade, em que percebemos diversidade de olhares por parte das ciências, mas, da mesma forma, grande interesse atual por compreendê-las. Como fundamentação teórica, utilizou-se a teoria das quatro modalidades de crença religiosa segundo J. B. Pratt, no que se refere à crença religiosa, e a perspectiva psicanalítica de Freud para fundamentar a sexualidade feminina.

Foram realizadas três entrevistas e respondidos três questionários, por três mulheres casadas, católicas atuantes em movimentos da Igreja. A modalidade de crença religiosa mais encontrada nas colaboradoras foi a crença emocional, seguida da ético-moral e da perceptiva. A crença intelectual não foi encontrada de forma relevante nas colaboradoras. Elas vivem a religião na sua prática, não buscam nela um código de conduta, mas a comunhão com Deus. O código moral da Igreja Católica está presente para todas, porém, não sabem falar disso como algo prescrito, normatizado, não encontram referência para essa regulamentação em documentos ou na fala de representantes da Igreja.

Chegou-se à conclusão de que a sexualidade está intimamente relacionada à crença religiosa, ainda que essa relação não apareça diretamente na fala das participantes. Embora sejam atuantes em movimentos da Igreja, as colaboradoras desconhecem as orientações da Igreja relativas à sexualidade, ou se conhecem não relacionam as duas. Foi possível inferir, a partir das modalidades de crença religiosa, correspondência com a vivência da sexualidade. A religião sustenta essa vivência: Crença perceptiva – Religião autoriza a vivência da sexualidade; Crença emocional – Concepção idealizada da sexualidade; Crença ético-moral – Sexualidade utilitária (procriação).

(9)

This dissertation aims to comprehend the possible relations between the kInd of religious belief by J.B. Pratt and the livIng of sexuality from the experience of actIng women of the Catholic Church In Paracatu/MG. To fulfill the work, it was used the Pratt Questionnaire about religious belief, by J.B Pratt and semi-structured Interviews to Investigate the female sexuality. The methodology was phenomenological orientation.

By the time this research was made, it was tried to show the psychology studies about religion and sexuality, and it was noticed a diversity of sights from the sciences, but at the same time, it was noticed a great Interest In comprehend them, nowadays.

Three Interviews were made and two questionnaires were answered, with three married catholic women, that act In the church movements. The modality of religious faith more found In the collaborators it was the emotional faith, followed by the practical or moral and of the traditional (primitive). They live the religion In your practice, they don't look for In their conduct code, but the communion with God. The moral code of the Catholic Church is present for all, however, they don't know how to speak of that as somethIng prescribed, established. They don't fInd reference for that regulation In documents or In the representatives' of the Church speech.

As a conclusion, this dissertation shows that sexuality is Intimately related to the religious belief, although this relation doesn’t appear directly on the participants’ speech. Although they are active In movements of the Church, the collaborators ignore the orientations of Church to the sexuality, or one know they don't relate the two. It was possible to Infer startIng from the modalities of religious faith, correspondence with the existence of the sexuality. The religion sustaIns that existence: Perceptive faith - Religion authorizes the existence of the sexuality; Emotional faith - romantic conception of the sexuality; Ethical-moral faith - utilitarian Sexuality (procreation).

(10)

DEDICATÓRIA iv

AGRADECIMENTOS v

RESUMO viii

ABSTRACT ix

INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO 1

RELIGIÃO, PSICOLOGIA E CRENÇA RELIGIOSA 22

1.1 - RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E POSSÍVEIS LEITURAS 22

1.2 - UM ESPAÇO ABERTO? PSICOLOGIA E RELIGIÃO 26

1.3 - CRENÇA RELIGIOSA EM JAMES BISSET PRATT

1.3.1 - Crença Perceptiva

1.3.2 - Crença Intelectual

1.3.3 - Crença Emocional

1.3.4 - Crença Ético-Moral

34

44

45

47

49

CAPÍTULO 2

SEXUALIDADE 52

2.1 - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA SEXUALIDADE 52

2.2 - FREUD E O ESTUDO DA SEXUALIDADE HUMANA 60

2.2.1 - Freud e as mulheres – sua vida e sua obra 64

2.2.2 - Sexualidade Feminina 68

2.3 - SEXUALIDADE E RELIGIÃO 73

(11)

PROCESSO DE INVESTIGAÇAÕ EM CAMPO 92

3.1 - OBJETIVOS 92

3.1.1 - Objetivo geral

3.1.2 - Objetivos específicos

92

3.2 - FUNDAMENTAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA FENOMENOLOGIA 92

3.2.1 - Pesquisa e Fenomenologia 96

3.3 - COLABORADORAS 101

3.4 - INSTRUMENTOS DE PESQUISA 103

3.4.1 - Questionário Pratt sobre crença religiosa 103

3.4.2 - Entrevista semi-estruturada 105

3.5 - PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO 107

3.6 - PROCEDIMENTOS DE SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

110

CAPÍTULO 4

ANÁLISE COMPREENSIVA DOS RESULTADOS 115

4.1 - RELIGIOSIDADE E CRENÇA RELIGIOSA 4.1.1 - Análise descritiva

4.1.1.1 - Caso Aline

4.1.1.2 - Caso Bárbara

4.1.1.3 - Caso Clara

4.1.2 - Discussão

115

118

118

122

126

132

4.2 - SEXUALIDADE 4.2.1 - Análise descritiva

137

(12)

4.2.1.2 - Caso Bárbara

4.2.1.3 - Caso Clara

4.2.2 - Discussão

140

145

148

CAPÍTULO 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS 159

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 163

ANEXOS

Anexo A – Termo de consentimento livre e esclarecido 169

Anexo B – Questionário Pratt sobre crença religiosa (adaptado) 170

Anexo C – Roteiro de entrevista 172

Anexo D – Questionários Pratt respondidos 173

(13)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho parte de uma inquietação em relação ao

comportamento de mulheres educadoras em cursos de capacitação em

Educação Sexual e Educação Religiosa em Paracatu/MG. Nesses cursos,

eram trabalhados temas como sexualidade; valores; projetos pedagógicos;

auto-estima; comunicação; socialização de experiências; assim como a própria

prática do ensino religioso e da educação sexual em sala de aula.

Em ambos os casos, Educação Sexual e Educação Religiosa, mesmo

sendo o primeiro bastante específico, trabalhar temas relativos à sexualidade

era por demais penoso para a maioria das participantes (nos dois cursos foram

registradas as presenças de apenas três homens, dois em Educação Sexual e

um, em Educação Religiosa). Constatou-se que, em pleno século XXI, discutir

sexualidade ainda é um tabu. Quando associada à religiosidade, então, o

“fardo” torna-se ainda mais pesado. Parece que o corpo, templo sagrado, é

visto apenas como espaço de reprodução, destituído de prazer. Um corpo

humano? Difícil vê-lo assim, pois torna-se o corpo do pecado. Dessa forma,

prazer, iniciação sexual, masturbação, gênero, sexo, afeto, quando discutidos à

luz da religião ou formas de vivenciar a religião, a religiosidade, a crença

religiosa, podem ser considerados temas proibidos, censurados, provocadores

de constrangimento.

