Universidade de Lisboa Faculdade de Farmácia
Abordagens terapêuticas no fígado gordo não alcoólico
Diana Filipa Fernandes Dinis
Monografia orientada pela Professora Doutora Cecília Maria Pereira Rodrigues, Professora Catedrática
Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas
2021
Universidade de Lisboa Faculdade de Farmácia
Abordagens terapêuticas no fígado gordo não alcoólico
Diana Filipa Fernandes Dinis
Trabalho Final de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas apresentado à Universidade de Lisboa através da Faculdade de Farmácia
Monografia orientada pela Professora Doutora Cecília Maria Pereira Rodrigues, Professora Catedrática
2021
Resumo
A doença de fígado gordo não alcoólico é uma doença complexa e progressiva, definida pela presença de esteatose em, pelo menos 5% dos hepatócitos, na ausência de causas secundárias, como o consumo alcoólico excessivo. É considerada uma manifestação hepática da síndrome metabólica e abrange diversas condições, desde a esteatose simples, esteatohepatite, a forma mais grave da doença quando já se verifica inflamação, fibrose e cirrose, podendo evoluir para carcinoma hepatocelular. A sua prevalência é estimada em 25% da população adulta mundial, aumentando a par com a obesidade e a diabetes. Vários fatores contribuem para o seu desenvolvimento e progressão, como fatores genéticos, ambientais e metabólicos, funcionando em conjunto na patogénese da doença.
Após confirmação do diagnóstico, por métodos de imagem ou biópsia, é iniciado o tratamento, sendo a perda de peso e redução dos fatores de risco a primeira indicação, através da modificação do estilo de vida, com alteração da dieta e a prática de exercício físico. Estas alterações são difíceis de manter e concretizar, sendo necessária a introdução de medidas farmacológicas. Até ao momento não existe nenhum medicamento com aprovação para esta indicação terapêutica, apesar do número crescente de ensaios clínicos realizados. Visto a fisiopatologia da doença de fígado gordo não alcoólico envolver vários fatores e vias, uma abordagem terapêutica com diferentes alvos, onde se combinam medicamentos, pode ser uma boa estratégia. A terapêutica ideal pode, também, evoluir para uma terapia personalizada, devido à grande variação inter-doentes, adequando o fármaco a cada doente.
Existem ainda muitos desafios e um grande caminho a percorrer, apesar de muitos fármacos terem apresentado resultados encorajadores. Em 2020, foi proposta a alteração da designação de doença de fígado gordo não alcoólico para Doença de Fígado Gordo Associada a Disfunção Metabólica, um termo mais abrangente que descreve as doenças hepáticas associadas ao metabolismo, enfatizando a importância da disfunção metabólica no desenvolvimento da doença.
Palavras-chave: doença de fígado gordo não alcoólico; esteatohepatite não alcoólica; estilos de vida; obesidade; tratamento da doença de fígado gordo não alcoólico.
Abstract
Non-alcoholic fatty liver disease is a complex and progressive disease, defined by the presence of steatosis in 5% or more of the hepatocytes, in the absence of secondary causes, such as excessive alcohol consumption. It is considered a hepatic manifestation of the metabolic syndrome and covers several conditions, from simple steatosis, steatohepatitis, the most severe form of the disease when there is already inflammation, fibrosis and cirrhosis, that can progress to hepatocellular carcinoma. Its prevalence is estimated at 25% of the world adult population, increasing along with obesity and diabetes. Several factors contribute to its development and progression, such as genetic, environmental and metabolic factors, working together in the pathogenesis of the disease.
After confirming the diagnosis, by imaging methods or biopsy, treatment is started, with weight loss and reduction of risk factors being the first indication, through lifestyle modification, changing the diet and physical exercise. These changes are difficult to maintain and implement, requiring the introduction of pharmacological measures. So far there is no approved drug for this therapeutic indication, despite the growing number of clinical trials carried out. Since the pathophysiology of non-alcoholic fatty liver disease involves several factors and pathways, a therapeutic approach with different targets, where drugs are combined, can be a good strategy.
The ideal therapy can also evolve into a personalized therapy, due to the great inter-patient variability, adapting the drug to each patient.
There are still many challenges and a long way to go, even though many drugs have shown encouraging results. In 2020, it was proposed to change the designation from non-alcoholic fatty liver disease to Metabolic Dysfunction Associated Fatty Liver Disease, a broader term that describes liver diseases associated with metabolism, emphasizing the importance of metabolic dysfunction in the development of the disease.
Keywords: lifestyle; non-alcoholic fatty liver disease; non-alcoholic steatohepatitis; obesity;
treatment of non-alcoholic fatty liver disease.
Agradecimentos
A realização desta monografia não teria sido possível sem a colaboração e apoio de algumas pessoas a quem gostaria de agradecer.
Em primeiro lugar, quero agradecer à Professora Doutora Cecília Rodrigues por toda a ajuda, disponibilidade e conhecimento.
Aos meus pais e irmã, um obrigado muito especial pelo apoio em todos os momentos da minha vida.
À Sara, Inês, Ângela, Beatriz e Marianas, obrigada pela amizade, ajuda e por sempre acreditarem em mim.
A todos os colegas de faculdade, obrigada pelo companheirismo e entreajuda nestes 5 anos.
À restante família e amigos, obrigada pelas palavras de encorajamento e interesse demonstrado.
Este trabalho foi realizado no âmbito das atividades do laboratório de investigação Cellular Function and Therapeutic Targeting, do iMed.ULisboa (Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa), liderado pela Professora Cecília Rodrigues e financiado por diversas fontes, nomeadamente através de fundos FEDER pelo Programa COMPETE e fundos nacionais pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (projetos SAICTPAC/0019/2015 - LISBOA-01-0145- FEDER-016405; PTDC/MED-FAR/29097/2017 - LISBOA-01-0145-FEDER-029097); fundos EU Horizon 2020 Research and Innovation Programme (projeto Marie Skłodowska-Curie FoieGras grant no. 722619); fundos EU/EFPIA Innovative Medicines Initiative 2 Joint Undertaking (projeto LITMUS grant no. 777377); e fundos La Caixa Foundation (projeto HR21-00793).
