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Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

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ApCv nº 82313-07.2012.8.09.0152

Apelantes: Centro de Educação Serra da Mesa Ltda. (Cesem) e outro Apelado: Município de Uruaçu

Relator: Des. Carlos Escher

Apelação cível. Ação civil pública. Venda e doação de áreas urbanas pelo Município. Constru- ção de prédio. Instalação de faculdade. Evidente benefício aos administrados. Decadência de revisão dos atos administrativos.

1. O art. 54 da lei nº 9.784/1999 prevê um prazo decadencial de cinco anos, a contar da data da vigência do ato viciado, para que a Administração anule aqueles que gerem efeitos favo- ráveis aos seus destinatários, prevalecendo a segurança jurídica em detrimento da legalidade.

2. Proposta a ação após referido prazo, decaído se encontra o direito do Município rever os atos de venda do primeiro terreno e de doação do segundo, posto que o comprador/donatá- rio (Cesem), cumpriu os encargos de construção do prédio, instalação e funcionamento da faculdade dentro do respectivo prazo.

3. No que tange à doação da terceira área, embora não tenha decaído o direito Municipal, evidenciado o benefício público experimentado pela população da região, com o funciona- mento da faculdade, não há falar-se, também, em nulidade do ato simplesmente por não ter havido a avaliação prévia exigida pela lei de licitações, sob pena de se fazer de um pequeno detalhe da norma um fator de retrocesso e franco prejuízo aos administrados.

Apelo provido.

ACórdãO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as retro indicadas, acordam os componentes da 2ª Turma Julgadora da 4ª Câmara Cível do eg. TJGO, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e provê-lo, nos termos do voto do Relator. Fez sustentação oral o Dr. Ezequiel Morais.

Votaram com o Relator os Des. Kisleu Dias Maciel Filho e Elizabeth Maria da Silva.

Presidiu a sessão a Desa. Elizabeth Maria da Silva.

Presente o il. Procurador de Justiça Dr. Luiz Gonzaga Pereira da Cunha.

Goiânia, 29 de agosto de 2013 (data do jul- gamento).

Des. Carlos Escher, Relator.

rElATóriO

Des. Carlos Escher (Relator): A empresa Centro de Educação Serra da Mesa Ltda. (Ce- sem) e Rodrigo Gabriel Moisés, qualificados e representados, ofertam recurso de apelação, contra a sentença do Dr. Murilo Vieira de Faria

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(fls. 238-257 e 288-292), MM. Juiz de Direito da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Uruaçu, pela qual acolheu o pedido inicial formulado na ação civil pública declaratória de nulidade de venda e doação de bens proposta pelo Município de Uruaçu, igualmente qualifica- do e representado.

Os apelantes sustentam, preliminarmente, que Rodrigo Gabriel Moisés foi incluído no polo passivo da demanda pelo MM. Juiz singular e, não possuindo legitimidade, deve ser excluído da relação processual, tal qual foram os outros dois demais sócios (fls. 177).

Dizem mais, que as Leis Municipais nos 1.275/2004 e 1.358/2006 (fls. 63 e 66), que foram declaradas nulas, ao contrário do que entendeu o MM. Juiz singular, previram encargos de in- teresse público ao donatário (Cesem), além de terem instituído prazo para o cumprimento de tais obrigações, sob pena de retrocessão dos imóveis ao patrimônio municipal.

Afirmam, ainda, que a área urbana doada ao Cesem foi utilizada para a instalação da primeira faculdade do norte goiano, o que comprova o interesse público havido na doação e o cunho apenas politiqueiro da ação proposta.

Pediram, ao final, o provimento do apelo com a reforma da sentença e a condenação do apelado e seu então Prefeito Municipal quando da propositura da ação, Sr. Lourenço Pereira Filho (fls. 39-43), em litigância de má-fé, e deste, também, nas penas previstas no art. 19 da Lei nº 8.429/1992 e, enfim, do Município recorrido, a indenizar os recorrentes.

O preparo é visto à fls. 331.

Em resposta ao recurso, o Município de Uruaçu, já sob nova administração, sustenta pre- judicial de decadência do prazo quinquenal para questionamento de atos administrativos (Leis Fe- deral nº 9.784/1999 e Estadual nº 13.800/2001).

Diz mais: que inexiste ilegalidade nos proce- dimentos de venda ou doação dos terrenos ou prejuízo ao Erário. Pelo contrário, a empresa re- querida cumpriu com a finalidade de construção do prédio e instalação da faculdade, atendendo às demandas do interesse público.