É difícil encontrar questões que representem melhor o homem que

sexualidade e religião. Somente o homem é capaz de significar o ato sexual

(14)

capacidade de subjetivar, vai além do concreto e escancara a sexualidade

como possibilidade de prazer. Que outro animal, além do homem, é capaz de

adorar e temer a Deus? Que outra espécie tem a religião como forma de

conhecer o mundo e a si mesma? Partindo-se dessas indagações,

questiona-se: Por que é tão difícil estabelecer um diálogo entre sexualidade e crença

religiosa, já que são temas tão humanos?

Ao abordar tais questões, torna-se interessante destacar o descaso da

Psicologia, nas últimas décadas do século XX, com a religião. A psicologia,

como uma ciência que se diz humana, relegou por muito tempo o tema religião

à marginalidade. Mais importante, ainda, é considerar esse descaso a partir da

construção da psicologia como ciência, quando encontramos sua raiz vinculada

à religião. Wundt, considerado pai da Psicologia científica, por ter fundado o

primeiro laboratório de psicologia experimental em 1879, demonstrou grande

Interesse sobre a questão religiosa. Seu interesse é observado na escrita de

três volumes sobre religião e mitologia. Entretanto, nem mesmo esse vínculo

inicial entre psicologia e religião foi suficiente para sustentar a permanência da

religião como tema afeto à psicologia.

Nas quatro décadas posteriores à constituição da psicologia como

ciência, houve intensa pesquisa relacionada à religião. Da mesma forma, foi

intensa a produção científica, percebendo-se a ansiedade em definir a

Psicologia da Religião, e também a pretensão de responder às questões desse

novo campo. Justamente nessa sede de investigação da intimidade humana,

que algumas vezes confundiu-se com preocupações de ordem teológica,

(15)

Psicologia, pois o cenário positivista exigirá desta nova ciência que seja

empírica e objetiva. Foi preciso, portanto, para que ela garantisse o seu

estatuto de ciência, realizar uma limpeza conceitual e temática, eliminando o

que excedia em subjetividade.

A partir de 1920, aproximadamente, a preocupação com o método

científico faz com que a Psicologia relegue a segundo plano temas relativos à

religião. Em um ambiente positivista, preocupado com mensuração,

quantificação, observação e controle, a religião passa a ser um tema

excessivamente subjetivo para ser discutido pela Psicologia. Percebe-se aqui

uma submissão daquilo que é íntimo à necessidade de um saber científico: “O sujeito vive mais uma ruptura: sua condição paradoxal não permite uma total concordância com espírito científico, dificultando, assim, o estabelecimento da ciência do ‘íntimo’” (Moreira, 1997, p. 19). Paiva (1989) relata que foi nos Estados Unidos que a Psicologia da Religião se caracterizou como

empreendimento científico, fugindo à órbita da Teologia.

Ribeiro (2004) chama a atenção para o temor da Psicologia de perder

seu caráter científico a partir da introdução de Deus (religião) no seu repertório

investigativo, tornando-se, assim, “prisioneira de suas próprias certezas”

(Ribeiro, 2004, p. 14).

Embora a psicanálise não comungue desse mesmo ideal positivista,

nem tampouco de suas preocupações em relação à mensuração, a

receptividade da religião pela psicanálise não é amistosa. Na Psicanálise

freudiana, a religião tende a ser patologizada, abordada de forma pessimista e

(16)

Em “O futuro de uma ilusão”, Freud (1927) refere-se à influência das idéias religiosas como um problema psicológico e questiona onde essas

doutrinas encontram a sua força interior e a que se deve a sua eficácia. Ao se referir à origem psíquica dessas idéias, descreve-as como ilusões,

provenientes dos “(...) mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade” (Freud, 1927, p. 43), e localiza o seu segredo na força desses desejos. Para tanto esclarece que

(...) a impressão terrificante de desamparo na infância despertou a necessidade de proteção – de proteção através do amor –, a qual foi proporcionada pelo pai; o reconhecimento de que esse desamparo perdura através da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez, porém, um pai mais poderoso. (...) Constitui alívio enorme para a psique Individual se os conflitos de sua Infância, que surgem do complexo paterno – conflitos que nunca superou Inteiramente –, são dela retirados e levados a uma solução universalmente aceita. (Freud, 1927, p. 43)

A partir desse delineamento, do abandono e desamparo infantil à

resolução desses conflitos, Freud explicita o que quer dizer quando fala de uma

ilusão. Retira desta o caráter de erro e aponta como sua característica básica o

fato de ser derivada dos desejos humanos, sem precisar ser falsa, irrealizável

ou contraditória. Ao abordar a ilusão como irrealizável, aproxima-a da crença,

afirmando ser possível chamar a crença de ilusão, porque esta também parte

do desejo e despreza as relações com a realidade, sem preocupar-se com a

sua verificação. Ao fazer esse percurso de aproximações entre crenças e

(17)

incapazes de correção e incompatíveis com a realidade do mundo, são

comparadas aos delírios.

Freud retoma a questão da religião como um delírio em O mal-estar na cultura (1930), e afirma que aqueles que têm um delírio não o reconhecem como tal. Faz um percurso pelos processos utilizados pelo homem em relação

ao seu propósito de vida. Na verdade, destaca o esforço pela conquista e

permanência na felicidade, que se apresenta sob dois aspectos: “por um lado, visa a ausência de sofrimento e de desprazer, por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer” (Freud, 1930, p. 94).

Um dos caminhos utilizados para alcançar esse propósito é a correção

de determinados aspectos do mundo e da realidade que são insuportáveis,

introduzindo esse delírio (correção) na realidade. Freud considera

(...) que a tentativa de obter uma certeza de felicidade e uma proteção contra o sofrimento através de um remodelamento delirante da realidade, é efetuada em comum por um considerável número de pessoas. As religiões da humanidade devem ser classificadas entre os delírios de massa desse tipo. (Freud, 1930, p. 100)

O pai da psicanálise assinala que a felicidade, dentro do que se acredita

como possível, “(...) constitui um problema de economia da libido do indivíduo”

(Freud, 1930, p. 103). Para ser salvo, então, o homem precisa por si mesmo,

descobrir o como, pois não existe uma receita única para todos. Assim, critica a

(18)

constituição psíquica, determina-se como única forma de salvação, de obter

felicidade e proteger-se contra o sofrimento.

Nesse mesmo texto, Freud apresenta as três fontes do sofrimento

humano: estar submetido ao poder superior da natureza, a fragilidade em que

se encontram nossos próprios corpos e, por fim, “(...) a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na Sociedade” (Freud, 1930, p. 105).

Esse último é outro interesse aparente em seu texto: entender a maneira

pela qual nossos relacionamentos mútuos são regulados. Nesse ponto, Freud

impressiona-se com a semelhança entre os processos civilizatórios e o

desenvolvimento libidinal do indivíduo. Afirma que as pulsões são induzidas

“(...) a deslocar as condições de sua satisfação, a conduzi-las para outros caminhos” (Freud, 1930, p. 118). Esse processo de deslocamento da satisfação coincide com a sublimação. Segundo Freud, a sublimação pulsional

“(...) constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; é ela que torna possível às atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, o desempenho de um papel tão importante na vida civilizada” (Freud, 1930, p. 118).