Abreviaturas
AASLD – American Association for the Study of Liver Diseases ACC – Acetyl-CoA carboxylase
AG – Ácidos gordos
AGL – Ácidos gordos livres AGS – Ácidos gordos saturados AG-ω3 – Ácidos gordos ómega-3 ALT – Alanina aminotransferase
ASK1 – Apoptosis signal-regulating kinase 1 AST – Aspartato aminotransferase
AUDC – Ácido ursodesoxicólico cAMP – Adenosina monofosfato cíclica CB – Cirurgia bariátrica
CCR2/CCR5 – C-C chemokine receptor types 2 and 5 CEH – Células estreladas hepáticas
CHC – Carcinoma hepatocelular CK – Células de Kupffer
CK18 – Citoqueratina 18 CVC – Cenicriviroc
DCV – Doença cardiovascular
DFGA – Doença de fígado gordo alcoólico DFGNA – Doença de fígado gordo não alcoólico DGAT – Diacylglycerol O-Acyltransferase
DHA – Ácido docosahexanoico DMT2 – Diabetes mellitus Tipo 2 DNA – Ácido desoxirribonucleico
DNMTS – Diacylglycerol O-Acyltransferase DPP-4 – Dipeptidyl peptidase-4
EASD – European Association for the Study of Diabetes EASL – European Association for the Study of the Liver EASO – European Association for the Study of Obesity EC – Ensaio clínico
EHNA – Esteatohepatite Não Alcoólica EMA – Agência Europeia do Medicamento EPA – Ácido eicosapentanoico
ES – Esteatose simples
EUA – Estados Unidos da América FDA – Food and Drug Administration
FGF19 – Fator de crescimento 19 dos fibroblastos FGF21 – Fator de crescimento 21 dos fibroblastos FGNA – Fígado gordo não alcoólico
FIB-4 – Índice de fibrose 4 FXR – Farnesoid X receptor GCKR – Glucokinase regulator
GGT – Gama-glutamil transferase GLP-1 – Glucagon-like peptide 1 HbA1c – Hemoglobina glicada HDL – High density lipoprotein
HMG-CoA redutase – 3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA redutase IG – Índice glicémico
IL – Interleucina
IMC – Índice de massa corporal
LDL – Low density lipoprotein LDN – Lipogénese de novo LOLX2 – Lisil oxidase-like 2 LPS – Lipopolissacáridos
MBOAT7 – Membrane bound O-acyltransferase domain-containing 7
miRNA – microRNA
MUFA – Ácidos gordos monoinsaturados NAS – NAFLD Activity Score
NFS – NAFLD Fibrosis Score OCA – Ácido obeticólico
OMS – Organização Mundial da Saúde PDEs – Fosfodiesterases
PNPLA3 – Palatin-like phospholipase domain-containing protein-3
PPAR – Peroxisome proliferator-activated receptor PUFA – Ácidos gordos polinsaturados
RE – Retículo endoplasmático RI – Resistência à Insulina RM – Ressonância magnética ROS – Espécies reativas de oxigénio SC – Subcutânea
SCD1 – Stearoyl-CoA desaturase-1 SM – Síndrome Metabólica
TC – Tomografia computadorizada TGs – Triglicéridos
THR-β – Recetor β da Hormona da Tiroide TLR – Toll-like receptor
TM6SF2 – Transmembrane 6 superfamily member 2
TMC4 – Transmembrane Channel-Like 4 TNF – Tumor necrosis factor
TZD – Tiazolidinedionas
VLDL – Very low density lipoprotein β-OX – Beta-oxidação
Índice
1 Introdução... 11
2 Objetivo ... 13
3 Materiais e Métodos ... 14
4 Doença de fígado gordo não alcoólico ... 15
4.1 Epidemiologia ... 15
4.2 Etiologia e fatores de risco ... 16
4.3 Fisiopatologia ... 20
4.4 Sinais e sintomas ... 23
4.5 Diagnóstico ... 24
4.6 Tratamento ... 26
4.6.1 Medidas não farmacológicas ... 26
4.6.1.1 Alterações na dieta ... 26
4.6.1.2 Prática de exercício físico ... 28
4.6.1.3 Cirurgia bariátrica ... 28
4.6.1.4 Transplante hepático ... 29
4.6.2 Medidas farmacológicas ... 29
4.6.3 Fármacos modificadores do metabolismo ... 30
4.6.3.1 Inibidores da stearoyl-CoA desaturase-1 (SCD1) ... 30
4.6.3.2 Agonistas do farnesoid X receptor (FXR) ... 31
4.6.3.3 Ácido ursodesoxicólico ... 31
4.6.3.4 Agonistas dos peroxisome proliferator-activated nuclear receptors ... 32
4.6.3.5 Antagonistas dos C-C chemokine receptor types 2 and 5 ... 33
4.6.3.6 Análogos do glucagon-like peptide ... 34
4.6.3.7 Inibidores da dipeptidyl peptidase-4 ... 35
4.6.3.8 Agonistas dos recetor β da hormona da tiroide ... 35
4.6.3.9 Inibidores da acetyl-CoA carboxylase ... 36
4.6.3.10 Análogos dos fatores de crescimento dos fibroblastos... 36
4.6.3.11 Estatinas ... 37
4.6.3.12 Metformina ... 37
4.6.4 Fármacos antioxidantes e anti-inflamatórios ... 38
4.6.4.1 Vitamina E ... 38
4.6.4.2 Inibidores da apoptosis signal-regulating kinase 1 ... 39
4.6.4.3 Inibidores das caspases ... 39
4.6.4.4 Inibidores da fosfodiesterase ... 40
4.6.4.5 Antagonistas do toll like receptor 4 ... 40
4.6.4.6 Ácidos gordos polinsaturados ... 40
4.6.5 Fármacos que atuam a nível intestinal ... 41
4.6.5.1 Colostro bovino hiperimune ... 41
4.6.5.2 Orlistato ... 41
4.6.6 Fármacos anti-fibróticos ... 42
4.6.6.1 Inibidores da galectina-3 ... 42
4.6.6.2 Simtuzumab ... 42
4.6.7 Fitoterapia ... 43
5 Conclusões ... 44
Referências Bibliográficas ... 46
Índice de Figuras:
Figura 1 - Fatores epigenéticos envolvidos na patogénese da DFGNA ... 19
Figura 2 - Fatores que influenciam o aparecimento do FGNA ... 22
Figura 3 – Fatores que contribuem para o progresso de FGNA para EHNA ... 23
Figura 4 – Alvos terapêuticos para a DFGNA/EHNA ... 30
Índice de Tabelas: Tabela 1 – Polimorfismos genéticos associados à DFGNA ... 18
1 Introdução
A doença de fígado gordo não alcoólico (DFGNA) é a doença hepática mais comum em todo o mundo. (1) É considerada uma manifestação hepática da síndrome metabólica (SM) e da obesidade (2–4) e um fator de risco para diabetes mellitus tipo 2 (DMT2), dislipidemia e hipertensão, sendo que estes são também fatores que aumentam o risco de DFGNA. (5,6) É uma importante causa de morbilidade e mortalidade em todo o mundo, por sequelas cardiovasculares, hepáticas e oncológicas. (7) Está a tornar-se rapidamente na principal causa de doença hepática terminal e transplante de fígado. (7) A sua prevalência aumentou nos últimos anos, a par com a tendência de aumento da obesidade e doenças metabólicas. (8,9) A DFGNA é definida como a presença de esteatose em 5% ou mais dos hepatócitos, (10) determinada por imagiologia ou biópsia do fígado, e na ausência de causas secundárias como medicamentos, infeções virais ou consumo excessivo de álcool (definido por um limite estabelecido de 20 g/dia para mulheres e 30 g/dia para homens). (7,11–14) É uma doença complexa e progressiva, com uma grande variação inter-doente devido à interação entre fatores ambientais, e o background do hospedeiro (fatores hormonais, nutricionais e genéticos). (1,7) O conhecimento da contribuição exata de cada um dos componentes na promoção e evolução da doença ainda está por descobrir. (15)
A DFGNA abrange um amplo espetro de condições que variam na gravidade da lesão e fibrose, desde a esteatose simples (ES) ou fígado gordo não alcoólico (FGNA), esteatohepatite não alcoólica (EHNA), fibrose e cirrose, podendo eventualmente evoluir para carcinoma hepatocelular (CHC). (7,16) Enquanto o FGNA é definido pela presença de 5% ou mais de esteatose sem evidência de lesão dos hepatócitos, na EHNA há degeneração dos hepatócitos, balonismo e inflamação lobular. (9,17,18)
Dos doentes com DFGNA, cerca de 15% a 20% desenvolverão EHNA. (17,19) Esta é a forma mais progressiva e inflamatória da DFGNA (20), progride para cirrose em aproximadamente 20% dos casos (17) e é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de CHC. (21–
23) A causa exata da progressão de FGNA para EHNA é desconhecida, sendo provavelmente devido à interação complexa de fatores ambientais e genéticos; no entanto, certas condições de saúde, como obesidade, hipertensão e DMT2, aumentam o risco. (24)
A mortalidade relacionada com DFGNA tem sido atribuída a doenças hepáticas (cirrose e CHC) e extra-hepáticas, como doença renal crónica, doença cardiovascular (DCV) e cancro. (25)
Tanto o FGNA como a EHNA são assintomáticos até a doença avançada sendo difícil o diagnóstico precoce. (6) O diagnóstico de EHNA requer biópsia hepática, um processo invasivo e com riscos inerentes. (15) Assim, há uma necessidade de encontrar métodos não invasivos, para uma melhor e mais precoce identificação do risco e avaliação da progressão da doença.
Apesar dos grandes progressos nos conhecimentos acerca da DFGNA nos últimos anos, existem ainda grandes desafios, não havendo nenhum fármaco aprovado para esta doença. (16,26) As intervenções para a perda de peso (dieta e exercícios) e gestão de comorbilidades são as primeiras indicações, que permitem reduzir a doença e a mortalidade. (27,28) Ainda assim, estas recomendações não são fáceis de manter, por diversas razões, havendo necessidade de encontrar opções de tratamento específico da doença.
2 Objetivo
Esta monografia tem como principal objetivo fazer uma revisão da literatura acerca da abordagem terapêutica no fígado gordo não alcoólico, os fármacos que se encontram atualmente em ensaios clínicos, os que obtiveram resultados mais promissores e os recomendados pelas diretrizes.
Além da abordagem terapêutica, esta monografia aborda também a epidemiologia da doença de fígado gordo não alcoólico, os fatores de risco ao seu desenvolvimento, a sua fisiopatologia, sinais e sintomas e métodos de diagnóstico.
Assim, esta revisão bibliográfica é elaborada com os temas mais relevantes no mundo científico e com os mais recentes desenvolvimentos acerca desta doença.
3 Materiais e Métodos
Foi realizada uma revisão da literatura através da consulta da base de dados PubMed, dando preferência a artigos publicados em inglês, dos últimos 10 anos. A recolha de informação foi concretizada entre janeiro de 2021 e junho de 2021, com recurso a termos de pesquisa como
“NAFLD review”, “NASH review”, “NAFLD therapeutic options”, “NAFLD emerging therapies” e “NAFLD treatment”. Outros artigos relevantes foram identificados de citações dos artigos encontrados originalmente.