Afirma, ainda, que a intenção do antigo Prefeito quando propôs a ação em tela foi mera- mente de perseguição política, devendo ele ser condenado por litigância de má-fé.

Pediu, ao final, o desacolhimento dos pedidos iniciais (fls. 334 e 342).

Ouvidos a respeito, a il. Promotora de Justiça de 1º Grau opinou pela confirmação da sentença (fls. 345-356), enquanto o d. Procurador de Jus- tiça, Dr. Waldir Lara Cardoso, opinou pela sua reforma (fls. 371-392).

É, em síntese, o relatório, que envio ao il.

Revisor.

vOTO

Des. Carlos Escher (Relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

Ao que consta dos autos, o Município de Uruaçu propôs ação civil pública, pleiteando a decretação de anulação da venda, ao requerido Cesem, de uma área urbana de 1.200 m² (fls.

67-68), alegando preço inferior ao de mercado, bem como a decretação de anulação das Leis Municipais nos 1.275/2004 e 1.358/2006 (fls. 63 e 66), as quais autorizaram a doação de outras duas (2) áreas urbanas de 4.170,47 m² e 1.500 m², respectivamente (fls. 61-65), também feitas ao Cesem.

A princípio, ressalto que [o] ordenamento jurídico pátrio admite a eventual responsabiliza- ção de sócios de pessoas jurídicas por eventuais ilegalidades praticadas na concepção e/ou admi- nistração da respectiva empresa, o que significa dizer que o apelante Rodrigo Gabriel Moisés, sócio majoritário do Cesem (fls. 46-59), possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação.

Rejeito, portanto, a preliminar arguida.

No que tange ao mérito, observo, às fls.

63 e 66, que as Leis Municipais nos 1.275/2004 e 1.358/2006 foram promulgadas nos dias 12.4.2004 e 19.12.2006, respectivamente.

O requisito constante das próprias leis de ser edificado um prédio para abrigar as atividades de um centro de ensino superior em dois (2) anos foi cumprido, circunstância admitida por ambas as partes, estando o Cesem lá funcionando há al-

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guns anos (fls. 50 e 70-72), trazendo, obviamente, inúmeros benefícios para a população de Uruaçu e Municípios circunvizinhos. Prova maior disso é que o próprio autor, Município de Uruaçu, agora sob nova administração, nas contrarrazões ao recurso, pediu a reforma da sentença recorrida, com o desacolhimento de todos os pedidos iniciais.

A escritura pública de compra e venda do imóvel de 1.200 m² foi outorgada no dia 16.9.2003 (fls. 67-68), as de doação das áreas de 4.170,47 m² em 10.9.2004 (fls. 61), e a de 1.500 m² em 18.9.2007 (fls. 64), o que implica, a respeito dos dois (2) primeiros imóveis, em decadência do direito de anulação de atos dos quais decorram efeitos favoráveis para os administrados de boa- -fé, já que a ação foi proposta após cinco (5) anos da outorga das escrituras, ou seja, em 7.3.2012 (fls. 01), em razão do flagrante benefício trazido para a população da região de Uruaçu, com a instalação da referida faculdade naquela cidade.

Vejamos qual é o entendimento mais moder- no do eg. STJ a respeito do assunto enfocado:

Agravo regimental em mandado de se- gurança. Anistia. Militar. Abertura de pro- cedimento administrativo de revisão do ato concessório. Exercício regular de direito. Ine- xistência do direito líquido e certo de impedir a atividade revisora.

1 e 2. Omissis.

3. O direito sujeito à decadência, por força do que dispõe o art. 54 da Lei nº 9.784/1999, é o de anulação de atos dos quais decorram efeitos favoráveis para os administrados de boa-fé, mas não o direito-dever de instaurar o procedimento administrativo de revisão que, acaso obstado, impediria até mesmo a eventual comprovação da má-fé a que se refere o mencionado artigo.

4. Agravo regimental a que se nega provi- mento (AgRgMS nº 18.322/DF – Rel. Min. Sérgio Kukina – 1ª Seção – j. em 26.6.2013 – DJe de 2.8.2013).

Mandado de segurança. Anistia. Ato de revisão da Portaria concessória. Possibili- dade. Inexistência de direito líquido e certo.

Denegação da ordem.

1. Omissis.

2. O direito sujeito à decadência, por força do que dispõe essa norma, é o de anulação de atos dos quais decorram efeitos favoráveis

para os administrados de boa-fé, mas não o direito-dever de instaurar o procedimento adminis- trativo de revisão que, acaso obstado, impediria até mesmo a eventual comprovação da má-fé a que se refere o art. 54 da Lei nº 9.784/1999.