Freud apresenta ainda como tendência da civilização, além de ampliar a

unidade cultural, restringir a vida sexual. Entretanto, alerta que nem toda

cultura funciona da mesma forma, relatando a influência da estrutura

(19)

ser retirada da sexualidade” (Freud, 1930, p. 125). Daí, portanto, a importância da sublimação. O autor complementa ainda que cada conquista era sancionada

pela religião, pois cada renúncia de satisfação pulsional era oferecida a uma

divindade como um sacrifício. O proveito daí obtido pela comunidade foi

declarado “santo”. Em contrapartida, aquele que não consegue suprimir suas

pulsões é visto como um criminoso. (Freud, 1908)

Vimos, assim, que a religião é tratada pela psicanálise numa perspectiva

psicopatológica. A sexualidade, todavia, não recebe o mesmo tratamento, ela

emerge na teoria de Freud em meio a críticas, mas vem sendo amplamente

estudada desde então. Religião e sexualidade são tratadas em O mal-estar na cultura, entretanto são vistas de formas diferentes no processo de aquisição da cultura. Ao contrário da religião, que teve seus estudos marginalizados, a

sexualidade entrou pela porta da frente. A despeito de toda influência da

Psicanálise, tanto no sentido de desvelar a sexualidade, quanto no de

patologizar as questões religiosas, porque via a religião como uma ilusão, esta

última continua a fazer parte da vida cotidiana do indivíduo.

Nos cursos de capacitação, foi possível observar a dificuldade

encontrada pelas mulheres em falar de sexualidade. Mas, em contrapartida,

falar de sua crença religiosa e religião era extremamente fácil, mesmo havendo

divergência de crenças. Temos aqui um espaço de contradição. Ambas,

sexualidade e crença religiosa, só têm sentido num dado contexto

sócio-cultural, num determinado momento histórico. A sexualidade aparece como um

tabu social, mas não científico, e a religiosidade como um tabu científico, mas

(20)

A presente pesquisa busca, então, estudar, sob a luz da Psicologia, a

sexualidade feminina relacionada à sua vivência religiosa. Temos, atualmente,

um retorno da Psicologia ao estudo da religião, o que torna propício o momento

para propor um diálogo entre os temas da sexualidade e religiosidade. Em

relação às questões sexuais, percebe-se uma perda de terreno da religião

sobre o domínio da sexualidade, por não ter se adaptado “(...) às novas circunstâncias e ao novo quadro normativo que, gradualmente, se impôs na forma de encarar a sexualidade” (Pacheco, 2003, p. 45). Além disso, não podemos descartar o papel influenciador, seja positivo ou negativo, exercido

pela religião, na vivência sexual do homem.

Dessa forma, a proposta é estudar a sexualidade feminina a partir da

crença religiosa, e de como esta pode ou não se relacionar à expressão da

sexualidade da mulher em relação ao prazer, iniciação sexual, amor,

afetividade, matrimônio e sexo. A intenção não é responsabilizar uma (religião)

pelo que acontece ou pela forma como acontece a outra (sexualidade), mas

relacioná-las, investigando o quanto da religião e o como a crença religiosa

está presente na ou se relaciona com a vivência da sexualidade.

Iniciaremos o estudo apresentando alguns esclarecimentos conceituais

acerca do tema e, a partir disso, discutimos a possibilidade de um diálogo entre

Psicologia e Religião. Fecharemos o capítulo, então, apresentando o aporte

teórico oferecido por J. B. Pratt (1907, 1921), e sua descrição das quatro

modalidades de crença religiosa, uma vez que um dos Instrumentos utilizados

(21)

No capítulo seguinte abordaremos a sexualidade. Nele, apresentaremos

uma introdução ao estudo da sexualidade humana, em que são abordados

também os possíveis olhares. Faremos em seguida um percurso pela teoria

psicanalítica de Freud sobre a sexualidade humana, destacando a sua

contribuição. Como o presente estudo se interessa pela sexualidade feminina,

apresentaremos a construção freudiana da mesma. Finalizamos o capítulo

relacionando sexualidade e religião.

O terceiro capítulo traz os fundamentos metodológicos que Inspiram o

trabalho, que são de cunho fenomenológico. Nele, destrinchamos a pesquisa

propriamente dita, apresentando suas colaboradoras, instrumentos utilizados,

procedimentos de sistematização e análise dos dados. A partir desses dados,

(22)

CAPÍTULO 1

RELIGIÃO, PSICOLOGIA E CRENÇA RELIGIOSA

1.1- RELIGIÃO: DEFINIÇÕES E POSSÍVEIS LEITURAS

Conceituar Religião não é tarefa fácil, uma vez que cada ciência ou

abordagem lança sobre ela um olhar. Além dos vários olhares, afoitos por

defini-la e tomá-la como propriedade, o seu próprio vocábulo dá margem a

variadas significações, atendendo aos anseios culturais, sociais e até mesmo

científicos (Martins, 1999).

Vários estudiosos da religião buscam a sua definição. Hostfee (2002)

destaca a existência de cerca de 180 definições do termo, sendo que a grande

maioria busca a universalidade e uniformidade no estabelecimento de um

significado fixo. O autor chama a atenção para o risco que se corre na fixação

de um significado único porque, ao desprezar as diferenças sociais e

singularidades individuais, a leitura fica incompleta. Nesse sentido, faz uma

analogia com as ciências naturais ao apontar a influência de pequenos

organismos do ecossistema marinho nas mudanças globais do nosso clima.

Segundo o autor, a observação dos pequenos fatos tem muito a dizer sobre as

(23)

aspecto, valendo-se de um argumento de Clifford Geertz, o autor diz que a

questão é encontrar a religião e não defini-la.

Encontramos em Abbagnano (1960/1982) não só a mesma preocupação

conceitual, mas também uma preocupação com o problema da origem da

religião a partir da validade atribuída à mesma. De acordo com o filósofo,

existem três doutrinas que dão origem à religião: a divina, a política e a

humana. A doutrina da origem divina aborda a religião como uma revelação, a

experiência do divino. Na origem política, a religião funcionaria como

reguladora do comportamento. Já a origem humana relaciona as raízes

religiosas à situação do homem no mundo, que se compromete em

compreender a religião como um fenômeno humano. Outro problema por ele

levantado relaciona-se às funções atribuídas à religião. São elas: garantir a

salvação do homem e libertação do mundo e oferecer um sistema de crenças e

Instituições que fortaleçam a organização social. Em busca de uma melhor

compreensão, façamos, então, um percurso.

Etimologicamente, encontramos duas raízes para o termo religião:

relegere e religare. Consultando o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), é possível encontrar uma raiz extensa, o que torna complexa sua

(24)

Abbagnano (1960/1982) toma relegere como cumprimento consciencioso de um dever, portanto, uma obrigação. Da mesma forma MartIns

(1999), ao citar Cícero, traz religio remetendo a relegere, donde religião “(...) significaria então pudor e recolhimento, escrúpulo e delicadeza de consciência, cumprimento do dever para com coisas e pessoas, culto dos deuses” (Martins, 1999, p. 676). Esse autor ressalta, entretanto, que na Bíblia não se encontra

nenhuma palavra correspondente a essa idéia, sendo essa definição de Cícero

uma forma de fazer valer “(...) a fé e a prática cristãs (...) o culto do Deus único e verdadeiro” (Martins, 1999, p. 676). Lactâncio e Santo Agostinho defendem que a origem de religião deriva do étimo Religare (citado por Abbagnano, 1960/1982), que seria uma ligação com Deus; com o que é da ordem do

sagrado. Assim, Religião seria uma “atitude de piedade e devoção que une os homens a Deus” (Martins, 1999, p. 676).