4 Doença de fígado gordo não alcoólico
4.1 Epidemiologia
A DFGNA é a causa mais comum de doença hepática crónica nos países ocidentais e uma das principais causas de morbilidade e mortalidade relacionadas com o fígado. (29) Globalmente, a prevalência de DFGNA é estimada em 25% da população adulta do mundo (26,30,31) e está continuamente a aumentar em conjunto com o aumento da prevalência da obesidade e da SM.
(25,32) Tanto a DFGNA como a EHNA são mais prevalentes na população masculina. (33) Nas crianças a prevalência é de 3% a 10%, e estima-se que 34% das crianças obesas nos países desenvolvidos tenham DFGNA. (34)
As taxas de prevalência da DFGNA variam por todo o mundo. As taxas mais altas são verificadas no Oriente Médio (32%) e na América do Sul (31%), seguido pela Ásia (27%), Estados Unidos da América (EUA) (24%) e Europa (23%), sendo menos comum na África (14%). (35)
A prevalência da DFGNA varia entre os países do mesmo continente. (36) Nos EUA, a população é afetada de forma desproporcional. (33) Os hispano-americanos têm uma prevalência superior de DFGNA em comparação com os caucasianos; enquanto os afro- americanos têm a prevalência mais baixa entre todos os grupos raciais e étnicos dos EUA. (37) A etiologia desta diferença é provavelmente multifatorial e inclui contribuições de fatores genéticos, comportamentais e socioeconómicos. (7)
Nos países da Europa, a prevalência varia de acordo com o método de diagnóstico utilizado, variando de 5% a 44% em diferentes países. (35) Além disso, parece haver uma maior prevalência no Sul da Europa do que no Norte da Europa. (38)
A obesidade é o principal contribuinte e fator de risco de DFGNA e também aumenta o risco de doença avançada, incluindo EHNA, cirrose e CHC. (8) Os indivíduos obesos constituem uma alta proporção dos doentes com DFGNA, apresentando um risco 3,5 vezes maior de desenvolver DFGNA em comparação com indivíduos magros. (8) Nos doentes com DFGNA e EHNA, a prevalência de obesidade é de 51,3% e 81,3%, respetivamente. (8) Com o aumento da pandemia de obesidade, espera-se que a prevalência de DFGNA continue a aumentar. (39) (40) A obesidade tem sido associada a uma maior mortalidade por todas as causas em doentes com DFGNA. (8) As taxas de CHC são maiores em indivíduos obesos, demonstrando que a obesidade é um dos principais contribuintes do CHC. (8) A prevalência de DFGNA aumenta
quase linearmente com o Índice de Massa Corporal (IMC), (8) havendo um aumento no risco de desenvolver DFGNA de 1,2 vezes por cada unidade de IMC aumentada. (41) Na Ásia há uma percentagem considerável de doentes com um IMC normal. (29)
Dos indivíduos com DMT2, 60% a 70% têm DFGNA. (42,43) Conforme a idade aumenta, aumenta também a prevalência de DFGNA e fibrose, que pode ser impulsionada pela maior prevalência de condições metabólicas nos indivíduos mais velhos. (36)
Cerca de 25% dos doentes com DFGNA progridem para EHNA (9), sendo que costuma demorar três ou mais décadas para progredir. A prevalência global de EHNA foi estimada entre 3% e 5%, (36) e quase duplicou no período entre 2005 e 2010. (8) A esteatose simples tem uma taxa de progressão mais baixa, apenas cerca de 4% dos doentes desenvolvem cirrose. (44) Aproximadamente um terço dos casos de EHNA evolui para fibrose avançada ou cirrose. (15) Prevê-se que a DFGNA supere a infeção pelo vírus da hepatite C como a principal causa de transplante de fígado nos países ocidentais na próxima década. (9)
Doentes com DFGNA apresentam taxas de mortalidade geral aumentadas comparativamente à população em geral, sendo a causa mais comum as DCVs. (39,45) Outras causas de morte incluem mortalidade relacionada com o fígado e CHC. (45) A EHNA tem uma taxa de mortalidade anual 1,7 vezes maior do que a DFGNA. (35) A DFGNA e a EHNA são fatores de risco para o CHC, estando presentes em 59% dos casos de carcinoma. (4)
4.2 Etiologia e fatores de risco
Vários fatores contribuem para o desenvolvimento da DFGNA ou EHNA incluindo fatores genéticos, ambientais e metabólicos, (4,16) no entanto, estas doenças podem aparecer sem nenhum destes fatores associados. (17)
A presença da SM é o fator de risco mais forte para o desenvolvimento de DFGNA e EHNA.
(16) Esta é definida pela presença de pelo menos três dos seguintes: obesidade abdominal, aumento dos triglicéridos (TGs), dislipidemia, aumento da pressão arterial e hiperglicemia (11,16)Assim, os doentes obesos, com pré-diabetes, DMT2, hipertensão, hipertrigliceridemia ou SM têm maior risco de EHNA e de outras consequências. (17) Tal como referido anteriormente, a obesidade, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um IMC
≥ 30, também aumenta o risco de DFGNA. (36)
A idade superior a 50 anos é um fator de risco para o desenvolvimento de EHNA, (30) sendo os doentes mais velhos mais propensos a ter EHNA do que os mais jovens. (17)
Fatores ambientais associados à DFGNA incluem hábitos alimentares, álcool, atividade física e fatores socioeconómicos. (4) Uma dieta rica em gordura e frutose pode desempenhar um papel na progressão da DFGNA, aumentando a acumulação de lípidos no fígado e o risco de fibrose.
(29)
A importância dos fatores de risco genéticos no desenvolvimento e na gravidade da EHNA foi enfatizada por estudos que identificaram um maior risco de fibrose entre os familiares daqueles com diagnóstico de EHNA. (16) Esclarecer os fatores genéticos que resultam em diferentes subtipos de DFGNA pode levar a uma melhor previsão da progressão da doença e a tratamentos mais eficazes com base em fatores individualizados da doença. (16) Um amplo espetro de genes foi associado à DFGNA, (46) referindo de seguida os mais importantes. (Tabela 1)
O gene patatin-like phospholipase domain-containing 3 (PNPLA3), foi um dos primeiros genes associados ao aumento da esteatose hepática, DFGNA, EHNA, fibrose e consequentemente CHC. (47) Este gene codifica uma proteína de 481 aminoácidos, cujo papel não foi totalmente elucidado, podendo funcionar como hidrolase ou acetiltransferase,(48,49) e que regula a lipólise das gotículas lipídicas dos hepatócitos. (16) O polimorfismo single nucleotide rs738409 C>G causa uma substituição da isoleucina para metionina no codão 148 (I148M), (27) estando associada à esteatose hepática, não se sabe se devido a perda ou a ganho de função. (47) A sobreexpressão desta variante I148M, promove a acumulação de TGs, aumenta a síntese de ácidos gordos (AGs) e prejudica a hidrólise dos TGs. (50) A prevalência deste polimorfismo varia consideravelmente entre os diferentes grupos étnicos, com maior frequência em hispânicos e mais baixa em europeus e afro-americanos, (51) estando de acordo com as diferentes prevalências de DFGNA nos três grupos étnicos. (46) Outra variante do gene PNPLA3, que causa uma modificação de serina para isoleucina no codão 453 (S453I), foi identificada como sendo protetora da esteatose hepática e é muito observada na população afro- americana. (7)
O gene Transmembrane 6 Superfamily Member 2 (TM6SF2) codifica uma proteína transmembranar localizada no retículo endoplasmático (RE) e que funciona como transportadora de lípidos. (52) O polimorfismo single nucleotide rs58542926 C>T, que substitui o glutamato por lisina no codão 167 (E167K), causa perda de função da proteína dificultando o transporte das partículas pré – very low density lipoproteins (VLDL) e diminuição da secreção
de TGs. (4,46) Esta variante foi associada à esteatose, risco aumentado de fibrose avançada e cirrose. (4,53,54)
O gene Glucokinase Regulator (GCKR) produz uma proteína que controla a lipogénese de novo (LDN) e os níveis de glucose. (1,55) O polimorfismo rs1260326 neste gene também foi associado à DFGNA (56), pois causa uma substituição da prolina pela leucina no codão 446 (P446L), produzindo uma proteína com perda da função inibitória, levando ao aumento da atividade de glucocinase e aumentando a captação hepática da glicose. (57) Isto leva à diminuição dos níveis séricos de glicose, porém induz a síntese de malonil-CoA, um substrato da lipogénese hepática, causando a deposição de gordura no fígado e bloqueando a β-OX dos AGs. (46)
O gene Membrane Bound O-Acyltransferase Domain-Containing 7 (MBOAT7) produz uma proteína envolvida no metabolismo fosfolipídico. (1,55) O polimorfismo single nucleotide rs641738 C>T no locus Membrane Bound O-Acyltransferase Domain-Containing 7 / Transmembrane Channel-Like 4 (MBOAT7/TMC4) foi associado a danos hepáticos graves e ao aumento do risco de fibrose. (6,46)
O gene Diacylglycerol O-Acyltransferase (DGAT) codifica para uma enzima que catalisa a etapa final na síntese de TGs. (47,58) Esta enzima tem 2 isoformas, DGAT1 e DGAT2, sendo esta última encontrada principalmente no fígado. (47,58) Variações genéticas que causam sobrexpressão desta enzima levam a esteatose hepática. (47,58)
A apolipoproteína B-100 é uma proteína específica do fígado, crítica para a formação de VLDL.