3. Omissis (MS nº 19.024/DF – Rel. Min. Sér- gio Kukina – 1ª Seção – j. em 26.6.2013 – DJe de 2.8.2013) (destacou-se).

Mandado de segurança. Administrativo.

Portaria que concedeu anistia política anulada, de ofício, pela Administração, mais de 5 anos após a sua publicação. Decadência. Art. 54 da Lei nº 9.784/1999. Atos preparatórios não são aptos a obstar o prazo decadencial para o exer- cício da autotutela. Necessidade de impugna- ção formal e direta à validade do ato, formulada por autoridade com poder de decisão sobre a anulação do ato, assegurado ao interessado o exercício da ampla defesa e do contraditório.

Parecer ministerial pela denegação da ordem.

Ordem concedida, no entanto.

1 e 2. Omissis.

3. É lição constante (e antiga) dos tratadistas de Direito Civil que o instituto da decadência serve ao propósito da pacificação social, da segurança jurídica e da justiça, por isso que somente em situações de absoluta excepcionalidade se admite a revisão de situações jurídicas sobre as quais o tempo já estendeu o seu manto impenetrável; o Direito Público incorpora essa mesma orientação, com o fito de aquietar as relações do indivíduo com o Estado.

4. O art. 54 da Lei nº 9.784/1999 prevê um prazo decadencial de 5 anos, a contar da data da vigência do ato administrativo viciado, para que a Administração anule os atos que gerem efeitos favoráveis aos seus destina- tários. Após o transcurso do referido prazo decadencial quinquenal sem que ocorra o desfazimento do ato, prevalece a segurança jurídica em detrimento da legalidade da atua- ção administrativa.

5. Tratando-se de prazo decadencial, não há que se falar em suspensão ou interrupção do prazo. Entretanto, a Lei nº 9.784/1999 ado- tou um critério amplo para a configuração do exercício da autotutela, bastando uma medida de autoridade que implique impugnação do ato (art. 54, § 2º).

6. O art. 1º, § 2º, inc. III, da mesma lei, define autoridade como sendo o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.

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7. Dessa forma, a impugnação que se consubstancia como exercício do dever de apurar os atos administrativos deve ser aquela realizada pela autoridade com poder de decidir sobre a anulação do ato. Além disso, somente os procedimentos que importem impugnação formal e direta à validade do ato, assegurando ao interessado o exercício da ampla defesa e do contraditório, é que afastam a configuração da inércia da Administração.

8. O § 2º do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 deve ser interpretado em consonância com a regra geral prevista no caput, sob pena de tornar inócuo o limite temporal mitigador do poder-dever da Administração de anular seus atos, motivo pelo qual não se deve admitir que os atos preparatórios para a instauração do processo de anulação do ato administrativo sejam considerados como exercício do direito de autotutela.

9. In casu, impõe-se reconhecer a ocorrência da decadência, já que o impetrante é anistiado político, nos termos da Portaria nº 2.178, de 9.12.2003, do Ministro de Estado da Justiça, e sem nenhuma explicação ou justificativa para excepcionar a decadência ex ope temporis, a Administração tornou, de ofício, insubsistente o dito ato, de sua própria lavra, praticado há mais de 5 anos (anistia política do impetrante), fazendo-o pela Portaria nº 1.947, de 4.10.2012, do Ministro de Estado da Justiça (ato coator).

10. Ordem concedida para reconhecer a ocorrência da decadência da Administração em anular a anistia concedida ao impetrante (MS nº 19.621/DF – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – 1ª Seção – j. em 26.6.2013 – DJe de 2.8.2013) (destacou-se).

Processual Civil e Administrativo. Em- bargos de declaração recebidos como agravo regimental. Caráter infringente. Decadência não configurada.

1. Omissis.

2. A teor do art. 54 da Lei nº 9.784/1999, o “direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favorá- veis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”

3. Omissis.

4. O Juiz ou Tribunal não está obrigado a res- ponder a todas as questões suscitadas em Juízo,

quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão.

5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento (EmbDcl no REsp. nº 849.289/RS – Rel. Min. Og Fernandes – 6ª Turma – j. em 7.2.2012 – DJe de 27.2.2012)

Administrativo. Processual Civil. Servido- res públicos estaduais inativos. Art. 54 da Lei nº 9.784/1999. Administração Estadual. Aplica- ção. Possibilidade. Decadência administrativa.