Martins acrescenta ainda duas correntes que definem a Religião:

funcional e substantiva. A definição funcional, dominante na sociologia,

apóia-se em autores como Durkheim, Berger, René Girard e Marcel Gauchet. Essa

definição “(...) preocupa-se, sobretudo, com a função social, política, econômica, etc. assumida pelas instâncias religiosas” (Martins, 1999, p. 678). Nesse sentido, a religião responde a uma necessidade de legitimar e justificar o

grupo social.

Para Durkheim, a religião é um fenômeno social integral, em sua origem,

conteúdo e finalidade. Segundo o autor, a representação religiosa é coletiva e,

como tal, exprime uma realidade coletiva; não se limita a enriquecer, com certo

(25)

formá-lo (Durkheim, 1912/1960). Em sua visão antropológica da religião,

aborda-a como uma das formas encontradas pelo homem de chegar ao

conhecimento de mundo, sendo que as primeiras representações de mundo e

de si foram feitas a partir da religião. Em seus estudos, o sociólogo esclarece o

mito de que toda religião para se constituir como tal deve associar-se a uma

divindade, já que pode vir a se instituir sem necessariamente ter que contar

com a existência de deuses e espíritos. A religião, por si só, não precisa do

apoio de divindades, porém, exige de seus fiéis “ação, renovação constante dos efeitos e influências provocados pela prática, através do culto, da missa”

(Durkheim, 1912/1960, p. 494). Para o autor, a prática da religião é uma forma

de criação e recriação constante da própria crença, bem como uma forma de

experimentá-la e exteriorizá-la.

Geertz aborda as contribuições de Durkheim, Malinowski e Weber sobre

a sociologia da religião, para os quais “religião é um fenômeno característico de todas as sociedades humanas passadas, presentes e futuras” (Geertz, citado por Boudon e Bourricaud, 2000, p. 463), e destaca o tratamento da religião

como um fato social e, portanto, humano. Assim, a experiência religiosa

encarna no tecido da ação social, que lhe dá sentido. Na sociologia de Weber,

é destacada a importância atribuída às orientações religiosas para o

funcionamento das sociedades modernas. Assim, recusa as formas mais

ingênuas do evolucionismo que vêem na religião uma forma, por assim dizer,

(26)

A definição substantiva, por sua vez, tem como principais representantes

R. Otto e M. Eliade, que embora não ignorem a função social (funcional) da

religião, destacam seu caráter relacional com o absoluto (Martins,1999).

Comumente encontramos religião definida como crença em forças

sobrenaturais criadoras do universo, que devem ser seguidas, adoradas. Mas a

crença por si só é insuficiente. É preciso também professá-la através de ritos

ou seguimento de uma doutrina.

Nesse sentido, é possível perceber a ligação da religião com algo

superior, um dever sagrado, algo que deve ser seguido. Algo que ajuda na

significação da vida, em sua atribuição de sentido, minimizando os sofrimentos

desta. Essa noção possui um caráter individual, mas se não puder ser

compartilhada perde seu sentido. A literatura científica afirma que nenhum

povo ou época viveu sem alguma forma de religião. Cultos e ritos comprovam

que nenhuma sociedade é a-religiosa (Brugger 1987).

Ao abordarmos a religião a partir das contribuições desses autores,

vimos o quão intrincado esse assunto está à vida do homem. Propomos então,

um diálogo entre Psicologia e Religião.

1.2- UM ESPAÇO ABERTO? PSICOLOGIA E RELIGIÃO

Os estudos e reflexões acerca da religião e sua compreensão

psicológica têm sua origem remota, uma vez que o homem desde sempre

esteve voltado a investigar questões relativas à sua existência. Mesmo com

(27)

por muito tempo excluída dos estudos da psicologia. Era um tema rechaçado,

descartado das reflexões sobre a interioridade humana. O “mundo científico”,

durante muito tempo, manteve certo afastamento das “coisas da religião”.

Rubem Alves (1984, p. 10) destaca essa postura discriminadora ao apontar

que a religião já “não pode freqüentar aqueles lugares que um dia lhe pertenceram: foi expulsa dos centros do saber científico e das câmaras onde se tomam as decisões que concretamente determinam nossas vidas”.

São vários os conceitos de religião, várias as formas de se interpretar

sua vivência. Com toda dificuldade ou incredulidade, as religiões continuam

presentes na vida dos homens. Percebemos que, embora Freud (1927) tenha

considerado a religião uma ilusão, prevendo o seu fim, apontou também que

nada daria conta da incompletude humana, pois o homem é um ser de falta,

sempre desejante.

O momento atual é fecundo para o estudo da religião, quando se

percebe no meio acadêmico da Psicologia um retorno do assunto, e um

crescente interesse pela Religião em todas as áreas do conhecimento humano.

Como afirma Ribeiro (2004), a Psicologia é a ciência mais próxima da Religião,

e não pode, portanto, manter-se à margem desse estudo. O autor afirma que

não há

(28)

Recentemente, vários estudiosos, tais como Holanda (2004); Ribeiro

(2004); Paiva (2004, 2002); Giovanetti, Freitas (2004, 2002); Ancona-Lopez

(2001); Vergote (2001); Amatuzzi (2001); Mahfoud (2001); Valle (1998), dentre

outros, têm voltado seu olhar para as religiões, principalmente considerando as

chamadas questões existenciais a que se propõem responder. O homem busca

insistentemente respostas para suas incertezas: Quem eu sou? De onde vim?

Pra onde vou? O que acontece após a morte? Deus existe? Qual o sentido da

minha existência? Essas questões permeiam a existência humana, portanto,

não podem ser ignoradas. Amatuzzi (1999) aborda a experiência religiosa

nesse sentido, como campo das Indagações últimas, ou seja, indagações por

um sentido, “(...) sobre tudo o que acontece, tudo o que existe e nos acontece”

(Amatuzzi, 1999, p.127), o que, em outro momento, o autor chamou de senso

religioso, que se refere às questões de sentido de base, de busca pelo que

transcende.

Não cabe julgar se existe uma verdade absoluta por trás disso tudo, mas

considerar o que faz parte do contexto humano: a religião como forma de

expressão. O homem não se satisfaz apenas com comida, abrigo, vive em

busca de sentido para sua existência, para seu estar no mundo. Adélia Prado

(1999, p. 17) nos fala dessa inquietação com singular poesia, afirmando que a

(29)

básicas do homem, de responder e explicar intrinsecamente seus anseios,

dúvidas, medos, seus questionamentos de mundo, na existência das religiões.

Valle também faz Incursões nesse campo e afirma que

a dinâmica psicoexistencial humana parece jogar o ser humano, das mais variadas maneiras, em direção ao que é e possui de mais profundo e próprio: o horizonte de sentido que o transcende. É como se o homo sapiens não pudesse deixar de ser homo religious. (Valle, 1998, p. 40)

Atualmente, o modelo positivista, mais preocupado com a explicação,

perde espaço para a compreensão do sentido existencial que os enunciados

religiosos adquirem no “(...) âmbito do sensível e do vivido especificamente humanos” (Freitas, 2005, p.1). Se a religião é um fenômeno humano e a Psicologia a ciência que, por mérito, estuda esse fenômeno – humano e, por

que não, religioso? – deve-se estudá-lo em sua totalidade e abarcar, então, a

religião e suas formas de expressão.