(52) Deficiências nesta proteína (hipobetalipoproteinemia) aumentaram o risco de esteatose hepática. (59)
Tabela 1 – Polimorfismos genéticos associados à DFGNA (adaptado de (1,7,55))
Gene Função Polimorfismo
genético Associação à DFGNA
PNPLA3
Hidrolase ou acetiltransferase (Regula a lipólise das gotículas lipídicas dos
hepatócitos)
rs738409 I148M
↑ risco e severidade DFGNA (acumulação de TGs, aumenta a
síntese de AGs)
S453I ↓ risco e severidade DFGNA (protetora da esteatose hepática
TM6SF2 Regula transporte de lípidos nas partículas VLDL
rs58542926 E167K
Esteatose, risco aumentado de fibrose avançada e cirrose
GCKR
Inibidor da glucocinase (Controla a LDN e os níveis
de glucose)
rs1260326 P446L
↑ atividade de glucocinase e a captação hepática da glicose
(↑esteatose e ALT)
MBOAT7 Metabolismo fosfolipídico rs641738 Danos hepáticos graves e ↑ risco de fibrose
DGAT Catalisa a etapa final na
síntese de TGs - Esteatose hepática
Os fatores epigenéticos consistem em modificações que afetam a expressão dos genes e o fenótipo. (46) Diversas mudanças epigenéticas estão associadas com a patogénese da DFGNA causando alterações no metabolismo lipídico, resistência à insulina (RI), disfunção do RE e mitocôndria, stress oxidativo e inflamação. (60) As diferentes vias epigenéticas potencialmente envolvidas na DFGNA são a metilação do ácido desoxirribonucleico (DNA), modificação das histonas e alterações dos microRNAs (miRNAs). (46) (Figura 1)
Figura 1 - Fatores epigenéticos envolvidos na patogénese da DFGNA (adaptado de (46))
A metilação do DNA é um importante processo epigenético no desenvolvimento da DFGNA e progressão para EHNA. (61) Ocorre através de DNA methyltransferases (DNMTs) que catalisam a conversão da citosina em 5-metilcitosina (62), através da introdução de um grupo metilo, levando ao silenciamento do gene e aumentando a probabilidade de ocorrência de CHC.
(63) Embora a maioria das alterações epigenéticas sejam transitórias, a metilação do DNA pode ser herdada dos pais. (46) As modificações nas histonas, como as acetilações e desacetilações, podem proporcionar o desenvolvimento de RI e de DMT2, ambos associados à DFGNA. (63) Os miRNAs modulam a expressão génica através de mecanismos pós-transcricionais, regulando os principais processos celulares, como o metabolismo lipídico, inflamação, apoptose, crescimento e diferenciação celular. (46)
Nos últimos anos, foram identificados miRNAs desregulados que estão implicados na síntese de AGs, captação e armazenamento de TGs ou oxidação. (64) O miRNA-122, é o mais comum na DFGNA, regula negativamente a lipogénese hepática, diminuindo a produção de TGs. (65) A sua expressão está reduzida nos doentes com EHNA, influenciando o possível aparecimento e progressão desta patologia. (65) A expressão de miRNAs poderá auxiliar no diagnóstico precoce e na monitorização da doença. (46)
4.3 Fisiopatologia
A patogénese da DFGNA envolve a convergência de fatores do meio ambiente, do microbioma, do metabolismo, das comorbidades e dos fatores de risco genéticos (16), sendo considerada um
“multiple-hit process”. (66) Apesar da obesidade estar fortemente associada à esteatose hepática, o excesso de gordura corporal não é por si só uma condição para o desenvolvimento da DFGNA (29), mas a disfunção desse tecido adiposo é um fator implicado na patogénese desta patologia. (29) (Figura 2)
A primeira manifestação da DFGNA é a acumulação de TGs no fígado associada à RI. (66,67) A RI tem um papel crucial, aumentando a acumulação de gordura no fígado, pelo aumento dos ácidos gordos livres (AGLs). (4) A acumulação de gordura pode ter 3 origens, o aumento da ingestão de gordura pela dieta, o aumento do influxo de AGLs do tecido adiposo e o aumento da LDN devido à dieta com excesso de carboidratos ou à hiperinsulinemia consequência da RI.
(68,69) Se a secreção de VLDL e a β-OX não compensarem esse aumento, há um desequilíbrio entre a ingestão e o gasto de lípidos, levando a uma deposição de TGs e AGLs nos hepatócitos.
(70) Níveis aumentados de AGLs hepáticos induzem um aumento da lipogénese e
gliconeogénese. (47) Além disso, os AGLs podem contribuir para a inflamação, atuando como ligantes do toll-like receptor (TLR) 4 e induzindo a produção de citocinas. (71,72)
A insulina estimula o metabolismo da glicose e dos lípidos, promovendo a lipogénese e a glicogénese e diminuindo a gliconeogénese. (73) A RI leva à alteração do metabolismo dos carboidratos sem alteração na via metabólica dos lípidos (73) e a hiperinsulinemia resultante faz aumentar a LDN. (47)
A obesidade leva ao aumento da LDN, cujo produto final são os TGs que são armazenados em gotículas lipídicas. (74) A LDN é afetada por diversos fatores como a RI, dieta, fatores genéticos, células de Kupffer, que resultam num aumento dos TGs. (75) O fígado pode eliminar o excesso de TGs através da β-OX dos AGLs na mitocôndria ou da secreção de TGs na forma de VLDL. (76) Estas partículas VLDL são produzidas no RE rugoso hepático, transportadas para o complexo de Golgi onde sofrem maturação, sendo depois libertadas por exocitose. (76) Além do aumento da produção de TGs pelo aumento da LDN, verifica-se também a diminuição da oxidação dos AGLs e da secreção de VLDL. (76)
A obesidade leva também à disfunção do tecido adiposo que produz quantidades desreguladas de adipocinas. (77) As quimiocinas e citocinas inflamatórias como o tumor necrosis factor (TNF)-α e interleucina (IL) 6 e 8 estão aumentadas levando à RI. (78) A adiponectina, uma adipocina específica dos adipócitos, que regula a oxidação dos AGLs, evita a acumulação de gordura no tecido adiposo e fígado e regula a homeostase da glicose e a sensibilidade à insulina, está diminuída. (79,80) A leptina, outra adipocina que regula o apetite e aumenta o gasto de energia, está aumentada na obesidade, provavelmente devido a resistência. (81,82) A leptina promove a fibrogénese e a inflamação. (83,84)
A microbiota intestinal é constituída por bactérias que contribuem para o normal funcionamento do trato gastrointestinal e por uma barreira íntegra que impede a passagem de bactérias e substâncias nocivas. (85,86) Quando esta barreira é colocada em causa, dá-se um aumento da permeabilidade e a disbiose, possibilitando a passagem de bactérias para o fígado através da circulação portal, causando inflamação. (85–87) Há também o aumento da absorção intestinal de múltiplos produtos bacterianos, como AGs de cadeia-leve, lipopolissacáridos (LPS) e endotoxinas. (29) Esta desregulação leva a alterações metabólicas como obesidade, DMT2, DFGNA e EHNA. (86)
Figura 2 - Fatores que influenciam o aparecimento do FGNA (adaptado de (47))
A EHNA desenvolve-se devido a vários fatores e acontecimentos que serão referidos de seguida. (Figura 3)
A lipotoxicidade é um amplo termo que abrange o dano e morte celular, causado pelos AGs e intermediários. (88) A oxidação dos AGLs leva à produção de espécies reativas de oxigénio (ROS) que são geralmente eliminadas através de vias antioxidantes. (89) Na EHNA, estas vias podem estar saturadas rapidamente, causando stress oxidativo, que por sua vez pode levar a danos hepáticos, como a inflamação, fibrose e necrose. (47) Os compostos lipotóxicos originam não só stress oxidativo e disfunção mitocondrial, mas também stress do RE. (90) Quando uma célula não consegue resolver o stress do RE, desencadeia vias apoptóticas. (91)
O fígado tem macrófagos residentes denominados de células de Kupffer (CK), que desempenham um papel na progressão para EHNA. (47) Quando ativadas, as CK apresentam 2 fenótipos, o subtipo M1 pró-inflamatório e o subtipo M2 anti-inflamatório. (75) A obesidade induz uma mudança fenotípica das CK M2 para a polarização M1 pró-inflamatória. (92) A polarização para o fenótipo M1 pode levar ao aumento da esteatose, devido ao aumento da atividade da enzima que converte diacilglicerol em TGs (93) e à inibição da β-OX dos AGLs.