Configurada. Termo a quo. Vigência da lei.

1. Ausente lei específica, os comandos normativos contidos na Lei nº 9.784/1999 são aplicáveis no âmbito das Administrações Estadual e Municipal, os quais estabelecem o prazo de 5 (cinco) anos para a Administração rever seus próprios atos.

2 e 3. Omissis.

3. Recurso ordinário em mandado de segu- rança conhecido e provido (RMS nº 24.423/RS, Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – j. em 23.8.2011 – DJe de 8.9.2011) (destacou-se).

Assim sendo, reitero, tendo sido proposta a ação apenas em 7.3.2012, reputo que decaiu o prazo de revisão dos atos que culminaram na venda da área de 1.200 m² (16.9.2003 – fls.

67-68) e na doação da área de 4.170,47 m² (10.9.2004 – fls. 61).

No que tange à terceira área, a de 1.500 m², doada em 18.9.2007 (fls. 64), baseado no dispos- to no parágrafo único do art. 210 do Regimento Interno desta Corte, adoto parte da fundamen- tação do parecer do il. Procurador de Justiça, Dr.

Waldir Lara Cardoso, como razão de julgar este apelo, a qual veio vazada nos seguintes termos (fls. 378-389):

Para exata compreensão da controvérsia, reputo necessário tecer alguns comentários acerca da doação de bens públicos imóveis, visto que, no caso em apreço, buscam os apelantes o reconhecimento da validade da doação a eles realizada pelo Município de Uruaçu.

A expressão “inalienabilidade”, comumente empregada para caracterizar os bens públicos, é despida de técnica, visto que tais bens, via de regra, são alienáveis, desde que sejam obser- vadas, para tanto, as condições alinhadas nos dispositivos legais pertinentes.

(5)

Acerca do assunto, convém destacar que doação “é o ajuste em que o proprietário (doador) transfere a outrem (donatário) bem de seu patri- mônio, a título de mera liberalidade”.1

E mais, como se extrai da leitura das Leis Municipais nos 1.275/2004 e 1.358/2006, que cuida-se a hipótese vertente de doação modal (com encargo). A espécie é tratada no § 4º do art.

17 da Lei de Licitações, assim redigido:

“A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão obrigatoriamente os encargos, o prazo de cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dis- pensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado”.

Inicialmente, coloca-se uma questão essen- cial para o deslinde desta causa: poderia o ad- ministrador do patrimônio da coletividade, ainda que autorizado por lei, transferi[r] a particular um bem público?

Tomando-se por base as disposições conti- das no art. 17, inc. I, al. b, da Lei nº 8.666/1993, e na legislação administrativa local, qual seja, o art. 122, inc. I, da Lei Orgânica do Município de Uruaçu, abaixo transcritos, tem-se que a resposta ao questionamento acima expendido é positiva:

“Art. 17. A alienação de bens da Adminis- tração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I – quando imóveis, dependerá de autori- zação legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração públi- ca, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i ”.

“Art. 122. A alienação de bens municipais subordinados à existência de interesse público devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I – quando imóveis, dependerá de autoriza- ção legislativa e concorrência, dispensada está nos seguintes casos:

b) doação, constando da lei e da escritura pública os encargos do donatário, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de retrocessão, sob pena de nulidade do ato.”

Desse modo, verifica-se que o Município de Uruaçu estava autorizado a fazer a doação dos imóveis descritos na peça preambular à empresa requerida, sendo que, nos termos da legislação pertinente, seriam necessárias:

a) lei autorizativa e com possibilidade de re- versão do bem para a Administração Pública no caso de descumprimento da finalidade do imóvel;

b) avaliação prévia do bem a ser doado;

c) licitação na modalidade concorrência (art.

17, caput, da Lei nº 8.666/1993), que poderia ser dispensada em virtude da existência do interesse público devidamente justificado.

De antemão, verifico que a exigência de lei autorizadora foi devidamente cumprida, como se observa do inteiro teor das Leis Municipais nos 1.275/2004 e 1.358/2006.

Noutro flanco, no tocante ao terceiro requi- sito, cumpre observar que a licitação foi dispen- sada, pelo que se fazia imprescindível, portanto, a demonstração fundamentada do interesse público.

No caso em análise, restou mais que evi- denciado que o Município de Uruaçu justificou, efetivamente, de maneira fundamentada, o inte- resse público.