Para a Psicologia como ciência, é imprescindível estabelecer um diálogo

com o universo religioso. Encontramos registros de pesquisas científicas que

buscam estabelecer a relação entre Ciência e Religião, mais especificamente

entre cientistas e religião. Um dos pioneiros é o psicólogo suíço, James Leuba

(citado por Paiva, 2002), que realizou uma pesquisa sobre a fé de cientistas em

dois momentos: 1916 e 1933. Em 1997, Larson e Witham, realizaram o mesmo

(30)

qualquer outra época” (Paiva, 2002, p. 563). É Interessante associar essa constatação ao processo de construção do espaço psi e o anterior Sujeito Epistêmico. Se, para ser puro e digno de confiança, é preciso tirar do homem

toda subjetividade, que venha o homem científico, sede da verdade, base para

uma construção científica. O homem, como pesquisador que almeja conquistar

o status de uma ciência, precisa, então, se enquadrar nos seus critérios. Em pesquisa realizada com docentes-pesquisadores da USP, observou-se que os

conflitos vivenciados por esses em relação à ciência e à religião “(...) revelam-se não como conflitos científicos, mas como conflitos humanos” (Paiva, 2002, p. 567).

O diálogo com o universo religioso não só pode como deve ser

estabelecido, por mais simples ou complexas que sejam as questões

abordadas. Ancona-Lopez (1999) discute a importância da religiosidade sob o

enfoque de Shafranske e Malony. Destaca, por exemplo, a necessidade de se

considerar o contexto cultural na formação da subjetividade, sendo importante

para o profissional psi saber lidar com as diferenças concernentes ao homem. Questões como gênero, cultura, etnia, classe social, religião, orientação sexual,

devem ser respeitadas para promoverem a valorização da individualidade e

ocasionar melhor exercício profissional.

Um outro ponto discutido pela autora é o fato de a crença religiosa

mostrar-se cada vez mais presente na vida das pessoas. Esse é um dado

presente nos últimos censos nacionais, nos quais se destaca que grande parte

(31)

religiosa de cada um, as representações de Deus, as crenças que funcionam como eixos de organização Interna, as convicções que norteiam atitudes e comportamentos diante de conflitos, etc” (Ancona-Lopez, 1999, p. 74).

Essa consideração exige por parte do profissional um distanciamento de

suas crenças pessoais, principalmente considerando a crença religiosa como

uma forma singular de apropriação da religião.

Ainda sobre esta questão, Valle salienta o espaço ocupado pela religião

como “(...) um lugar especial no conjunto da cultura, mas não” como “um sistema fechado”, pois “recebe a influência do meio exterior e transforma-se à medida que esse mesmo meio muda” (Valle, 1998, p. 134) O autor assinala a pesquisa da Psicologia em relação à religião, destacando a religiosidade como

sua face subjetiva. Esclarece, ainda, que religião e religiosidade

(...) acontecem no jogo das múltiplas relações que se estabelecem entre o sujeito religioso, o grupo religioso ao qual se afilia e o universo de crenças e valores vigentes naquela dada sociedade, grupo ou época, considerados, Inclusive, seus respectivos modelos civilizatórios e respectivos estágios de desenvolvimento tecnológico-científico e político-organizativo. (Valle, 1998, p. 260)

Como já vimos, em se tratando de religião e temas a ela relacionados,

corre-se o risco da confusão de conceitos e definições, não só do termo

religião, como da religiosidade e da própria crença religiosa. O objeto desta

pesquisa é a crença religiosa. Entretanto, esta “faz parte” da religião e da forma

particular de vivenciá-la. Isso exige, portanto, que se aborde a religiosidade em

(32)

A religiosidade pode ser definida como comportamentos e crenças

associados à religião. Dentro dessa abordagem, é preciso considerar a

religiosidade em seu aspecto multidimensional, ou seja, existem várias formas

de vivenciar subjetivamente e expressar a crença. Valle considera que “(...) a religiosidade, enquanto experiência subjetiva, deve ser distinguida da religião, que é sua matriz Instituída.” (1998, p. 41) A religião é, portanto, uma forma comunitária Institucionalizada, e a religiosidade a forma Individualizada de

expressá-la. Ambas têm funções psicológicas e socioculturais diferentes, mas

se completam. O dicionário Houaiss descreve a religiosidade como “qualidade do que é religioso; tendência para os sentimentos religiosos, para as coisas sagradas; conjunto de escrúpulos religiosos ou de valores éticos que apresentam certo teor religioso” (Houaiss, 2001, p. 2422).

Ao se conceituar religião, observa-se seu caráter coletivo, a necessidade

de ser propagada e comungada por um grupo de pessoas. Já a religiosidade é

significada individualmente como parte do sagrado dentro de um contexto

claro, mas sua vivência é singular; a religiosidade permite que a religião seja

significada pelo sujeito.

A religiosidade está relacionada ao que Amatuzzi chamou de “grau de enraizamento da religião ou forma religiosa” (Amatuzzi, 2001, p. 17), que está relacionada ao maior ou menor grau de envolvimento da pessoa com a religião,

o que influencia, de certa maneira, sua visão de mundo e a sua visão concreta.

Em relação à motivação religiosa, é possível caracterizar duas

abordagens: substantiva e funcional. GoldsteIn e Sommerhalder caracterizam a

(33)

“atenção ao aspecto espiritual da experiência individual e aos esforços pessoais para uma aproximação com a divindade” (GoldsteIn e Sommerhalder, 2002, p. 950). Nessa dimensão, a religiosidade é um fim em si mesma. Já a

abordagem funcional, é caracterizada pelas autoras como aquela que “enfatiza o papel da religiosidade como auxílio para dar significado perante o desconhecido, bem como seus efeitos reguladores no Indivíduo, na família e na sociedade”“meio para atingir um fim, seja ele um controle social ou auxílio psicológico.” (GoldsteIn e Sommerhalder, 2002, p. 950)

Segundo ainda a dimensão motivacional, a religiosidade pode ser

dimensionada como: intrínseca e extrínseca, conceitos introduzidos por Allport

(1967). A dimensão intrínseca considera a pessoa genuinamente religiosa,

aquela que “internalizou suas crenças de forma que a religião é parte Integrante da sua vida”, e a extrínseca, a “pessoa que usa a religião para atender às suas necessidades pessoais de segurança e autoproteção”

(GoldsteIn e Sommerhalder, 2002, p. 950).

Allport (1967), ao abordar a dimensão substantiva da religião, apresenta

dois pólos motivacionais: extrínseco e intrínseco. O autor ressalta que as

pessoas que professam uma religião podem oscilar em alguns momentos entre

um pólo e outro, o que dificulta encontrar uma motivação religiosa pura, seja

ela Intrínseca ou extrínseca. No pólo motivacional extrínseco, a religião é

utilizada para todos os fins, com finalidades pessoais como: segurança,

socialização, distração e status, mas também como espaço para Deus. No pólo intrínseco, a religião já aparece como motivo maior. As pessoas

(34)

prescrições da sua religião. Percebe-se o valor da religião em suas vidas e, ao

contrário da motivação extrínseca, existe um esforço pessoal e busca da

transcendência das necessidades pessoais. Na motivação extrínseca, a

religião é utilitária; o fiel não se sente obrigado a freqüentá-la, mas usufrui do

que a religião possa lhe oferecer.