(94) Além disso, o fenótipo M1 produz várias citocinas como a IL1b, IL2 e TNFα (95,96), que recrutam células pró-inflamatórias propagando a inflamação local. (46)
As células estreladas hepáticas (CEH) estão dormentes no fígado, sendo ativadas por inflamação, promovendo a fibrose. (96) A ativação das CK do tipo M1 leva ao recrutamento das CEH, através das citocinas libertadas (96), que se diferenciam em miofibroblastos. (97) Os
miofibroblastos causam fibrogénese e levam à secreção de mais citocinas pró-inflamatórias, produzindo inflamação e fibrose hepática. (97)
Figura 3 – Fatores que contribuem para o progresso de FGNA para EHNA (adaptado de (47))
4.4 Sinais e sintomas
A DFGNA tem diferentes taxas de progressão e manifestações clínicas entre os indivíduos. (16) A maioria dos doentes são diagnosticados pela deteção dos níveis de enzimas hepáticas aumentados. (98) A DFGNA é frequentemente descrita como assintomática sem outcomes clínicos relevantes durante décadas, podendo apresentar sintomas inespecíficos como fadiga ou dor abdominal vaga no lado superior direito, progredindo sem ser detetada. (16,17) A maioria das vezes é identificada acidentalmente num exame para condições não relacionadas (17), podendo apresentar hepatomegalia ou inchaço no quadrante superior direito. (98) Em análises ao sangue, os níveis de aspartato aminotransferase (AST) ou alanina aminotransferase (ALT) podem estar elevados. (98) A relação AST:ALT é tipicamente menor que 1, permitindo diferenciar entre DFGNA e doença de fígado gordo alcoólico (DFGA). (98) A fosfatase alcalina e a γ-glutamiltransferase (GGT) podem estar elevadas, mas não tanto como na DFGA. (98) No entanto, estes marcadores não são específicos da DFGNA ou de doenças hepáticas. (29) Na presença de cirrose, pode ser detetado um aumento da bilirrubina e da albumina. (98)
4.5 Diagnóstico
O diagnóstico geralmente é feito por acaso, pois a grande maioria dos doentes são assintomáticos e costumam ter perfis laboratoriais normais. (16) A DFGNA é suspeitada quando há presença de comorbidades metabólicas. (16) A avaliação clínica envolve uma história detalhada do consumo de álcool, exame dos fatores de risco metabólicos pessoais e familiares, histórico da medicação e teste sorológico. (7)
O diagnóstico inicial de DFGNA é normalmente estabelecido com técnicas de imagem radiológica, pela presença de 5% de esteatose no fígado na ausência de outras causas de fígado gordo como álcool, vírus, drogas e fármacos ou autoimunidade. (29) A esteatose hepática pode ser identificada de forma confiável e não invasiva por exames de imagem, incluindo ultrassom, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). (16) O ultrassom é a forma mais prática de avaliar a esteatose, devido ao seu baixo custo, disponibilidade e segurança. (66) Uma das suas principais limitações é a sensibilidade e especificidade limitadas para diagnosticar e quantificar a esteatose hepática. (66) Um estudo envolvendo doentes com EHNA mostrou que o ultrassom não diagnosticou 22% dos casos de esteatose. (99) A TC sem contraste pode detetar a esteatose, mas tem menor sensibilidade do que o ultrassom, expõe os doentes à radiação e tem potencial para diagnóstico incorreto, por isso é menos utilizada. (100) A RM é o método mais sensível para a avaliação da esteatose hepática, com capacidade de detetar até 3% de esteatose, mas é significativamente mais cara do que o ultrassom. (100)
Ainda assim, nenhum destes métodos de imagem permite diferenciar FGNA de EHNA. (17) Os critérios para o diagnóstico histológico de EHNA incluem esteatose e lesão de hepatócitos, geralmente na forma de inchaço e/ou inflamação lobular e corpos de Mallory-Denk, (39,101) sendo que a presença de fibrose não é necessária. (39) O diagnóstico de EHNA requer biópsia hepática (16), considerada o gold standard sendo capaz de diferenciar esteatose de EHNA. (11) No entanto, não é recomendada como rotina, pois apesar de habitualmente ser bem tolerada, pode ser dolorosa e levar a hemorragia, infeção, extravasamento de bílis, danos em outros órgãos e raramente à mortalidade. (17) As diretrizes atuais da sociedade da American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) recomendam a realização de biópsia em doentes com DFGNA que apresentem risco aumentado de esteatohepatite e/ou fibrose avançada. (13) Doentes de alto risco incluem aqueles com doença metabólica coexistente (hipertrigliceremia, obesidade, dislipidemia, síndrome metabólica, hipertensão e DMT2), aminotransferases elevadas, em particular ALT elevada em relação à AST, idade avançada (>
Testes não invasivos para predizer fibrose podem ajudar a identificar indivíduos de baixo risco e limitar o número dos submetidos a biópsia. Estes sistemas não invasivos de pontuação histológica são usados para graduar e estadiar a EHNA. (39) Os sistemas mais usados são o NAFLD Fibrosis Score (NFS) e o índice de fibrose 4 (FIB-4). (100) O NFS é utilizado na DFGNA, e é calculado com uma fórmula que utiliza parâmetros clínicos como a idade do doente, IMC, glicose em jejum, razão AST:ALT, nível de albumina e contagem de plaquetas.
(102) O índice FIB-4, que prevê a fibrose com base na idade, ALT, AST e contagem de plaquetas, foi validado para utilização na tanto no FGNA como na EHNA. (103,104) Este índice teve um desempenho tão bom ou melhor do que o NFS para a fibrose avançada. (100,104) O NAFLD Activity Score (NAS), utilizado em ensaios clínicos para verificar se existe melhoria histológica pós-fármaco, representa a soma das pontuações da esteatose, balonismo e inflamação lobular. (39) A pontuação varia de 0 a 8, com um score NAS de 0–2 não considerado diagnóstico de EHNA e de 5–8 considerado EHNA. (39)
Muitos biomarcadores não invasivos foram propostos para o diagnóstico de EHNA e fibrose, (18) mas nenhum é amplamente utilizado ou aceite. (17) As enzimas hepáticas não são precisas.
Os níveis elevados de ALT são marcadores comuns da DFGNA e EHNA, no entanto, níveis normais de ALT não impendem a existência da doença, (17) pois as enzimas hepáticas podem ser normais em até 80% dos doentes com DFGNA. (6) O grau em que as aminotransferases estão elevadas não se correlaciona com o diagnóstico de EHNA, gravidade da fibrose ou gravidade da inflamação. (105,106)
Outro biomarcador, são as concentrações circulantes de fragmentos de citoqueratina 18 (CK18).