Conforme se vislumbra da simples leitura das Lei Municipais nos 1.275/2004 e 1.358/2006, os terrenos foram doados para edificação “dos módulos escolares onde serão desenvolvidas as atividades de ensino superior pela Faculdade Serra da Mesa” (sic – fls. 63).

Como ensina o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. 2004. p. 512, in verbis:

“A Administração pode fazer doações de bens móveis e imóveis desafetados do uso públi- co, e comumente faz para incentivar construções e atividades particulares de interesse coletivo”.

1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. rev. ampl. e atual. até 10.7.2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 1129.

(6)

A doação fundada em interesse público ob- jetiva incentivar atividades particulares e, princi- palmente, o desenvolvimento econômico e social de interesse público e coletivo.

Nesse sentido, o fomento da atividade de ensino superior, através da criação de uma fa- culdade na Região Norte do Estado de Goiás, é claramente uma atividade de interesse público e social, notadamente porque a região em questão era, até então, desprovida de polos de educação superior.

Assim, forçoso admitir que a doação dos ter- renos descritos na exordial foi feita plenamente de acordo com o interesse público e coletivo.

Mesmo porque, se não for admitido o in- teresse público, coletivo e social no caso em exame, consubstanciado na doação de terrenos para construção de módulos escolares para o desenvolvimento de atividades de ensino superior em uma região que não tinha nenhum polo de educação superior, não se pode imaginar o que se entenderia por interesse público.

Finalmente, quanto ao atendimento da se- gunda exigência, convém ressaltar que, a des- peito de não ter ocorrido avaliação prévia dos bens doados, tal fato não macula as doações realizadas.

A avaliação prévia consiste na apuração do valor dos bens.

Assim, sendo que a hipótese dos autos é de doação modal, isto é, com encargo, não se justi- ficaria a pretendida declaração de invalidade da autorização da doação realizada pelo Município apenas para que os terrenos retornassem ao patrimônio público, sobretudo porque o encargo foi devidamente cumprido.

Ademais, de sabença comum que o norte do Estado de Goiás passou diversos anos sem atendimento e atenção dos governantes. Diversos agropecuaristas e empresários, impactados pela criação do Estado do Tocantins e pelas pelejas políticas da região, debandaram para outros Es- tados, deixando o norte relegado à planície.

Após anos sendo sempre deixado em se- gundo plano, o Governo Estadual vem tentando, atualmente, implementar políticas no norte goia- no, como o fornecimento de incentivos para a ida de empresários para a região, que visam corrigir

as distorções e os desequilíbrios regionais de crescimento, para possibilitar que as regiões mais pobres do Estado possam ter um desenvolvimen- to espacial e ambiental integrado e sustentado.

Conclui-se, portanto, que, se hoje, passados vários anos após a doação dos terrenos descritos na inicial, a região norte ainda precisa de incenti- vos para ter um maior desenvolvimento econômi- co e social, com muito mais razão haveria de ser incentivada a ida de uma faculdade para o norte goiano anos atrás, quando não existia nenhum polo de educação superior naquela região.

Desse modo, julgar nula a doação dos terre- nos públicos apenas por não ter ocorrido a ava- liação prévia é prestar um verdadeiro desserviço à sociedade, é absurdamente desarrazoado, sobretudo porque clarividente o interesse público que permeia a questão.

Vê-se que o deslinde da causa trata-se de mero raciocínio lógico, sendo impossível o aco- lhimento de posição contrária à legalidade da doação dos terrenos, sob pena de violação à Car- ta Magna de 1988, em especial quanto aos prin- cípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Nesta esteira, explica Irene Patrícia Nohara,2 p. 159, citando Weida Zancaner:

“Os raciocínios que envolvem a ponderação de bens sociais não podem deixar de ser desen- volvidos pelo intérprete do Direito, que deve trazer, sem receio, a sua humanidade e a sua razoabilidade (no sentido de bom-senso) para a discussão das questões jurídicas, uma vez que a Hermenêutica já se libertou das pretensões de ri- gor e precisão lógico-formais mais características da metodologia adotada no final do século XIX e começo do século XX. As teorias de interpretação mais recentes propugnam pela incorporação do razoável no próprio conceito de jurídico, uma vez que o Direito não pode ser visto como um fim em si mesmo, e sim como um meio a serviço da existência da sociedade, Ihering defendia que o critério ou medida que serve para julgar o direito não é um critério absoluto de verdade, mas [s]im um critério relativo de finalidade. cf. Ihering, Rudolf Von, A luta pelo direito. São Paulo: Acadêmica, 1988, p. 16”.