Religião, religiosidade e crença religiosa são conceitos afins e

complementares. Fizemos uma breve incursão abordando a religião e sua

expressão por meio da religiosidade e dedicaremo-nos, no próximo sub-item,

ao estudo da crença religiosa segundo J. B. Pratt (1907), conceito com o qual

trabalharemos nesta pesquisa.

1.3- CRENÇA RELIGIOSA EM JAMES BISSET PRATT

Como o principal instrumento de investigação desta pesquisa é o

Questionário Pratt sobre crença religiosa, de J. B. Pratt, empregaremos sua teoria sobre crença religiosa para fundamentar este trabalho. Viu-se que o

momento atual é fecundo para se estudar a religião com base na Psicologia.

Há um nítido movimento de retomada de questões afetas à religião. J. B. Pratt

é considerado, assim como William James e Wundt, um dos pioneiros nos

estudos da Psicologia da Religião. O instrumento investigativo por ele

construído tem sido adaptado para os dias atuais e empregado em pesquisas

(35)

desenvolvimento de sua tese de doutoramento, que teve como objetivo

investigar as crenças religiosas de estudantes de Psicologia relacionadas a

características de personalidade, associando o Questionário Pratt sobre crença religiosa ao teste de Rorschach. Dando continuidade aos seus estudos, atualmente coordena um projeto de pesquisa na Universidade Católica de

Brasília – UCB, no âmbito do qual alunos de Iniciação científica trabalham na

adaptação do Instrumento para aplicação com idosos. O projeto de pesquisa

“Religiosidade e atitude diante da morte em idosos” está em andamento, tendo

sido aprovado pelo CONSEPE-UCB, em março de 2004 (Freitas et all, 2004).

Em sua tese, Freitas (2002) refere-se a estudos da psicologia no campo

da religião e cita a dissertação de mestrado de Rosmarie Rodrigues de Oliveira

Navarro, Intitulada: “A Experiência de Deus”: Uma Vivência e um Estudo com o

Questionário Pratt Sobre Crença Religiosa”, defendida no Instituto de

Psicologia da Universidade de Brasília – UnB em 2000, que também utiliza o

referido instrumento.

Outro estudo também recente é o de Conceição (2004), que adaptou o

questionário Pratt à prática desportista, investigando a crença religiosa em

atletas de handebol.

James Bisset Pratt foi um filósofo norte-americano, considerado

referência constante por suas publicações sobre psicologia e religião. Suas

principais obras, segundo Freitas (2002), foram Psychology of religious belief

(1907); What is pragmatism? (1909); The religious consciousness (1920);

(36)

Martins (1999), em seu verbete sobre Pratt, cita a metafísica dualista

desenvolvida por ele nas suas últimas obras, o que ele definiu como realismo

pessoal. O autor do verbete destaca a opção de Pratt ao propor a interação

entre alma e corpo, por considerar que a realidade mental é irredutível à

realidade física.

Freitas (2003) realiza importante leitura da obra de Pratt. Ao apresentar

seus pressupostos teóricos/filosóficos, aproxima a concepção filosófica de Pratt

– por ele Intitulada realismo pessoal – à de Descartes. Essa aproximação se dá

pela aceitação de Pratt da dualidade da natureza. Entretanto, distancia-se de

Descartes “(...) por não admitir uma consciência pura, desvinculada do corpo e do mundo – sua opção foi por uma relação interativa entre matéria e espírito”

(Freitas, 2003, p. 2).

Outro tipo de aproximação dá-se com o maior filósofo americano, Peirce,

pela sua concepção triádica em relação à natureza da crença. As raízes

fundamentais dessa crença podem ser encontradas no que Pratt (1907)

chamou de fundo de sentimento vital, que será discutido neste trabalho

posteriormente. Outra aproximação com Peirce dá-se pela qualificação da

intuição.

A autora aproxima-o também da fenomenologia de Husserl e

Merleau-Ponty, quando da proposta de Pratt de uma superação do hiato entre a

(37)

Em The religious consciousness, Pratt faz conexões com a psicanálise freudiana, a partir de A Interpretação dos sonhos. Em função dessa aproximação, Pratt chega a uma melhor compreensão do fenômeno religioso.

Nesse trabalho, o filósofo americano concorda com a afirmação de Freud, ao

colocar o inconsciente como base da vida psíquica. Sendo assim, até mesmo a

crença intelectual pode estar relacionada à natureza afetiva. Desde Psychology of religious belief, Pratt (1907) argumenta que o inconsciente é a base de nossos desejos e impulsos. Entretanto, nesse momento, não faz menção a

Freud.

Psychology of religious belief é o livro no qual o autor fundamenta o instrumento de pesquisa utilizado neste estudo: o Questionário Pratt sobre crença religiosa. Portanto, far-se-á, a partir de agora, uma incursão pela obra em questão, como forma de substancializar teoricamente esta investigação.

Pratt (1907) inicia sua abordagem de forma bem-humorada, fazendo

uma brincadeira com uma suposta visita de um marciano ao planeta Terra. Ri

do provável espanto do marciano, supostamente descrente, ao se deparar com

um povo que crê,

(38)

Assim, o autor dá início às suas reflexões sobre a crença do homem,

perguntando-se “Por que os homens crêem? Em que esta crença realmente se baseia? De onde ela retira sua força e em que região de nossa vida psíquica ela está mais enraizada?” (Pratt, 1907, p. 6). Segundo o autor, essas são questões de fundamental importância, não somente para profissionais da

psicologia e sociologia, mas também para ministros religiosos, professores,

enfim, para todo amante das questões da humanidade.

Assim como Aristóteles, Pratt divide a mente humana em pensamento e

desejo. Ao fazer isso, classifica os elementos psíquicos em duas grandes

divisões, as quais chamou de racional ou cognitiva, subdividida por sua vez em

ideação e experiência sensorial – cujo conteúdo é cognitivo, passível de

representação, possível de tornar-se público, comunicável, encontrando-se no

“centro” – e não racional, também subdividida em sentimentos e fenômeno do

background, cujo conteúdo é indefinível, indescritível, pois suas experiências subjetivas e privadas não são suscetíveis de comunicação; encontram-se à

“margem”.

Em seus estudos, o filósofo debruça-se especificamente sobre a

segunda grande divisão, a não racional, por considerá-la pouco explorada, bem

como por ser a mais importante, em se tratando da vida religiosa. Interessa,

portanto, a consciência não racional e sua íntima e direta relação com a vida do

organismo. Assim, o filósofo descreve o fundo sentimental como fundo vital,

(39)

O estudioso apresenta o material psíquico não racional, a que ele

também chama de “grande massa de franja” e “pano de fundo”, como

responsável pela conotação afetiva e “colorida” na nossa vida, “(...) sem ela, ele (pensador) estaria privado de uma das mais fecundas fontes de idéias com que o homem é abençoado” (Pratt, 1907, p. 11). Assim acontece porque todo pensamento surge de um fundo de sentimento. Quando pensamos em uma

forma lógica, essa é geralmente o produto final, pois a idéia nasce e é nutrida

pelo sentimento vital.