(18) Estes foram propostos como os preditores mais confiáveis de EHNA. (18) CK18 é um filamento intermediário de hepatócitos que é clivado por caspases durante a apoptose, cujos níveis séricos são elevados em doentes com EHNA. (7) Embora este teste discrimine FGNA de EHNA, não está disponível comercialmente em muitos países, limitando o seu uso prático. (7) Estão a ser avaliados em ensaios clínicos (EC), biomarcadores séricos promissores e várias técnicas de imagem com o objetivo de tentar evitar a necessidade de biópsia para o diagnóstico de EHNA. (16)
4.6 Tratamento
O objetivo terapêutico da DFGNA é a resolução da EHNA, diminuição da progressão para doença avançada, como a cirrose e CHC e diminuição da mortalidade. (8,13) A diminuição/resolução da fibrose é o objetivo mais difícil de alcançar. (107)
Até ao momento não existe nenhum medicamento com aprovação da Agência Europeia do Medicamento (EMA) ou da Food and Drug Administration (FDA) para a DFGNA ou EHNA (11), apesar do número crescente de EC com potenciais fármacos para estas doenças. (108) A perda de peso e redução dos fatores de risco através da modificação do estilo de vida são a primeira indicação para doentes com DFGNA. (39,108) Por múltiplas razões sociais, psicológicas, físicas, genéticas e epigenéticas, é difícil adotar e manter essas alterações, sendo normalmente não sucedidas. (109,110) Apenas 10-20% dos doentes conseguem alcançar uma perda de peso de peso ≥ 5%, quantidade necessária para melhorar a esteatose hepática. (111) Para melhoria dos níveis de fibrose é necessária uma perda de peso ≥ 10%. (111) A perca de peso deve ser gradual, pois se for muito rápida pode agravar a esteatohepatite e aumentar o risco de insuficiência hepática. (27) Quando não se alcança os objetivos através da modificação do estilo de vida é recomendada a adição de medidas farmacológicas. (8) A terapêutica farmacológica é útil também para doentes com EHNA e fibrose grave. (111)
4.6.1 Medidas não farmacológicas 4.6.1.1 Alterações na dieta
Manipular a composição da dieta e os padrões alimentares é uma boa abordagem para o tratamento da DFGNA. Alguns alimentos foram associados ao desenvolvimento e progressão da doença. (112) Dietas ricas em sacarose e frutose são a principal causa de obesidade, RI e desenvolvimento de DFGNA (113) O consumo de café e chá pode ter um efeito benéfico na DFGNA, incluindo na fibrose hepática, devido aos seus efeitos hepato e cardioprotetores, embora sejam necessários mais estudos para chegar a conclusões mais seguras. (114)
As dietas ricas em carboidratos estão associadas à esteatose hepática, pois podem aumentar a LDN e causar obesidade, um dos principais fatores de risco da DFGNA. (9,31) Estão também relacionadas com o desenvolvimento da RI. (115) A simples redução dos carboidratos na dieta pode ser uma estratégia eficaz para a prevenção e o tratamento desta patologia. (9) A restrição calórica reduz a glicose, melhora a RI e a secreção de insulina pelas células β pancreáticas.
(116) Esta dieta reduz os níveis de TGs e glicose e aumenta os níveis de high density lipoprotein (HDL). (117) É recomendada a ingestão total de 1200-1500 kcal/dia para mulheres e 1500- 1800 kcal/dia para homens. (118)
A qualidade e o tipo de carboidrato também influenciam o desenvolvimento e a progressão da DFGNA. (119) O índice glicémico (IG) é uma medida quantitativa do conteúdo de carboidratos de um alimento; alimentos com IG alto causam um rápido aumento da glicose no sangue, enquanto alimentos com baixo IG resultam num aumento gradual da glicose. (120) O consumo de carboidratos de alto IG está associado a RI. (9) Por outro lado, o consumo regular de alimentos com baixo IG está associado à redução do risco de doenças metabólicas, incluindo diabetes, DCV e DFGNA. (121)
As dietas ricas em gorduras têm diferentes efeitos dependendo da sua composição. (122,123) Ácidos gordos saturados (AGS) estimulam a obesidade e a esteatose hepática, (124) enquanto os ácidos gordos polinsaturados (PUFA) aumentam a sensibilidade à insulina e melhoram a esteatose hepática. (125) Assim, uma dieta rica em ácidos gordos ómega-3 (AG-ω3) promove a β-OX dos AGs, reduz os TGs, aumenta a sensibilidade à insulina (126) e melhora a esteatohepatite. (27,127,128)
A dieta mediterrânea é a dieta recomendada pela European Association for the Study of the Liver (EASL), European Association for the Study of Diabetes (EASD) e European Association for the Study of Obesity (EASO) como terapia potencial para doentes com DFGNA. (13) Esta dieta é caracterizada por frutas e vegetais frescos, cereais não refinados, azeite e nozes, substituindo a carne vermelha por peixes, carnes brancas e legumes, limitando o consumo de doces e consumindo moderadamente álcool na forma de vinho tinto. (9,66) A dieta mediterrânea é rica em ácidos gordos monoinsaturados (MUFA), PUFA, principalmente os AG-ω3, polifenóis, vitaminas e carotenoides, com efeitos protetores anti-inflamatórios e antioxidantes. (30,66) Esta dieta mostrou melhorar a sensibilidade à insulina, reduzir o peso e diminuir o risco de obesidade, DMT2, DCV e cancro. (66,129,130)
Outras estratégias dietéticas, como dietas paleolíticas, cetogénicas, com alto teor de proteínas, baseadas em vegetais e de jejum intermitente, tornaram-se cada vez mais populares devido aos seus benefícios nas doenças metabólicas e têm sido estudadas para esta patologia. (15)
4.6.1.2 Prática de exercício físico
Os indivíduos obesos, com SM e DMT2 apresentam um maior comportamento sedentário.
(131) A atividade física regular reduz o risco de desenvolver DFGNA e EHNA, (111) sendo recomendada por ser um fator determinante do controlo metabólico. (132) O exercício reduz também o risco de DMT2, hipertensão e SM. (133,134) Independentemente da perda de peso, há uma redução da esteatose, do tecido adiposo visceral e dos AGLs, aumentando a sensibilidade à insulina. (111,135,136)
As diretrizes propõem uma combinação de treino aeróbio e de resistência, sendo que a EASL, EASD e EASO recomendam 150-200 minutos por semana divididos em 3-5 sessões. (13) Em doentes com EHNA, os marcadores de gravidade de doença diminuem após 200 minutos por semana de atividade física moderada durante 48 semanas associada a uma dieta equilibrada.
(137) São preferíveis exercícios de baixa/moderada intensidade e prolongada duração, pois há uma maior utilização dos AGLs como substrato de energia. (3)
Recomenda-se que a escolha tanto da dieta como do exercício deve ser adaptada de acordo com as preferências individuais, aumentando a probabilidade de manutenção a longo prazo. (13)
4.6.1.3 Cirurgia bariátrica
A perda de peso necessária para a melhoria histológica da EHNA é difícil de alcançar e mais difícil de manter. Se a combinação de modificação do estilo de vida e farmacoterapia falhar, a cirurgia bariátrica (CB) pode ser considerada, pois é eficaz na perda de peso podendo ser um potencial método de tratamento da DFGNA e EHNA. (39) A EASL, EASD e a EASO indicam que a CB, ao melhorar a obesidade e diabetes, reduz a esteatose hepática, muito provavelmente diminui a progressão da EHNA e previne o transplante de fígado em alguns doentes. (17,39) Esta cirurgia ajuda a melhorar o metabolismo lipídico e da glicose e diminui a RI, através da restrição física da ingestão de alimentos. (8)
As diretrizes indicam que a CB só deve ser considerada em indivíduos com IMC ≥ 40 kg/m2 ou com IMC ≥ 35 kg/m2 e comorbilidades associadas que não respondem às alterações do estilo de vida nem farmacoterapia e que não tenham cirrose, pois pode aumentar o risco de insuficiência hepática em doentes cirróticos. (8,13,138,139) O Roux-en-Y Gastric Bypass, um método que combina a restrição de volume e má absorção, (30) é a CB mais estudada em EC da EHNA. (39) O risco de morte por DCV é reduzido após a CB, e vários estudos mostraram
níveis de ALT, AST e GGT. (141) É necessário cuidado, pois a perda de peso rápida pode ser prejudicial para o fígado levando a mais inflamação e fibrose. (30,142)
4.6.1.4 Transplante hepático
Doentes com DFGNA descompensada em estadio terminal devem ser considerados para transplante hepático. (27) No entanto, esta não é uma cura permanente, havendo recorrência após transplante, (143) pois este método não corrige as alterações multifatoriais responsáveis pelo desenvolvimento da DFGNA/EHNA. (27) Assim, os objetivos antes e após transplante devem ser o controlo do peso e do estilo de vida, através da dieta e exercício. (27)
4.6.2 Medidas farmacológicas