Pensar o contrário é esperar algo além do razoável dentro da realidade brasileira, é buscar uma verdadeira utopia. Ora, se o norte goiano é

2. In Limites à Razoabilidade nos Atos Administrativos, São Paulo: Atlas, 2006.

(7)

uma região carente, se lá não havia nenhuma faculdade de ensino superior, não se pode pre- tender anular a doação de terrenos que foram direcionados à construção de módulos para a instalação de uma faculdade no local por não ter ocorrido a avaliação prévia dos bens imóveis.

Assim, no tocante à ausência da avaliação prévia exigida pela Lei de Licitações, há que se buscar um meio de compatibilizar o texto legal à realidade de uma região carente, sob pena de se fazer da norma um fator de retrocesso.

O mundo real, não aquele dos autos dos processos, possui limites às exigências absolutas, razão pela qual é possível concluir que a ausên- cia da avaliação prévia dos terrenos públicos não afeta a legalidade da doação realizada pelo Município de Uruaçu.

Na confluência do exposto, sendo mais que evidente o interesse público que embasou a doa- ção ora debatida, inexiste motivo algum a justificar o decreto de nulidade das leis municipais.

De consectário, tendo em vista que o con- junto probatório não deixou margem a qualquer dúvida acerca da legalidade da doação promovida pela Municipalidade, não havendo prejuízo ao Erário, enriquecimento ilícito ou qualquer outro ato que atente contra os princípios da Adminis- tração Pública, não há falar-se em condenação dos apelantes nas sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, eis que não houve prática de ato ilícito, pelo que o presente apelo haverá de ser provido, para julgar improcedente o pedido inicial.

A propósito, convém ressaltar que, além da clara legalidade da doação realizada, não há demonstração nos autos do elemento subjetivo (dolo ou culpa) por parte da então Prefeita, que promoveu a doação, e por parte dos particulares, que receberam os terrenos públicos.

E, tendo em vista a evolução do trato ju- risprudencial3 e da doutrina relacionada à ma- téria, entendo que o enquadramento na Lei de Improbidade exige culpa, dolo ou o mínimo de má-fé que revele a ocorrência de comportamento desonesto.

Dessa forma, não vislumbro a ocorrência de improbidade administrativa, posto que, como dito exaustivamente, a doação realizada pela Munici- palidade fundou-se em claro interesse público e social, e não houve a demonstração de dolo, culpa ou má-fé na conduta dos recorrentes.

Enfim, reputo inadequado[s] os pedidos dos apelantes de condenação do Município apelado e de seu então Prefeito (quando da propositura da ação), Sr. Lourenço Pereira Filho (fls. 39- 43), nas penas previstas no art. 19 da Lei nº 8.429/1992 e a indenizar os recorrentes, já que melhor técnica processual impõe à respectiva sentença, adstrição ao julgamento apenas dos pedidos iniciais e reconvencionais quando formulados, que não é o caso dos pedidos dos apelantes.

No que tange ao pedido de condenação nas penas de litigância de má-fé, reputo não haver ficado configurad[a] nenhuma das circunstâncias descritas no art. 17 do Código de Processo Civil.

Ao teor do exposto e acolhendo parcialmente o parecer da il. Procuradoria de Justiça, provejo o apelo, reformando a sentença recorrida, para julgar improcedente[s] todos os pedidos iniciais.

Sendo sucumbente, condeno o Município de Uruaçu a pagar honorários advocatícios, os quais fixo em dois mil reais (R$ 2.000,00), nos termos do art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil.

É o voto.

3. Apelação cível. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. I – Omissis. II – Contratação de advogado mediante li- citação. Existência de Procuradoria do Município. Possibilidade. Conduta tipificada nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992. Ausência de comprovação do dolo ou da culpa do recorrido. É improcedente o pedido constante da inicial de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, quando não comprovado nos autos o dano efetivo ao Erário Municipal como consequência de atos praticados em desa- cordo com a forma prescrita, bem como o dolo ou, no caso do art. 10 da Lei nº 8.429/1992, a culpa do agente e sua má-fé, a ação vio- ladora do[s] princípio[s] da legalidade e da moralidade. III – Omissis. Apelação cível conhecida e desprovida (TJGO – Ap. Cv nº 477563- 26.2009.8.09.0143 – Rel. Des. Carlos Alberto Franca – 2ª Camara Cível – j. em 18.6.2013 – DJe 1330 de 26.6.2013).

Referências

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