Descrito dessa forma, temos o material psíquico como pequenas ilhas,

no caso ideação e sensação, margeadas por um imenso mar de sentimento

vital. Da mesma forma que o mar de água tem tormentas e tempestades, o mar

de sentimentos vive a arremessar conteúdos nas praias da consciência. O

autor ainda argumenta que

emoções estão constantemente indo e vindo, sugerindo um número infinito de idéias e ações; sensações normalmente subliminais ou quase, repentinamente se tornam claramente discriminadas; idéias estouram em nossas mentes sem nenhuma conexão com a esteira do pensamento em curso; a solução de um problema surge sem que venha junto o argumento que a apontou; o curso de uma ação que já encontramos determinado, correto, mas aparentemente não baseado na razão; intuições de todos os tipos são arremessadas do pano de fundo escuro; o jovem subitamente descobre que está apaixonado e que tem estado assim já há algum tempo sem sabê-lo; o poeta encontra o poema já semi-escrito antes de pensar em escrevê-lo. (Pratt, 1907, p. 18)

Para Pratt (1907), a nossa consciência não racional tem uma raiz

(40)

experiência sensorial (racional), nossa massa sentimental é mais velha que a

nossa própria raça. Justamente dessa massa sentimental vem nossa

capacidade de valorar o mundo à nossa volta, as pessoas, os acontecimentos,

se não fosse ela, ao Invés de valores, existiriam apenas verdades.

Ao dividir os elementos psíquicos conscientes em racionais e não

racionais, o pesquisador fundamenta o posterior estudo da natureza da crença,

principalmente considerando a massa sentimental e sua origem “primitiva”,

quando afirma, por exemplo, a crença do homem, de todas as épocas, em uma

natureza divina, sagrada. Ao partir para a descrição da natureza geral da

crença, o filósofo alerta para o fato de que “a vida, o mundo real de nossa experiência imediata é muito diferente de qualquer narrativa sobre ela” (Pratt, 1907, p. 30). Portanto, em processo de Investigação deve-se “deixar de lado todas as pretensões de apresentar o mundo tal qual ele é para a experiência imediata” (Pratt, 1907, p. 30).

Ao apresentar os conteúdos racionais e não racionais, o autor alerta

para o fato de que a vida não é passível de divisão; essa ocorre para fins

meramente analíticos, pois “ideação e experiência sensorial e fundo sentimental nunca são encontrados isolados uns dos outros, porém juntos formam uma unidade, que é nossa vida consciente” (Pratt, 1907, p. 31). Dessa forma, introduz as três modalidades de crença religiosa de que trata na obra de

1907: perceptiva, intelectual e emocional. Alerta, entretanto, que essas

modalidades não são encontradas tão explicitamente separadas umas das

(41)

totalmente desprovida de sentimento, e quase toda crença da vida adulta é, em certa extensão, intelectual” (Pratt, 1907, p. 31).

Antes de descrever suas modalidades de crença religiosa, o filósofo

preocupa-se primeiramente em definir o que é realmente uma crença,

descrevendo-a como uma “(...) atitude mental de assentir com a existência de um dado objeto” (Pratt, 1907, p. 31). Acrescenta que essa concordância pode ser articulada ou não, pode vir de uma percepção imediata da realidade, sem

questionamento prévio:

(...) pode ser a aceitação mais auto-consciente do objeto como real após a dúvida ter tornado plausível a possibilidade de sua não realidade imaginada. (...) O objeto da crença não é meramente apresentado ou representado, mas reconhecido e aceito como parte do mundo real – seja qual for o entendimento que este venha a ter. (Pratt, 1907, p. 32)

A crença influencia cada um de maneira diferenciada; é particular,

personalizada. A forma como cada um percebe os acontecimentos à sua volta

faz toda diferença. Albuquerque (1998) explica que “a decisão por uma crença não se dá em função do que objetivamente aconteceu, mas do que a pessoa percebeu em função do que aconteceu” (Albuquerque, 1998, p. 34). Interferem ainda as emoções que envolvem a crença, que permitem que uma pessoa

(42)

Isso faz com que algo tenha importância maior ou menor, dependendo de

quem crê.

Após esclarecer a crença, o autor analisa a “crença religiosa”,

compreendida em três modalidades: crença perceptiva, crença intelectual e

crença emocional. Essa concepção triádica da crença religiosa, como foi vista,

aparece em The psychology of religious belief. Entretanto, em sua obra publicada em 1920, The religious conciousness – A psychological study, a partir da análise da crença em Deus, o autor acrescenta uma nova modalidade,

assim como modifica a nomenclatura anteriormente adotada (Freitas, 2003).

Nesse trabalho, o autor descreve quatro modalidades de crença religiosa, a

saber:

1- autorizada (authoritative) ou habitual (que corresponderia àquela Inicialmente chamada de crença perceptiva), baseada sobre a credulidade natural da mente; 2- racional (que corresponderia àquela Inicialmente designada de crença Intelectual), pautada sobre formas de argumentos explícitos ou implícitos; 3- emocional, sustentada sobre as experiências afetivas, usualmente de espécie mística; e 4- volitiva (volitional), mantida pela vontade e pelo querer crer. (Freitas, 2003, p. 15)

Segundo Freitas (2003), a quarta modalidade, denominada por Pratt de

volitiva, é acrescida a partir da análise das respostas ao Questionário sobre crença religiosa, fundamentada em seus estudos anteriores a 1907. Em seus estudos sobre esse instrumento de investigação, Freitas (2003) chama a

atenção para o nível de contato com a própria intimidade exigido pelas

(43)

instrospecção auto-reflexiva por parte do sujeito, o que faz com que muitos

escorreguem pela tangente, fenômeno freqüentemente observado no meio

acadêmico. Entretanto, a autora destaca este como um fenômeno atual, pois

tal atitude escorregadia não parece ter sido obstáculo aos estudos de Pratt em

1907. Essa subdivisão em quatro modalidades vem dizer da “(...) natureza particular dos conceitos, das idéias e representações a respeito de como o espírito humano concebe, percebe, sente e usa a idéia de Deus” (Conceição, 2004, p. 30). Segundo Pratt (1921), as quatro modalidades podem ser

encontradas em toda pessoa genuinamente religiosa e em grau variado de

acordo com as circunstâncias e particularmente de acordo com a idade. O

autor caracteriza a criança, quase completamente, através da crença

tradicional (perceptiva). Já o adolescente é um exemplo da modalidade

intelectual e às vezes dos aspectos místicos, característicos da modalidade

emocional, enquanto na vida adulta qualquer uma das quatro modalidades

pode ser proeminente e, certamente, a modalidade ético-moral adquire seu

melhor desenvolvimento.

O objetivo do filósofo era investigar os fatores que apoiavam a crença

religiosa, desenvolvendo e aplicando um instrumento a variado público, na

intenção de estabelecer comparações entre as diferentes modalidades e a

diversidade da população. Seu maior interesse era investigar representantes

da crença popular, mas não conseguiu alcançar totalmente o seu intento e

questionou também sujeitos do ambiente intelectual.