Os doentes em que as alterações do estilo de vida não foram eficazes ou que tenham doença mais avançada, necessitam de medidas farmacológicas. (Figura 4) Estas têm como objetivo melhorar a inflamação, fibrose hepática e esteatohepatite. (144) Atualmente, não existem tratamentos farmacológicos específicos com eficácia comprovada para DFGNA. (30,111) Assim, o tratamento foca-se nas comorbilidades como DMT2, dislipidemia, hipertensão e outros parâmetros da SM, com o objetivo de reduzir a RI e melhorar a função hepática. (30,111) O envolvimento de várias vias na patogénese destas doenças sugere que um único agente terapêutico poderá não ser eficaz. (27) Assim, devemos seguir uma abordagem multidisciplinar no tratamento da DFGNA, onde uma combinação de medicamentos é considerada para combater os múltiplos fatores de risco envolvidos. (27)
Figura 4 – Alvos terapêuticos para a DFGNA/EHNA (adaptado de (26,145))
4.6.3 Fármacos modificadores do metabolismo
Os alvos metabólicos podem ser utilizados para o tratamento da DFGNA/EHNA com o objetivo de reduzir a chegada de substratos metabólicos ao fígado ou para facilitar a sua eliminação. (16) 4.6.3.1 Inibidores da stearoyl-CoA desaturase-1
A Stearoyl-CoA desaturase-1 (SCD1) é uma enzima que catalisa a etapa limitante da síntese de MUFA, (146) localizada no RE. (2) Indivíduos obesos com EHNA parecem ter maior atividade desta enzima. (147) A inibição da SCD1 leva a uma redução da esteatose hepática e da RI, diminuindo a lipogénese e aumentando a oxidação de AGs. (148–153)
O aramchol, um fármaco inibidor da SCD1, é uma molécula lipídica sintética formada pela conjugação de um ácido biliar (ácido cólico) e de um ácido gordo (ácido eiconasóico). (26) Num EC de fase II (NCT01094158), 60 doentes com DFGNA comprovada por biópsia receberam 100mg/dia ou 300 mg/dia de aramchol ou placebo durante 12 semanas. (153) No grupo que recebeu 300mg/dia foram verificadas reduções na esteatose hepática medidas por RM, mas nenhuma redução nos níveis de ALT. (153) Outro EC de fase IIB, (NCT02279524) com 247 participantes, testou 400 mg/dia ou 600 mg/dia durante 52 semanas e verificaram-se
reduções na esteatose hepática, ALT e melhoria da histologia. (58) Foi iniciado um EC internacional de fase III (NCT04104321) que se encontra a recrutar participantes. (58)
4.6.3.2 Agonistas do farnesoid X receptor
O Farnesoid X receptor (FXR) é um recetor nuclear que regula as vias metabólicas, como a homeostase da glicose e os processos inflamatórios e fibrogénicos. (132) O FXR é expresso no fígado, rins, intestinos e glândulas suprarrenais, regula negativamente a síntese do ácido biliar e diminui a gliconeogénese hepática, lipogénese e esteatose. (154,155) Quanto maior for a gravidade da EHNA, menor é a expressão hepática deste recetor. (156) Os agonistas sintéticos que ativam o FXR aumentam a sensibilidade à insulina e apresentam efeitos anti-inflamatórios e anti fibróticos. (16)
O primeiro fármaco desta classe é o ácido obeticólico (OCA), uma variante sintética do ácido biliar natural quenodeoxicólico. (26) O OCA foi analisado num EC de fase II (NCT01265498), em 283 participantes com DFGNA ou EHNA, através da administração de 25 mg/dia de fármaco ou placebo durante 72 semanas. Neste estudo demonstrou aumentar a perda de peso, melhorar a histologia hepática e a inflamação, sem agravar a fibrose. (157) Apesar disso, causou prurido e aumentou o colesterol total, low density lipoprotein (LDL) e HDL, mas este aumento era revertido com a utilização de estatinas (132,158), como demonstrado no EC NCT02633956.
Devido ao sucesso do estudo anterior foi iniciado outro EC, de fase III (NCT02548351), com 2480 participantes, em que se administra 10 mg/dia ou 25 mg/dia de OCA ou placebo. Este ensaio ainda se encontra a decorrer, mas os resultados do endpoint primário mostraram uma redução da EHNA sem piorar a fibrose. (58)
4.6.3.3 Ácido ursodesoxicólico
O ácido ursodesoxicólico (AUDC) é um fármaco com propriedades hepatoprotetoras e que foi estudado em vários EC de tratamento da DFGNA. (27) Um EC randomizado em que 166 participantes com EHNA receberam 13 mg/kg/dia ou 15 mg/kg/dia de AUDC ou placebo durante 2 anos, concluiu que as mudanças existentes nos grupos de tratamento não foram muito diferentes das do grupo placebo. (159) Ainda assim, alguns estudos sugerem que doses mais altas podem mostrar efeito favorável. (26) Atualmente não é recomendado nas diretrizes como tratamento da EHNA em monoterapia, podendo fazer parte de regimes de combinação de fármacos. (26,27)
4.6.3.4 Agonistas dos peroxisome proliferator-activated nuclear receptors
Os peroxisome proliferator-activated nuclear receptors (PPAR) são um grupo de recetores nucleares que regulam diversos processos metabólicos como a β-OX, transporte de lípidos e gliconeogénese. (160) São classificados em 3 isotipos, PPARα, PPARβ (ou PPARδ) e PPARγ que diferem na sua distribuição nos tecidos, mas têm como alvo o mesmo segmento de DNA.
(132)
O PPARα é expresso principalmente no fígado (27), onde regula positivamente várias enzimas envolvidas na oxidação dos AGs (161), aumentando a captação mitocondrial e a β-OX dos AGLs. (1) Os agonistas do PPARα, como os fibratos, são amplamente utilizados no tratamento da dislipidemia, mas não foi demonstrado nenhum benefício significativo na DFGNA. (2) O PPARγ é expresso maioritariamente no tecido adiposo (58) e a sua ativação tem efeitos sensibilizadores hepáticos e periféricos da insulina e anti-inflamatórios, (1) através do aumento dos níveis plasmáticos de adiponectina. (162) Os agonistas do PPARγ, tiazolidinedionas (TZDs) ou glitazonas, são muito utilizados no tratamento da DMT2 (2), mas também mostraram ser eficazes na EHNA. (163)
A pioglitazona, uma TZD de segunda geração não hepatotóxica, foi estudada num EC de fase III (NCT00063622), com 247 participantes, em comparação com a vitamina E e o placebo, durante 96 semanas. (2) Neste estudo houve uma diminuição significativa da ALT, AST, esteatose hepática e inflamação lobular nos grupos da pioglitazona e vitamina E comparado com o placebo, não havendo grandes diferenças na fibrose. (2) Apesar de ter mostrado reduzir a histologia, não atingiu o objetivo do estudo. (2) A utilização generalizada de glitazonas é restrita devido aos efeitos adversos, como o aumento do risco de eventos cardiovasculares (26), cancro da bexiga (164), cancro da próstata, cancro do pâncreas e fraturas ósseas em mulheres, aumento do peso corporal e retenção de líquidos. (26)
O PPARδ é expresso principalmente no músculo e regula positivamente o metabolismo oxidativo. (132) Devido à sua presença nos macrófagos, diminui a ativação destes e das CK e aumenta a oxidação dos AGs. (165) O seladelpar, agonista do PPARδ, foi analisado num EC de fase II (NCT03551522) em 181 doentes com EHNA, através da administração de 10 mg/dia, 20 mg/dia ou 50 mg/dia de fármaco ou placebo durante 52 semanas. (58) Neste ensaio demonstrou reduzir a ALT, o colesterol LDL, mas não reduziu a esteatose hepática. (58) O fármaco elafibranor (GFT505) é um agonista do PPARα e PPARδ e foi analisado num EC
ou placebo, em 270 participantes com EHNA, durante 52 semanas. (166) Neste estudo verificou-se uma diminuição da inflamação hepática, sem piorar a fibrose (27), havendo resolução da EHNA nos indivíduos com doença mais grave que receberam a dose mais alta.
(167) Estes resultados levaram à realização de outro EC de fase III (NCT02704403) que avaliou o elafibranor em 2157 doentes com EHNA e fibrose, através da administração de 120 mg do fármaco ou de placebo. Este ensaio estava previsto acabar em dezembro de 2021, mas terminou mais cedo por não cumprir com os endpoints primários.
O fármaco saroglitazar é um agonista do PPARα e PPARγ e foi analisado num EC de fase II (NCT03061721), em 106 participantes com DFGNA e EHNA, através da administração de 1 mg/dia, 2 mg/dia, ou 4 mg/dia de fármaco ou de placebo durante 16 semanas. Neste estudo demonstrou reduzir a esteatose e os níveis de ALT (132), mas ainda são necessários mais EC para confirmar estes resultados. (2)
O lanifibranor (IVA337) é um agonista dos três recetores PPAR (pan-PPAR) avaliado num EC de fase IIB (NCT03008070) com 247 participantes, através da administração de 800 mg/dia ou 1200mg/dia do fármaco ou de placebo durante 24 semanas. Os resultados ainda não foram publicados. (58)
4.6.3.5 Antagonistas dos C-C chemokine receptor types 2 and 5
Os C-C chemokine receptor types 2 and 5 (CCR2) e (CCR5) são recetores de quimiocinas, expressos principalmente em células do sistema imunológico, como monócitos, macrófagos, CK, natural killer cells e células T, que estimulam as CEH, promovendo a fibrose. (27) A inibição destes recetores leva, portanto à diminuição da fibrose.
Estes recetores podem ser inibidos pelo cenicriviroc (CVC), um antagonista do CCR2 e 5, que foi desenvolvido para diminuir a inflamação, mas também tem efeitos anti fibróticos e melhora a sensibilidade à insulina. (26) Num EC randomizado de fase IIB (NCT02217475) com 289 participantes, o CVC mostrou reduzir a fibrose após um ano de tratamento com 150 mg/dia.
(168) Após 2 anos de tratamento os resultados não foram significativamente diferentes entre o grupo tratamento e o grupo placebo. (16) Dois EC de fase II (NCT03059446) e de fase III (NCT03028740) terminaram mais cedo devido à falta de eficácia demonstrada na parte I do estudo AURORA, e ainda não apresentaram resultados. (26)
4.6.3.6 Análogos do glucagon-like peptide
O glucagon-like peptide (GLP)-1 é uma hormona intestinal produzida pelas células L, libertada em resposta aos ácidos biliares, (58) que estimula a secreção de insulina e inibe a secreção de glucagon. (16) Além dos efeitos anti-glicémicos, também retarda o esvaziamento gástrico, diminui o apetite e aumenta a sensibilidade à insulina. (2,132) A secreção de GLP-1 está diminuída na DFGNA e EHNA, podendo os seus análogos ser estratégias terapêuticas favoráveis. (169) O GLP-1 endógeno tem um tempo de semi-vida curto, pois é rapidamente degradado pela enzima dipeptidyl peptidase-4 (DPP-4), (132) mas os análogos sintéticos têm maior resistência a esta enzima. (170)
Os análogos do GLP-1 (exenatido, liraglutido, lixisenatido, dulaglutido, albiglutido e semaglutido) são muito utilizados no tratamento da DMT2, (171) mas também demonstraram benefícios nos doentes com EHNA, como redução dos níveis de ALT, da esteatose e fibrose.
(2) Os principais efeitos adversos desta classe são gastrointestinais, como náuseas, vómitos, diarreia, obstipação, dispepsia, dor abdominal, flatulência e distensão abdominal. (8)
O liraglutido foi analisado num EC de fase II em 52 participantes com EHNA, através da administração subcutânea (SC) de 1,8 mg/dia de fármaco ou placebo durante 48 semanas. (172) Neste estudo demonstrou ser mais eficaz na perda de peso, diminuição da esteatose e da progressão da fibrose do que o placebo. (173) Também aumentou a sensibilidade à insulina, reduziu a produção de glicose e a lipogénese, (27) apesar do número de indivíduos ser pequeno.
(58) Noutro EC de fase IV (NCT03068065) com 87 participantes, comparou-se o liraglutido com a metformina e glicazida em doentes com DFGNA e DMT2 durante 6 meses. (174) Neste ensaio os 3 fármacos reduziram a esteatose hepática, mas o efeito do liraglutido foi maior do que a glicazida. (174)
O semaglutido foi analisado num EC de fase II (NCT02970942), com 320 participantes, através da administração SC de 0,1 mg/dia, 0,2 mg/dia, 0,4 mg/dia de fármaco ou placebo durante 72 semanas. (26) Neste estudo demonstrou reduzir o peso, lípidos e hemoglobina glicada (HbA1c), apesar de não ter havido alterações na fibrose quando comparado com o placebo. (26) Com base nestes resultados, foram iniciados diversos ECs de fase 2 (NCT03987451 e NCT04216589) e fase 3 (NCT04822181), que ainda não estão terminados.
4.6.3.7 Inibidores da dipeptidyl peptidase-4
O GLP-1 sofre degradação rápida pela enzima DPP-4. Os doentes com EHNA têm maior expressão de DPP-4 (27), sendo que os inibidores desta enzima prolongam a ação do GLP-1.
(2)
Um desses fármacos é a sitagliptina que mostrou diminuir a esteatose hepática e os níveis de transaminases séricas em doentes com DFGNA e diabetes. (175,176) Num EC randomizado de fase II (NCT01963845), com 50 participantes em que se administrou 100 mg/dia de sitagliptina ou placebo, a sitagliptina não mostrou ser mais eficaz que o placebo a melhorar a esteatose e fibrose hepática. (177) Outro EC que comparava a sitagliptina com placebo também não revelou melhorar o score NAS ou de fibrose após 24 semanas de tratamento. (178)
São necessários mais estudos para confirmar totalmente a eficácia clínica desta classe terapêutica e apesar da falta de evidência até agora, a sua eficácia não pode descartada. (2)
4.6.3.8 Agonistas dos recetor β da hormona da tiroide
O recetor β da hormona da tiroide (THR β) é o recetor hepático da tiroxina (T4), expresso nas células hepáticas que regula as vias metabólicas e a excreção do colesterol pela bílis. (26,179) Fármacos tendo como alvo o THR-β, mostraram reduzir os lípidos séricos e hepáticos, melhorar a sensibilidade à insulina, promovendo a regeneração do fígado. (132,180)
O resmetirom (MGL-3196), um agonista seletivo do THR-β, foi avaliado num EC de fase IIA (NCT02912260), com 125 participantes durante 36 semanas, através da administração de 80 mg/dia deste fármaco ou de placebo. Neste ensaio demonstrou melhorar a histologia hepática e diminuir os lípidos e a ALT após 12 e 36 semanas de tratamento. (178,179) O facto de ser seletivo para a THR-β dá-lhe os benefícios metabólicos, evitando os efeitos indesejáveis no coração e nos ossos, mediados principalmente pela THR-α. (179) Os efeitos adversos deste fármaco foram leves ou moderados, com alta frequência de ocorrência de diarreia e náuseas.
(180) Com base nestes resultados, foi iniciado um EC de fase III (NCT03900429) que se encontra a recrutar participantes. (58)
Outro agonista do THR-β, VK2809, é um pró-fármaco que foi estudado num EC de fase IIA (NCT02927184), com 59 participantes, em que se administrou 5 mg ou 10 mg de fármaco ou placebo durante 12 semanas. Neste ensaio demonstrou melhorar o colesterol LDL e diminuir a esteatose hepática. (180) Em todas as doses estudadas, VK2809 foi seguro e bem tolerado e
nenhum efeito adverso foi relatado entre os doentes. (180) Foi iniciado um EC de fase IIB (NCT04173065) que se encontra a recrutar participantes. (58)
4.6.3.9 Inibidores da acetyl-CoA carboxylase
A acetyl-CoA carboxylase (ACC) é uma enzima que regula a conversão de malonil-CoA em acetil-CoA. (181) O malonil-CoA é um regulador do metabolismo dos AGs, promovendo a síntese de AGs e inibindo a β-OX. (26,181) A inibição da ACC impede a síntese de AGs e promove a sua oxidação, reduzindo a LDN. (16,27) Assim, os inibidores da ACC podem potencialmente melhorar a EHNA. (16)
Um inibidor da ACC1/2, firsocostat (GS-0976), foi avaliado num EC de fase II (NCT02856555), com 127 participantes durante 12 semanas, através da administração de 5 mg/dia ou 20 mg/dia deste fármaco ou de placebo. Neste ensaio demonstrou melhorar a esteatose hepática e marcadores da fibrose e apoptose numa proporção dependente da dose.
(182) Outro inibidor ACC1/2, PF-05221304, também demonstrou diminuir substancialmente a LDN em EC iniciais (183) e melhorou os níveis de ALT após um aumento transitório. (58)
4.6.3.10 Análogos dos fatores de crescimento dos fibroblastos
A família dos fatores de crescimento dos fibroblastos (FGF) inclui 2 péptidos libertados no sangue, o FGF19 e FGF21. (58) Os FGF podem atuar como hormonas autócrinas, parácrinas ou endócrinas (184), e a dua secreção é promovida através da ativação do FXR pelo ácido biliar.
(27) A sua ação leva à diminuição da síntese de ácido biliar e a gliconeogénese. (27)
O FGF19 é uma hormona libertada pelo intestino, que regula a síntese de ácido biliares e o metabolismo da glucose e lípidos. (184) Ao ligar-se ao recetor FGFR4 na membrana do hepatócito, suprime a gliconeogénese e promove a síntese de glicogénio (2) Os seus efeitos pro- tumorigénicos e proliferativos foram evitados com o desenvolvimento de análogos recombinantes. (16)
A aldafermina (NGM282), um análogo do FGF19 sem atividade mitogénica, foi analisado em doentes com EHNA num EC de fase II (NCT02443116), com 254 participantes, através da administração SC do fármaco ou do placebo durante 24 semanas. (185) Neste estudo demonstrou reduzir a esteatose hepática (58), níveis de ALT, balonismo e fibrose (186), diminuir a síntese de ácido biliar e a gliconeogénese. (27) A administração deste fármaco levou