Vejamos, então, as quatro modalidades de crenças, aqui denominadas:

(44)

1.3.1- Credulidade Perceptiva – Autorizada

Ao explicar a credulidade perceptiva, Pratt (1907) faz uma analogia ao

período da infância, quando a criança ainda não faz distinção entre o que é real

ou irreal, quando tudo o que chega à consciência é aceito como real, não

existindo ainda espaço para a dúvida, para o questionamento da autoridade. A

crença perceptiva, entretanto, não é uma crença limitada à infância. Para

aquele que crê perceptivamente, tudo o que é visto é acreditado, real, “é acreditado até que uma causa para dúvida surja, e a dúvida é sempre um problema secundário. (...) O objeto recém-apresentado à consciência é tido como inocente de falsidade, até que se prove o contrário” (Pratt, 1907, p. 36).

A crença perceptiva é uma postura de aceitação ingênua de tudo o que

acontece e é percebido como real; é espontânea, herdada das tradições

familiares e comunitárias (Conceição, 2004). Não acontece nenhum

questionamento dessa herança, mas sim um costume às tradições

anteriormente aprendidas. Sua base são os acontecimentos passados, a forma

como percebeu a religião e a Deus é influenciada por figuras de autoridade que

fizeram ou fazem parte da sua vida: pais, professores, igreja e/ou tradição. É

justamente essa “confiança” numa autoridade que sustenta essa atitude

religiosa.

Percebe-se claramente a relação entre a crença perceptiva e a

autoridade, que pode tanto ser um outro ser humano, como algo material

percebido através dos sentidos e, portanto, reconhecido como real. Lembramos

(45)

percepção impede a dúvida, estabelecendo como real o objeto que é

percebido.

Ao apresentar a crença na autoridade, o autor faz distinção entre dois

sentidos. O primeiro, em que a crença se estabelece pela aceitação do que é

apresentado, pelo fato de ter sido apresentado. E o segundo, que

especificamente já não pertence mais à crença perceptiva, mas faz parte da

crença Intelectual, por utilizar do argumento consciente da autoridade de uma

pessoa como razão para sustentar a crença.

1.3.2- Crença Intelectual – Racional

Na crença perceptiva não existe espaço para a dúvida. Quando esta

surge, é porque é possível que algo (objeto da dúvida) não exista. Em caso de

dúvida, somos compelidos a buscar provas, indícios de uma existência, e

justamente a partir da dúvida desponta a crença intelectual. Assim, os fatos

não são meramente aceitos, são aceitos sabendo-se porque o são. A crença

intelectual (racional) busca se livrar da autoridade, fundando-se na razão e nos

fatos da experiência verificável (Pratt, 1921).

A crença na autoridade reaparece aqui num sentido mais racionalista,

pois trata-se da autoridade da razão. A crença intelectual baseia-se em fatos

que nos são dados, de naturezas diversas, firmados na segurança oferecida

pela autoridade de especialistas, pois nenhum homem é capaz de investigar

(46)

elas boas ou más, que nos oferecem subsídios para que acreditemos na

palavra do especialista.

O autor não deixa de assinalar, também, a dependência dessa

credibilidade na natureza do Indivíduo que raciocina. Como vimos

anteriormente, a crença não é aleatória, ela está vinculada aos acontecimentos

da vida do sujeito e à forma como foram Interpretados, da mesma forma varia a

força da convicção intelectual. Pratt (1907) chama a atenção, assim, para a

força que uma crença Intelectual pode atingir, pois

(...) enquanto o conceito abstrato, ou a asserção racionalizada são, em si mesmos, comparativamente pobres em realidade-sentimento, podem ser tão Interconectados e entranhados em nosso mundo “real” que a recusa em aceitá-los causaria estragos em nossas realidades aceitas, viraria todos os nossos hábitos de pensamento de ponta-cabeça, e não nos deixaria sequer um palmo de chão firme em que nos suster. Uma crença conceitual assim estabelecida é comumente mais difícil de remover, mais até que uma sustentada por uma experiência sensorial imediata. (Pratt, 1907, p. 40)

Como descreve Conceição (2004), essa atitude religiosa não acontece

aleatoriamente. Para que ela surja é necessário um rompimento com as figuras

de autoridade tradicionais, o que se daria, provavelmente, após frustrações da

crença perceptiva, que, como já dissemos, abre espaço para a dúvida e o

questionamento.

Vimos que, para Freud, a crença é incompatível com o questionamento,

(47)

fatos, com a verificação da realidade. Pratt, entretanto, mostra-nos exatamente

o contrário: crença e dúvida andam lado a lado na crença intelectual.

1.3.3- Crença Emocional

Ao descrever a crença emocional, Pratt reapresenta o sentimento vital,

que faz parte justamente da segunda divisão, não racional, de onde essa

modalidade de crença retira sua força. Ao descrever a crença emocional,

refere-se a dois tipos de casos, aqueles superficiais, movidos por desejos

momentâneos e ocasionais e também aos casos de urgência das

necessidades vitais. A emoção torna-se a grande responsável pela vivacidade

dada a uma determinada idéia, podendo atribuir-lhe tamanha

(...) realidade-sentimento que quase lhe dá a mesma força de uma apresentação direta aos sentidos. Ela é para a fé o que as asas são para o pássaro; muitas crenças que se abandonadas a seu próprio suporte lógico cairiam ao chão, mas são capazes de, pela mera força de seu imperioso sentimento, desafiar o poder da gravitação e duvidar. (Pratt, 1907, p. 41)

Assim como na crença intelectual, cuja força de enraizamento pode

obstruir o julgamento mental, o mesmo pode ocorrer a partir da paixão que

alimenta a crença de fundo sentimental. Ao apresentar o fundo de sentimento,

(48)

porta-voz de seus instintos e desejos. Associando essa íntima relação com o

organismo, tem-se que

O uso do termo “crença” aqui não é uma extensão de seu sentido estrito. É literalmente “a atitude mental de aceitação da realidade de um objeto dado”. O objeto, nestes casos, é a coisa que irá satisfazer a necessidade ou impulso, e a idéia desta coisa deve, é claro, ser derivada de uma experiência prévia ou da Instrução recebida de outros, antes que se possa dizer surgida a crença. (Pratt, 1907, p. 42)

Essa experiência prévia é exemplificada pelo autor através da relação

da criança com a mãe. A criança necessita de comida e calor. Ao conhecer a

satisfação de suas necessidades, a simples idéia da mãe e da satisfação por

ela oferecida conferem um profundo colorido de realidade-sentimento. Sabe-se

que o objeto desejado não está presente, mas o organismo acredita em sua

existência, conferindo-lhe e exigindo um caráter de realidade. Assim, “ele é muito real para ela; acredita nele porque precisa dele. Esta é a forma primitiva e a origem orgânica da “vontade de crer” (Pratt, 1907, p. 41). Apoiada no sentimento vital, temos uma crença baseada em vivências de fundo emocional,

“(...) um sentimento religioso que se traduziria na sensação de união com o divino, conexão com Deus ou com a natureza, percepção de Deus como energia” (Conceição, 2004, p. 32).

Pratt (1907) conclui sua descrição sobre a crença emocional, retomando

o fundo de sentimento vital como porta-voz do organismo. Para ele, esse fundo

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